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O desastre nuclear de Fukushima e os seus impactos no enquadramento midiático das tecnologias de fissão e fusão nuclear

Resumos

O desastre nuclear de Fukushima veio relembrar desastres nucleares anteriores tais como os de Three Miles Island e Chernobyl, trazendo de volta à esfera pública o debate em torno dos problemas de segurança das centrais nucleares. No entanto, enquanto o risco associado à energia nuclear tradicional (fissão) foi amplificado pela mídia, uma nova tecnologia de energia nuclear em investigação (fissão) não foi afetada. Uma comparação entre a cobertura midiática das tecnologias de fusão e fissão nuclear em três países (Alemanha, Espanha e Portugal), bem como na imprensa internacional de língua inglesa dirigida à elite transnacional, de 2008 a 2012, mostrou que o desastre de Fukushima não teve um impacto significativo no enquadramento midiático da fusão nuclear na maior parte dos jornais analisados. Neste artigo procura-se explicar o que conduziu a esta situação.

Desastre nuclear; Fusão; Fissão; Energia; Comparação transnacional


El desastre nuclear de Fukushima ha sido un recordatorio de desastres nucleares anteriores, como la Isla de Tres Milas y el Chernobil, devolviendo a la esfera pública la discusión alrededor de problemas de seguridad de centrales nucleares. Sin embargo, mientras el riesgo associado a la energia nuclear tradicional (la fisión) fue amplificado en los medios de comunicación, una nueva tecnologia de energia nuclear en investigación (la fusión) quedó ilesa. Una comparación de la cobertura de fusión y fisión por los médios de comunicación en três países (Alemania, España y Portugal), assi como en la prensa internacionale de lengua inglesa dirigida a la élite transnacional, a partir de 2008 hasta 2012 mostra que el desastre de Fukushima no ha tenido un impacto significativo sobre los relatos mediáticos de fusión nuclear. Este trabajo tiene la intención de explicar porqué esto ocurrió.

Desastre nuclear; fusion; fisión; energía; comparación transnacional


The Fukushima nuclear disaster was a reminder of previous nuclear disasters such as Three Miles Island and Chernobyl, bringing back to the public sphere the discussion around nuclear power plants safety problems. However, while risk associated to traditional nuclear energy (fission) was amplified in the media, a new nuclear energy technology under research (fusion) went unharmed. A comparison of media coverage of fusion and fission energy technologies in three countries (Germany, Spain and Portugal) and in the English language international print media addressing transnational elite, from 2008 to 2012 showed that the Fukushima disaster did not have significant impact on media framing of nuclear fusion in the major part of print media under investigation. This paper intends to explain what lead to this situation.

Nuclear disaster; Fusion; Fission; Energy; Cross-national comparison


O desastre nuclear de Fukushima e os seus impactos no enquadramento midiático das tecnologias de fissão e fusão nuclear1 1 . Os dados aqui apresentados fazem parte de um relatório preparado para o European Fusion Development Agreement (EFDA) Work programme 2012 WP12-SER-ACIF-1 com o seu apoio financeiro, e, no caso de Portugal, através do IST-UL. Os autores estão muito agradecidos a Carla Oliveira, Christian Oltra, Ana Prades, Radosław Sojak, Łukasz Afeltowicz, Piotr Stankiewicz, Isabella Milch e Julia Sieber pela sua valiosa colaboração e contributo na recolha e análise dos dados, e também a Magdalena Gadomska pelos seus comentários sobre o relatório da investigação. A EFDA não foi consultada ou tem qualquer responsabilidade pelo conteúdo deste artigo.

Luísa SchmidtI; Ana HortaII; Sérgio PereiraIII

IDoutorada em Sociologia pelo Instituto Universitário de Lisboa, Investigadora principal no Instituto de Ciências Sociais, Universidade de Lisboa, Portugal

IIDoutorada em Sociologia pelo Instituto Universitário de Lisboa, Investigadora de pós-doutoramento no Instituto de Ciências Sociais, Universidade de Lisboa, Portugal

IIILicenciado em Sociologia pelo Instituto Universitário de Lisboa, Colaborador do Instituto de Ciências Sociais, Universidade de Lisboa, Portugal

RESUMO

O desastre nuclear de Fukushima veio relembrar desastres nucleares anteriores tais como os de Three Miles Island e Chernobyl, trazendo de volta à esfera pública o debate em torno dos problemas de segurança das centrais nucleares. No entanto, enquanto o risco associado à energia nuclear tradicional (fissão) foi amplificado pela mídia, uma nova tecnologia de energia nuclear em investigação (fissão) não foi afetada. Uma comparação entre a cobertura midiática das tecnologias de fusão e fissão nuclear em três países (Alemanha, Espanha e Portugal), bem como na imprensa internacional de língua inglesa dirigida à elite transnacional, de 2008 a 2012, mostrou que o desastre de Fukushima não teve um impacto significativo no enquadramento midiático da fusão nuclear na maior parte dos jornais analisados. Neste artigo procura-se explicar o que conduziu a esta situação.

Palavras-chave: Desastre nuclear; Fusão; Fissão; Energia; Comparação transnacional.

RESUMEN

El desastre nuclear de Fukushima ha sido un recordatorio de desastres nucleares anteriores, como la Isla de Tres Milas y el Chernobil, devolviendo a la esfera pública la discusión alrededor de problemas de seguridad de centrales nucleares. Sin embargo, mientras el riesgo associado a la energia nuclear tradicional (la fisión) fue amplificado en los medios de comunicación, una nueva tecnologia de energia nuclear en investigación (la fusión) quedó ilesa. Una comparación de la cobertura de fusión y fisión por los médios de comunicación en três países (Alemania, España y Portugal), assi como en la prensa internacionale de lengua inglesa dirigida a la élite transnacional, a partir de 2008 hasta 2012 mostra que el desastre de Fukushima no ha tenido un impacto significativo sobre los relatos mediáticos de fusión nuclear. Este trabajo tiene la intención de explicar porqué esto ocurrió.

Palabras clave: Desastre nuclear; fusion; fisión; energía; comparación transnacional.

Introdução

O acidente na central nuclear japonesa de Fukushima Daiichi a 11 de Março de 2011 redespertou a ansiedade pública relativa às catástrofes nucleares, conduzindo alguns países a rever urgentemente os sistemas de segurança das suas centrais de produção de energia nuclear. A União Europeia (UE) sublinhou a importância destes procedimentos com o argumento de que "a segurança de todas as centrais nucleares da UE deve ser revista, tendo por base uma avaliação exaustiva e transparente dos riscos e da segurança ("stress tests"); o Grupo Europeu de Regulação da Segurança Nuclear (ENSREG) e a Comissão estão convidados a desenvolver o mais depressa possível o âmbito e as modalidades destes testes de modo coordenado à luz das lições retiradas do acidente no Japão e com o total envolvimento dos Estados Membros..." (Comunicação da Comissão ao Conselho e ao Parlamento Europeu, Bruxelas, 2012, p. 2). Também nos Estados Unidos, Índia, Rússia, Coreia do Sul e vários outros países, a necessidade de conduzir testes de segurança no seguimento da experiência de Fukushima ascendeu ao topo das agendas políticas, enquanto o apoio institucional à continuação ou mesmo à expansão da indústria nuclear permaneceu sem disputas.

Na Europa, o acidente no Japão teve diferentes repercussões em termos de decisão nacional. O Governo Federal alemão anunciou a sua decisão de abandonar gradualmente a energia nuclear até 2022, não só como reação aos acontecimentos ocorridos em Fukushima, mas também na sequência da mudança de política energética do país – a "Energiewende" ou transição energética. Em contraste, na França, o Segundo maior país produtor de energia nuclear, o governo reafirmou o seu apoio à energia nuclear, ao declarar o seu compromisso em conduzir os testes de stresse da Comissão Europeia e em apoiar as fontes de energia renovável. Na Espanha, depois de um período de incerteza, o governo aprovou a extensão de licenças a diversas centrais nucleares, incluindo as mais antigas, enquanto no Reino Unido, na Finlândia, na Suécia e na Hungria, os planos de manutenção ou mesmo expansão da produção de energia nuclear permaneceram inabalados pelos eventos no Japão (World Energy Council, 2012,'pp. 16-19).

Sendo importante compreender as consequências políticas de Fukushima, não devemos desvalorizar as visões do público em geral sobre este acontecimento marcante na história da tecnologia nuclear – que representa o risco da modernidade além de qualquer comparação: "tremendo (...) potencialmente catastrófico, temido e sério (certamente fatídico)" (SLOVIC et al. 2007, p. 117). Efetivamente, recorda-se que a tecnologia nuclear, mesmo quando usada para fins pacíficos, tem constituído uma importante fonte de controvérsia, e que o público em geral entende a tecnologia nuclear e os acidentes nucleares numa perspectiva diferente da dos políticos e investidores na indústria nuclear.

No que diz respeito à fusão nuclear, a questão principal que decorre do desastre de Fukushima é se este evento contribuiu para dar novos contornos à imagem pública desta tecnologia, nomeadamente em comparação à fissão nuclear. Estudos conduzidos pelo SERF têm mostrado que, ao contrário da fissão, a fusão nuclear é ainda largamente desconhecida pelo público em geral: como mostrou um inquérito Eurobarômetro, 58% dos cidadãos europeus ouviram falar da fusão nuclear no contexto da produção de energia, mas apenas 9% ouviram falar do ITER – o maior programa experimental sobre fusão nuclear – o que indica que o conhecimento sobre esta tecnologia é em larga medida muito impreciso (EUROBAROMETER, 2007). Boa parte da atenção midiática dada à fusão nuclear resulta de revelações científicas e desenvolvimentos tecnológicos (BORRELLI, 2004) ou de expectativas gerais e criadas em torno de assuntos como as candidaturas à instalação de centrais de pesquisa sobre fusão em territórios nacionais, tal como aconteceu na cidade de Vandellós, na Espanha, na altura da implementação do centro de investigação ITER (PRADES et al., 2007). Mais importante ainda, estes estudos revelaram que o público em geral confunde frequentemente fusão e fissão, resultando daqui um impacto negativo na aceitação social da fusão nuclear (SCHMIDT et al., 2013b).

Efetivamente, as associações negativas e o imaginário relacionado com a energia nuclear podem contribuir para estigmatizar a tecnologia da fusão, uma vez que a palavra/rótulo nuclear pode desencadear instantaneamente uma emoção como o medo (HORLICK-JONES et al., 2010).

A principal hipótese subjacente a esta investigação é a de que o desastre de Fukushima teve um impacto negativo na imagem pública da energia nuclear convencional, enquanto contribuiu para enfatizar o debate sobre a fusão como uma tecnologia alternativa à produção de energia nuclear. Considerou-se também importante avaliar se as representações da fissão nuclear transmitidas pela imprensa depois de Fukushima tiveram um efeito negativo na formação da imagem pública da fusão nuclear. Em termos globais, esta análise contribui para compreender a construção social do imaginário da energia nuclear nas sociedades contemporâneas ocidentais (SCHMIDT et al., 2013b).

Este artigo baseia-se num projeto de investigação financiado pela European Fusion Development Agreement (EFDA), tendo consistido numa comparação internacional da cobertura mediática da fusão e da fissão nuclear em três países (Alemanha, Espanha e Portugal) e na imprensa de língua inglesa dirigida à elite transnacional. A consciência do fato de que um programa de fusão nuclear bem sucedido depende consideravelmente de uma aceitação social alargada, para além de descobertas científicas e tecnológicas, foi a principal razão subjacente ao desenvolvimento de uma série de estudos sobre o assunto promovidos pelo Socio-Economic Research on Fusion (SERF), fundado pelo Euratom em 1997 e atualmente sob a coordenação da EFDAi i EFDA during FP7 – Reinforced coordination of physics and technology in EU laboratories Part 7, retrieved from EFDA: http://www.efda.org/newsletter/efda-during-fp7-%E2%80%93-reinforced-coordination-of- physics-and-technology-in-eu-laboratories-part-7-2/ . Uma linha de investigação importante nos estudos do SERF é o confronto entre a fusão e outras tecnologias de produção de energia, como a fissão nuclear.

A mídia e as perceções públicas das tecnologias de energia nuclear

A aceitação pública das tecnologias tem sido considerada uma condição crítica para o seu desenvolvimento e difusão (DEVINE-WRIGHT, 2007). Uma assunção comum entre decisores políticos e cientistas é a de que cidadãos informados estarão mais dispostos a apoiar tecnologias novas ou controversas. No entanto, esta assunção tem sido desafiada pela investigação que tem revelado que a perceção do risco é um processo complexo envolvendo múltiplos elementos, não sendo evidente que a informação conduza à aceitação. De fato, o apoio público às tecnologias de produção de energia é influenciado por múltiplos fatores, incluindo o conhecimento pré-existente, atitudes, emoções, valores, normas, crenças, opiniões dos pares, confiança e informação veiculada pela mídia (HOBMAN e ASWORTH, 2013). Além disso, um "novo realismo acerca das forças e limites da ciência" (GROVE-WHITE, 2005, p. 23) tem emergido, resultando do reconhecimento de vastas incertezas relacionadas com os riscos da inovação tecnológica.

A produção de energia nuclear (fissão) é um exemplo de uma tecnologia altamente estigmatizada (FLYNN, 2003) que, no início do seu desenvolvimento, foi apresentada ("framed") como um símbolo do progresso tecnológico. Tal como mostrado por Gamson e Modigliani (1989), até à década de 1970 não havia qualquer discurso anti-nuclear nos mass media, mas este enquadramento positivo tornou-se negativo após os acidentes nas centrais de energia nuclear de Three Mile Island e Chernobyl.

Juntamente com protestos públicos anti-nucleares na Europa ocidental e o desenvolvimento dos movimentos ambientalistas, as reações públicas à energia nuclear tornaram-se com frequência fortemente negativas (FLYNN et al., 1998; Schmidt, 2003), enfatizando preocupações relativas aos seus riscos (relacionados com acidentes, terrorismo e armamento), bem como com os resíduos radioativos. A anterior crença no domínio da ciência sobre a natureza tem enfrentado tensões e falhas nas perceções dos riscos e perigos da inovação tecnológica entre decisores políticos, cidadãos, cientistas e empresas, juntamente com uma crescente desconfiança nas autoridades políticas e no conhecimento científico (JASANOFF, 2005).

Nas lutas pela configuração das visões públicas da energia nuclear, as autoridades têm frequentemente sido acusadas de "secretismo" ou de disseminarem informação "parcial" ("biased"), no lugar de informação "objetiva" sobre os riscos nucleares (TOPÇU, 2008).

A fusão nuclear, pelo contrário, estando ainda numa fase de investigação e desenvolvimento, parece beneficiar de uma cobertura mediática que, tal como no caso de outras tecnologias emergentes, tende a ser positiva, enfatizando o progresso científico e as perspetivas económicas (NISBET e LEWENSTEIN, 2002), tal como publicamente promovido pelos principais atores interessados no seu desenvolvimento.

De acordo com Jasanoff (2005), baseado no conceito de "framing" apresentado por Goffman (1974), pode ser criado um sentimento de segurança relativamente a acontecimentos disruptivos através da construção na arena política de enquadramentos cognitivos ("cognitive frames"), histórias narradas que ajudam a dar sentido à experiência. A análise de enquadramentos mediáticos pode assim ser usada para compreender a construção das visões públicas relativas a assuntos tais como a perceção de risco, as representações sociais e as avaliações acerca da energia nuclear e dos desastres nucleares.

Método

O âmbito da nossa análise da cobertura midiática inclui o número e evolução dos artigos publicados, enquadramentos temáticos, atores, posições tomadas pelos atores, profundidade da informação sobre cada tópico, grau de associação aos desastres nucleares, especialmente o de Fukushima, e construção da imagem pública (perceção e representações) quer relativamente à fusão quer à fissão entre 2008 e 2012.

A investigação, desenvolvida nos contextos da imprensa portuguesa, espanhola e transnacional, compreende a análise de artigos sobre fusão e fissão nuclear. No que diz respeito à análise midiática relativa à Alemanha, apenas foram considerados artigos sobre fusão nuclear. No que diz respeito à fusão, a análise abrange a recolha de artigos publicados na imprensa de expressão nacional alemã, espanhola e portuguesa, bem como jornais e revistas de referência publicados em inglês e dirigidos à elite transnacional (doravante referidos como "imprensa transnacional"), entre o primeiro quarto de 2008 e o terceiro quarto de 2012.

Todos os tipos de jornais e revistas foram incluídos em cada estudo de caso: vinte jornais ou revistas na Alemanha, vinte na Espanha, quinze em Portugal e oito na imprensa transnacional. Os títulos selecionados da imprensa transnacional incluem The Observer, Guardian, The Washington Post, International Herald Tribune and News Statement; Forbes, The Economist e The Wall Street Journal. No que diz respeito à fissão, a análise cobriu uma amostra dos jornais dominantes ("mainstream") a nível nacional daqueles países e dos jornais de qualidade em língua inglesa, entre o primeiro quarto de 2010 e o terceiro quarto de 2012, adequando-se ao quadro temporal de um ano antes e um ano após o desastre de Fukushima, ocorrido a 11 de Março de 2011.

Para o caso de Portugal, os artigos foram recolhidos de entre os publicados por oito jornais, para o caso de Espanha recorreu-se a três jornais e, para a imprensa transnacional, utilizaram-se quatro títulos, respetivamente The Economist, The Observer, International Herald Tribune e New Statesman.

O estudo envolveu dois diferentes métodos de análise. Na primeira fase, os artigos foram submetidos a análise de conteúdo quantitativa, desenhada para medir a frequência dos assuntos ou tópicos, mensagens e acontecimentos apresentados em diversos tipos de comunicações mediáticas (MACNAMARA, 2005). Na segunda fase, uma análise de conteúdo qualitativa foi empregue sobre uma subamostra de artigos de modo a oferecer um entendimento aprofundado das representações públicas da fusão e fissão nuclear tal como transmitidas pelos media. (SCHMIDT et.al., 2013b: 9-13).

Cobertura midiática e enquadramento temático da fusão e da fissão

A cobertura midiática da fusão nuclear (Figura 1) foi muito irregular e forneceu um reduzido número de artigos durante a totalidade do período analisado em todos os casos de estudo, exceto na Alemanha, onde uma quantidade considerável de notícias foi publicada em quase todos os quartos, sobretudo no segundo quarto de 2011, logo após o desastre nuclear de Fukushima.


A fusão é enquadrada, sobretudo, como um tópico de ciência e tecnologia: notícias projetos de investigação e resultados da ciência da fusão nuclear são o assunto central da cobertura midiática da fusão, uma tendência que também tem sido observada em estudos anteriores sobre as perceções públicas da fusão nuclear (BORRELLI, 2004).

Em um segundo nível, a fusão surge associada a ssuntos políticos, sobretudo na Alemanha, mas claramente dissociada do tópico da segurança e dos temas relacionados com o ambiente e as alterações climáticas (Figura 1).

A publicação de artigos sobre energia nuclear convencional (i.e. fissão) apresentou elevada regularidade a um baixo nível durante 2010, aumentando consideravelmente no primeiro e segundo quartos de 2011 como resultado do acidente de Fukushima e seus desenvolvimentos posteriores.

Do segundo quarto de 2011 em diante há um contínuo decréscimo no número de artigos publicados, à medida que o foco midiático no desastre diminui gradualmente.

Os conteúdos de caráter politico são a principal fonte de interesse da cobertura midiática sobre a energia nuclear (Figura 2), imediatamente seguida pelos temas da segurança e meio ambiente, que surgem com mais frequência na imprensa espanhola. Os temas relacionados com a ciência e tecnologia, a par da economia e da economia energética, têm alguma relevância, especialmente na imprensa transnacional, enquanto os temas relacionados com a proteção do clima são quase ignorados, apesar de desde a década passada a energia nuclear ter sido promovida como um instrumento de mitigação das alterações climáticas, quer por cientistas (SAILOR et al. 2005) quer por políticos (BANG, 2010).


Comparação entre a cobertura midiática da fusão e da fissão nuclear

Atores e posição dos atores

Os cientistas são os atores mais mencionados com frequência ou citados quando a fusão nuclear é o tema dos artigos na Alemanha (47,7%), em Portugal (54,9%) e na imprensa transnacional (54,3%). É apenas em Espanha que o principal foco é dado aos representantes da indústria (35,6%) mais do que aos cientistas (33,1%), que neste caso são apresentados como atores secundários quando se discute publicamente a fusão. Na Alemanha, os atores políticos são muito mais relevantes (38,2%) que em qualquer outra área de estudo.

Outros atores desempenham um papel menor nas notícias sobre fusão: os representantes do Estado, por exemplo, estão quase ausentes ou são quase ignorados (exceto em Portugal, onde representam 6,6% dos atores mencionados). Os grupos e ativistas ambientais, que atualmente são atores muito relevantes na mudança social, estão ensombrados por outros atores no que diz respeito à fusão nuclear (SCHMIDT et al, 2013b).

A maioria dos atores citados afirma o seu apoio à fusão nuclear, especialmente na Espanha (65,6%) e na imprensa transnacional (60,8%). Posições neutras ou ambivalentes são encontradas principalmente na imprensa alemã e portuguesa (39,2% e 31,3%), enquanto os atores que se opõem à fusão surgem em número muito mais reduzido (10,2% na Espanha, 9,6% na imprensa transnacional e 3,5% na Alemanha).

Os que apoiam simultaneamente a fusão e a fissão encontram-se em todas as áreas estudadas (com maior proporção de registos na Espanha e em Portugal); o reduzido número de oponentes às duas tecnologias nucleares encontram-se apenas nos artigos publicados na Alemanha e na imprensa transnacional.

Os registos de apoiantes da fusão, mas não da fissão, ou, inversamente, apoiantes da fissão, mas não da fusão são residuais, o que indica que a maioria dos atores claramente dissocia estas tecnologias (SCHMIDT et al., 2013b).

Voltemos agora a nossa atenção para a fissão. Os políticos são os principais atores envolvidos no discurso midiático sobre a energia nuclear em todas as áreas de estudo (53,6% na Espanha, 49,1% em Portugal e 40,3% na imprensa transnacional).

Outros atores desempenham um papel menor na construção discursiva da energia nuclear ou são simplesmente negligenciados. Na imprensa espanhola, os grupos e ativistas ambientais surgem com um papel relativamente significativo (14,3%), especialmente em comparação com as outras áreas de estudo. Os representantes da indústria também têm alguma relevância na imprensa transnacional. Os representantes do Estado, que estão frequentemente associados à tomada de decisões políticas, desempenham um papel relevante no discurso da imprensa em Portugal e na esfera transnacional acerca da energia nuclear. Deve sublinhar-se que os cientistas têm pouca relevância no discurso mediático sobre a fissão nuclear, embora haja algumas exceções no que diz respeito à imprensa transnacional (SCHMIDT et al., 2013b).

Os apoiantes da fissão prevalecem em todas as áreas estudadas, especialmente em Portugal, onde representam quase metade dos atores (48,4%) que tomam uma posição específica a respeito da energia nuclear (em um país em que não há centrais nucleares, mas onde tem havido numerosas tentativas para implementar, pelo menos uma).

Os oponentes da fissão encontram-se principalmente na imprensa espanhola (43,3%). De fato, apenas na Espanha são identificadas posições polarizadas relativamente à fissão, sendo os oponentes mais numerosos que os apoiantes. Posições neutras ou ambivalentes podem ser encontradas em todos os contextos midiáticos analisados, mas prevalecem na imprensa transnacional (42,3%; enquanto em Portugal representam 38,9% e na Espanha 17,6%).

Podemos dizer que a característica predominante nas atitudes dos atores relativamente à fissão consiste no equilíbrio entre atitudes positivas e neutras na imprensa transnacional e portuguesa, enquanto na espanhola há uma divisão entre atitudes de apoio e oposição, tornando-a mais radicalizada. Os que apoiam ou se opõem simultaneamente às duas tecnologias são uma minoria nas notícias publicadas sobre energia nuclear. O mesmo pode afirmar-se a respeito dos apoiantes da fusão mas não da fissão ou, inversamente, os apoiantes da fissão mas não da fusão. Esta parece ser uma importante característica do discurso midiático sobre a fissão nuclear, uma vez que indica que a fusão e a fissão surgem fortemente dissociadas (SCHMIDT et al., 2013b).

A fusão nuclear entre esperança e descrédito

As afirmações positivas a respeito da fusão prevalecem em todas as áreas de estudo, especialmente em Portugal (71,7%), Espanha (61,8%) e na imprensa transnacional (60,3%), sendo menos frequentes na Alemanha (48,4%), onde é possível encontrar um número considerável, embora não predominante, de registos (33,6%) que apresentam a fusão nuclear de uma forma negativa.

A análise qualitativa ofereceu uma visão mais clara sobre a construção da imagem pública da fusão nuclear. No atual estado de investigação, a fusão é apresentada como um grande desafio para os cientistas mas não tanto para os políticos e stakeholders. Particularmente na imprensa transnacional são reveladas visões ambíguas em que a fusão é, por um lado, comparada a empreendimentos coletivos proeminentes tais como as catedrais medievais, o Programa Apollo e o Projeto Manhattan Project, e, por outro lado, comparada a buscas desesperadas como o El Dorado ou o Santo Graal (SOJAK, AFELTOWICZ, STANKIEWICZ, 2013).

Um exemplo eloquente de tais visões sobre a investigação a respeito da fusão nuclear é dado num artigo publicado pelo International Herald Tribune: "Uma cruzada para alcançar o que tem iludido milhares de outros cientistas" (International Herald Tribune, 2010) (op. cit. SOJAK, AFELTOWICZ, STANKIEWICZ, 2013, p. 44).

A metáfora do Sol (a replicação artificial da energia de fusão que ocorre no Sol) é uma referência comum e poderosa referência simbólica que contribui para associar a fusão a uma tecnologia que constitua uma fonte de energia limpa, segura e ilimitada. A viabilidade tecnológica da fusião é o tema mais vivamente discutido nos artigos. Os argumentos apresentados são muito otimistas – "A promessa é a de quantidades de energia virtualmente ilimitadas de fontes abundantes (International Herald Tribune, 2009) (op. cit. SOJAK, AFELTOWICZ, STANKIEWICZ, 2013, p.46); cautelosamente positivas – "A ignição pode acabar por ser possível. Mas ainda a muito a aprender." (International Herald Tribune, 2009) (op. cit. SOJAK, AFELTOWICZ, STANKIEWICZ, 2013, p. 47); ou transmitidos com ironia e ridicularizados – "A velha piada é que a fusão é a energia do futuro – e sempre será" (The Economist, 2011); ou também "( ) [o] velho mantra [de que] a fusão está apenas a 20 (ou 30 ou 50) anos de distância – continua "wishful thinking" no seu melhor" (IHT, 2010), ou ainda "NAIF – National Almost Ignition Facility" [trocadilho em que a palavra ingénuo é apresentada como sigla de Central Nacional de Quase Ignição (op. cit. SOJAK, AFELTOWICZ, STANKIEWICZ, 2013: 47).

Alguns cientistas desta área responderam a isto dizendo que os grandes projetos da humanidade foram sempre difíceis de alcançar, dando como exemplo a catedral Church of Saint John the Divine, em Manhattan, que "esteve em construção durante mais de um século " (IHT, 2009). A limpeza e a segurança não são objeto de tanta discussão na imprensa transnacional; no entanto, as ideias de que a fusão poderá ser uma fonte de energia ilimitada e abundante, tal como uma forma de evitar o problema dos resíduos nucleares, tem sido difundida.

Os custos econômicos da fusão resultantes de um prazo tão longo são a principal razão de crítica. Estes referem-se aos custos associados ao financiamento do ITER nos contextos mediáticos nacionais (Alemanha, Portugal e Espanha) ou a outras grandes centrais de experimentação como o NIF (referido sobretudo na imprensa transnacional), uma situação que é agravada numa altura de crescente escassez de fundos para a investigação científica.

Avaliação da fissão nuclear

A fissão nuclear é negativamente avaliada em mais da metade dos casos quer da imprensa portuguesa (57,4%) quer da imprensa espanhola (53,6%). Na imprensa transnacional as avaliações negativas (47,3%) são atenuadas por uma ligeira percentagem de declarações positivas (30,4%) e neutras (22,3%).

Esta associação negativa está relacionada com uma grande variedade de aspetos, a maioria dos quais consistindo na segurança, limpeza, custo da investigação e do funcionamento das centrais, bem como o possível uso militar e o risco da proliferação da tecnologia nuclear. Em contraste, a fissão surge positivamente representada quando comparada aos combustíveis fósseis ou quando algumas das suas principais características - tais como a garantia de abastecimento de grandes quantidades de energia, a neutralidade em relação às alterações climáticas, abundância energética e, em menor grau, a sua competitividade em relação ao custo – são debatidas nos artigos.

A neutralidade em relação às alterações climáticas e a garantia de abastecimento são de algum modo apreciadas tanto na Espanha como na imprensa transnacional, enquanto os seus limites como fonte energética e as propriedades da fissão em comparação com os combustíveis fósseis são o aspecto mais valorizado nos jornais portugueses. Apesar de a fissão ser mais avaliada de forma positiva quando confrontada com os combustíveis fósseis em todas as áreas de estudo, é avaliada negativamente ou com neutralidade a respeito das fontes de energia renovável, o que significa que a energia nuclear é entendida como podendo ser considerada uma boa alternativa aos combustíveis fósseis (particularmente quando o tema em discussão são as alterações climáticas) e, pelo contrário, uma alternativa menos aceitável quando as renováveis são também discutidas desse ponto de vista. Com o desastre de Fukushima, estas tendências mudaram.

O '(não-)efeito de Fukushima' – a cobertura midiática da fusão e fissão nuclear após o desastre de Fukushima

O desastre nuclear de Fukushima não está relacionado com a fusão nuclear, mas sim com a fissão.

A mais elevada proporção de artigos que mencionam Fukushima encontra-se na imprensa espanhola (31,5%), seguida da alemã (24,4%). Em Portugal o desastre de Fukushima é mencionado em 20,0% dos artigos sobre fusão e na imprensa transnacional isso ocorre em 15,0% dos casos.

A maioria dos artigos que mencionam Fukushima na Espanha são notícias breves e artigos de opinião, publicados por jornais de qualidade com difusão nacional onde a fusão é abordada no contexto da energia nuclear e avaliada de um modo positivo. Estes artigos exploram temas relacionados com a política energética e discutem alternativas possíveis à fissão.

Na Alemanha, a maioria dos artigos são colunas de opinião publicadas igualmente por jornais nacionais de qualidade, onde a fusão é discutida no contexto da fissão nuclear e particularmente a respeito da política energética do país. A fusão é positivamente avaliada enquanto alternativa à fissão.

Em Portugal, o desastre é mencionado principalmente em entrevistas publicadas por jornais nacionais de qualidade, estando a fusão positivamente retratada no contexto de cenários que incluem o futuro da tecnologia nuclear. No que diz respeito à imprensa transnacional, Fukushima é principalmente referida em reportagens publicadas por jornais tais como The Washington Post e The International Herald Tribune; projetos de investigação e respetivos resultados são o principal tema destes artigos em que a fusão é abordada em uma perspectiva positiva, o que reforça a ideia de que virtualmente não houve qualquer impacto negativo do desastre nuclear na imagem da fusão.

Sem surpresa, o acidente de Fukushima tem um papel predominante nos artigos sobre energia nuclear (fissão) na imprensa espanhola, portuguesa e transnacional (74,2%, 68,6% e 66,5%, respetivamente), constituindo mais da metade dos artigos da amostra em cada estudo de caso. Na Espanha e em Portugal, estes artigos são principalmente notícias breves publicadas por jornais populares e de qualidade de expressão nacional, onde a fissão está no centro da discussão. O desastre aparece essencialmente relacionado com questões tais como a gestão do risco e as práticas que no caso de Fukushima falharam, deixando a tecnologia da fissão sob forte crítica, sendo frequentemente abordada numa perspectiva negativa.

Na imprensa transnacional, Fukushima é principalmente mencionada em reportagens e colunas de opinião, onde a fissão nuclear é o tema principal, a maioria dos quais publicados pelo The New York Times, The Economist e The Guardian. Estes artigos abordam a fissão principalmente numa perspectiva negativa (apesar de haver um considerável número de artigos em que é debatida de modo neutro), focada na relação entre o acidente e as orientações das atuais e futuras políticas energéticas e o desenvolvimento de cenários energéticos para vários países.

A Figura 3 ilustra a ligação entre Fukushima e a cobertura midiática da fissão nuclear. A energia nuclear recebeu mais atenção midiática após o desastre de Fukushima nas três áreas estudadas. Podemos afirmar que o desastre teve um impacto homogêneo na cobertura midiática da energia nuclear (SCHMIDT et al., 2013b: 35).


Após o desastre de Fukushima as avaliações negativas da energia nuclear aumentaram em Portugal e Espanha, enquanto as avaliações positivas decresceram. As avaliações neutras não sofreram alterações significativas. Na imprensa transnacional aumentaram tanto as avaliações positivas como as negativas, o que indica uma polarização das opiniões sobre a energia nuclear (Tabela 1).

De modo geral, podemos dizer que a energia nuclear já era negativamente representada nos media antes deste desastre nuclear, fato que se tornou mais visível posteriormente (SCHMIDT et al., 2013b). No que diz respeito à imprensa transnacional, a proporção de artigos com uma perspetiva negativa aumentou igualmente após o desastre, principalmente quando relacionados com a limpeza e segurança. O número de artigos neutros também aumentou, indicando um aumento geral do interesse a respeito deste tópico.

Para uma análise mais detalhada do efeito de Fukushima na avaliação midiática da fissão nuclear, é importante diferenciar quais foram as caraterísticas específicas (benefícios e custos) da fissão que sofreram mudanças significativas na sua mediatização neste período (SCHMIDT et al., 2013b).

A Tabela 2 apresenta as médias da avaliação atribuída a vários benefícios e custos da fissão, permitindo comparar as alterações ocorridas antes e depois do desastre de Fukushima em cada área estudada. Na imprensa transnacional as mudanças mais significativas que podem ser observadas após Fukushima relacionam-se com o acentuar das médias negativas da avaliação (em média inferior a 3 numa escala de 1 a 5 em que 5 significa "muito positivo") da segurança das centrais nucleares. Seria de esperar um debate mais intenso sobre a segurança das centrais nucleares após o desastre de Fukushima, o que efetivamente ocorreu em toda a imprensa analisada, mas o mesmo não ocorreu relativamente à limpeza (outra questão diretamente relacionada com os riscos e acidentes nucleares).

Foi dada mais atenção ao colapso dos mecanismos de segurança em Fukushima e à possibilidade de ocorrência de outros desastres deste tipo em outros países que às discussões sobre potencial contaminação radioativa versus limpeza dos materiais e da tecnologia nuclear após um acidente nuclear.

A neutralidade da energia nuclear relativamente às alterações climáticas e a sua continuidade como uma opção energética em cenários futuros (opção a longo-prazo) permaneceu positivamente avaliada na imprensa transnacional (médias acima de 3), apesar de ter havido um decréscimo nas tendências positivas relativas a estes tópicos após o desastre de Fukushima.

De referir que avaliações positivas persistentes relativas à neutralidade climática e viabilidade a longo-prazo, assim como avaliações neutras do custo face à competitividade podem revelar mais uma quebra na atenção midiática do que opiniões estruturadas a respeito destes tópicos, uma vez que estes tópicos foram quase arredados do debate por outros aspectos mais extensa e profundamente discutidos após o desastre de Fukushima, tais como os riscos associados à fissão nuclear (SOJAK, AFELTOWICZ, STANKIEWICZ, 2013).

É também interessante notar que após o desastre houve, na imprensa das três áreas estudadas, um ligeiro aumento nas avaliações negativas das caraterísticas da fissão comparativamente às energias renováveis. Esta tendência indica que após Fukushima a fissão nuclear perdeu apoio no espaço público, sobretudo em comparação com as fontes de energia renováveis, que se apresentam como opções mais seguras.

Em Portugal, registou-se uma quebra generalizada na avaliação positiva da energia nuclear, tendo sido mais acentuada a respeito do item garantia de abastecimento. Pode também destacar-se um aumento ligeiro das avaliações negativas dos itens custo de manutenção das centrais nucleares, opção a longo prazo, segurança e vantagens do nuclear em comparação com os combustíveis fósseis.

Na imprensa espanhola houve uma clara quebra nas médias de avaliação atribuídas à segurança, aos custos das centrais nucleares, à competitividade face aos custos, aos custos de funcionamento das centrais nucleares e à opção a longo prazo após o desastre de Fukushima, correspondendo a uma mudança para opiniões predominantemente negativas. Esta mudança indica um declínio na credibilidade da energia nuclear no contexto da ocorrência de um desastre nuclear. Trata-se de um fato crucial na opinião pública uma vez que o país detém centrais de produção de energia nuclear.

Conclusão

Não há evidência de que o desastre de Fukushima tenha tido um efeito específico na cobertura midiática da fusão nuclear. O número de artigos publicados sobre fusão evoluiu independentemente da atenção pública dada ao acidente no Japão. De fato, a análise indica que o discurso público sobre a fusão constrói-se fundamentalmente sobre os desafios que coloca à investigação e resultados científicos e tecnológicos alcançados, mais do que o debate de política energética ou futuras compensações económicas da investigação sobre a fusão.

No entanto, encontram-se algumas diferenças na comparação entre os diversos contextos midiáticos analisados. Verificamos que a imprensa alemã publicou mais artigos que a imprensa portuguesa, espanhola e transnacional no período entre um ano antes e depois de Fukushima, não como resultado do desastre em si próprio, mas como consequência de um debate público mais intenso e contínuo sobre a fusão na Alemanha, onde a decisão de terminar a fissão nuclear contribuiu para a discussão da ideia da fusão como uma alternativa, o que também foi considerado no âmbito da discussão do financiamento da investigação neste domínio por parte da União Europeia (SCHMIDT et al, 2013b).

Inversamente, o desastre de Fukushima teve um impacto significativo na cobertura midiática da fissão nuclear. O número de artigos publicados em Portugal, Espanha e na imprensa transnacional (de referir que a Alemanha não foi analisada a este respeito) aumentou consideravelmente após o acidente, mas apenas durante um período limitado de tempo (os primeiro e segundo quartos de 2011). A partir do terceiro quarto de 2011, as tendências anteriores relativas à quantidade de notícias publicadas sobre a fissão nos contextos midiáticos analisados foi reestabelecida.

O principal efeito de Fukushima no enquadramento temático da energia nuclear consistiu em uma mudança de foco dos assuntos de rotina a respeito desta tecnologia (tais como o uso militar, resíduos, política energética, etc.), para o tópico dos acidentes e crises, segurança, gestão de risco e riscos ambientais associados aos desastres nucleares.

Antes de Fukushima, o discurso público veiculado por atores chave sobre a fissão era significativamente mais positiva e/ou neutro do que após o desastre, quando o seu caráter negativo foi acentuado. Em geral, a fissão é representada como uma fonte energética perigosa, com custos de investigação elevados, dificilmente uma opção em um prazo longo, suscetível de contribuir para a proliferação do armamento nuclear ou para um uso militar mal-intencionado; após o desastre de Fukushima, a imagem da fissão nuclear transmitida pela mídia deteriorou-se substancialmente.

A "onda de choque" que se espalhou pelo mundo após Fukushima lançou algumas sombras sobre o futuro da tecnologia nuclear. A fusão nuclear é considerada uma alternativa à energia nuclear tradicional – segura e ilimitada –, mas demasiado cara e tardia (demasiado longínqua no tempo) para dar conta das atuais necessidades; quase uma ficção, um "Santo Graal" como alguma imprensa transnacional transmitiu com ironia.

A fissão nuclear foi direta e profundamente afetada pelo desastre de Fukushima, e à parte de opções políticas para o futuro a respeito do apoio à indústria nuclear, uma visão mais negativa e pessimista da energia nuclear emergiu depois de Fukushima.

Nota

Submetido em: 01/08/2014

Aceito em: 10/11/2014

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    . Os dados aqui apresentados fazem parte de um relatório preparado para o European Fusion Development Agreement (EFDA) Work programme 2012 WP12-SER-ACIF-1 com o seu apoio financeiro, e, no caso de Portugal, através do IST-UL. Os autores estão muito agradecidos a Carla Oliveira, Christian Oltra, Ana Prades, Radosław Sojak, Łukasz Afeltowicz, Piotr Stankiewicz, Isabella Milch e Julia Sieber pela sua valiosa colaboração e contributo na recolha e análise dos dados, e também a Magdalena Gadomska pelos seus comentários sobre o relatório da investigação. A EFDA não foi consultada ou tem qualquer responsabilidade pelo conteúdo deste artigo.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      03 Fev 2015
    • Data do Fascículo
      Dez 2014

    Histórico

    • Aceito
      10 Nov 2014
    • Recebido
      01 Ago 2014
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