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Controvérsias, potencialidades e arranjos no debate da sustentabilidade ambiental

RESENHA BOOK REVIEW

Controvérsias, potencialidades e arranjos no debate da sustentabilidade ambiental* * GUERRA, A. F. S.; FIGUEIREDO, M. L. (Orgs.). Sustentabilidades em diálogos. Itajaí: Univali, 2010. 222 p. ISBN 9788576960669.

Aloísio Ruscheinsky

Doutor em Sociologia da Universidade de São Paulo - USP

Autor para correspondência Autor para correspondência: Aloísio Ruscheinsky Universidade do Vale do Rio dos Sinos - UNISINOS Av. Unisinos, 950 Bairro Cristo Rei, CEP 930822-000, São Leopoldo, RS, Brasil E-mail: aloisior@unisinos.br

O livro foi concebido e organizado a partir de uma visão abrangente dos desafios emergentes em debates sobre enfoques teóricos da sustentabilidade socioambiental, práticas socioambientais, discutindo discursos vigentes ou apresentando novas críticas ou respostas à questão da (in)sustentabilidade. Na coletânea comparecem autores do México, Uruguai e do Brasil, reconhecidos nacional e internacionalmente na abordagem socioambiental, cada qual arrebatado por sua ótica, todavia sem descuidar do foco originalmente traçado. As abordagens estabelecem e fundam uma interlocução entre as proposituras em face dos conflitos socioambientais explícitos ou latentes concernentes com a crise civilizatória, sem desmerecer o âmbito das incertezas ou provocar a discussão do enfrentamento dos dilemas causados pelas escolhas atuais ou remetidas ao futuro. Utilizamos aqui a expressão socioambiental na medida em que supomos uma interface histórica imprescindível entre as questões sociais e as ambientais. Todavia, realizar resenha de uma coletânea constitui um desafio para apresentar ao leitor o fio condutor de uma obra complexa sem requebrar na superficialidade.

Ante o agravamento da crise socioambiental, as façanhas urdidas pelas disparidades do movimento ambientalista e a institucionalização das questões ambientais, o estabelecimento da interlocução entre os atores sociais para uma gestão integrada parece urgente, ratificando um diálogo sobre mudanças climáticas, as divergências em face das catástrofes ambientais mais frequentes e os rumos para o uso de bens naturais escassos. Existe o risco, no seio de algumas abordagens acadêmicas também no campo das ciências sociais e humanas, de que o discurso sobre sustentabilidade apresente uma tendência para localizar um lugar ideal de equilíbrio entre sociedade e natureza. O diálogo proposto no título do livro não supõe ausência de conflito ou a inexorável busca por algum consenso e comprometimento, ou ainda de que os conflitos socioambientais poderão todos ser solucionados por procedimentos participativos e democráticos.

A primeira parte do livro versa sobre questões eminentemente conceituais, como bases teóricas do debate ambiental nas ciências sociais contemporâneas, cujas divergências epistemológicas parecem patentes na leitura dos textos. O artigo de Leis, conhecido autor na área ambiental, ambiciona trazer para um público diversificado reflexões sobre algumas dimensões da sustentabilidade, particularmente em três pontos. Aborda a temática ambiental no contexto atual das relações internacionais, de cooperação e de conflito, de distinção entre discurso das conferências ou dos acordos e a respectiva ação dos Estados nacionais. Geralmente descuidada nos textos acadêmicos, sob a ótica da cultura e da espiritualidade destaca a relevância da mística junto ao movimento ambientalista. Este aspecto é concomitantemente decisivo para compreender a sinergia e ressonância da questão ambiental ao lado da crítica ao antropocentrismo difuso no ocidente. Em terceiro lugar, retoma a dimensão ética e filosófica da sustentabilidade em uma perspectiva crítica de correntes teóricas da compreensão do processo histórico da modernidade, quando questiona a razão instrumental em oposição à ética da responsabilidade, que dispensa utopias e adere ao senso de realidade. Ao encerrar, enfatiza que:

[...] o desafio ambientalista não se reduz a tentar tornar sustentável a sociedade moderna. Isto é secundário frente à necessidade de nutrir o homem e mulher contemporâneos com as vivências de outros tempos, quando a vida era um campo de amor, luta e respeito, sincrético e mutável, entre os deuses, os homens e a natureza (LEIS, 2010 , p. 48).

As controvérsias estão ratificadas no paradoxo da sustentabilidade, com combate à pobreza em meio ao consumo ampliado e ao desperdício, pois que é polêmico cogitar sustentabilidade ambiental sem cuidar ou equacionar a sustentabilidade das relações sociais. Ainda nesta parte, revisitando conceitos, o segundo artigo Controvérsias sobre sustentabilidad de Foladori e Tommasino (o primeiro conhecido pelos artigos publicados nesta Revista) descreve as principais concepções, problemas, polêmicas e contradições com relação ao conceito de desenvolvimento sustentável. Já que se ousa associar o termo desenvolvimento ao adjetivo sustentável pode-se de imediato interrogar a dimensão predominante que está em jogo: cultural, ambiental, social, econômica, ética-filosófica. Os autores argumentam que a discussão sobre desenvolvimento sustentável pode esclarecer os conceitos de sustentabilidade ecológica e social, que causam a maioria das discordâncias conceituais, porquanto vicejam duas visões sobre sustentabilidade social, uma denominada de "sustentabilidade social limitada" e outra, de "coevolução sociedade-natureza". A primeira utiliza a sustentabilidade social como ponte para chegar à sustentabilidade ecológica e que, para esta concepção, as soluções são basicamente técnicas. A outra considera os problemas sociais como parte do desenvolvimento in-sustentável e as soluções advém tanto do ponto de vista técnico como social.

A indagação sobre os obstáculos à constituição de uma sociedade alternativa à hegemônica ou reiteradamente insustentável e a identificação das contradições que emergem dos limites das proposições socioambientais guiam o intuito do artigo de Floriani Obstáculos e potencialidades para a construção de uma sociedade sustentável, na perspectiva da educação e das práticas socioambientais. As reiteradas crises são elemento central da modernidade, configurada pelo conflito de classes e caracterizada pelo processo de produção social para o mercado. Neste contexto tempo e espaço tendem a ser ressignificados e à semelhança de outras lógicas societais de não-mercado, a partir da exigência de expandir ou restringir o entendimento, concomitantemente constituem e destituem a realidade de seus significados. Enfim, a sustentabilidade como coevolução sociedade-natureza subscreve uma visão dialética, cujas interfaces é preciso destacar para estabelecer um nexo profundo entre sustentabilidade ambiental e social, entre a (in)sustentabilidade e as relações sociais capitalistas, entre as dimensões da materialidade ambiental e as simbólicas e, finalmente, entre as desigualdades sociais e o decreto da subordinação ambiental.

Fatos em curso no Brasil reforçam a urgência da reflexão sobre a consistência das utopias ambientalistas. A reflexão a respeito do nexo entre as questões ambientais e a dimensão da utopia está no cerne do artigo Sustentabilidades: concepções, práticas e utopia. A reflexão de Ruscheinsky destaca que a legitimidade da dimensão da utopia junto às práticas socioambientais poderá ter seu espaço expandido na medida em que tiver sucesso a descolonização do imaginário, que vem sendo pautada pela felicidade medida a partir do efeito da adesão ao consumo. Argumenta ainda que, no passado como no presente, a presença ou ausência de utopia subsidia profundamente a lógica social, cujo fenômeno redobra a relevância das ponderações realistas para uma ação subversiva, a partir de um olhar utópico presente nas práticas socioambientais. O texto enfatiza que a realidade da política ambiental nacional navega em profundas ambiguidades e contradições, especialmente na medida em que desconsidera profundamente os propósitos e benefícios da utopia de uma sociedade do decrescimento.

A segunda parte deste livro destaca os desdobramentos para a cultura socioambiental ou a resignificação das experiências sob a denominação do tema das Novas Sustentabilidades. Nos dois artigos predomina a ótica da educação ambiental: Educação Ambiental: nos caminhos da cultura e de novas sustentabilidades em que Grün, Peixer e Siqueira tratam do nexo entre a cultura cotidiana e a sustentabilidade; Sustentabilidade, cultura e alimento: Slow food e a educação do gosto de Carvalho aponta para um processo em curso da cultura alimentar.

Ambos dão destaque à polaridade entre os índices de desenvolvimento ordinariamente enfocados e os indicadores ou dimensões de um processo socioambiental de ordenamento das relações sociais. Nas reflexões destaca-se a pluralidade quanto às visões de mundo ou diversidade cultural, com as respectivas clivagens em face da aproximação com uma cultura em conformação que incorpore princípios socioambientais, ao mesmo tempo contestadora da lógica instrumental e da cultura de consumo. Ao agregar cultura e território (social, espacial, virtual) os textos traçam referência a um paradoxo: as práticas socioambientais importantes se robustecem a partir do espaço local ou casos de conflitos específicos, ao mesmo tempo a perspectiva da sustentabilidade requer um horizonte de totalidade. Assim, nas reflexões dos dois textos que compõem esta seção se destacam os processos de organização e de negociação na sociedade civil, o papel da cultura nos processos sociais que podem induzir à sustentabilidade e como tais processos têm sido relegados em prol da racionalidade tecnocientífica pretensamente neutra e eficaz.

A terceira parte da coletânea agrega quatro textos que abordam de forma singular o nexo entre duas temáticas, cujo apreço vem em um crescendo junto às práticas socioambientais, As sustentabilidades e os desafios à Educação Ambiental. Os pesquisadores desta parte do livro objetivam tanto analisar as implicações dos programas internacionais e as proposições de educação ambiental, quanto desvendar as contradições e acuidade no uso dos termos nas práticas socioambientais locais. No Brasil e na América Latina se consagrou a ótica da educação ambiental, com um amplo debate e um leque de proposições ou uma tipologia quanto às bases teóricas e metodológicas, todavia longe de um consenso nem mesmo no sentido semântico.

Esta refrega ocupa o lugar central no artigo de Gaudiano e Ortega, Implicaciones del programa internacional de Educación Ambiental: institucionalización y hegemonia, ao contestar a iniciativa internacional pelo viés da institucionalização e da luta pela hegemonia. As diferentes fases ensejadas pelos tratados internacionais assentam-se como uma tipologia do longo e tortuoso percurso de institucionalização, que se consubstancia ao mesmo tempo em contemplar as mudanças já em curso exigindo novas formulações que "[...] no estarán dependiendo de los respaldos de instituciones colonizadas ideológica y políticamente." (GAUDIANO; ORTEGA, 2010, p. 157).

Fica evidenciado nos textos o largo expediente aos recursos epistemológicos oferecidos pelas ciências sociais, mostrando-se proveitosos no compartilhamento da reflexão sobre as ações, as possibilidades de alavancar os limites e os obstáculos sociais, bem como para dimensionar as potencialidades de mudanças no campo da sustentabilidade ambiental. No artigo A educação ambiental e o paradigma da sustentabilidade em tempos de globalização, Tristão ampara-se numa abordagem socioambiental para associar o paradigma emergente da sustentabilidade em face do desenvolvimento econômico e social em curso. As contradições políticas, ecológicas e culturais inerentes aos processos de globalização e da educação ambiental contextualizam-se dentro das relações espaço/tempo, local/global. Por mais que atente para a dimensão cultural que envolve o campo da educação ambiental existe uma atenção especial à relevância dos aspectos da materialidade dos processos ambientais em curso, isto é, aplicar a atenção para as interfaces entre o simbólico e a materialidade da vida cotidiana. A mesma simbiose pode ser atribuída ao relacionamento entre os âmbitos local/ global, uma vez que as ações socioambientais ao nível local podem também obter efeitos, como uma somatória, sobre o redimensionamento global, pois desta forma se evita o olhar que se restringe à influência do global devorando a lógica local.

A institucionalização da questão ambiental constitui-se em um processo difuso, cujas orientações não apresentam posicionamentos consensuais, desde a incorporação de expressões para nada mudar, até a perspectiva de que as práticas socioambientais requerem mudanças no âmbito do ordenamento jurídico. Entre os dilemas da sustentabilidade encontra-se a conservação da biodiversidade e quais as tarefas da ciência, da tecnologia e das universidades, uma vez que, em grande medida, deste entendimento decorre o futuro de bens naturais. No interior da universidade estão em andamento negociações sobre os conflitos e as diferenças quanto aos compromissos capazes de garantir a conservação e o uso sustentável da biodiversidade. As ambiguidades se fazem presentes entre, de um lado, a fidelidade aos cânones de afinar-se com a ótica inexorável do desenvolvimento e alheia à dominação da natureza com a expropriação e, de outro, a estipulação de metas e as responsabilidades a serem cumpridas a partir de um movimento ético e da educação ambiental. Neste sentido, a reflexão de Marcomin e Vieira no texto A sustentável leveza da universidade ultrapassa uma visão unilateral ou linear e adentra-se na complexidade da temática.

As polêmicas em torno de conceitos apontam para o reconhecimento da complexidade das questões ambientais, bem como da resolução dos conflitos ambientais. Em lugar de dicotomias, cabe privilegiar as interfaces, as interlocuções ou a dialética entre ordem-desordem, espaço-tempo, local-global, lógica temporal da natureza e lógica do consumo. Guerra e Figueiredo, em Sustentabilidade ou Desenvolvimento Sustentável? Da ambiguidade dos conceitos à prática pedagógica em Educação Ambiental, centram-se sobre as polêmicas que abordagens teóricas e metodológicas suscitam nas práticas socioambientais. Os autores ensaiam uma abordagem para enfatizar diferentes interpretações dos termos desenvolvimento sustentável, sociedade sustentável e sustentabilidade, em parte percorrendo a trajetória da emergência e dos usos ordinários. A lógica que anima a reflexão pressupõe os termos e as significações atribuídas podem mudar o entendimento entre atores, interferir no planejamento, dotar um rumo para a história, uma vez que o discurso recorrente, tanto em documentos oficiais quanto no cotidiano de diferentes recursos midiáticos, são carregados de representações.

Algumas perplexidades inquietantes reinventam-se estrategicamente ante a aspiração de uma sociedade sustentável, que se coadune com a capacidade de reposição do ecossistema, com uma política ambiental que torne possível o necessário, acrescentando esteticamente o desejado. A questão ambiental, para além dos movimentos socioambientais, tornou-se questão do Estado de direito e do futuro planetário, bem como uma luta contra o domínio irracional da biodiversidade. A propagação de propostas de políticas ambientais e de produção estratégica da ação política renuncia à manipulação acrítica e fundamentalista de mentes e corações, porém endossa os desafios do diálogo entre saberes, da sinergia entre atores socioambientais, de saber escolher quais dos vários caminhos possíveis aproximarão as lutas socioambientais das energias utópicas. Parece equivocada a renúncia às ações locais ou cotidianas só porque elas não representam uma revolução para a questão ambiental ou por serem apenas uma gota no oceano da resolução dos grandes problemas socioambientais.

Por fim, nos termos em que apresentamos esta resenha parece justificar-se a existência deste livro no mercado editorial, alimentando a reflexão e as mudanças em prol de utopias concretizáveis com as perspectivas da sustentabilidade socioambiental. Ante os dissabores ou a lerdeza de enfrentamento das questões ambientais, ensina um dos autores desta coletânea que sustentabilidade socioambiental rima com ressignificação da participação e da responsabilidade cidadã. A questão a ser formulada de maneira sistemática é se no espaço e tempo de nossas vidas, está presente a ousadia para sonhar com a imprescindível sustentabilidade ambiental e social, sem abolir a diversidade e pluralidade.

Recebido em: 25/10/2010.

Aceito em: 14/11/2010.

  • Autor para correspondência:
    Aloísio Ruscheinsky
    Universidade do Vale do Rio dos Sinos - UNISINOS
    Av. Unisinos, 950
    Bairro Cristo Rei, CEP 930822-000, São Leopoldo, RS, Brasil
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  • *
    GUERRA, A. F. S.; FIGUEIREDO, M. L. (Orgs.).
    Sustentabilidades em diálogos. Itajaí: Univali, 2010. 222 p. ISBN 9788576960669.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      09 Maio 2011
    • Data do Fascículo
      Dez 2010
    ANPPAS - Revista Ambiente e Sociedade Anppas / Revista Ambiente e Sociedade - São Paulo - SP - Brazil
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