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Gênero e meio ambiente

A relação entre a mulher e a natureza não é recente. Ao longo da história da humanidade a simbologia está muito presente nas reflexões que instituem no feminino uma proximidade com a natureza. Entretanto, é importante reconhecer que a forma como as mulheres interagem com o meio ambiente é fruto das relações sociais que preestabelecem responsabilidades específicas para as mulheres em função de relações de gênero. Estas relações são socialmente construídas e se diferenciam de acordo com a classe econômica e social em que as mulheres se encontram, e se refletem nas tarefas que elas possuem no domínio doméstico e público. Por ser uma temática contemporânea e em constante transformação, neste editorial será abordado o tema "gênero e meio ambiente", a começar pelo principio 20 da Declaração do Rio, de 1992, que destaca a importância das mulheres no gerenciamento do meio ambiente e no desenvolvimento.

A produção acadêmica e de organismos globais enfatiza que a mulher tem assumido, de forma geral, o manejo e sustento dos recursos naturais que fazem parte do dia a dia dos grupos comunitários, das aldeias e dos segmentos mais excluídos em diversas partes do mundo. Entretanto, essa participação vai além desta realidade. O papel da mulher na sociedade ocorre de forma multifacetada, não só nas práticas que garantam a reprodução da vida social no espaço doméstico, mas também no espaço público. Como pescadoras, agriculturas, e de tantas outras formas de produção em escala local relacionadas ao meio ambiente, elas contribuem no sustento das suas famílias e de suas comunidades, configurando uma dinâmica de produção e sua participação na cadeia produtiva. A Organização das Nações Unidas em inúmeros documentos destaca o papel da mulher no manejo dos recursos naturais, enquanto protagonista relevante e ativa de ações locais, regionais e inclusive globais. Um documento que caracteriza esta visão das Nações Unidas é a Agenda 21, na qual se afirma o papel da mulher no desenvolvimento sustentável, propondo que os governos avancem cada vez mais na implementação de estratégias que contemplem seu papel fundamental na dimensão sócio-política das questões ambientais.

Assim, a mulher tem uma função fundamental na conservação dos recursos ambientais e naturais, no contexto dos avanços necessários para políticas mais sustentáveis, face à lógicas prevalecentes de consumo numa direção que indique ações nas quais prevaleçam propostas alternativas de consumo sustentável e de redução do desperdício.

Em muitas conferências sobre meio ambiente elas assumem um papel protagonico e introduzem o debate sobre a necessidade de participar mais do processo de tomada de decisões.

Entretanto, o que se observa, é que apesar do discurso mostrar a necessidade de maior protagonismo, na prática cotidiana, tem ocorrido ainda de forma muito incipiente, e que apesar da relação de proximidade com a temática ambiental, a mulher está ainda muito ausente dos processos de tomada de decisão em relação às políticas ambientais. A incorporação da mulher na formulação, planejamento e execução de políticas ambientais continua muito lenta, apesar da comunidade internacional reconhecer que sem a plena participação da mulher não será possível avançar de forma consistente e constante para uma sociedade com um ethos mais sustentável.

Tal realidade reflete como as relações de gênero moldam os espaços de negociação e as práticas de participação. Por exemplo, no contexto dos recursos hídricos, o trabalho das mulheres como técnicas se limita, muitas vezes, à transferência de informações para outras mulheres, ou em funções onde elas distribuem informação, mas não como formadoras de opinião. Com isso, as mulheres fazem parte de práticas que visão promover desenvolvimento, mas não como tomadoras de decisão. No contexto brasileiro, a participação das mulheres nos órgãos gestores e nos colegiados participativos estão principalmente atreladas a atividades ligadas à sua logística como, por exemplo, na preparação de documentos e pareceres técnicos. Elas também assumem posições de subordinação nas estruturas hierárquicas de tomada de decisão como participantes de câmaras técnicas que embasam as decisões finais de tais instituições. Sua presença como facilitadoras ou de representante dos organismos de bacia em outras instituições é muito menor quando comparada a distribuição de homens nessas mesmas posições. As mulheres participam dos organismos de bacia, mas sua participação é fortemente vinculada à posições de subordinação em relação aos homens.

A falta de equidade e igualdade de gênero é visto pelos organismos multilaterais como um empecilho a uma sociedade mais sustentável baseada em princípios que garantam justiça socioambiental, recuperação de ecossistemas frágeis, a proteção do meio ambiente e a segurança alimentar. Nesse contexto, a responsabilidade dos pesquisadores é desvendar as dinâmicas de exclusão e discriminação ainda presentes e promover a sua transformação a ponto de mudar as estruturas sociais que as sustentam. Já avançamos muito, mas ainda temos um longo caminho à percorrer.

Neste volume a Ambiente & Sociedade traz 12 artigos, contemplando temas de grande relevância no contexto da temática socioambiental contemporânea, como o manejo de áreas naturais e a importância dos saberes tradicionais locais; o controle social em políticas públicas de saneamento; governança da água; vulnerabilidade socioambiental em áreas urbanas e em práticas agrícolas, pesqueiras e florestais; o cultivo de organismos geneticamente modificados; alimentação orgânica; mercado de carbono; e práticas pedagógicas para o ecodesenvolvimento. Duas resenhas fecham ainda este volume.

No artigo "Identidade social, conhecimento local e manejo adaptativo de comunidades tradicionais em babaçuais no Maranhão", os autores Roberto Porro e Noemi Sakiara Miyasaka Porro, avaliam as estratégias produtivas e o caráter adaptativo das práticas agroextrativistas de determinadas comunidades tradicionais no Estado do Maranhão, destacando as interpretações, escolhas e práticas na incorporação da pecuária pelos camponeses.

Os autores Patricia Costa Pellizzaro, Letícia Peret Antunes Hardt, Carlos Hardt, Marlos Hardt e Dyala Assef Sehli, analisam a compatibilidade institucional entre diferentes países e as diretrizes determinadas pelo International Union for Conservation of Nature (IUCN), por meio de análise comparativa no artigo "Gestão e Manejo de Áreas Naturais Protegidas: Contexto Internacional".

Com o objetivo de analisar as transformações urbanas geradas a partir do funcionamento do mercado imobiliário e suas implicações socioambientais, o artigo "Transformações Urbanas e Ambientais em Áreas Pobres da Região Metropolitana de Recife (Brasil)" das autoras Kainara Lira dos Anjos e Norma Lacerda discutem o dinamismo desse Mercado, utilizando como objeto de estudo a localidade de Brasília Teimosa.

As autoras Fernanda Alves Cohim Silva e Liliana Pena Navalanalisam as experiências e estratégias de controle social em políticas públicas de saneamento básico, no artigo: "Contribuições para construção de estratégias de suporte ao controle social em ações de saneamento".

A expansão da atividade agrícola da monocultura de cana de açúcar e seus impactos ambientais negatives são problematizados no artigo "A vulnerabilidade ambiental e o planejamento territorial do cultivo de cana-de-açúcar", dos autores Carolina de Oliveira Jordão e Evandro Mateus Moretto. O trabalho analisa a vulnerabilidade ambiental no planejamento territorial dessa expansão, com base no zoneamento agroambiental do setor sucroalcooleiro de São Paulo.

O artigo "Economias Camponesas, indústria florestal e incêndios: estabilidade socionatural e a agricultura como resistência" da autora Beatriz Eugenia Cid Aguayo analisa a ocorrência de incêndios florestais e levanta questões sobre a estabilidade socionatural e relação territorial entre a indústria florestal e a agricultura camponesa.

Com o objetivo de avaliar as contribuições das práticas pedagógicas no ecodesenvolvimento, os autores Isabel Jurema Grimm, Adriana Dias, Carlos Alberto Cioce Sampaio e Valdir Fernandes realizaram uma pesquisa-ação na zona de educação para o Ecodesenvolvimento da Microbacia do Rio Sagrado, em Morretes (PR). Os resultados das transformações socioambientais ocorridas no tereitório estão no artigo: "Interdisciplinaridade e práticas pedagógicas no ecodesenvolvimento: análise da experiência da microbacia do Rio Sagrado - Morretes/PR".

As autoras Sara Gurfinkel Marques de Godoy e Sylvia Maria Sylvia Macchione Saes, discutem a dinâmica da evolução dos mercados de carbono, com base na análise comparativa entre diferentes estruturas de mercados, desempenhos, limites e potencialidades no artigo "Cap-and-trade e projetos de redução de emissões: comparativo entre mercados de carbono, evolução e desenvolvimento".

No artigo "O Mercado de alimentos orgânicos: um panorama quantitativo e qualitative das publicações internacionais", os autores: Valéria da Veiga Dias, Glauco Schultz, Marcelo da Silva Schuster, Edson Talamini e Jean Philippe Révillion procederam o levantamento e análise bibliométrica das publicações referentes ao mercado de alimentos orgânicos. Com base em entrevistas e grupos focais, o trabalho discute sobre as principais temáticas abordadas em relação ao tema.

Com o objetivo de explorar as razões pelas quais o manejo dos recursos hídricos e pesqueiros entrou em crise na região, o artigo "O que está no fundo: uma visão eco-histórica da poluição da água no Altiplano Andino" da autora Heather Lee Williams, discute a forma como a conquista da autonomia dos povoados e a autogestão militante dos recursos naturais deixaram a população rural mais vulnerável à poluição causada pela indústria extrativa e a urbanização na região.

No artigo "As percepções de pequenos agricultores brasileiros sobre os cultivos geneticamente modificados", os autores Carla Almeida, Luisa Massarani, e Ildeu de Castro Moreira, analisam as percepções de pequenos agricultores com relação ao cultivo de espécies geneticamente modificadas e identificam percepções heterogêneas moldadas por diversos fatores que incluem questões econômicas e preocupações com o impacto sobre a saúde humana e ambiental.

O autor Rodrigo Constante Martins aborda a questão da governança das águas sobre a perspectiva da diferença e da desigualdade dos atores, no artigo "Fronteiras entre desigualdade e diferença na governança das águas". Ao discutir a produção de hierarquias nas arenas de governança, o trabalho discorre sobre práticas que naturalizam o desequilíbrio na gestão.

Na resenha "Serviços de saneamento: visões e experiências", a autora Mariana Gutierres Arteiro da Paz, destaca os aspectos sociopolíticos do serviço de saneamento e a postura de Léo Heller e José Esteban Castro frente as limitações sociais e políticas públicas relacionadas ao sistema de saneamento no livro: Política pública e gestão de serviços de saneamento, 2013.

Na resenha "Uma contribuição para a compreensão da gênese e evolução da política e gestão ambiental no Brasil" o autor Daniel Trento do Nascimento expõe de forma crítica a visão dos autores Maria Augusta Bursztyn e Marcel Bursztyn, sobre a construção da sustentabilidade e os fundamentos politicos da gestão ambiental contidos no livro Fundamentos de Política e Gestão Ambiental: caminhos para a sustentabilidade, 2012.

Desejamos a todos uma boa leitura e contamos com seu apoio multiplicando a difusão da revista.

Pedro Roberto Jacobi
Vanessa Empinotti
Renata Ferraz de Toledo

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jan-Mar 2015
ANPPAS - Revista Ambiente e Sociedade Anppas / Revista Ambiente e Sociedade - São Paulo - SP - Brazil
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