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A vulnerabilidade do idoso em situações de desastres: necessidade de uma política de resiliência eficaz

Resumos

Este artigo apresenta uma análise sobre a vulnerabilidade do idoso diante dos desastres de causas naturais, considerando-se que, dentro do grupo vulnerável, os idosos podem apresentar maior grau de fragilidade em situações de emergência. O objetivo é contribuir para o aumento da resiliência da população idosa, no âmbito da Proteção e Defesa Civil, por ocasião de eventos críticos. Os procedimentos metodológicos da pesquisa incluem a coleta de dados na legislação referente aos direitos do idoso, em relatórios produzidos por órgãos oficiais, em documentos internacionais e na literatura que trata do tema do idoso e questões afins, de modo geral. Conclui-se que, no Brasil, os diversos projetos e programas governamentais voltados para os idosos não são eficazes para reduzir a vulnerabilidade desse grupo social diante de desastres, sendo necessária a elaboração de protocolos específicos de prevenção, preparação e resgate para a população idosa por parte dos agentes da Defesa Civil.

Idoso; Vulnerabilidade; Desastres; Proteção Civil


Este artículo presenta un análisis de la vulnerabilidad de las personas mayores ante los desastres por causas naturales, teniendo en cuenta que, dentro del grupo vulnerable, ellas pueden tener un mayor grado de fragilidad en situaciones de emergencia. El objetivo es contribuir para aumentar la capacidad de resiliencia de la población de edad avanzada, bajo la Protección Civil, durante los eventos críticos. Los procedimientos metodológicos de la investigación incluyen la recopilación de datos respecto a la legislación, los informes de organismos oficiales, documentos internacionales y en la literatura que aborda el tema de modo general. Se concluye que, en Brasil, los diversos programas de gobierno direccionados a las personas mayores no son eficaces para reducir la vulnerabilidad de este grupo social antes del desastre, lo que exige el desarrollo de protocolos para la prevención, la preparación y la recuperación de la población de edad avanzada por la Defensa Civil.

Personas; Mayores; Vulnerabilidad; Desastres; Protección Civil


This article presents an analysis on the elderly vulnerability in un/natural disasters, since the elderly may have a higher degree of fragility in emergency situations among the vulnerable group. The aim is to support the increasing of the elderly resilience during critical events under the Protection and Civil Defense. The data collection performed in the methodology of this research comprises elderly rights stipulated by the Brazilian law, reports produced by official agencies, international documentation and general literatures which address this issue. The several Brazilian governmental projects and programmes focussed in the elderly vulnerability has not been effective in relation to natural disasters. Therefore, the results encourage the Civil Defense to develop specific protocols of prevention, preparedness and rescue to the elderly.

Elderly; Vulnerability; Disaster; Civil Protection


A vulnerabilidade do idoso em situações de desastres: necessidade de uma política de resiliência eficaz

Airton BodsteinI; Valéria Vanda Azevedo de LimaII; Angela Maria Abreu de BarrosIII

IUniversidade Federal Fluminense. E-mail: airton@defesacivil.uff.br

IIUniversidade Federal Fluminense. E-mail: valeriavandalima@gmail.com

IIIUniversidade Federal Fluminense. E-mail: angelbbarros@gmail.com

RESUMO

Este artigo apresenta uma análise sobre a vulnerabilidade do idoso diante dos desastres de causas naturais, considerando-se que, dentro do grupo vulnerável, os idosos podem apresentar maior grau de fragilidade em situações de emergência. O objetivo é contribuir para o aumento da resiliência da população idosa, no âmbito da Proteção e Defesa Civil, por ocasião de eventos críticos. Os procedimentos metodológicos da pesquisa incluem a coleta de dados na legislação referente aos direitos do idoso, em relatórios produzidos por órgãos oficiais, em documentos internacionais e na literatura que trata do tema do idoso e questões afins, de modo geral. Conclui-se que, no Brasil, os diversos projetos e programas governamentais voltados para os idosos não são eficazes para reduzir a vulnerabilidade desse grupo social diante de desastres, sendo necessária a elaboração de protocolos específicos de prevenção, preparação e resgate para a população idosa por parte dos agentes da Defesa Civil.

Palavras-chave: Idoso; Vulnerabilidade; Desastres; Proteção Civil

ABSTRACT

This article presents an analysis on the elderly vulnerability in un/natural disasters, since the elderly may have a higher degree of fragility in emergency situations among the vulnerable group. The aim is to support the increasing of the elderly resilience during critical events under the Protection and Civil Defense. The data collection performed in the methodology of this research comprises elderly rights stipulated by the Brazilian law, reports produced by official agencies, international documentation and general literatures which address this issue. The several Brazilian governmental projects and programmes focussed in the elderly vulnerability has not been effective in relation to natural disasters. Therefore, the results encourage the Civil Defense to develop specific protocols of prevention, preparedness and rescue to the elderly.

Keywords: Elderly; Vulnerability; Disaster; Civil Protection

RESUMEN

Este artículo presenta un análisis de la vulnerabilidad de las personas mayores ante los desastres por causas naturales, teniendo en cuenta que, dentro del grupo vulnerable, ellas pueden tener un mayor grado de fragilidad en situaciones de emergencia. El objetivo es contribuir para aumentar la capacidad de resiliencia de la población de edad avanzada, bajo la Protección Civil, durante los eventos críticos. Los procedimientos metodológicos de la investigación incluyen la recopilación de datos respecto a la legislación, los informes de organismos oficiales, documentos internacionales y en la literatura que aborda el tema de modo general. Se concluye que, en Brasil, los diversos programas de gobierno direccionados a las personas mayores no son eficaces para reducir la vulnerabilidad de este grupo social antes del desastre, lo que exige el desarrollo de protocolos para la prevención, la preparación y la recuperación de la población de edad avanzada por la Defensa Civil.

Palabras clave: Personas. Mayores; Vulnerabilidad; Desastres; Protección Civil

Introdução

A longevidade tem sido apontada como uma das transformações demográficas mais significativas do século XXI. Segundo relatório da UNFPA – Fundo de População das Nações Unidas (2012), no ano 2000 já havia, no mundo, mais pessoas com idade igual ou superior a 60 anos do que crianças menores de 5 anos, e, de acordo com as projeções, em 2050, pela primeira vez na história da humanidade, haverá mais pessoas desse grupo etário do que crianças menores de 15 anos.

Atualmente são 810 milhões de pessoas com 60 anos ou mais no mundo, o que representa 11,5% da população global, e a expectativa é de que esse número alcance um bilhão em menos de 10 anos e mais que duplique em 2050, alcançando dois bilhões de pessoas, ou seja, 22% da população global. O Japão é o único país no mundo que tem mais de 30% de sua população com 60 anos ou mais, mas a projeção para 2050 é de que existam 64 países nos quais a população idosa chegará a 30% da população.

O Brasil, como os demais países em desenvolvimento, assiste a uma redução proporcional da população jovem e a um aumento na proporção e no número absoluto de idosos. O Censo Demográfico do IBGE 2010 apontou um aumento bastante significativo desse grupo nos últimos 50 anos. Em 1960, 3,3 milhões de brasileiros tinham 60 anos ou mais e representavam 4,7% da população; em 2000, 14,5 milhões, ou 8,5% dos brasileiros, estavam nesse grupo. Na última década, o salto foi grande: em 2010 a representação passou para 10,8% da população, correspondendo a 20,6 milhões de pessoas. Em meio século (1960-2010), a esperança de vida do brasileiro aumentou 25,4 anos, passando de 48,0 para 73,4 anos. Por outro lado, o número médio de filhos por mulher caiu de 6,3 filhos para 1,9 nesse período, valor abaixo do nível de reposição da população. A previsão é de que, no período de 1950 a 2025, o grupo de idosos no Brasil deverá ter aumentado em quinze vezes, enquanto a população total, em cinco. Se isso se confirmar, o país ocupará o sexto lugar quanto ao contingente de idosos, alcançando, em 2025, cerca de 32 milhões de pessoas com 60 anos ou mais de idade.

Essas mudanças, que vêm alterando a pirâmide etária brasileira, com estreitamento da base e o alargamento do topo, refletem a estrutura de população mais envelhecida, característica dos países mais desenvolvidos. Contudo, o envelhecimento da população é vivenciado de forma muito diferente nos países em desenvolvimento, onde a longevidade é um fenômeno recente. Como considera o relatório da World Health Organization, Global health and aging (2011), na França se passaram mais de 100 anos para que a porcentagem de idosos com 65 anos aumentasse de 7% para 14%, enquanto em sociedades como o Brasil, China e Tailândia esse mesmo caminho demográfico deverá ser percorrido em torno de duas décadas. A previsão é de que, em 2050, 80% dos idosos viverão em países de baixa renda. Atualmente, de cada três pessoas com 60 anos ou mais, duas vivem em países em desenvolvimento, e o cenário para 2050 é de que esse número seja de quase quatro em cada cinco pessoas. Para 2020, a expectativa é de que o total de pessoas com 60 anos ou mais atinja um bilhão, dentre os quais 710 milhões deverão estar nos países em desenvolvimento. Isso faz com que o envelhecimento populacional em países como o Brasil represente um verdadeiro desafio, tanto para o poder público quanto para a sociedade em geral, especialmente para as famílias, responsáveis legais pelo cuidado com os idosos.

No Brasil, a primeira lei específica para assegurar os direitos da pessoa idosa foi a Política Nacional do Idoso, PNI (Lei nº 8.842 de 04 de janeiro de 1994), regulamentada posteriormente pelo Estatuto do Idoso (Lei 10.741/2003), segundo o qual: "A família, a sociedade e o estado têm o dever de assegurar ao idoso todos os direitos da cidadania, garantindo sua participação na comunidade, defendendo sua dignidade, bem-estar e o direito à vida" (art. 3º, inciso I). Por sua vez, a política do "envelhecimento ativo", proposta pela Organização Mundial de Saúde, tem como pressuposto que envelhecer bem faz parte de uma construção coletiva que deve ser facilitada pelas políticas públicas e por oportunidades de acesso à saúde ao longo do curso de vida. Isso significa uma "otimização das oportunidades para a saúde, a participação e a segurança, visando melhorar a qualidade de vida à medida que as pessoas ficam mais velhas" (OMS, 2005).

Contudo, as metas estipuladas por leis e políticas voltadas para a população idosa ainda estão longe de serem alcançadas, principalmente nos países em desenvolvimento, onde a escassez de recursos materiais, humanos e tecnológicos, entre outros, dificulta o atendimento dos problemas que afligem a população idosa e põe em xeque infraestruturas nacionais.

Diante de tal realidade, este trabalho analisa a vulnerabilidade do idoso no contexto de desastres, no âmbito da Proteção e Defesa Civil, considerando que, dentro do grupo vulnerável – "crianças, gestantes, idosos e pessoas com deficiência", tal como definido na Lei 12.608, de abril de 2012, e no Glossário de Defesa Civil (1998) –, os idosos apresentam-se particularmente fragilizados em situações de emergência. Isso porque, além do declínio da capacidade funcional decorrente do processo de envelhecimento, múltiplos fatores contribuem para a redução da resiliência dos idosos, como enfermidade, obesidade, deficiência e habitação em área de risco, entre outros. Além disso, os acidentes sofridos em espaços domésticos e em ambientes externos, somados a doenças e limitações funcionais, ampliam ainda mais a vulnerabilidade dos idosos em situações de desastres, já que o comprometimento de variáveis como percepção de risco, estado de alerta, atenção, agilidade e mobilidade dificultam ou impedem as respostas nessas situações.

Buscou-se sistematizar os conhecimentos existentes acerca do tema, com o objetivo geral de contribuir para aumentar a resiliência da população idosa, no âmbito da Proteção e Defesa Civil. Para tal, investigou-se como o fenômeno do envelhecimento populacional impõe novos desafios em termos de medidas de proteção, apontando as causas da vulnerabilidade do idoso e como elas configuram fatores limitadores no enfrentamento de desastres. Os estudos restringiram-se às ocorrências de desastres de causas naturais, haja vista sua intensificação nos últimos anos e suas graves consequências.

Variáveis que incidem no aumento da vulnerabilidade do idoso

Declínio funcional

Durante o processo natural e progressivo de envelhecimento, ocorre um declínio da capacidade funcional como um todo. Variáveis como percepção de risco, estado de alerta, atenção e mobilidade tornam-se gradativamente reduzidas, aumentando de forma considerável a vulnerabilidade do indivíduo e as possibilidades de ele ser vitimado por um evento crítico. Para tal vulnerabilidade concorrem diversos fatores e processos – físicos, econômicos, sociais, psicológicos e fisiológicos – sendo que o declínio funcional é apontado como a principal manifestação de vulnerabilidade do idoso, revelada por uma condição de fragilidade que envolve capacidade funcional, equilíbrio e mobilidade, função cognitiva, deficiências sensoriais, condições emocionais/presença de sintomas depressivos, disponibilidade e adequação de suporte familiar e social, condições ambientais e estado e risco nutricional. (LACAS; ROCKWOOD, 2012).

Levando-se em conta que saúde e estado funcional são fatores-chave para determinar a capacidade de resposta do indivíduo, e que, de acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS/WHO, 1946), "saúde é o estado do mais completo bem-estar físico, mental e social e não apenas a ausência de enfermidade", pode-se supor uma relação de equivalência entre bem-estar e funcionalidade. Ambos representam a presença de autonomia (capacidade individual de decisão e comando sobre as ações, estabelecendo e seguindo as próprias regras) e independência (capacidade de realizar algo com os próprios meios), permitindo que o indivíduo cuide de si e de sua vida (MORAES, 2012). Infere-se, igualmente, que, por ser constituída de um grupo etário bastante heterogêneo, com idades que vão de 60 até mais de 100 anos, a população idosa apresenta graus diferenciados de autonomia e independência. Assim, o impacto, direto ou indireto, de eventos críticos pode influir de diferentes formas e intensidades na vida e na saúde desse grupo etário.

Acidentes

O declínio funcional do idoso pode ser agravado, ainda, pelas consequências de acidentes, tanto em ambientes domésticos quanto em espaços públicos, aumentando a vulnerabilidade em situações de desastres, já que podem comprometer a mobilidade e agilidade necessárias e dificultar tanto uma reação própria quanto por parte dos profissionais de resgate e salvamento no momento da ocorrência de uma catástrofe. Além disso, a condição de vulnerabilidade dos idosos faz com que as consequências de acidentes sejam muito mais graves para eles do que para a população de outras faixas etárias, já que aqueles tendem a experimentar períodos de internação e de reabilitação mais longos, maior risco de dependência posterior e de morte. Nesse contexto, destaca-se a ocorrência de quedas, que podem piorar muito a qualidade de vida do idoso, contribuindo para a redução da capacidade funcional, perda de autonomia e de independência.

No Brasil, de acordo com dados do Ministério da Saúde (BRASIL, 2009), as quedas e suas consequências para as pessoas idosas têm assumido dimensão de epidemia, determinando desfechos desfavoráveis, como fragilidade, morte, institucionalização e piora das condições de saúde. Alguns fatores que predispõem os idosos às quedas são fragilidade física, uso de medicamentos que podem levar a alteração no equilíbrio e/ou na visão e enfermidades diversas, como a osteoporose, por exemplo. Contudo as quedas podem ocorrer também por falta de prevenção, seja nas casas, nas instituições ou nas comunidades em que os idosos vivem.

A gravidade desse quadro fez com que a prevenção das quedas seja vista como um desafio ao envelhecimento populacional. Segundo o Relatório Global da OMS sobre Prevenção de Quedas na Velhice (2010), estima-se que de 28% a 35% das pessoas com mais de 65 anos de idade sofrem quedas a cada ano. Para pessoas com mais de 70 anos, a estimativa fica entre 32% e 42%. O estudo ressalta que, além de gerar significativas limitações físicas e psicológicas, comprometendo a qualidade de vida e a saúde dos idosos, as lesões decorrentes das quedas, especialmente as fraturas, representam um impacto econômico crítico para a família, a comunidade e a sociedade. As fraturas, que têm respondido por um alto índice de mortalidade pós-cirúrgico, podem estar relacionadas a diversos fatores, tanto do próprio paciente quanto ambientais, como calçada inadequada, pouca iluminação, tapetes e localização dos móveis. Em vista disso, o relatório da OMS (2010) considera que os principais fatores de proteção contra quedas na velhice são relacionados à mudança comportamental para um estilo de vida saudável e às modificações ambientais, como adaptação da residência e melhoria das vias públicas, por exemplo.

Envelhecimento e urbanização

O Censo Demográfico do IBGE 2010 registra que, em setenta e oito municípios brasileiros, a população idosa já representa 20% da população total da cidade, ou seja, uma em cada cinco pessoas tem 60 anos ou mais de idade. Mais da metade (53,2%) dos cerca de 20,6 milhões de pessoas com idade superior a 60 anos vive em municípios mais populosos, com mais de 100 mil habitantes.

Considerando-se que envelhecimento e urbanização são duas tendências mundiais, a sociedade precisará repensar o lugar dos idosos nas cidades, em termos de infraestrutura e serviços capazes de atender à demanda dessa população. O crescimento do número de idosos que residem nas cidades torna-se problemático quando o espaço urbano apresenta infraestrutura e serviços deficientes, degradação do ambiente e aumento das ocupações irregulares, fatores de riscos que intensificam a vulnerabilidade do idoso diante das ameaças naturais. Os espaços públicos, as edificações, os espaços abertos, os sistemas de transporte e a moradia representam as principais características do ambiente físico de uma cidade, tendo uma grande influência sobre a mobilidade pessoal, pressupondo a prevenção contra quedas e lesões, segurança em relação a crimes e certos comportamentos em relação à saúde e à participação social. Uma cidade adaptada à realidade do envelhecimento contribui para uma mobilidade segura, para a participação social, para a manutenção da capacidade funcional e da autonomia, contribuindo para o aumento da resiliência quando da ocorrência de desastres.

Assim, a questão urbana deve envolver, além da preocupação com as condições do espaço público – tais como adaptações na rede de transporte coletivo, sinais de trânsito, poluição e áreas específicas para facilitar a autonomia, independência e acesso do idoso –, a arquitetura de imóveis, o espaço doméstico e a oferta de instrumentos de lazer e esporte compatíveis com as necessidades e capacidades dos idosos.

Cabe sublinhar que o tema da urbanização é objeto da Política Nacional de Proteção e Defesa Civil (PNPDEC), Lei 12.608, sancionada em abril de 2012, que traz avanços importantes nos trabalhos da Defesa Civil e sua integração com o Planejamento Urbano.

Os desastres "naturais" ou de causas naturais

O termo "desastres naturais" é largamente utilizado no Brasil tanto pela mídia, como pelos órgãos da administração direta responsáveis pela gestão de riscos e desastres no Brasil, conforme citado em todos os documentos oficiais da Secretaria Nacional de Defesa Civil do Ministério da Integração Nacional, bem como pelos órgãos equivalentes nos planos estaduais e municipais. É importante considerar que na antiga Codificação de Desastres, Ameaças e Riscos – CODAR, atual COBRADE – Classificação e Codificação Brasileira de Desastres, essa denominação era – e continua a ser – utilizada para classificar os desastres, quanto à sua origem.

Em contrapartida, a Estratégia Internacional para a Redução de Desastres – UNISDR na sigla em inglês e especialistas no tema insistem que um desastre caracteriza-se por uma situação de alta anormalidade e, portanto, jamais poderia ser considerado como um evento natural.

Apesar dessa posição da UNISDR, manifestada já há alguns anos, o Ministério da Integração Nacional, em sua Instrução Normativa nº 1, de 24 de agosto de 2012, classifica os desastres, quanto à origem ou causa primária do agente causador, em tecnológicos e naturais. Para estes concorrem os processos ou fenômenos naturais "que podem implicar em perdas humanas ou outros impactos à saúde, danos ao meio ambiente, à propriedade, interrupção dos serviços e distúrbios sociais e econômicos". Neste artigo serão utilizados os termos "desastres de origem natural ou de causas naturais" conforme proposto pela UNISDR.

As graves consequências dos desastres de causas naturais nos últimos anos apontam consideráveis falhas nos sistemas de segurança, particularmente nos países em desenvolvimento. Os dados revelam que a maioria das 3,3 milhões de mortes causadas por desastres nos últimos 40 anos ocorreram em nações pobres. Essas nações também sofrem por um período maior as consequências dos desastres, na medida em que não possuem capacidade de recuperação rápida, o que agrava ainda mais as condições de vulnerabilidade (UNISDR, 2012).

Segundo o PNUD – Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (2012), "no Brasil, o mito de que o país vive alheio a desastres naturais tem perdido força. Em janeiro de 2011, por exemplo, chuvas intensas que caíram na Região Serrana do Rio de Janeiro provocaram o pior deslizamento de terra da história do país". Para Carlos Nobre, secretário de Políticas e Programas de Pesquisa e Desenvolvimento do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação – MCTI, tal episódio despertou a percepção brasileira para o tema dos grandes desastres. "Tornou-se óbvio para os gestores e para a população que é preciso enfatizar o eixo da prevenção. Foi um marco que mudou nossa perspectiva para sempre: prevenção é fundamental" (CASTRO, 2012). Tal pensamento corrobora estudo publicado anteriormente por Masato Kobiyama et al. (2006), segundo os quais o aumento do impacto dos desastres de causas naturais se deve, principalmente, ao aumento da população, à ocupação desordenada e ao intenso processo de urbanização e industrialização, sendo que, na base dos problemas enfrentados, encontra-se a falta de investimentos para a fase de prevenção.

Valencio et al. (2009) destacam que,

Das várias interpretações possíveis sobre aquilo que toma a denominação de desastres, no Brasil, há que se ter em conta uma em particular; qual seja, a de que aquilo que é reconhecido no meio institucional de defesa civil como desastre é, antes de tudo, o fenômeno de constatação pública de uma vulnerabilidade na relação do Estado com a sociedade diante o impacto de um fator de ameaça que não se conseguiu, a contento, impedir ou minorar os danos e prejuízos.(p. 5)

E, segundo Debarati Guha-Sapir, uma das principais especialistas sobre desastres no mundo e diretora do Centro de Pesquisas sobre a Epidemiologia dos Desastres (CRED), entidade que fornece à ONU os dados anuais sobre as vítimas no mundo e é o centro de referência hoje sobre o tema, "Não há vontade política no Brasil para preparar o país para lidar com os desastres naturais". Em uma conferência de imprensa na ONU para a apresentação dos novos números de vítimas de desastres de causas naturais no planeta, ela foi categórica: "O Brasil tem dinheiro suficiente para lidar com o problema dos desastres naturais e há anos já poderia ter colocado em funcionamento um sistema de prevenção. Mas a grande realidade é que falta vontade política" (CHADE, 2009).

Em termos de tecnologia de prevenção de desastres, os dados indicam que o Brasil tem agido de forma reativa e não preventiva. Em 1966, logo após as intensas chuvas ocorridas no Rio de Janeiro naquele ano, foi criado o Instituto de Geotécnica, o qual, em 1975, passou para Superintendência de Geotecnia e, em 1988, iniciou o monitoramento nas encostas no município do Rio de Janeiro. Na sequência, foi criada, em 1992, a Fundação Geo-Rio, cujo sistema de alerta de desastres é hoje denominado Sistema Alerta Rio. Cabe ressaltar, no entanto, que, a partir da criação desta Fundação, houve significativa redução do número de mortes na cidade do Rio de Janeiro em função de deslizamentos. Outro exemplo de ação reativa é o fato de que, somente após os grandes desastres ocorridos no morro do Bumba em Niterói (2010) e na Região Serrana no estado do Rio de Janeiro (2011), que vitimaram mais de mil pessoas, foi criado, em julho de 2011, o Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (CEMADEN/MCTI) e reestruturado o Centro Nacional de Gerenciamento de Riscos e Desastres (CENAD/MI).

Quanto à sistematização dos dados sobre as ocorrências de desastres no Brasil, disponibilizada em 2012 com a publicação do Atlas Brasileiro de Desastres Naturais 1991-2010, cabe ressaltar que entre as limitações da pesquisa apontadas pelo documento estão as variações e as inconsistências no registro de danos humanos, materiais e econômicos, o que se traduz em certa fragilidade da base histórica dos dados que orientam o Sistema Nacional de Defesa Civil. A ausência de profissionais especializados em âmbito municipal e consequente ausência de unidade e padronização das informações declaradas pelos documentos de registros de desastres, também colaboram para a fragilidade dos dados compilados.

O Atlas aponta doze fenômenos naturais que estão relacionados aos desastres relevantes em âmbito nacional, registrados nas cinco regiões brasileiras durante os vinte anos considerados: estiagem e seca; inundação brusca; inundação gradual; vendaval e/ou ciclone; tornado; granizo; geada; incêndio; movimentos de massa; erosão fluvial; erosão linear; erosão marinha. Do total de desastres registrados no período de 1991 a 2010, estiagens e secas corresponderam a 16.944 registros (54%); as inundações bruscas e alagamentos apresentaram-se como a segunda categoria de maior ocorrência, com um total de 6.771 registros (21%); inundações graduais corresponderam a 3.673 registros (12%); os vendavais e ciclones, e os granizos apresentaram-se na sequência, com 2.249 e 1.369 registros, respectivamente, e corresponderam a 7% e a 4%. Os demais desastres de causas naturais – erosão linear, marinha e fluvial, incêndios florestais, movimentos de massa, tornados e geadas – foram pouco expressivos na escala temporal analisada. Foram classificados, portanto, na categoria "Outros", com 903 ocorrências, representando 2% do total de registros.

Assim, de acordo com os dados apresentados, houve um aumento da ocorrência de desastres: de um total de 31.909, 8.671 (27%) ocorreram na década de 1990 e 23.238 (73%), na década de 2000. Tendo em vista a fragilidade da manutenção dos registros, como tendência, é possível apenas afirmar que os desastres têm potencial de crescimento. Em suas considerações finais, o Atlas avalia que o registro histórico dos desastres no território nacional expõe a vulnerabilidade da população brasileira diante de situações extremas relacionadas a fenômenos climáticos e observa que:

é necessário criar uma cultura do risco, ainda inexistente no país, para que os cidadãos estejam preparados a participar das tomadas de decisão. Esta medida torna-se viável por meio do acesso à informação de qualidade e pela troca de impressões entre os principais agentes sociais, na busca da participação e do envolvimento de todos os setores da sociedade. (p. 91).

Em 2011, segundo dados oficiais do Anuário Brasileiro de Desastres Naturais, foram registrados 795 desastres de causas naturais, os quais ocasionaram 1.094 óbitos e afetaram 12.535.401 pessoas. Apesar de a Região Sul ter sido a mais afetada pelos desastres (6.855.449 afetados), a que sofreu o maior impacto pelo poder de destruição foi a Sudeste. A quantidade de óbitos verificada nesta região é 7,29 vezes maior do que a verificada nas outras quatro juntas, muito em razão do evento ocorrido na Região Serrana do Rio de Janeiro, o que representou 87,95% do total de óbitos. Do total de afetados (12.535.401), enxurrada foi o desastre que mais atingiu a população brasileira (56,19%) e, também, foi o que causou o maior número de mortes (47,35%).

Há que se atentar para o fato de que o direito natural à vida e à incolumidade foi formalmente reconhecido pela Constituição da República Federativa do Brasil, e compete à Defesa Civil a garantia desse direito, especificamente em situações de desastres. A Proteção e Defesa Civil no Brasil está organizada sob a forma de sistema, denominado de Sistema Nacional de Proteção e Defesa Civil (SINPDEC), constituído pelos órgãos e entidades da administração pública federal, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios e pelas entidades públicas e privadas de atuação significativa na área de proteção e defesa civil. A Secretaria Nacional de Defesa Civil - SEDEC, no âmbito do Ministério da Integração Nacional, é o órgão central desse Sistema, responsável por coordenar as ações de proteção e defesa civil em todo o território nacional (Lei nº 12.608, de 11 de abril de 2012).

A redução da ocorrência e da intensidade de desastres, objetivo geral da Defesa Civil, envolve as ações de prevenção, mitigação, preparação, resposta e recuperação e se dá de forma multissetorial, nos três níveis do governo – federal,estadual e municipal –, com ampla participação da comunidade. Contudo, como afirmaram Masato Kobiyama et al. (2006, Introdução),

No Brasil, os desastres naturais têm sido tratados de forma segmentada entre os diversos setores da sociedade. Nos últimos anos vem ocorrendo uma intensificação dos prejuízos causados por estes fenômenos devido ao mau planejamento urbano.

Para os autores, ações integradas entre comunidade e universidade são fundamentais para que os efeitos dos desastres de causas naturais sejam minimizados, e alegam que os conhecimentos produzidos na academia devem ser repassados à sociedade, que, de forma organizada, deve utilizá-los nos projetos preventivos. Num contexto local, sugerem a criação de grupos comunitários capacitados para agir antes, durante e depois do evento, auxiliando assim os órgãos gestores de defesa civil.

O idoso no contexto de desastres

As fontes de consulta que tratam especificamente do idoso no contexto de desastres foram insuficientes para uma abordagem mais completa. Contudo, com base nas informações a que se teve acesso, constatou-se que, devido à sua vulnerabilidade, os idosos continuam sendo um dos grupos mais seriamente atingidos em situações críticas.

A problemática que envolve a vulnerabilidade do idoso em situações de desastres é o tema do relatório Older peoplein disasters and humanitarian crises: guidelines for best practice, da HelpAge International – HAI (2000), uma rede mundial de organizações sem fins lucrativos que há mais de 20 anos trabalha em conjunto com as agências humanitárias, para atender às necessidades especiais dos idosos, em projetos de desenvolvimento em situações de emergências, sugerindo maneiras de fortalecer as capacidades e as contribuições desse grupo social. Seu relatório inclui diretrizes para auxiliar no entendimento e atendimento das necessidades específicas dos idosos nessas situações, baseando-se numa ampla gama de pesquisas realizadas na Ásia, África, Europa e Américas e na experiência de muitos anos com desastres. Na ocorrência desses, diz o documento, são necessários protocolos específicos voltados aos idosos, o que requer, por exemplo, diretriz específica para a evacuação de pessoas com mobilidade reduzida, abrigos de emergência sem barreiras físicas, acesso aos medicamentos em tempo hábil, disponibilidade de cuidadores para assistência em tarefas da vida diária, acesso a equipamentos de apoio, tais como bengalas, cadeiras de rodas e andadores, ou equipamentos médicos, como o balão de oxigênio.

Deve-se destacar que a HAI é a única organização internacional que trabalha especificamente para atender às necessidades dos idosos, defender seus direitos e reconhecer a capacidade e a contribuição da população idosa em crises humanitárias. O fato de a organização destacar os problemas mais comumente identificados pelos idosos nessas situações e as necessidades a serem sanadas para a melhoria no atendimento desse grupo ilustra bem como essa realidade tem sido problemática, em âmbito mundial. Em seu relatório a HAI avalia que, para aqueles que trabalham em países em desenvolvimento, o envelhecimento da população continua sendo uma das questões mais ignoradas; considera que, em situações de crise, o objetivo declarado da maioria das organizações é fornecer assistência humanitária para as comunidades, se possível as mais vulneráveis. Contudo a investigação demonstrou claramente que pode ocorrer de os idosos não serem vistos como mais vulneráveis, sendo que, muitas vezes, eles são excluídos dos programas de apoio de recuperação social e econômica, e acusa uma necessidade urgente de integrar esse grupo em respostas humanitárias, já que menos de 1% dessas respostas tem como alvo pessoas idosas e pessoas com deficiência.

A constatação é a de que os problemas dos idosos tem uma prioridade secundária nas atividades governamentais e que poucas organizações não-governamentais (ONGs) incluem os idosos entre a população-alvo, porque o equívoco comum é o de que as pessoas em idade avançada são muito difíceis de capacitar, não são receptivas a novas ideias e são incapazes de participar efetivamente de atividades comunitárias e econômicas.

Outra constatação é que a falta de consciência e de informação sobre a contribuição das pessoas idosas, suas circuntâncias, problemas e necessidades criam imagens negativas da velhice. De modo que, apesar de o conhecimento sobre os problemas dos idosos estar aumentando, tais imagens e preconceitos persistem, ampliando a "invisibilidade" e a posição não prioritária desse grupo etário. Isso remete para o fato de que a "velhice", enquanto elaboração simbólica, é interpretada pelas sociedades segundo seus diferentes contextos culturais, históricos e econômicos.

A questão da vulnerabilidade dos idosos no contexto de desastres, abordada em algumas publicações internacionais, será relatada a seguir. A matéria intitulada "Idosos sofrem cognitivamente durante evacuação causada por desastres naturais" (ISAUDE, 2012) apresenta os resultados de uma pesquisa realizada na University of Pennsylvania School of Nursing que acompanhou dezessete pacientes de cuidados de longa duração, com idade média de oitenta e seis anos, vítimas de uma grave tempestade de verão. Todos foram evacuados e transferidos para outras instalações, com profissionais de saúde e ambiente físico diferentes. A constatação dos pesquisadores foi a de que, durante um desastre, mudanças fisiológicas associadas ao envelhecimento e a presença de doenças crônicas tornaram os idosos mais suscetíveis à doença ou lesão, até mesmo à morte.

Reportando-se ao desastre ocorrido em Kobe, no ano de 1995, o artigo "Recuperação e reconstrução depois do Grande Terremoto de Hanshin-Awaji no Japão" (MURATA, 2006) registra que, em algumas áreas afetadas, havia um predomínio de pessoas de idade avançada e 44% das vítimas mortais tinham mais de 65 anos.

Os efeitos do furacão Katrina sobre a população idosa, ocorrido nos Estados Unidos em 2005, foram registrados no artigo intitulado Decline in Health Among Older Adults Affected by Hurricane Katrina, publicado pela Johns Hopkins Bloomberg School of Public Health, em 22/01/2009. O estudo, realizado em Nova Orleans, revelou que, no ano seguinte ao desastre, além do aumento da mortalidade, a saúde dos sobreviventes com 65 anos ou mais apresentou considerável declínio. Segundo Lynda Burton, principal autora do estudo, "houve um aumento significativo na prevalência de pacientes com diagnósticos cardíacos, insuficiência cardíaca e problemas do sono".

Também reportando-se ao furacão Katrina, o relatório Current Status of the Social Situation, Wellbeing, Participation in Development and Rights of Older Persons Worldwide (UNITED NATIONS, 2011) registra que, das mil trezentas e trinta pessoas que morreram, a maioria era de pessoas idosas. No Estado de Louisiana, cerca de 70% das pessoas que perderam a vida tinham mais de sessenta anos de idade. O documento informa que o Louisiana Department of Health registrou, na ocasião, aproximadamente setenta idosos residentes em casas de repouso que faleceram, sendo que muitos foram abandonados por seus cuidadores durante o desastre.

O mesmo relatório destacou, ainda, que um tsunami ocorrido na Indonésia, em 2004, matou, em sua maioria, idosos e crianças; na Europa, durante a onda de calor de 2003, as pessoas idosas representaram a maioria das mortes: na França 70% foram de pessoas com idade superior a setenta e cinco anos. Quanto ao já citado terremoto que atingiu Kobe, no Japão, em 1995, informa que os idosos corresponderam a mais da metade das mortes, e esse grupo respondeu por 90% das mortes subsequentes.

É importante considerar que outro dado complicador para a população idosa diz respeito aos desastres secundários. Segundo a Defesa Civil, dentre os desastres secundários de maior ocorrência no Brasil, destacam-se os surtos de leptospirose, enfermidade cuja taxa de mortalidade tende a agravar-se em pacientes idosos, ampliando sua vulnerabilidade diante de novas situações de riscos.

A título de ilustração, cabe aqui registrar um fato histórico recente, ocorrido no Japão, por ocasião do desastre provocado por um tsunami na usina de Fukushima, em março de 2011. Na ocasião, um grupo de mais de duzentos aposentados japoneses, autointitulando-se "Unidade dos Veteranos Hábeis", formado por engenheiros e outros profissionais, todos acima de sessenta anos, se uniu voluntariamente e se ofereceu para substituir os funcionários mais jovens, no trabalho de tentar controlar o vazamento na usina. Eles alegaram que, por já serem idosos e estarem no fim de suas vidas, não teriam tempo para desenvolver câncer. Em entrevista à BBC, o autor da ideia, Yasuteru Yamada, um engenheiro aposentado de setenta e dois anos, declarou: "Em média, eu provavelmente terei mais treze a quinze anos de vida. Mesmo se eu for exposto à radiação, o câncer precisará de 20 ou 30 anos para se desenvolver, portanto, nós, mais velhos, temos menos chances de ter câncer". Esse comportamento, reflexo de condicionantes culturais, traduz o senso de responsabilidade dos idosos japoneses em relação à sociedade, pensada por eles como algo que só funciona em conjunto, e não individualmente.

Considerações finais e recomendações

As fontes de consulta sobre a situação do idoso no contexto de desastres de causas naturais no Brasil foram insuficientes para uma abordagem mais aprofundada do tema. Contudo, com base nas informações a que se teve acesso, constatou-se que os instrumentos de políticas públicas, no que tange ao aumento da longevidade e melhoria da qualidade de vida, atendem apenas parcialmente às necessidades dos idosos. Em situações de emergência, as demandas de redução da vulnerabilidade desse grupo social não são atendidas, bem como se ignoram ações preventivas que, ao longo do processo de envelhecimento, poderiam aumentar-lhe a resiliência. Esse quadro se torna ainda mais preocupante em vista do aumento da frequência e da intensidade com que os desastres de causas naturais vêm ocorrendo no mundo.

De acordo com alguns dados obtidos na pesquisa observa-se que existe uma tendência no potencial de crescimento dos desastres nas duas últimas décadas, apesar da constatação da fragilidade na manutenção dos registros. Sendo assim, torna-se fundamental uma sensibilização dos cidadãos para a construção de uma cultura do risco, principalmente no que diz respeito à inclusão dos idosos.

No Brasil, tomando-se como base as fontes consultadas, não foi possível identificar protocolos específicos de prevenção, preparação e resgate para atendimento a idosos em situações de desastres, apesar de previsto na Política Nacional de Proteção e Defesa Civil e na Lei 12.608, de 2012, cujo artigo 2º, inciso IV, registra: "Propor procedimentos para atendimento a crianças, adolescentes, gestantes, idosos e pessoas com deficiência em situação de desastre, observada a legislação aplicável" (grifo nosso).

Ficou demonstrado que a vulnerabilidade do idoso se amplia no contexto de desastres, caso ele esteja mais sujeito a doenças crônicas e incapacidades, resultantes tanto do declínio natural de sua capacidade funcional quanto de uma maior exposição a acidentes, o que ratifica a importância de se adotar, no âmbito da proteção e defesa civil, protocolos de atendimento que considerem especificamente as necessidades e capacidades desse grupo. Dentre o conjunto de ações, a prevenção de acidentes é de extrema importância, principalmente no que se refere a quedas, que ampliam de forma considerável a fragilidade do idoso e que, no Brasil, têm assumido dimensão de epidemia. Esse fato demonstra a clara necessidade de políticas preventivas de redução de acidentes junto à população idosa, como forma de, indiretamente, aumentar o seu grau de resiliência em situações de desastres. Prevenir lesões involuntárias, compreendendo suas causas; adotar medidas de proteção de pedestres; executar programas de prevenção de quedas, visando reduzir ao mínimo sua incidência, inclusive a de incêndios nos lares; e proporcionar assessoramento em questões de segurança são medidas que devem ser tomadas por toda a sociedade.

Em termos de tecnologia de prevenção de desastres, os estudos indicaram que o Brasil tem agido de forma reativa e não preventiva. Pôde-se inferir, então, que os desastres surgem da combinação entre ameaças, condições de vulnerabilidade e capacidade ou medidas insuficientes para reduzir as consequências negativas do risco.

Identificou-se que o processo de urbanização acelerado e desordenado das últimas décadas gerou, além de outras consequências econômicas e sociais, um comprometimento da infraestrutura das cidades para fazer face às necessidades básicas da sociedade, aumentando a vulnerabilidade de uma parcela da população idosa que, por falta de opção, viu-se obrigada a residir em áreas potencialmente sujeitas a enchentes, inundações e deslizamentos. Considerando-se que o envelhecimento e a urbanização são duas tendências mundiais, torna-se urgente, por parte do poder público e da sociedade, alterar os referentes culturais em relação à população idosa que reside em áreas urbanas, alicerçados sobre uma nova visão sobre o envelhecimento.

Inegavelmente, uma mudança de paradigmas está em curso atualmente; os idosos (ou a velhice) estão sendo reinventados no atual contexto político e socioeconômico das sociedades modernas. Contudo essas mudanças não ocorrem na velocidade desejada. A despeito da importância das políticas públicas e de todo o aparato jurídico em prol do idoso, com destaque para a Política Nacional do Idoso (PNI) e o Estatuto do Idoso, as ações efetivas ainda são insuficientes. Programas, projetos e ações deverão ser implementados nas próximas décadas, de modo a garantir e promover a autonomia e a independência dos idosos, ampliando dessa forma sua resilência no enfrentamento dos desastres de causas naturais.

Por fim há que se considerar que os idosos não representam um grupo homogêneo, já que uma gama de condições específicas – recursos financeiros, diferenças culturais, acesso à educação, ao lazer, ao saneamento básico e aos serviços de saúde, por exemplo – incide sobre sua qualidade de vida e influencia o processo individual de envelhecimento. Portanto, devido às particularidades que os distinguem, nem todos os idosos têm necessidades iguais ou semelhantes, e esse dado também tem que ser considerado por parte das políticas públicas, aí incluídas as de proteção em situações de desastres.

O que se infere, enfim, é que não há o "idoso", enquanto uma categoria universal, mas "idosos", que devem ser vistos em sua multiplicidade e especificidade, particularmente quando se trata de implementação de uma política eficaz de redução de riscos de desastres para todos os segmentos da sociedade.

Os resultados deste estudo apontam para lacunas que poderiam ser preenchidas por meio de medidas específicas de atendimento ao idoso. A seguir são apresentadas as seguintes recomendações:

(1) fomentar a elaboração de protocolos específicos de prevenção, preparação e resgate voltados aos idosos no contexto de desastres por parte dos agentes da defesa civil, nos três níveis da federação;

(2) desenvolver um sistema de informações com dados estatísticos sobre os idosos vitimados (afetados e mortos) por desastres de causas naturais e tecnológicos, que possam subsidiar futuras pesquisas no tema;

(3) avaliar metodologicamente o grau de efetividade de todo o arcabouço de proteção ao idoso desenvolvido no âmbito das instituições públicas e privadas;

(4) estimular, junto à indústria nacional, a fabricação de produtos de uso específico e facilitado para os idosos.

Submetido em: 09/05/13

Aceito em: 14/11/13

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    06 Ago 2014
  • Data do Fascículo
    Jun 2014

Histórico

  • Recebido
    09 Maio 2013
  • Aceito
    14 Nov 2013
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