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A insustentabilidade em trânsito

RESENHA BOOK REVIEW

A insustentabilidade em trânsito* * VEIGA, J. E. da. O Mundo em Transe: do aquecimento global ao ecodesenvolvimento. São Paulo: Autores Associados,2009. 118 p. ISBN 978-85-62019-07-4.

Diego Pereira Lindoso

Professor titular do Programa de Pós-graduação do Instituto de Relações Internacionais e da Faculdade de Economia da Universidade de São Paulo - USP

Autor para correspondência Autor para correspondência: Diego Lindoso Centro de Desenvolvimento Sustentável, Universidade de Brasília - UnB, Campus Universitário Darcy Ribeiro, Gleba A, Bloco C, Av. L3 Norte, Asa Norte CEP 70904-970, Brasília, DF, Brasil E-mail: diegoplindoso@gmail.com

O livro O mundo em Transe: do aquecimento global ao ecodesenvolvimento foi estrategicamente lançado na mesma semana em que o mundo voltava seus olhos para as negociações da 15º Conferência das Partes da Convenção Quadro das Nações Unidas sobre o Clima, realizada em Copenhague em Dezembro de 2009. Na obra, Veiga amplia o debate, apresentando como principais desafios impostos ao desenvolvimento sustentável: i) o dilema entre crescimento econômico e os limites ambientais; e ii) a construção de instrumentos de avaliação capazes de mensurar a sustentabilidade. A necessidade da descarbonização da economia mundial é a questão ambiental escolhida pelo autor para empreender sua argumentação. Fica implícito que o risco das mudanças climáticas configura uma oportunidade para o trânsito rumo a uma sociedade sustentável, na qual uma boa governança global encontra terreno fértil para se estabelecer. Para tal, o autor recorre a diversos relatórios e documentos (governamentais e de organismos internacionais), artigos científicos e autores clássicos da economia ecológica (Herman Daly e Nicholas Georgescu-Roegen). A bibliografia é atual e pertinente. Sempre que disponível, o endereço eletrônico para download é discriminado.

A obra se desenrola em quatro capítulos que, apesar de interligados, são independentes em conteúdo e podem ser lidos separadamente. O primeiro capítulo inicia discutindo o lento processo de descarbonização da economia global ao longo dos últimos 40 anos. Veiga mostra que o processo iniciou-se na década de 1970, em resposta às fragilidades energéticas evidenciadas pelas crises do petróleo. A partir da década de 1990, a relevância que o aquecimento global assume na agenda política mundial acelera a transição para economias de baixo carbono. Contudo, ele ressalta que a inércia institucional é grande. O processo tem se mostrado moroso, levando cerca de 40 anos desde os primeiros debates políticos sobre a relação entre atividades humanas e mudanças climáticas até a ratificação de um acordo internacional no âmbito da ONU (Organização das Nações Unidas) visando a descarbonização das economias dos países industrializados (Protocolo de Quioto, 2005).

Em seguida, o autor critica o princípio da responsabilidade histórica adotado no Protocolo de Quioto como critério para estabelecer metas de mitigação para os países de industrialização antiga (também referidos como países Anexo I). Segundo ele, estes países não podem ser responsabilizados pelas suas emissões históricas de CO2, uma vez que ignoravam as consequências de suas contribuições de gases de efeito estufa até recentemente. A partir desta perspectiva, ele sugere dois critérios éticos alternativos para balizar as metas de mitigação. O primeiro diz respeito à capacidade de ação presente: aqueles países com maiores condições (humanas, tecnológicas e institucionais) devem assumir a vanguarda da transição para economias de baixo carbono. A lista de países que se enquadram nesta situação coincide com a lista dos países do Anexo I, adotada no Protocolo de Quioto. O segundo critério diz respeito à responsabilidade futura: aqueles países cuja industrialização é recente - e, portanto, com baixa responsabilidade histórica - mas que ao mesmo tempo são grandes emissores de gases de efeito estufa e reúnem condições institucionais e econômicas para empreender tecnologias de baixo carbono, devem assumir papel de destaque no processo. Nesta categoria estão os chamados países emergentes (i.e. Brasil, Índia, Indonésia, China e África do Sul), os quais têm economias pujantes e taxas de crescimento econômico e populacional substanciais, compreendendo uma categoria de países diferenciada das demais nações ditas "em desenvolvimento" e, portanto, com responsabilidades diferentes. Dos 20 países que mais contribuíram para o crescimento de 60% das emissões absolutas entre 1980 e 2006, entre 12 e 15 são emergentes.

O capítulo discute também as limitações e potencialidades de instrumentos econômicos (impostos, taxas, mercado de carbono) para fomentar a transição para economias de baixo carbono. Veiga dá exemplos práticos da sua adoção, assim como algumas estratégias tecnológicas, cujos benefícios econômicos podem, em alguns casos, ser maiores que os custos. O autor conclui o capítulo afirmando que a predisposição dos países de se engajarem na transição para economias de baixo carbono é determinada i) pela sua preocupação com a segurança energética nacional; e ii) pela confiança na capacidade científico-tecnológica de aproveitar as oportunidades para a transição. Segundo Veiga, o que mais influenciará a transição para uma economia global de baixo carbono será o fortalecimento de sistemas endógenos de ciência, tecnologia e inovação dos países emergentes, cujo crescimento demográfico e econômico, nas próximas décadas ainda será o principal responsável pelo aumento das emissões globais de CO2. Contudo, tal transição implica em uma série de alterações institucionais e tecnológicos cuja velocidade é lenta diante da urgência de redução das emissões globais. Assim, é mais tangível no curto prazo a mitigação nos países industrializados, entre os quais os países membros da União Européia têm se mostrado os mais pró-ativos. As propostas da Grã Bretanha e da França são apresentadas como exemplo do processo de internalização da necessidade de descarbonização da economia no planejamento estratégico e nas ações governamentais.

O segundo e terceiro capítulos desenvolvem o dilema entre o crescimento econômico e sustentabilidade. O primeiro ponto enfatizado é a diferença entre a desmaterialização relativa e a desmaterialização absoluta da economia mundial. Se, por um lado, a ecoeficiência vem tornando a produção econômica menos intensiva em matéria e energia por unidade de produto, por outro o crescimento econômico - associado à ampliação dos padrões de consumo e ao crescimento da população mundial - vem aumentando a demanda absoluta por recursos naturais e a geração de resíduos a serem processados pelos ecossistemas. "O declínio global da intensidade-carbono, isto é, o deslocamento das emissões em relação ao crescimento das economias, não engendra um movimento de baixo carbono em termos absolutos." (VEIGA, 2009, p. 37).

Apesar de focar na questão climática (emissões de CO2), o autor deixa claro que a questão está posta também para outras problemáticas ambientais. Portanto, a escala da economia é a questão central do debate sobre o desenvolvimento sustentável. Assim, o segundo ponto enfatizado é a fragilidade dos argumentos que colocam o avanço tecnológico como solução suficiente para os problemas ambientais, característicos da abordagem fraca da sustentabilidade. Como contraponto à perspectiva do otimismo tecnológico, são debatidos alguns pressupostos da economia ecológica - decrescimento e estado estável da economia. As premissas de sistemas econômicos fechados (fluxos circulares) e de uma eventual escassez de capital natural ser resolvida pela substituição por outras formas de capital (humano e de produção), tidos como axiomas da economia neoclássica (sob forte influência da mecânica clássica), são confrontadas com as perspectivas dos sistemas econômicos abertos e da complementaridade entre os fatores de produção, axiomas da economia ecológica (sob forte influência da termodinâmica). Veiga conclui que o crescimento econômico tem prazo de validade determinado por limites termodinâmicos e que, eventualmente, será necessário se pensar em uma economia estável ou de decrescimento nos países ditos desenvolvidos.

Por fim, o quarto e último capítulo discorre sobre as principais limitações e desafios apresentados pelos sistemas de avaliação disponíveis para aferir o desenvolvimento. Para tal, o autor pauta a discussão a partir dos resultados e recomendações do relatório The Commission on the Measurement of Economic Performance and Social Progress encomendado a um grupo de cientistas pelo presidente francês Nicolai Sarkozy. O conteúdo foi apresentado em setembro de 2009 por 20 dos principais especialistas mundiais no assunto. Segundo Veiga, apesar de não propor indicadores ou índices capazes de substituir o PIB (Produto Interno Bruto) e o IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) no monitoramento do desenvolvimento, o documento apresenta reflexões importantes que devem servir de referência para futuros sistemas de avaliação do desenvolvimento sustentável.

O texto é bem escrito, claro e acessível tanto a leigos quanto a especialistas, abrangendo questões de certa complexidade epistêmica sem incorrer em hermetismos acadêmicos. A temática do livro é relevante. Um dos seus pontos fortes é a atualidade da bibliografia, colocando a obra como referência importante para aqueles interessados em conhecer os principais desafios colocados ao desenvolvimento sustentável no início da segunda década do século XXI, com destaque para os levantados pelo aquecimento global. Contudo, apesar de interligados, a independência dos capítulos pode frustrar a expectativa dos leitores que esperam encontrar um eixo temático trabalhado em profundidade ao longo do livro. O aquecimento global, por exemplo, desatacado no subtítulo do livro, fica restrito ao primeiro capítulo, aparecendo apenas de forma secundária no restante do texto. Talvez a realocação dele como último capítulo, após o debate teórico empreendido nos demais capítulos, fosse mais lógico para a leitura. Assumindo um delicado distanciamento temporal para compreender o presente, Veiga faz uma elegante argumentação do contexto atual como propício ao trânsito para premissas de desenvolvimento menos insustentáveis que as que pautaram o desenvolvimento a partir da segunda metade do século XX, apontando a inércia institucional como desafio complementar aos desafios econômicos, sociais e ambientais a ser vencido, tendo em vista o desenvolvimento sustentável ou, como prefere Veiga, o ecodesenvolvimento.

Recebido em: 12/8/2010.

Aceito em: 11/11/2010.

  • Autor para correspondência:
    Diego Lindoso
    Centro de Desenvolvimento Sustentável, Universidade de Brasília - UnB, Campus Universitário Darcy Ribeiro, Gleba A, Bloco C, Av. L3 Norte, Asa Norte
    CEP 70904-970, Brasília, DF, Brasil
    E-mail:
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    VEIGA, J. E. da.
    O Mundo em Transe: do aquecimento global ao ecodesenvolvimento. São Paulo: Autores Associados,2009. 118 p. ISBN 978-85-62019-07-4.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      09 Maio 2011
    • Data do Fascículo
      Dez 2010
    ANPPAS - Revista Ambiente e Sociedade Anppas / Revista Ambiente e Sociedade - São Paulo - SP - Brazil
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