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Cursos de Graduação em Ecologia no Brasil: aproximações paradigmáticas

Resumos

Desde o final do século XIX, a Ecologia vem passando por processos de ampliação e diversificação. Por isso, o presente estudo identificou os paradigmas que perpassam as propostas pedagógicas dos cursos de graduação em Ecologia. Entendemos cada curso como expressão de pensamentos e ações de uma comunidade científica, os quais influenciam a construção das concepções profissionais, bem como os conteúdos e as formas de suas investigações. A pesquisa caracteriza-se como qualitativa, de cunho documental e hermenêutico. Foram analisados todos os cursos de graduação em Ecologia no Brasil, que são oito no total. Concluímos que os projetos estruturados, a partir da virada do século, contemplam perspectivas mais complexas, ou seja, compreende-se que os organismos não são apenas partes de comunidades ecológicas, mas complexos ecossistemas, contendo uma multidão de organismos menores, dotados de uma considerável autonomia e, não obstante, harmoniosamente integrados no funcionamento do todo.

Ecologia; Paradigmas; Projeto pedagógico de curso


A partir del final del siglo XIX, la Ecología sufre procesos de ampliación y variedad. Este estudio tiene por objetivo identificar los paradigmas que atraviesan las propuestas pedagógicas de los cursos de graduación en Ecología. Entendemos cada curso como la expresión de los pensamientos y acciones de una comunidad científica, que influencian tanto la construcción de las concepciones profesionales como los contenidos y las formas de sus investigaciones. La investigación es de tipo cualitativo, de cuño documental y hermenéutico. Se analizaron todos los cursos de graduación en Ecología de Brasil, que son ocho en total. Concluimos que los proyectos estructurados, a partir del cambio de siglo, contemplan perspectivas más complejas, es decir: los organismos no son tan solo partes de comunidades ecológicas, sino complejos ecosistemas que contienen una multitud de organismos menores. Están dotados de una autonomía considerable y, no obstante, están integrados de forma harmónica en el funcionamiento del todo.

Ecología; Paradigmas; Proyecto pedagógico de curso


From the end of the century XIX, the Ecology is suffering processes of enlargement and diversification. The objective of this study is to identify the paradigms that pervade the pedagogical proposals of university degree programs in ecology. Each course is understood as an expression of the thoughts and actions of a scientific community, which influence the construction of professional concepts as well as the contents and forms of the field's inquiries. The research is characterized as qualitative, in terms of both documentary and hermeneutic nature. All of the university ecology degree programs in Brazil, which total eight, were analyzed. It was concluded that the structured programs from the turn of the century and onward have included more complex perspectives. Specifically, they are comprised by organisms that are not only part of ecological communities but rather are part of more complex ecosystems, of which contain a multitude of smaller organisms that are endowed with considerable autonomy, and, moreover, are harmoniously integrated in how everything within an ecosystem works.

Ecology; Paradigms; Educational projects


Cursos de Graduação em Ecologia no Brasil: aproximações paradigmáticas

Camila Ferreira Pinto das NevesI; Gionara TauchenII

IEcóloga. Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Educação em Ciências: Química da Vida e Saúde, Universidade Federal do Rio Grande - FURG. E-mail: Camilapinto.eco@gmail.com

IIProfessora vinculada ao Instituto de Educação, Universidade Federal do Rio Grande - FURG. E-mail: giotauche@gmail.com

RESUMO

Desde o final do século XIX, a Ecologia vem passando por processos de ampliação e diversificação. Por isso, o presente estudo identificou os paradigmas que perpassam as propostas pedagógicas dos cursos de graduação em Ecologia. Entendemos cada curso como expressão de pensamentos e ações de uma comunidade científica, os quais influenciam a construção das concepções profissionais, bem como os conteúdos e as formas de suas investigações. A pesquisa caracteriza-se como qualitativa, de cunho documental e hermenêutico. Foram analisados todos os cursos de graduação em Ecologia no Brasil, que são oito no total. Concluímos que os projetos estruturados, a partir da virada do século, contemplam perspectivas mais complexas, ou seja, compreende-se que os organismos não são apenas partes de comunidades ecológicas, mas complexos ecossistemas, contendo uma multidão de organismos menores, dotados de uma considerável autonomia e, não obstante, harmoniosamente integrados no funcionamento do todo.

Palavras-chave: Ecologia; Paradigmas; Projeto pedagógico de curso.

ABSTRACT

From the end of the century XIX, the Ecology is suffering processes of enlargement and diversification. The objective of this study is to identify the paradigms that pervade the pedagogical proposals of university degree programs in ecology. Each course is understood as an expression of the thoughts and actions of a scientific community, which influence the construction of professional concepts as well as the contents and forms of the field's inquiries. The research is characterized as qualitative, in terms of both documentary and hermeneutic nature. All of the university ecology degree programs in Brazil, which total eight, were analyzed. It was concluded that the structured programs from the turn of the century and onward have included more complex perspectives. Specifically, they are comprised by organisms that are not only part of ecological communities but rather are part of more complex ecosystems, of which contain a multitude of smaller organisms that are endowed with considerable autonomy, and, moreover, are harmoniously integrated in how everything within an ecosystem works.

Key Words: Ecology; Paradigms; Educational projects.

RESUMÉN

A partir del final del siglo XIX, la Ecología sufre procesos de ampliación y variedad. Este estudio tiene por objetivo identificar los paradigmas que atraviesan las propuestas pedagógicas de los cursos de graduación en Ecología. Entendemos cada curso como la expresión de los pensamientos y acciones de una comunidad científica, que influencian tanto la construcción de las concepciones profesionales como los contenidos y las formas de sus investigaciones. La investigación es de tipo cualitativo, de cuño documental y hermenéutico. Se analizaron todos los cursos de graduación en Ecología de Brasil, que son ocho en total. Concluimos que los proyectos estructurados, a partir del cambio de siglo, contemplan perspectivas más complejas, es decir: los organismos no son tan solo partes de comunidades ecológicas, sino complejos ecosistemas que contienen una multitud de organismos menores. Están dotados de una autonomía considerable y, no obstante, están integrados de forma harmónica en el funcionamiento del todo.

Palabras clave: Ecología; Paradigmas; Proyecto pedagógico de curso.

Introdução

Atualmente, no Brasil, existem oito cursos de Graduação em Ecologia (BRASIL, 2010) e cinquenta e nove programas de Pós-Graduação na área: cinquenta e quatro Programas de Mestrado Acadêmico, quatro Programas de Mestrado Profissional e trinta e cinco Programas de Doutorado. O crescimento dos cursos parece estar vinculado às atuais demandas da sociedade, no que se refere às questões ecológicas (BIRNFELD, 2006; LEFF, 2011), abrangendo, não apenas a formação profissional inicial, mas a organização da Ecologia como campo de conhecimento. Morin (2011) considera que a emergência da Ecologia decorre, em parte, do conteúdo e da forma de desenvolvimento das disciplinas científicas que, "tendo fragmentado e compartimentado mais e mais o campo do saber, demoliu as entidades naturais sobre as quais sempre incidiram as grandes interrogações humanas: o cosmo, a natureza, a vida e, a rigor, o ser humano" (idem, p. 26). Por isso, considera a Ecologia e a Cosmologia, por exemplo, como ciências poli ou transdisciplinares e multidimensionais, uma vez que têm por objeto de estudo um sistema complexo, que forma um todo organizado, a partir de interações, retroações, inter-retroações dos seus elementos. Morin (2011) considera, ainda, que o desafio dos desafios, da nossa época, é a nossa "aptidão para organizar o conhecimento [...]. Trata-se de uma reforma não programática, mas paradigmática" (p. 20).

Por isso, acreditamos que, para construir possibilidades e estratégias, nessa direção, é importante investigar a historicidade da Ecologia, as concepções dos grupos de praticantes dessa ciência e os princípios que orientam a educação científica, expressos nos projetos pedagógicos dos cursos em questão. Esse movimento poderá auxiliar na compreensão dos fundamentos da formação profissional do ecólogo e das demandas decorrentes. Nossas hipóteses de estudo sugerem que a Ecologia, para estruturar-se e ser reconhecida como um campo científico de estudos incorporou princípios do paradigma cartesiano, tais como o reducionismo, a objetividade, a mensuração, entre outros. Contudo, no movimento de ruptura ou de diferenciação deste paradigma, é projetada como um campo de religação de saberes, demandando outros fundamentos e princípios paradigmáticos. Neste movimento, os projetos de formação, em especial dos cursos se graduação, podem denotar estas diferenciações e construções paradigmáticas.

Assim, neste artigo, investigamos e analisamos os paradigmas que perpassam as propostas pedagógicas dos cursos de graduação em Ecologia das instituições de educação superior brasileiras. Nossa análise parte do entendimento de Kuhn (2009, p. 64), que define paradigmas1 1 Embora Kuhn (2009) tenha expressado uma multiplicidade de sentidos para a expressão paradigmas, ao longo da obra "A estrutura das revoluções científicas", interessa, para o nosso estudo, essa acepção. Optamos, também, por fundamentar a compreensão paradigmática em Kuhn por ter sido o precursor de tais reflexões e pelas contribuições epistemológicas decorrentes dos estudos do autor. como um "conjunto de crenças, valores e técnicas que caracterizam um sistema de pensamento, determinando uma visão de mundo que confere homogeneidade à produção científica e à organização da sociedade". Acreditamos que os modelos adquiridos, por meio dos processos educativos, envolvidos na formação inicial dos ecólogos, proporcionam o que Kuhn (2009, p. 70) denomina de "status de paradigma comunitário", ou seja, os projetos pedagógicos dos cursos expressam teorias e práticas sobre este campo científico e profissional. Morin (2011, p. 113) também considera que "um paradigma impera sobre as mentes porque institui os conceitos soberanos e sua relação lógica (disjunção, conjunção, implicação), que governam, ocultamente, as concepções e as teorias científicas, realizadas sob seu império". A partir destas considerações iniciais, questionamos: Que sistemas de pensamento orientam os projetos pedagógicos dos cursos de graduação em Ecologia do Brasil? Que abordagens ecológicas estão subjacentes aos projetos pedagógicos? Os cursos de Ecologia expressam visões de mundo compartilhadas, configurando um paradigma ecológico?

Abordagem metodológica: o processo de análise e compreensão

O estudo deste artigo caracteriza-se como pesquisa qualitativa, pois não pretende o alcance da verdade estabelecer o que é certo ou errado; tem, como preocupação primeira, a compreensão da realidade, suas determinações e transformações (MINAYO, 2001). Assim, dada a natureza do nosso problema de investigação, entendemos ser necessária uma abordagem metodológica sustentada por um processo de compreensão e, pois isso, realizamos um estudo de natureza hermenêutica junto às fontes documentais. Para Hermann (2002, p. 27), "no sentido metodológico a hermenêutica pretende formular princípios interpretativos, ao mesmo tempo em que pretende esclarecer a própria tarefa da compreensão".

A partir destas escolhas, tomamos como objeto de investigação os projetos pedagógicos (PP) dos cursos de Ecologia das instituições de educação superior brasileiras (Tabela 1), a saber: Universidade Estadual Paulista (UNESP - Rio Claro), Universidade Católica de Pelotas (UCPEL - Pelotas), Centro Universitário de Belo Horizonte (UNI-BH - Belo Horizonte), Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN - Natal), Universidade Federal da Paraíba (UFPB - Rio Tino), Universidade Federal Rural do Semi-árido (UFERSA - Mossoró), Universidade Federal de Goiás (UFG - Goiânia), e a Universidade Federal de Sergipe (UFS - São Cristóvão).

Compreendemos que hoje, a Ecologia não está restrita aos departamentos biológicos, de modo que seu discurso está disperso em campos científicos diferentes (MELLO, 2006), como, por exemplo, nas áreas das Ciências Exatas e Ciências Humanas. Conforme Mello (2006, p. 50), "nas diferentes definições de Ecologia feitas pelos Ecólogos, observa-se que cada qual apresenta a ciência enfatizando o objeto com que trabalha (organismos, populações, comunidades, ecossistemas)". Por isto, trataremos, em breve, dos percursos históricos de organização do pensamento ecológico. Para tanto, dialogaremos com os pioneiros desses estudos, construindo uma visão mais alargada da Ecologia. Esta historicização possibilitará uma compreensão mais ampla sobre os processos de organização do conhecimento ecológico e subsidiará nossas interpretações e análises dos projetos pedagógicos dos cursos.

Caminhos do pensamento ecológico

Haeckel (1866), precursor da palavra Ecologia, utilizou-a para denominar uma disciplina científica, conectada ao campo da Biologia, que tinha como função estudar as relações entre as espécies animais e o seu ambiente (ODUM, 2001). Porém, surgiram, posteriormente, diferentes ideias, projetos e visões de mundo, o que acabou ampliando a compreensão de Ecologia de Haeckel, tornando-a mais abrangente do que apenas uma disciplina de corpo de conhecimentos especializados. Conforme destacam Lago e Pádua (1985, p. 10), "evidentemente que essa passagem de uma disciplina para um campo de pensamento que procura sintetizar tantos elementos diferentes gera de imediato, entre os próprios ecólogos, uma crise de método e de definição em relação ao âmbito do seu estudo".

Outros significados também são destacados por Pinto-Coelho (2002, p. 12):

1. História natural científica (ELTON, 1927).

2. Biologia de grupos de organismos. Estudo das estruturas e da função da natureza (ODUM, 1963).

3. Estudo científico das interações que determinam a distribuição e a abundância dos organismos (KREBS, 1972).

4. Estudo do meio ambiente enfocando as inter-relações entre os organismos e seu meio circundante (RICKLEFS, 1980).

Essa abrangência e heterogeneidade de entendimentos pode ser um problema para a definição do campo científico da Ecologia, pois ela é um campo que permeia as Ciências Naturais e as Ciências Humanas (MELLO, 2006) e, por consequência, para a estruturação de um paradigma ecológico.

Para compreendermos melhor o desenvolvimento do pensamento ecológico, partimos dos estudos de Lago e Pádua (1985). Segundo os autores, a Ecologia Natural é a área primordial do pensamento ecológico e tem, como foco, o estudo dos ecossistemas, ou seja, compreender como ocorre o funcionamento dos oceanos, das florestas, etc. Da especialização dos estudos dessa área, surgiram novas subespecialidades como Ecologia Florestal, Ecologia Marinha, Ecologia Humana, Ecologia Terrestre, Ecologia dos Ecossistemas, etc. Para os autores, o conceito de ecossistema é a base na qual se fundamenta todo o universo e, por consequência, a Ecologia:

Cada um desses ambientes é um todo integrado, uma unidade funcional de vida, onde a interação conjunta das diversas espécies de animais e vegetais que nele estão presentes, juntamente com o fundo físico-químico composto pelos fatores minerais, climáticos etc., constrói o sistema de equilíbrio que permite o funcionamento do todo. (LAGO e PÁDUA, 1985, p. 18).

Porém, a intervenção do homem nesses ambientes demandou novas reflexões e estudos sobre o pensamento ecológico. Por isso, em 1960, surge a Ecologia Social, área que se configurou a partir da análise do impacto das sociedades sobre os ambientes naturais, gerando debates sobre os efeitos da degradação, cada vez mais visível pela extração de recursos naturais, por exemplo, desmatamento de floretas, extração de petróleo, poluição das águas, etc. Nessa perspectiva, Morin (2011, p. 28) observa que, a partir dos anos 1970, "a pesquisa ecológica estendeu-se à biosfera como um todo, sendo esta concebida como um megassistema autorregulador que admite em seu âmago os desenvolvimentos técnicos e econômicos propriamente humanos que passam a perturbá-lo".

Essas alterações motivaram a estruturação de movimentos ecológicos, no sentido de reagir à problemática, culminando com movimentos que propõem mudanças na relação homem com a natureza, desde o conservacionismo ao ecologismo. O conservacionismo luta pela conservação do ambiente natural, ou de parte dele. Temos, como exemplo, grupos como o UICN - União Internacional para Conservação da Natureza e de seus Recursos e a FBCN - Fundação Brasileira para a Conservação da Natureza. É bom salientar, no entanto, que o conservacionismo também está envolvido em questões e movimentos de razões estéticas, científicas, econômicas e outros, como, por exemplo, grupos de proteção aos animais.

Já o ecologismo tem, como foco, a melhoria das condições de vida das sociedades e não se limita à 'proteção da natureza'. Propõe uma transformação social, e isso engloba mudanças na economia e na cultura das sociedades. Ou seja, não se preocupa apenas em "[...] garantir a sobrevivência da espécie humana, mas sim em garantir essa sobrevivência pela construção de formas sociais e culturais que permitam a existência de uma sociedade não opressiva, igualitária, fraterna e libertária" (LAGO e PÁDUA, 1985, p. 37).

Nesse contexto, os caminhos do pensamento ecológico levam os ecologistas a firmarem uma preocupação com a relação que o homem estabelece com a natureza, visto que as atividades humanas a afetam e a transformam. Por isso, existe a grande importância de uma ciência da Ecologia que nos alerte para os grandes perigos que ameaçam a nossa Terra.

Assim, observaremos que, no campo da Ecologia, assumiu-se uma postura de reintegração disciplinar, pois se utilizam saberes e competências das diferentes disciplinas, na resolução dos diversos problemas. Conforme Morin (2011):

a Ecologia, que tem um ecossistema como objeto de estudo, recorre a múltiplas disciplinas físicas para apreender o biotopo e às disciplinas biológicas (Zoologia, Botânica, Microbiologia) para estudar a biocenose. Além disso, precisa recorrer às ciências humanas para analisar as interações entre o mundo humano e a biosfera. Assim, disciplinas extremamente distintas são associadas e orquestradas na ciência ecológica. (p. 28).

Torna-se fundamental, portanto, compreender as concepções, os valores, os conteúdos e as formas que orientam a organização dos cursos de graduação em Ecologia, pois são expressões dos paradigmas que orientam a comunidade científica e profissional.

A organização dos paradigmas e a educação científica no campo da Ecologia

Atualmente, os estudos sobre o meio ambiente emergem em complexidade e multidimensionalidade, tanto quanto os estudos sobre o homem e suas relações com os sistemas naturais. Os discursos sobre o meio ambiente, nesse contexto, são objetos de disputas ideológicas, expressando uma diversidade de entendimentos e concepções, problematizando conceitos e significados.

Um dos conceitos que podem vir a traduzir esse cenário complexo mencionado é o conceito de paradigma. Um paradigma é o que parece determinar aquilo que cientistas ou membros de uma comunidade científica interpretam e compartilham com seus pares. Segundo Kuhn (2009), os primeiros estágios de desenvolvimento de uma ciência caracterizam-se pela competição entre diversas concepções; o que diferencia os grupos são "suas maneiras de ver o mundo e nele praticar a ciência" (KUHN, 2009, p. 23). Assim, no que tange à Ecologia, Mello (2006, p. 22) destaca que o paradigma que a perpassa na atualidade faz com que seja "conhecida, corriqueiramente, como o estudo do meio ambiente; seria então uma ciência regida por um modelo compartilhado por toda a comunidade que se ocupa desse objeto (meio ambiente)".

Todavia, o paradigma seguido na própria ciência é acompanhado de polêmicas, o que possibilita a coexistência de comunidades científicas que dividem paradigmas ou modelos distintos de estudos sobre a Ecologia. Então, referir-se à Ecologia é perguntar pelo horizonte de sentido que tal ou tais paradigma(s) sustenta(m).

O paradigma ordena e conduz a ação dos grupos de cientistas que dele compartilham e, em se tratando de grupos que envolvem pesquisas em meio ambiente, são diversas as comunidades científicas em questão. Particularmente em nosso estudo sobre os cursos de Ecologia no Brasil, entenderemos cada curso como expressão de comunidades científicas, cujas concepções e práticas pressupõem sempre uma pré-compreensão do real que determina o objeto, o método, a estrutura, o campo de atuação e suas investigações (MAIA, 2005).

As matrizes disciplinares dos cursos são compartilhadas pelas comunidades científicas que as estruturaram e expressam suas generalizações simbólicas, crenças em alguns modelos que auxiliam a determinar o que será aceito como explicação, valores, exemplos que nos servem de referência, conteúdos e formas de organizar a ação profissional. Trata-se do processo que Kuhn (2009) denominou de educação científica:

os cientistas nunca aprendem conceitos, leis e teorias de uma forma isolada. Em lugar disso, esses instrumentos intelectuais são encontrados numa unidade histórica e pedagogicamente anterior, onde são apresentados juntamente com suas aplicações e através delas. Depois de aceitas, essas aplicações acompanharão a teoria nos manuais onde os futuros cientistas aprenderão seu ofício. (p. 71).

Podemos considerar que uma comunidade científica segue um modelo eleito por uma coletividade. É nesse paradigma que o estudante é preparado para sua futura ação profissional, pois tenderá a comungar as ideias de seus formadores.

Pelo fato de que a Ecologia é definida de maneiras tão diversas, há controvérsias e disputas entre os Ecólogos sobre seu significado. Por exemplo: a definição de Ecologia por um ecólogo de populações desenvolve-se na perspectiva dos organismos (como grupos); já um ecólogo de sistemas irá enfatizar as relações energéticas (dos ciclos de matéria e energia). Por isso, percebe-se que a 'ciência' ecológica é permeada por diferentes perspectivas conceituais, metodológicas e valorativas, decorrentes dos diferentes grupos e, por isso, não há como defini-la como ciência normal, integradora das ciências naturais e sociais.

Para Kuhn (2009), uma ciência é considerada 'normal', quando é governada por um paradigma que orienta as atividades e os consensos do grupo de cientistas que trabalham em seu interior. Entende que a ciência normal é "a pesquisa firmemente baseada em uma ou mais realizações científicas passadas" (KUHN, 2009, p. 29), que são reconhecidas durante algum tempo por uma comunidade científica específica, proporcionando os fundamentos para sua prática posterior, ou seja, as realizações científicas anteriores representam o suporte da ciência normal.

Na ciência normal, a solução dos problemas e as regras que devem ser adotadas para chegar à solução deles já estão definidas, antecipadamente, pelo paradigma que os cientistas adotam. Toda ciência normal é orientada pelo paradigma. Kuhn (2009) aponta que um candidato a cientista tende a se unir a um grupo de investigadores que possuem determinados padrões de comportamento na pesquisa, em face do saber e de sua prática investigativa. No momento em que esse cientista obtiver comportamentos semelhantes aos membros mais antigos do grupo, está apto para atuar nessa área. Eis o papel da educação científica referida anteriormente.

Se considerarmos a Biologia como uma ciência normal, de onde emergiu a ciência ecológica, cabe-nos questionar quais condições foram necessárias, no interior da ciência normal, para que surgisse a nova ciência. Para Kuhn (2009, p. 73), esse movimento é denominado pré-paradigmático, pois surge como condição de possibilidade no interior da ciência normal, em virtude dos "debates frequentes e profundos a respeito de métodos, problemas e padrões de solução legítimos", ou seja, inicia-se o movimento de estudos, de diferentes grupos, buscando resolver problemas e configurar um novo campo de estudos. Chalmers (1993) aponta que:

A ciência deve conter em seu interior um meio de romper de um paradigma para um paradigma melhor. Todos os paradigmas serão inadequados, em alguma medida, no que se refere à sua correspondência com a natureza. Quando essa falta de correspondência se torna séria, isto é, quando aparece uma crise, a medida revolucionária de substituir todo um paradigma por um outro se torna essencial para o efetivo progresso da ciência. (p. 122).

A Ecologia, quando se desligou da Biologia, garantiu um corpo próprio e constituiu-se como uma disciplina integradora, buscando articular ciências naturais e sociais, sob diferentes perspectivas epistemológicas e visões de mundo (MELLO, 2006) (Figura 1). Hoje, por exemplo, os temas de Ecologia permeiam os estudos sobre o meio ambiente no contexto da educação básica, integram os estudos curriculares nos cursos superiores e também fazem parte de cursos superiores de graduação e pós-graduação nessa área.


As origens e diversidades, tanto disciplinares quanto metodológicas que perpassam os estudos ecológicos, ressaltam o problema da compatibilização e da delimitação dos seus objetos de estudo, bem como dos critérios da produção científica (metodológicos e de validação). É inegável a existência de divergências no campo da Ecologia, não propriamente mudanças de paradigmas, mas crises decorrentes da própria constituição dessa área de investigação científica. Dessas crises surgem grupos como os conservacionistas e ecologistas, já citados acima, que lutam por causas como, por exemplo, a proteção dos ambientes naturais. Por isso, a importância de localizar os grupos de praticantes da ciência Ecologia. Esse procedimento poderá ser de fundamental importância não só para compreensão e construção do(s) paradigma(s) ecológico(s), mas, principalmente, para a formação profissional que se estrutura a partir desse(s) paradigma(s).

Uma das referências para a estruturação do campo de estudos da Ecologia é, certamente, decorrente da formação inicial que ocorre nos cursos de graduação2 2 Embora o primeiro curso de Ecologia no Brasil tenha sido criado há mais de trinta anos, a expansão da oferta desses cursos ocorreu, basicamente, na primeira década deste século. . É durante a formação inicial que ampliamos nosso processo de educação científica e de socialização profissional.

Evidencia-se, na formação inicial, uma série de concepções teórico-metodológicas que aparecem nos materiais didáticos utilizados pelos acadêmicos na graduação. Esses são, conforme Dutra (1999, p. 3), os livros-textos, pois "eles não apenas tornam as próprias revoluções científicas invisíveis (aos estudantes e aos leigos), mas são também utilizados como instrumentos pedagógicos para formar os novos cientistas segundo o paradigma vigente".

Bombassaro (1995), também ancorado na leitura de Kuhn (2009), considera que o livro-texto ou o manual utilizado na educação científica como recurso pedagógico são de extrema importância, pois são encharcados de paradigmas, trazem o conhecimento necessário para que o aluno se socialize com a cultura cientifica da área e se torne solucionador de problemas dentro desses paradigmas. Assim, observamos, por exemplo, que, para o projeto pedagógico P7 (2009), analisado em nossa pesquisa, a disciplina de Educação Científica objetiva aproximar o ecólogo das questões da História da Ciência e dos conceitos básicos em Filosofia da Ciência; do contexto social da ciência; dos paradigmas e ideologia; dos limites da ciência; do ensino de ciência e discussão científica; etc. Nesse caso, o curso P8 (2010) também proporciona uma disciplina denominada História e Filosofia das Ciências, que trata sobre as revoluções científicas; o pensamento científico; o conhecimento biológico e a sociedade contemporânea, etc. Essas, entre outras disciplinas, proporcionam ao aluno a compreensão sobre a historicidade e os caminhos para a construção de uma ciência.

A educação científica conduziria todo jovem 'cientista' a procurar provar seu valor como um solucionador de problemas, ampliando sua leitura de mundo. Por meio da socialização profissional e dos materiais instrucionais que são oportunizados pelos projetos curriculares dos cursos de Ecologia, procura-se, segundo Bombassaro (1995, p. 62), "formar uma comunidade de pesquisadores e determinar as pesquisas e os problemas relevantes com os quais essa comunidade deverá se ocupar". Por isso, com base nessas compreensões, passaremos a analisar os paradigmas ecológicos que balizam a organização dos cursos de Ecologia.

Paradigmas anunciados pelos projetos pedagógicos dos cursos de Ecologia

Ao analisarmos as motivações para a criação dos cursos de Ecologia no Brasil, percebemos que suas proposições vêm impulsionadas pelo crescente interesse nas questões ambientais, nas mudanças climáticas e nas demandas de manejo dos recursos naturais. Esses e outros fatores acabam alicerçando concepções de Ecologia, cujas perspectivas e ênfases podem ser notadas na tabela 2, abaixo:

Tabela 2

Em quatro dos oito projetos analisados, ou seja, a metade dos projetos pedagógicos desses cursos, a Ecologia é compreendida como uma "ciência que estuda como os organismos interagem entre si e com o mundo natural" (P2, P6, P7, P8,) e "estudo do ambiente natural, inclusive das relações dos organismos entre si e dos seus arredores" (P7). Essa ênfase nos organismos parece expressar o quanto a Ecologia ainda é afetada/pensada como um ramo da Biologia. Contudo, seu objeto de estudos é a inter-relação entre os seres vivos, ou seja, nos sugere que a perspectiva que a sustenta preocupa-se mais com as relações que os organismos estabelecem no decorrer de sua vida, do que com o organismo propriamente dito. Segundo Mello (2006, p. 45), "[...] talvez com as inovações da ciência, essas relações assumiram o lugar dos organismos como o objeto principal dos estudos ecológicos, tornaram-se o foco principal da ciência". Da mesma forma, disciplinas que se constituíram com foco nas ciências do homem ou da natureza são associadas e orquestradas na ciência ecológica (MORIN, 2011).

Um dos projetos (P7) analisados é balizado por uma segunda perspectiva: a Ecologia como campo de estudo dos "organismos e populações", ou seja, amplia o olhar para grupos da mesma espécie e suas relações com o meio. Contudo, a unidade básica continua centrada nos organismos e suas dinâmicas. Na busca pela compreensão do termo população, o entendemos ser utilizado originalmente para nomear um grupo de seres humanos. Nesse caso, cabe destacar autores que tratam desse termo com maior profundidade, entre os quais destacamos Odum (1988, p. 3) que considera que "na Ecologia, população inclui grupos de indivíduos de um tipo qualquer de organismo". Para Pinto-Coelho (2002, p. 21), o termo populações pode ser compreendido como "qualquer grupo de organismo da mesma espécie ocupando um espaço particular em um tempo determinado". Sendo assim, uma população por possuir certo grupo de parâmetros nos possibilita trabalhos quantitativos em condições experimentais ou em campo. Uma terceira perspectiva identificada foi a das comunidades e dos ecossistemas, que surge em pelo menos cinco dos projetos (P1, P2, P3, P4 e P5). Segundo Mello (2006, p. 51), a perspectiva das comunidades decorre dos estudos de Möbius, realizados na segunda metade do século XX, "para referir-se ao conjunto de populações que coexistem numa determinada região, onde encontram todas as condições para seu nascimento e conservação". A comunidade e o ambiente não vivo funcionam juntos como um sistema ecológico ou ecossistema (ODUM, 1988). Como as comunidades podem ser uma unidade ecológica de visualização muito menos clara na natureza, possuem diversos conceitos, os quais para Krebs (1972) vêm da ecologia vegetal (PINTO-COELHO, 2002, p. 57):

a) qualquer conjunto de populações em uma determinada área ou habitat, podendo ter os mais variados tamanhos (Krebs, 1972);

b) uma associação entre populações interativas (Rickefs,1980);

c) uma reunião de populações em uma determinada área ou habitat físico definidos, sendo unidade ecológica pouco definida (Odum, 1972);

d) um conjunto de espécies (populações) que ocorrem conjuntamente no tempo e no mesmo espaço (Begon, et al., 1990).

O conceito de ecossistema (MELLO, 2006) surgiu de estudos envolvendo grandes escalas de organização e de fluxos e trocas de energias entre os sistemas. O ecossistema é a unidade funcional básica na Ecologia, pois inclui tanto os organismos quanto o ambiente abiótico (não vivo). Segundo Odum (1988), os organismos vivos e o seu ambiente não vivo estão inseparavelmente inter-relacionados e interagem entre si. Sendo assim, chamamos de ecossistemas uma dada área que inclua todos os organismos que funcionam em conjunto.

A quarta perspectiva, identificada em apenas um dos projetos pedagógicos (P6), expressa ênfases mais complexas, contemplando as relações entre organismos, ecossistemas, comunidades e populações. Acreditamos que, acompanhando o movimento da produção da ciência, a etapa inicial da Ecologia representou a natureza com um caráter newtoniano, analítico-reducionista, mecanicista e determinista, em que primava a noção de equilíbrio, tendo a ordem e a previsibilidade como traços relevantes3 3 Tais características expressam o que Santos (1995) denomina como paradigma dominante, ou seja, um modelo global de racionalidade cientifica que busca a descoberta das leis da natureza, independentemente do lugar e do tempo em que se realiza. . Essa etapa cultivava a dicotomia sociedade-natureza e legitimava a ética do domínio da primeira sobre a segunda. Tem como ênfase a fragmentação das partes para a realização dos estudos, ou seja, a decomposição do todo. O pensamento é fragmentado e o conhecimento é dado como verdadeiro a partir de processos de verificação e testagem. Os organismos são separados do mundo exterior e entendidos como sistemas fechados e estáticos, ou seja, entende-se a natureza como antropocêntrica: o homem acima ou fora da natureza.

Na tentativa de superação ou ampliação desses entendimentos, observa-se uma abertura ou relativização dos esquemas tradicionais, por uma série de entendimentos que modificaram o curso das ciências: a noção de complexidade, de desequilíbrio, entre outras (MELLO, 2006). Essas mudanças contribuíram para um entendimento ecossistêmico no campo da Ecologia. Para Lago e Pádua (1985, p. 17), "a base na qual se fundamenta todo o universo da Ecologia Natural é o conceito de ecossistema". Por isso, o autor sugere que a noção de ecossistema e suas relações de transferência de energia e matéria compõem um paradigma na ciência ecológica, mas não o único. Para Vieira (2003), há um dualismo na ciência ecológica: na visão ecossistêmica, a unidade básica é a energia; na visão da Ecologia de Populações e Comunidades a unidade básica é o organismo, sejam esses organismos indivíduos ou espécies respectivamente.

Na visão ecossistêmica (Quadro 1), as partes são compreendidas dentro de um todo. O pensamento é contextual, buscando as conexões e as interações. O conhecimento aproximado emerge de sistemas abertos com fluxos de matéria e energia. O planeta Terra é compreendido como parte da vida e os seres vivos conectados na teia da vida.


Compreendemos que a abordagem reducionista, que promoveu o desenvolvimento da ciência e a tecnologia na modernidade, tem proporcionado boas contribuições. A pesquisa no nível celular e molecular, por exemplo, promoveu condições para uma futura cura e prevenção do câncer, ao nível do organismo. Contudo, muitos defendem que a ciência em nível de célula pouco contribuirá para o bem estar ou sobrevivência da civilização humana, caso se continue a entender mal os níveis superiores de organização, por exemplo, o crescimento e envelhecimento da população, a desordem social, a poluição e as múltiplas formas de consumo e exploração da natureza. Segundo Odum (1988), uma saída pode ser atribuir igual valor ao paradigma sistêmico e ao reducionismo, simultaneamente e não alternadamente. Desse modo, a Ecologia, ciência emergente, deveria procurar a síntese e não a separação. Por exemplo, "um ser vivo não pode ser visto isoladamente como um representante de sua espécie, mas deve ser visto e analisado sempre em relação a um conjunto das condições vitais que o constituem" (BOFF, 2004, p. 17). É por isso que a Ecologia é considerada por autores como Morin (2008) como "a nova ciência sistêmica" que se esforça em religar e reintegrar as relações entre as partes e o todo.

De todo modo, é importante salientar que o pensamento ecossistêmico obteve contribuições de muitas ciências como a Psicologia, a Física, a Biologia, entre outras, configurando-se um campo de estudos multidisciplinar e multirreferencial. As perspectivas ecológicas, evidenciadas nos projetos pedagógicos analisados, também expressam a historicidade do conhecimento ecológico e registram as compreensões das comunidades científicas que as estruturaram. Percebemos que seis dos oito cursos, contemplam perspectivas mais complexas, ou seja, compreende-se que os organismos não são apenas partes de comunidades ecológicas, mas complexos ecossistemas, contendo uma multidão de organismos menores, dotados de uma considerável autonomia e, não obstante, harmoniosamente integrados no funcionamento do todo.

Considerações finais

No princípio desta investigação, emergiram questionamentos sobre o modelo de ciência que fundamenta nossas ações, as relações entre o homem e a natureza, as finalidades da ciência na contemporaneidade e o papel das instituições encarregadas de produzi-la, promovê-la e disseminá-la. Por isso, nos deparamos com o paradigma da modernidade que está fortemente presente na organização da sociedade, orientando, também, a produção e as relações com o conhecimento. A concepção de desenvolvimento, ancorada neste paradigma, desencadeou um consumismo, muitas vezes exagerado do recurso natural explorado para suprir tal demanda. Essa, só faz crescer o impacto da ação humana sobre o meio ambiente, que se mostra cada vez menos capaz de suportar. Por isso, aos poucos, a sociedade assiste a uma destruição social e ecológica4 4 Trago este parágrafo para pensarmos que este fato aparentemente visível, permeia e dá voz a uma visão de mundo que vem se consolidando, podendo ser alterado com um 'novo paradigma', o que não foi tratado nesse artigo. .

O sistema de pensamento moderno influencia e é influenciado pela sociedade cientifica que, por sua vez, reflete seus pensamentos e ações nas instituições de ensino e, assim, na concepção dos projetos pedagógicos dos cursos. Percebemos que, cada vez mais, os cursos de Ecologia são elaborados com a intencionalidade de orientar uma formação profissional propositiva e estratégica frente aos impactos ambientais causados pela ação humana, apontando soluções para os problemas e desenvolvendo estratégias que inibam as ações nocivas ao meio ambiente, como as causadas pela poluição, pelas mudanças demográficas, pela utilização intensiva e desordenada de recursos naturais.

A Ecologia foi se constituindo historicamente. Porém, será que a ecologia é uma ciência que dará conta de resolver os problemas relacionados às questões ambientais? Acreditamos que nenhuma ciência, por si só, dá conta de resolver os problemas ambientais, que são de natureza complexa, sem se colocar em interação e colaboração com outras ciências.

Neste estudo, pudemos observar o paradigma simplificador ou da modernidade, no momento que a Ecologia volta-se para a especialização do conhecimento, trata da ciência como comprovação, por isso dedica-se ao organismo mais especializado. Na nossa leitura, consideramos que a Ecologia avança, mas carregando essa influência, pois o paradigma sistêmico, que também surge nos projetos, não desconsidera o simplificador, mas percebe a troca de energia e estrutura algo mais amplo que são as comunidades e os ecossistemas.

Os projetos pedagógicos dos cursos de Ecologia, que trazem uma abordagem ecológica organicista e sistêmica, expressam maior ênfase na Ecologia dos organismos e dos ecossistemas. Falar em Ecologia dos organismos é falar em união, pois os organismos organizam-se de maneira a formar comunidades ou associações, cujas estruturas e funções não podem compreender-se mediante um exame separado por 'partes'. Entretanto, a Ecologia dos Ecossistemas refere-se à comunidade em conjunção com o seu meio ambiente abiótico. Von Bertalanffy (1993) reconhece que a visão sistêmica é uma necessidade perante o problema das limitações dos procedimentos analíticos das ciências clássicas decorrentes do paradigma da modernidade.

A visão sistêmica trata da Ecologia como a ciência da estrutura e do funcionamento da terra. Para Odum (1988), a Ecologia é, portanto, uma superciência ou uma ciência unificadora, 'que coroa' as outras ciências, a ciência da síntese essencial à nossa compreensão da estrutura e do funcionamento da biosfera. E, em nosso entendimento, atualmente, procura compreender e harmonizar a relação do homem com a natureza, tão difícil nos tempos atuais.

Consideramos, em nosso estudo, que alguns cursos ainda propõem uma abordagem muito mais biológica do que ecológica; outros atualizaram suas propostas pedagógicas em função das demandas contextuais e formativas; e os cursos que surgiram em 2008 e 2009 preocupam-se em formar ecólogos capazes de lidar com a 'crise ecológica'5 5 Ver em Pádua, Augusto. J. et al. Ecologia e Política no Brasil. Rio de Janeiro: IUPERJ, 1987. , gerada pela visão de mundo atual, pois, em tempos de aquecimento global e mudanças climáticas iminentes, faz-se cada vez mais urgente ter profissionais atuando junto a esses problemas ambientais. Conforme Capra (2004, p. 15) "o modelo de sociedade e o sentido de vida que os humanos projetaram para si, pelo menos nos últimos 400 anos, estão em crise". Segue a partir deste contexto, a emergência dos ecólogos.

Por outro lado, a partir dos estudos realizados, sob a ótica de Kuhn (1999), nos questionamos se a Ecologia configura-se como ciência ou como uma pré-ciência. Cremos que, em função da diversidade de entendimentos verificados sobre esse campo, expressada nos projetos analisados, evidencia uma possível falta de consensos da comunidade científica em torno da que poderia ser considerada uma pré-ciência. Outros fatores que contribuem com esta compreensão são a ausência de diretrizes curriculares para os cursos e a falta de reconhecimento social e regulamentação profissional do ecólogo. ,

Notas

Submetido em: 04/11/2012

Aceito em: 21/08/2013

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  • 1
    Embora Kuhn (2009) tenha expressado uma multiplicidade de sentidos para a expressão paradigmas, ao longo da obra "A estrutura das revoluções científicas", interessa, para o nosso estudo, essa acepção. Optamos, também, por fundamentar a compreensão paradigmática em Kuhn por ter sido o precursor de tais reflexões e pelas contribuições epistemológicas decorrentes dos estudos do autor.
  • 2
    Embora o primeiro curso de Ecologia no Brasil tenha sido criado há mais de trinta anos, a expansão da oferta desses cursos ocorreu, basicamente, na primeira década deste século.
  • 3
    Tais características expressam o que Santos (1995) denomina como paradigma dominante, ou seja, um modelo global de racionalidade cientifica que busca a descoberta das leis da natureza, independentemente do lugar e do tempo em que se realiza.
  • 4
    Trago este parágrafo para pensarmos que este fato aparentemente visível, permeia e dá voz a uma visão de mundo que vem se consolidando, podendo ser alterado com um 'novo paradigma', o que não foi tratado nesse artigo.
  • 5
    Ver em Pádua, Augusto. J. et al. Ecologia e Política no Brasil. Rio de Janeiro: IUPERJ, 1987.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      08 Maio 2014
    • Data do Fascículo
      Mar 2014

    Histórico

    • Aceito
      21 Ago 2013
    • Recebido
      04 Nov 2012
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