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Conflitos socioambientais no extrativismo da aroeira (Schinus terebebinthifolius Raddi), Baixo São Francisco - Sergipe/Alagoas

Resumos

Esta pesquisa analisou os conflitos socioambientais envolvidos no extrativismo da aroeira no Baixo São Francisco, Sergipe e Alagoas. A pesquisa aconteceu entre os anos de 2001 e 2011, por meio da realização de entrevistas com os atores envolvidos e pesquisa documental. As informações foram analisadas quanto à conduta diante do extrativismo e tipificação dos conflitos. A ausência de normatização para o manejo da espécie é o fator central gerador do conflito que se dá pela apropriação e acesso à aroeira. Os pescadores que são também extrativistas coletam a espécie como um recurso econômico e as empresas processadoras - exportadoras como mercadoria. Existem conflitos entre esferas de governo quanto às competências para normatização do licenciamento e fiscalização da atividade. Constatou-se a necessidade de formulação de uma gestão florestal sustentável para a espécie na qual se garanta o diálogo e cooperação entre os atores envolvidos.

Pescadores; Pimenta-rosa; Biodiversidade


Esta investigación ha analizado los conflictos socio ambientales involucrados en el extracción de la aroeira en el Baixo São Francisco, Sergipe y Alagoas. La investigación llevó al cabo entre los años de 2001 y 2011, por medio de la realización de encuestas con los actores involucrados e investigación documental. Las informaciones han sido analizadas cuanto a la conducta delante de la extracción y tipificación de los conflictos. La ausencia de reglamentación para el manejo de la especie es el eje generador del conflicto que se da por la apropiación y acceso a la aroeira. Los pescadores que también son extractivitas colectan la especie como un recurso económico y las empresas procesadoras - exportadoras como mercadería. Hay conflictos entre esferas de gobierno cuanto a las atribuciones para reglamentación del licenciamiento y fiscalización de la actividad. Se ha constatado la necesidad de formulación de una gestión forestal sostenible para la especie en la cual se garantice el diálogo y cooperación entre los actores involucrados.

Pescadores; Pimienta-rosa; Biodiversidad


This research paper has investigated the socio-enviromental conflicts in the extractivism of aroeira (Schinus terebebinthifolius Raddi) in the lower São Francisco river, the states of Sergipe and Alagoas. In order to carry out this research, which spanned ten years starting in 2001 and ending in 2011, we resorted to interviews with the actors involved in the extractivism of aroeira as well as documental research. Data were analysed on the basis of conduct towards extractivism and classification of conflict. The lack of standard procedures in the management of the species is a key factor in bringing about conflicts arising in the appropriation of and access to aroeira. The fishermen who are also engaged in extractivism collect it for its economic value, whereas the processing/exporting companies focus on its role as merchandise. The different spheres of government tend to disagree on which one is entitled to regulate licencing and supervising of extractivism. The need has been found to design a sustainable forest management for the species in which both dialogue and cooperation among all actors involved have a place.

Fishermen; Pepper rose; Biodiversity


Conflitos socioambientais no extrativismo da aroeira (Schinus terebebinthifolius Raddi), Baixo São Francisco - Sergipe/Alagoas

Nádia Batista de JesusI; Laura Jane GomesII

IUniversidade Federal de Sergipe. Departamento de Ciências Florestais. Endereço para correspondência: Cidade Universitária "Prof. José Aloísio de Campos", Jardim Rosa Elze, CEP 49100-000, São Cristóvão, Sergipe

IIUniversidade Federal de Sergipe. Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento e Meio Ambiente - PRODEMA. Endereço para correspondência: Cidade Universitária "Prof. José Aloísio de Campos", Jardim Rosa Elze, CEP 49100-000, São Cristóvão, Sergipe

RESUMO

Esta pesquisa analisou os conflitos socioambientais envolvidos no extrativismo da aroeira no Baixo São Francisco, Sergipe e Alagoas. A pesquisa aconteceu entre os anos de 2001 e 2011, por meio da realização de entrevistas com os atores envolvidos e pesquisa documental. As informações foram analisadas quanto à conduta diante do extrativismo e tipificação dos conflitos. A ausência de normatização para o manejo da espécie é o fator central gerador do conflito que se dá pela apropriação e acesso à aroeira. Os pescadores que são também extrativistas coletam a espécie como um recurso econômico e as empresas processadoras - exportadoras como mercadoria. Existem conflitos entre esferas de governo quanto às competências para normatização do licenciamento e fiscalização da atividade. Constatou-se a necessidade de formulação de uma gestão florestal sustentável para a espécie na qual se garanta o diálogo e cooperação entre os atores envolvidos.

Palavras-chave: Pescadores. Pimenta-rosa. Biodiversidade.

ABSTRACT

This research paper has investigated the socio-enviromental conflicts in the extractivism of aroeira (Schinus terebebinthifolius Raddi) in the lower São Francisco river, the states of Sergipe and Alagoas. In order to carry out this research, which spanned ten years starting in 2001 and ending in 2011, we resorted to interviews with the actors involved in the extractivism of aroeira as well as documental research. Data were analysed on the basis of conduct towards extractivism and classification of conflict. The lack of standard procedures in the management of the species is a key factor in bringing about conflicts arising in the appropriation of and access to aroeira. The fishermen who are also engaged in extractivism collect it for its economic value, whereas the processing/exporting companies focus on its role as merchandise. The different spheres of government tend to disagree on which one is entitled to regulate licencing and supervising of extractivism. The need has been found to design a sustainable forest management for the species in which both dialogue and cooperation among all actors involved have a place.

Keywords: Fishermen. Pepper rose. Biodiversity.

RESUMEN

Esta investigación ha analizado los conflictos socio ambientales involucrados en el extracción de la aroeira en el Baixo São Francisco, Sergipe y Alagoas. La investigación llevó al cabo entre los años de 2001 y 2011, por medio de la realización de encuestas con los actores involucrados e investigación documental. Las informaciones han sido analizadas cuanto a la conducta delante de la extracción y tipificación de los conflictos. La ausencia de reglamentación para el manejo de la especie es el eje generador del conflicto que se da por la apropiación y acceso a la aroeira. Los pescadores que también son extractivitas colectan la especie como un recurso económico y las empresas procesadoras - exportadoras como mercadería. Hay conflictos entre esferas de gobierno cuanto a las atribuciones para reglamentación del licenciamiento y fiscalización de la actividad. Se ha constatado la necesidad de formulación de una gestión forestal sostenible para la especie en la cual se garantice el diálogo y cooperación entre los actores involucrados.

Palabras clave: Pescadores. Pimienta-rosa. Biodiversidad.

Introdução

O Baixo São Francisco se caracteriza por ser uma região de grandes investimentos estatais e privados direcionados, respectivamente, ao setor hidrelétrico e para a modernização da agricultura com perímetros irrigados. Diversos pesquisadores têm demonstrado que após a construção de barragens para as hidrelétricas ocorreram alterações na dinâmica ambiental (VARGAS, 1999; CUNHA, 2006). Em razão disso, as comunidades ribeirinhas enfrentam dificuldades para manter a reprodução social no lugar, em decorrência dos impactos socioambientais que colocam as comunidades de pescadores em situação de risco social gerando, devido à crescente diminuição do pescado no Baixo São Francisco SE/AL, incertezas sobre a continuidade da atividade da pesca e outras que a esta se relaciona. Por outro lado, o Baixo São Francisco continua um local onde os atores sociais se movimentam em percursos cotidianos, regionalizando locais por meio do tempo-espaço. Nesse contexto, pratica-se o extrativismo da aroeira (Schinus terebenthifolius Raddi).

O extrativismo dessa espécie teve início de forma exógena, como demanda das indústrias processadoras localizadas no estado do Espírito Santo. Indústrias que exportam o fruto da espécie para diversos países da União Europeia, bem como para os Estados Unidos, Canadá e Argentina. No caso aqui estudado, destina-se a fabricação da pimenta-rosa, com uso especialmente na culinária internacional.

A demanda produtiva dessas indústrias pelo fruto da aroeira, induz a constante procura de novas áreas de ocorrência natural da espécie para a prática extrativista, a exemplo dos municípios do Baixo São Francisco SE/AL. Localidades em que os pescadores artesanais não encontram mais na pesca a garantia de sobrevivência. Nesse caso, recorrem ao extrativismo da aroeira, prática que ocorre desde 2001 entre os pescadores, como forma de complementação da renda familiar.

Por outro lado, pode-se afirmar que no Brasil não existe normatização que regulamente o manejo de produtos florestais não madeireiros, o que pode estar contribuindo para a geração de conflitos socioambientais decorrentes do extrativismo. Apesar da região do Baixo São Francisco ser responsável por uma pequena porcentagem de contribuição dos frutos da aroeira para as empresas no cenário nacional, apenas 5% em 2008, os diferentes interesses relacionados à disputa pela espécie têm gerado mudanças nas relações socioambientais dos atores envolvidos.

Neste caso, entendemos não ser somente um produto, mas biodiversidade brasileira envolvida nas relações de troca, causadas pela ausência de gestão ambiental pública, considerando que a comercialização da "pimenta-rosa" no mercado internacional já chegou ao valor de exportação até U$ 18,00/kg (2008), e que por outro lado nos locais de coleta, as indústria processadoras pagam aos extrativistas o valor de até R$ 1,90/kg, em uma cadeia produtiva complexa (JESUS & GOMES, 2010a).

O extrativismo de produtos florestais não madeireiros, significativamente estudado no Brasil, foca principalmente a questão da apropriação do conhecimento tradicional, mas as relações socioambientais são amplas. Não menos importante, é necessário analisar o envolvimento de comunidades locais na coleta dos recursos florestais para suprir demandas de produtos de significativo valor de mercado internacional (GOMES et al., 2010), como o caso aqui estudado.

Para Quintas & Gualda (1995), a prática da gestão ambiental não é neutra. O Estado, ao assumir determinada postura diante de um problema ambiental, está de fato definindo quem ficará, na sociedade e no país, com os custos, e quem ficará com os benefícios advindos da ação antrópica sobre o meio, seja ele físico, natural ou construído.

Segundo Little (2003), a partir da década de 80 as instituições ampliaram o conceito de "espaço público" e com isso o conceito de "política pública" ganha um novo sentido: "o conjunto de decisões interrelacionadas, definido por atores políticos, que tem como finalidade o ordenamento, a regulação e o controle do bem público, onde as políticas ambientais seriam aquelas políticas públicas que procuram garantir a existência de um meio ambiente de boa qualidade para todos os cidadãos do país, disso surge uma série de desafios".

Para o processo de construção dessas políticas a análise da diversidade sociocultural e diversidade fundiária (LITTLE, 2002) existentes no país são imprescindíveis. Essa compreensão se torna uma questão chave para a construção de políticas públicas ambientais. Sobretudo porque essas práticas sociais e culturais forjam as identidades e o sentido de pertencimento ao grupo social no local de convivência.

Esta pesquisa partiu do princípio de que a ausência de controle do Estado e consequente extrativismo da aroeira existente no Baixo São Francisco, apesar de trazer benefícios econômicos para as famílias envolvidas, a atividade em si tem gerado disputas pelo acesso e forma de apropriação dos frutos. Para compreensão dessas relações foram identificados os atores, a conduta diante do extrativismo, além de serem tipificados os conflitos socioambientais que envolvem a atividade.

Uma Abordagem da Teoria dos Conflitos

A análise e compreensão dos conflitos relacionados ao meio ambiente levam a considerações para defini-lo como ambiental e/ou socioambiental. Em primeiro lugar, o conflito social, segundo Ferreira (1999), é um reconhecimento coletivo de interesses que congregam ou agregam grupos mais ou menos homogêneos e que parecem os diferenciar de outros agrupamentos. Desse modo, não podem ser definidos apenas pela somatória de interesses individuais, e sim pelo reconhecimento de interesses de ordem coletiva.

É importante salientar, que os conflitos relacionados à disputa por recursos naturais, que envolvem atores sociais e comunidades, referem-se também a valores, símbolos e maneiras de agir de um grupo social específico na forma como estes interagem com o meio ambiente. Nesse prisma, para Theodoro (2005, p. 54) a questão ambiental se insere em um tipo de modalidade de conflito que cresce em importância na sociedade contemporânea, no sentido lato, em torno da "natureza ou meio ambiente", em sentido restrito, dos "recursos naturais". Como principais problemas, a autora aponta os decorrentes da finitude ou escassez de todos os recursos naturais, a exemplo dos recursos não renováveis (petróleo), recursos renováveis (água), extinção de espécies de fauna e flora, e a poluição e contaminação atmosférica e perdas de solo agrícola (THEODORO, 2005, p.54).

Por este prisma, para Alonso & Costa (2000), o referencial teórico existente na Sociologia sobre as questões ambientais, reconhecem os conflitos sociais como problema global. Para Guivant (1998) no Brasil as questões ambientais ganham novo significado nas arenas públicas, envolvendo disputas técnicas e políticas, destacando-se assim as categorias "impacto ambiental" e "risco ambiental". A ênfase nestes estudos está centrada na dimensão fenomenológica, restringindo-se ao discurso. Tal perspectiva é importante para o entendimento dos problemas ambientais, pois são construídos pelos agentes, entretanto, tornam-se mais uma faceta de tais conflitos (ALONSO & COSTA, 2000, p.124).

Os aspectos estruturais, grupais e individuais que condicionam a ação em relação à questão ambiental são tomados em conjunto e, simultaneamente, o foco centra-se na arena de conflito (esfera pública) e na negociação dos atores (ALONSO & COSTA, 2000, p. 125).

Os conflitos ambientais trazem diferentes visões, que são decorrentes do olhar teórico de quem os examina. Nesse aspecto, podem ser vistos como fatos isolados, casos pontuais que podem ser resolvidos ao menos em uma dada escala e dimensão geográfica, ou são percebidos como estruturais, derivados do antagonismo profundo entre Economia e Ambiente e, portanto, tendo sempre e necessariamente uma dimensão mais ampla e global (HERCULANO, 2006).

Neste sentido, o mesmo autor apresenta concepções para abordagem dos conflitos ambientais. Uma delas é a corrente das Ciências Sociais, denominada de "Ecossocialismo". Nela, os conflitos socioambientais são vistos como estruturalmente antagônicos, nascidos de uma situação de contradição estrutural própria da sociedade capitalista contemporânea, na qual a produção se orienta pela busca do crescimento econômico, a ser obtido via integração no mercado globalizado, através da exportação.

Para os ecossocialistas, em que a corrente tem sua base fundamentada no marxismo, os conflitos socioambientais não são casos isolados, mas se repetem em diversos locais do planeta. Resultam da crescente riqueza acumulada e o desenvolvimento tecnológico de um lado, e a disseminação da pobreza e degradação ambiental de outro.

São identificados como representantes dessa corrente Acselrad (2004) e Carvalho e Scotto (1995). O primeiro define que os conflitos relacionados com as questões ambientais são decorrentes da disputa envolvendo grupos sociais pela apropriação de uma mesma base de recurso ou de bases distintas, mas interconectadas por interações sistêmicas mediadas pela atmosfera, pelo solo, pelas águas, etc (ACSELRAD, 2004, p. 26).

Para Carvalho e Scotto (1995, p. 7) os conflitos socioambientais são conflitos sociais que têm elementos da natureza como objeto e expressam as relações de tensão entre interesses coletivos/espaços públicos e interesses privados/tentativa de apropriação de espaços públicos.

Nesse sentido, Acselrad (2004) analisa que os aspectos estruturais e simbólicos que envolvem os conflitos não podem ser explicitados separadamente, pois são indissociáveis. Não é apenas o "equacionamento e resolução dos conflitos, mas, sim, de reconstituir a sociologia relacional que dá historicidade aos mesmos" (Idem, p. 9-10). O autor chama a atenção para o processo de despolitização dos conflitos, levando a "psicologizar" o dissenso, prevenindo conflitos e tecnificando seu tratamento através de regras e manuais destinados a transformar os "pontos quentes" em "comunidades de aprendizado" (Idem).

Para o autor, a resolução dos conflitos enquanto técnica tem um exemplo nas iniciativas do Banco Mundial para capacitação e mediação de conflitos ambientais.

Herculano (2006) e Acselrad (2004) criticam a corrente da resolução por entenderem que a mesma está focada na técnica de tratamento e negociação dos conflitos. Para eles, essa forma dá tratamento pontual e não considera a contradição entre economia e ambiente, que acaba sendo apenas ações mitigadoras e estão presentes na proposta de desenvolvimento sustentável.

Por outro lado, em processos conflituosos, a resolução, segundo Little (2001, p. 107-121) distingue cinco tipos básicos de tratamento dos conflitos socioambientais: (1) confrontação, pode ser de ordem política (desobediência civil, marchas), econômica (greves, boicotes), física (violência, intimidação) ou simbólica (campanhas da mídia, opinião pública), ao passar do conflito latente para o explícito abre frentes de resolução, ao mesmo tempo o confronto pode contaminar o ambiente de diálogo; (2) repressão, a ação militar ou policial ou imposição estatal por meio de sanções ou multas, o uso da força unilateral do Estado em algumas situações, uma das poucas possibilidades de tratar um conflito em tempo adequado, ao mesmo tempo, é pouco democrático e abre portas para abusos ou ações arbitrárias por parte do Estado; (3) manipulação política, por meio de subornos e cooptação de certos grupos sociais, quando com pouco poder político ou econômico, a participação em formas clientelistas pode representar a melhor opção; (4) negociação/cooperação, geralmente acontece depois de outras formas de tratamento e requer alto nível de maturidade política, quando é feita por pessoa ou grupo externo e sendo obrigatória toma caráter de arbitragem, mas quando é voluntária tem caráter de facilitação e; (5) diálogo/cooperação este, segundo o autor, "é o que mais se aproxima da noção de resolução stricto sensu dos conflitos socioambientais, porque implica a participação voluntária e colaborativa de todas as partes envolvidas, o diálogo procura eliminar as causas básicas do conflito e tenta substituir as relações de desconfiança por ações colaborativas" (Idem).

Little (2001) centra a análise no campo da ação política e aponta a necessidade de resolução dos conflitos com implantação de políticas públicas e diversas estratégias e táticas políticas. Porquanto, é necessário buscar as múltiplas causas que deram origem ao conflito e criar caminhos pacíficos, voluntários e consensuais para a possível resolução, sendo mais realista, falando em "tratamento" dos conflitos, ao contrário de "resolução".

Por conseguinte, diferentes usos dos recursos ambientais e sua forma de apropriação suscitam também diferentes tipos de conflitos em torno do controle desses recursos. De acordo com Ferreira (1999) podem ser agrupados na seguinte tipificação: a) conflitos de leis (entre as três esferas: federal, estadual e municipal), incluem-se, ocupação do solo e zoneamento; b) conflitos sociais (uso de recursos; diferentes interesses de classe social) e; c) conflitos de competência (esferas de governo; entre e intrainstitucionais; entre e por novos arranjos institucionais). Neste caso, é o reconhecimento dos interesses em oposição pelos atores em situações sociais de apropriação desigual que os coloca em desvantagem no processo decisório e, ao mesmo tempo, possibilita-os, desde que organizados, a lutarem pelas suas reivindicações nas arenas públicas.

Segundo Little (2008), todo pesquisador ao estudar o conflito socioambiental deve etnografá-lo. Deve, inicialmente, identificar o foco central, o que está em jogo e o ponto crítico do conflito. Explicita-se que a ecologia política possibilita analisar aspectos importantes, como: conformação geológica, a evolução biológica e as novas realidades socioambientais. Por isso são importantes os conceitos, métodos e enfoques da antropologia, ecologia humana, geografia, medicina, economia política, botânica, história, dentre outras áreas da ciência.

Como situação social, os conflitos ambientais se desenvolvem em torno da disputa pelos usos, controle e acesso aos recursos naturais. LITTLE (2001, p.107) os define como socioambientais por englobar três dimensões básicas: "o mundo biofísico e seus múltiplos ciclos naturais, o mundo humano e suas estruturas sociais, e o relacionamento dinâmico e interdependente entre esses dois mundos". Dessa forma, a dinâmica da interação homem-natureza está no cento dos conflitos socioambientais.

Procedimento metodológico

A pesquisa foi realizada a partir do Povoado Saúde, município de Santana do São Francisco (SE), na região do Baixo São Francisco (coordenadas geográficas 10º 17' 28" de Latitude Sul e 36º 36' 29", de Longitude Oeste), distante a 126 km de Aracaju, capital de Sergipe. Nessa localidade a atividade predominante na renda da maioria das famílias é a pesca, acompanhada da agricultura de subsistência (JESUS & GOMES, 2010a).

A escolha do povoado Saúde como área de estudo partiu do fato de lá localizar-se o atravessador-local, servindo de base para a atividade extrativista da aroeira, que abrange os diversos municípios na região do Baixo São Francisco. Assim, foram identificados os demais locais de coleta, os atores envolvidos nas relações sociais no extrativismo da aroeira no estado de Alagoas (Piaçabuçu: Peba e Sudene), no estado do Espírito Santo (São Mateus - Guriri: Nativo, Barra Nova e Gameleira; Nova Venécia: Quilômetro 41 e Linhares: Quilômetro 137) e Sergipe (Neópolis: Pov. Passagem; Brejo Grande: Brejão dos Negros, Pacatuba: Brejo da Itioca; e Ilha das Flores: Bolivar). No estado de Sergipe foram totalizadas trinta e quatro entrevistas; em Alagoas doze entrevistas e no Espírito Santo sete entrevistas, além da realização de entrevistas direcionadas a seis técnicos e/ou gestores públicos da Administração Estadual do Meio Ambiente (ADEMA), Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio/AL), Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais (IBAMA/SE). Além disso, estabeleceram-se conversas informais com atores-chave, em diversas localidades do Baixo São Francisco e consulta à delegacia de polícia de Neópolis (SE).

Esta pesquisa teve um enfoque qualitativo, pois o planejamento variou de acordo com as situações que foram apresentadas nas fases de coleta e análise das informações. Durante todo o processo, a retroalimentação entre a coleta e a análise ocorreu permanentemente (ALVES-MAZZOTTI & GEWANDSZNAJDER, 2002, p. 150). Para esta análise, foram utilizadas informações coletadas de 2001 a 2011, pelo fato dos autores estarem em constante contato com as comunidades por meio de um projeto de pesquisa e extensão.

Assim, o conceito analítico de configuração, segundo Elias & Scotson (2000), contribui para compreensão do fenômeno estudado de forma relacional, uma vez que o conflito socioambiental no extrativismo da aroeira ocorre engendrado nas comunidades ribeirinhas do Baixo São Francisco (SE/AL), entre os pescadores que praticam o extrativismo da aroeira nas localidades.

Ademais, o enfoque metodológico para identificação dos conflitos existentes na atividade extrativista foi embasado Little (2001; 2008), definindo-o como conflito socioambiental compreendido a partir das interações entre os atores que estabelecem relações sociais e interagem com o meio ambiente.

Os atores envolvidos foram identificados sob a perspectiva dos conflitos sociais, em função do uso dos recursos e entre diferentes interesses e/ou perspectivas dos sujeitos (FERREIRA, 1999).

Os resultados foram analisados segundo a teoria dos conflitos, em sua tipologia; natureza e identificados como socioambientais, consubstanciado em Ferreira (1999) e Little (2001; 2008). Como uma prática social, analisou-se a partir do conceito de configuração em Elias & Scotson (2000).

Entendendo extrativismo da aroeira no Baixo São Francisco

A partir de 2001 a comunidade do povoado Saúde (Santana do São Francisco - SE) passou a se envolver com uma nova atividade geradora de renda em um período sazonal, o extrativismo de coleta do fruto da aroeira.

A aroeira (Schinus terebenthifolius Raddi) ocorre naturalmente em vários estados brasileiros, a partir de Pernambuco e demais estados do Nordeste. Essa espécie da família da Anacardiaceae, chamada popularmente de aroeira vermelha, também é encontrada no Rio Grande do Sul e Mato Grosso do Sul (LENZI & ORTH, 2004).

As comunidades ribeirinhas ao longo do litoral dos diversos estados do país buscam a aroeira a fim de complementar a renda familiar. Segundo os empresários da indústria exportadora de pimenta-rosa entrevistados, dos extrativistas da aroeira em todo o Brasil, pode-se afirmar que 90% são pescadores (2ª e 3ª empresários entrevista, 2009).

Nesse contexto, o extrativismo da aroeira se estabelece como alternativa de complementação da renda familiar para as comunidades ribeirinhas do Baixo São Francisco. Segundo o representante de uma indústria, ao chegar às comunidades faz-se uma "mobilização", o que significa instalar "pontos" de coleta. As crianças e as mulheres são as primeiras a serem atraídas pela possibilidade de adquirir algum ganho. Despertado o interesse, também os homens se integram nos locais, sendo comum que todos recebam valores muito baixos pelo quilo coletado do fruto.

O acompanhamento da renda mensal das famílias do Povoado Saúde (SE) mostrou que a média de rendimento em 2008 (ano em que foram comercializados 40 t. do fruto da região), com o extrativismo da aroeira foi em torno de R$ 531,00/mês, durante o período de coleta, o menor ganho por família foi de R$ 45,00 (quarenta e cinco reais) e o maior de R$1.600,00 (hum mil e seiscentos reais) (JESUS et al., 2011).

Pelo aspecto comunitário, a atividade extrativista da aroeira surge como uma prática nova entre os atores, ainda por se estabelecer enquanto tipificação que dê identidade ao grupo como prática social institucionalizada na comunidade local, diferente do que acontece com a pesca. Por outro lado, existe a dependência dos atores no sentido da avaliação feita pela comunidade a qual pertencem, isso lhes confere identidade. Essa avaliação quando vista de forma negativa, com censura, interfere na autoestima dos atores, como o não reconhecimento no sentimento de pertencimento, ao contrário de uma imagem positiva formadora da identidade coletiva. Mas, também marca a posição social dos atores em relação as posses materiais na comunidade (JESUS & GOMES, 2010b).

A partir da comunidade da Saúde (Sergipe), inicia-se a preparação para ao período da coleta. Com a indicação de locais, transporte, recebimento da produção/estocagem e pagamento aos coletores do local. Sob o comando local do atravessador-local e/ou ponto envolvendo os familiares, esposa e filhos. Essa família, por sua vez, seleciona outras famílias locais (parentes, amigos e vizinhos), organizados em grupos familiares (pai, mãe, filhos, sobrinhos) para a atividade de coleta da aroeira. A partir dessa localidade, vários "pontos" são estabelecidos, a exemplo do município de Piaçabuçu, onde a atividade se desenvolve sob a orientação da família do atravessador local e/ou ponto, do lado sergipano da comunidade da Saúde (SE) (JESUS & GOMES, 2010b).

A rede de solidariedade, relações de parentesco e vizinhança nas comunidades (Saúde/ SE e Sudene/AL) confirmam a análise de Godelier (s.d, p. 319): o econômico se constitui por um campo de relações econômicas e não econômicas, ao mesmo tempo. Nesse sentido, o extrativismo como uma atividade geradora de renda para as famílias, não se reduz ao aspecto econômico, pois sua prática envolve as redes de solidariedade locais. Observamos em outras atividades, a exemplo da pesca, dependente de recursos existentes no local, que ao mesmo tempo possibilita manter relações sociais da esfera da vida não econômica, como as sociabilidades proporcionadas nos momentos de encontros e partilha.

Por outro lado, a indústria adota a estratégia da informalidade com a ausência de qualquer contrato formal e registro em base local. Coordena seus interesses através de representantes e do comprador-local em cada região de coleta. Os extrativistas, na base da pirâmide, encontram-se distantes para negociar junto à indústria os valores por quilo da aroeira in natura (JESUS & GOMES, 2010a).

Convém ressaltar que os indicadores sociais e econômicos dos municípios nos quais as comunidades do Baixo São Francisco (SE/AL) praticam o extrativismo da aroeira apresentam índice de Gini entre 0,38 - 0,42; índices de pobreza entre 48,99 - 60,13; pobreza superior subjetiva 59,77 - 74,88; e o IDH entre 0,550 - 0,622. Nos municípios relacionados à pesquisa: Santana do São Francisco/SE, Brejo Grande/SE, Ilha das Flores/SE, Pacatuba/SE, Neópolis/SE e Piaçabuçu/AL, os índices são desfavoráveis às populações locais no tocante a qualidade de vida, encontrando-se abaixo da média nacional de 0,742 IDH.

Nesse contexto, a região denominada como "Baixo" São Francisco pelo aspecto geomorfológico acaba por nos remeter, por analogia, ao termo "baixo" se referindo ou designando indicadores sociais e econômicos desfavoráveis do ponto de vista das desigualdades, gerados pela concentração fundiária e altos índices de pobreza nessa região, redutoras das oportunidades de melhorar as condições de vida.

Conflito socioambiental no extrativismo da aroeira e os atores sociais envolvidos

A prática extrativista da aroeira gera conflitos e expressa a racionalidade não intencional (GODELIER, s.d), uma ação consciente ou não entre os atores envolvidos, quanto aos resultados da ação intencional no conjunto de atividades. Desse modo, os atores têm razões para o que fazem, mas o fazer tem consequências (GIDDENS, 2003).

Desse modo, surgem conflitos entre os "donos de ilhas" e extrativistas da aroeira; entre órgão ambiental e empresa exportadora; órgão ambiental e extrativistas; tensão entre as empresa processadoras - exportadoras com os extrativistas da aroeira; entre as duas empresas compradoras-processadoras dos fruto e entre órgãos ambientais.

Para um melhor entendimento da análise com base em Little (2001, 2008) e Ferreira (1999), que orienta a buscar o que está em jogo no conflito em todas as situações entre os diversos atores, entende-se que a ausência de normatização para o manejo da espécie é o fator central gerador do conflito que se dá pela apropriação e acesso à aroeira com diferentes significados entre os atores envolvidos (Tabela 1).

A ausência de instituições como prefeituras, Órgão Estadual de Meio Ambiente (OEMA) de Alagoas e Comitê de Bacias Hidrográficas nesta análise justifica-se pela total ausência destes durante a realização da pesquisa, pois não apareceram nos discursos dos sujeitos e não foram vistos nas ações relacionadas aos conflitos envolvendo o extrativismo da aroeira.

O campo de disputa pela espécie aroeira ocorre em dois tipos de áreas protegidas: 1) Áreas de Preservação Permanente (APP), localizadas nas ilhas (áreas pertencentes à União, concedidas a terceiros), bem como propriedades particulares nas margens do rio São Francisco, nem sempre com regularização fundiária; 2) Unidades de Conservação, do grupo de uso sustentável, categoria Área de Proteção Ambiental (APA). São duas existentes na região: APA-Piaçabuçu/AL e APA Litoral Norte/SE.

Verifica-se na área estudada que nos dois campos de disputa, existem pressões negativas sobre a espécie (Schinus terebenthifolius Raddi), que serão descritas a seguir.

Áreas de Preservação Permanente

De acordo com o Código Florestal, nas Áreas de Preservação Permanente (neste caso, matas ciliares) são permitidas atividades consideradas de baixo impacto ambiental a exemplo do extrativismo de produtos florestais não madeireiros. No entanto, por ser Área de Preservação Permanente parte-se do princípio de que se requer a ação do Estado, na forma de licenciamento por meio da apresentação de um plano de manejo, como uma forma de inibir o desmatamento. Porém, tal procedimento não está acontecendo na região.

Quando o suposto "dono da ilha" não realiza o desmatamento, constatadas em diversas falas dos entrevistados que afirmam que os "donos das ilhas" estão cortando as árvores como forma de impedir a entrada dos extrativistas. O acesso às áreas de ocorrência natural muitas vezes se faz mediante o acerto sobre o valor a ser pago, de acordo com a estimativa de produção de coleta, como se fosse um "pedágio". Em alguns locais, em que não existe um acordo, os extrativistas acabam entrando escondido, correndo o risco de serem denunciados à polícia.

Em algumas situações de tensão, por adentrarem as áreas de terceiros, os extrativistas da aroeira deixam os frutos coletados e abandonam o local. Em outras situações o extrativista consegue entrar em acordo, mediante a promessa de pagamento pelo fruto da aroeira extraído.

O conflito tomou, em algumas situações, maiores proporções com registro em Boletim de Ocorrência em 2004, na Delegacia da cidade Neópolis (SE), contra o atravessador-local do Povoado Saúde, município de Santana do São Francisco (SE), sob a acusação de roubo na propriedade. Segundo a versão do "posseiro" da ilha, os extrativistas entravam e roubavam e ele não ganhava nada, passou a proibir que entrassem para coletar, mas entravam escondidos. Quando passou a proibir prometeram pagar, mas não cumpriram, por isso deu queixa e depois disso o representante da empresa compradora - processadora do estado do Espírito Santo efetuou o pagamento.

Um aspecto que merece melhor análise é a própria constatação de como se estabelece a denominação "dono da ilha". Não foram encontrados registros que podem confirmar a "posse" das ilhas do lado sergipano.No levantamento feito junto à Prefeitura de Santana do São Francisco nos informaram que o mapeamento da região ainda não está concluído. Os nomes fornecidos das pessoas que possuem a posse de algumas ilhas no Baixo São Francisco em Sergipe, por servidor dessa prefeitura, não coincidem com os dados adquiridos junto a Gerência Regional de Patrimônio da União (GRPU) em Aracaju.

Convém ressaltar que o desmatamento e pressões decorrentes do extrativismo da espécie foram encontrados em estudo de Ferreira et al. (2011), que estudando cinco fragmentos florestais na região do Baixo São Francisco, constataram que a espécie Schinus terebinthifolius apresentaram alto nível de intervenção antrópica em todos os fragmentos estudados, decorrentes da pressão de exploração da espécie na região, principalmente de seus frutos. A baixa diversidade genética constatada nos estudos com a S. terebinthifolius nos referidos fragmentos sugere a necessidade emergente de um plano de manejo visando à conservação da espécie na região, uma vez que se apresentam na paisagem de forma isolada, dificultando o fluxo alélico entre os indivíduos. Foi enfatizado também que a baixa diversidade genética da espécie deverá trazer como consequência a redução da produção e a qualidade dos frutos.

Unidades de Conservação

Nas unidades de conservação da categoria Área de proteção Ambiental (APA),- é permitida a presença de propriedades particulares e visa disciplinar o processo de ocupação do solo e assegurar a sustentabilidade dos recursos naturais (BRASIL, 2000).

Vale ressaltar que a APA do lado do estado de Sergipe, apesar do Decreto de criação (Decreto Estadual de nº 22.995/11/2004), ainda não foi consolidada, pois nem existe a presença do gestor da unidade.

Outra pressão sobre a espécie aroeira expressou-se nos conflitos entre as empresas processadora-exportadora do fruto da aroeira no interior da APA Piaçabuçu. Em 2004, no Povoado Pontal do Peba, município de Piaçabuçu em Alagoas, uma empresa denunciou outra ao IBAMA/AL, culminando com a apreensão de toda a produção extrativa em poder dos representantes das duas empresas. Tal fato fornece uma prova documental das disputas por território de ocorrência dessa espécie e a competição entre as duas empresas que claramente se configura em mais um típico conflito de interesses, em que dois agentes econômicos no espaço de uso do recurso existente, as aroeiras, querem assegurar a mercadoria (frutos da aroeira) de seus interesses e/ou das empresas a qual representam.

Ambas orientaram a ação para obter a produção dos frutos da aroeira do Baixo São Francisco com a coleta, em um local proibido por impedimento legal em uma Área de Proteção Ambiental (APA Piaçabuçu/AL). No percurso dessa competição uma das concorrentes orienta sua ação usando a denúncia como meio de eliminar a outra, como uma exigência naquele momento, aceita os fins concorrentes. Como observa Weber (2004), a racionalidade com relação a valores terá sempre o caráter irracional. Ambas foram autuadas pelo órgão ambiental, com a produção apreendida. Por outro lado, uma dessas empresas recebeu autorização provisória junto ao IBAMA (Atual Instituto Chico Mendes) para coletar os frutos dentro da APA em Alagoas.

A autorização provisória expedida pelo IBAMA/AL para exploração dos frutos da espécie aroeira (Schinus terenbentifolius Raddi.) dentro da APA, tem como base um parecer técnico que definiu que:

permaneça no mínimo de 30% dos frutos para manutenção da avifauna e reprodução natural da espécie, que a exploração seja feita tão somente através de poda dos ramos com frutos e não através da supressão da planta e que a coleta seja feita somente por pessoal treinado pela empresa (BRASIL, 2005).

Nessa Informação técnica, o analista ambiental responsável reconhece que a legislação ambiental é omissa em relação à exploração dessa espécie. Por isso, criam-se alguns entraves quanto à postura dos órgãos ambientais, sobretudo a partir da descentralização da gestão ambiental referente às atribuições nas esferas de governo federal e estadual.

Conflitos de competências entre esferas de governo

O processo de descentralização da gestão ambiental pública está em curso no estado de Sergipe desde 2008, sem, contudo, adotar medidas referentes ao exercício da atividade extrativista em Área de Preservação Permanente, sendo que o extrativismo é anterior a esse processo, pois existe na região há onze anos. A descentralização na ótica de Furtado e Furtado (2009, p.70) em suma, quando se transfere responsabilidade e poder, tem-se a "descentralização", quando se transfere somente a responsabilidade, passa a ser "desconcentração".

Em uma das entrevistas foi colocada a insatisfação dos analistas ambientais do estado de Sergipe em relação aos recursos financeiros disponíveis para atender às recentes competências do órgão estadual.

Cabe ressaltar que o rio São Francisco limita-se entre dois estados no Baixo São Francisco (Sergipe e Alagoas), sendo em tese bem da União, segundo a Constituição Federal Brasileira de 1988, reforçado recentemente pela Lei Complementar n0 140 (BRASIL, 2011), a competência do IBAMA em trabalhar a gestão florestal da região de forma compartilhada com o Órgão Estadual do Meio Ambiente (OEMA).

Nesse sentido, segundo entrevista com técnicos em pesquisa de campo em 2009, o entendimento do Órgão Estadual de Meio Ambiente (OEMA - ADEMA/SE) em Sergipe, afirmam que com a descentralização da gestão florestal o órgão ambiental está se adequando às novas competências. Para esse órgão não existia recebimento de denúncia sobre a atividade extrativista no Baixo São Francisco/SE, o que poderia motivar ações fiscalizadoras no local. Além disso, existem dúvidas a qual órgão compete às ações de fiscalização.

No órgão ambiental federal, IBAMA/SE, identificamos uma ação referente à orientação à forma de coleta dos frutos da aroeira. O Núcleo de Educação Ambiental do IBAMA/SE realizou em 2005 uma palestra de orientação de como deve ser realizada a coleta junto aos extrativistas da aroeira. Em relação à empresa, no IBAMA/SE não consta registro de autuação e apreensão, como ocorrido na APA/AL, pelo IBAMA/AL (Atual ICMBio).

O analista ambiental do IBAMA/SE deixa a entender que somente mediante o recebimento de denúncia formalizada junto ao órgão ocorrem ações de fiscalização. Nesse aspecto, analisamos ser do conhecimento, uma vez que o próprio órgão ambiental já realizou uma palestra, a ação de educação ambiental no local, justamente para minimizar os impactos ambientais referentes à atividade extrativista.

Enquanto divergem nesse sentido os frutos da aroeira são coletados, sem uma normatização técnica ou fiscalização no estado de Sergipe. Ao que tudo indica com um extrativismo não sustentável, uma vez que para ser sustentável é necessário que não seja deletéria em longo prazo na reprodução e regeneração na população de indivíduos e a taxa de exploração seja menor que a taxa de regeneração (SOLDATI & ALBUQUERQUE, 2008).

Relações de confiança e disputas entre moradores do estado de Sergipe e Alagoas

Outra relação conflituosa encontrada refere-se à postura dos compradores das empresas que muitas vezes conflitam com o extrativista (atravessador-local), utilizando meios de desestabilizar a relação de confiança entre os extrativistas e o atravessador-local. Ao oferecer valores maiores aos extrativistas pela coleta, contrário ao que foi acordado entre ela (empresa processadora - exportadora) e o atravessador-local, responsável por fazer o pagamento aos extrativistas com o dinheiro repassado pela empresa. Essa postura visa além de desestabilizar, diminuir os custos da empresa, pois deixa de pagar ao intermediário (atravessador - local) o percentual sobre o que foi coletado.

No município de Brejo Grande (SE), a presença de extrativistas de outros municípios torna-se indesejada, principalmente devido à disputa dos locais de coleta, porque o grande número de pessoas em busca dos frutos da espécie aroeira (chega em torno de 500 famílias em todo o Baixo São Francisco, segundo Jesus & Gomes (2010a). Segundo o atravessador-local foi feito um acordo para que os extrativistas do Povoado Saúde (SE) não fossem coletar em outros municípios, garantindo a participação apenas da comunidade local.

As situações de conflito, como oposição e integração (SIMMEL 1992, p. 87), instalam-se nas comunidades quando uma procura excluir a outra no uso do espaço, nessas situações os grupos se unem por interesses comuns, reservando para seu grupo a maior parte do recurso natural.

Nesse aspecto, o líder do grupo extrativista da aroeira, que também é um pescador artesanal, na comunidade do município alagoano, no povoado Sudene (AL), demonstra insatisfação com a entrada da família do atravessador-local do povoado Saúde (SE), representada por um ramo de parentesco em Piaçabuçu (AL), que passou a intermediar as relações no local. A família local deixou de tratar diretamente com os representantes da empresa exportadora do Espírito Santo.

Em 2010, uma Organização Não-Governamental aprovou recursos junto ao Edital Petrobras Ambiental para a formação de uma Associação de Catadores de Aroeira. Esta se instalou em Piaçabuçu (AL) e possui o apoio da prefeitura do município que cedeu o terreno para a construção do galpão de processamento dos frutos. A ONG está trabalhando com os associados na melhor forma de coleta dos frutos, porém ainda é fato a ausência de controle dos órgãos ambientais. A disputa entre os extrativistas dos dois estados está se formalizando na medida em que na Associação recém-criada e que possui em torno de 100 integrantes, contempla apenas uma família de Sergipe. As empresas procedentes do estado do Espírito Santo ainda procuram pelos extrativistas locais que não se organizaram e até mesmo os membros da nova associação alegam que poderão comercializar os frutos para essas empresas caso seja rentável.

Considerações finais

Nos conflitos analisados entre os anos de 2001 a 2011, o que se pode constatar é a falta de uma normatização clara, isto é, um controle dos órgãos ambientais (Federal e Estadual) sobre o manejo da espécie o que acaba contribuindo para que conflitos socioambientais ocorram.

Este estudo reforça como os Produtos florestais Não Madeireiros são negligenciados pelas políticas públicas que permitem o livre acesso, sem levar em conta as perdas causadas à biodiversidade.

Assim, além do entendimento entre as esferas de governo Federal e Estadual, torna-se fundamental o envolvimento dos atores das comunidades locais onde se dão as práticas sociais, para que se possa implantar um terceiro marco no sentido de se criar uma política indutora construída com a participação dos atores envolvidos em todas as etapas do processo.

O desafio que se coloca é aglutinar a diversidade de interesses e, ao mesmo tempo, abrir canais de diálogo, participação e interação e diálogo/cooperação entre os atores, gestores federal, estadual, municipal, extrativistas, empresários e proprietários e "donos das ilhas", garantindo que o extrativismo da aroeira venha a fazer parte de programas de governo a exemplo do "Projeto de revitalização do rio São Francisco" e de forma mais ampla de uma Política Florestal Sustentável.

Apoio: Edital MCT/CNPq 2008 e FAPITEC

Submetido em: 01/03/2012

Aceito em: 30/08/2012

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    17 Dez 2012
  • Data do Fascículo
    Dez 2012

Histórico

  • Recebido
    01 Mar 2012
  • Aceito
    30 Ago 2012
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