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A AMBIVALÊNCIA DO DESENVOLVIMENTO E A BUSCA DE NOVAS VIAS PARA A SUSTENTABILIDADE

Em sentido genérico, o desenvolvimento como almejado no projeto da modernidade, pode ser compreendido, simultaneamente, como positivo e negativo. Mesmo sendo algo perseguido arduamente pelas nações e pela sociedade global, o desenvolvimento se configura como antiético. Em sua perspectiva de padronizar o mundo pelo viés da ocidentalização, em suas consequências de periferização de pobreza e em toda a gama de efeitos colaterais e riscos que se constatam, a ideia de desenvolvimento pode ser entendida ainda como uma concepção subdesenvolvida. Essas reflexões e críticas constam no último livro de Edgar Morin, publicado em 2013, "A Via para o futuro da humanidade"1 Morin E. A Via para o futuro da humanidade. Trad. Carvalho EA, Bosco MP. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2013. . Ao que nos parece digno de nota, o desenvolvimento não é necessariamente um processo reflexivo, multidimensional e naturalmente auto-organizável.

A (i)racionalidade do crescimento econômico, mesmo que atenuada por diretrizes inerentes a distribuição de renda e inclusão social, não é capaz de identificar e se adequar a peculiaridades regionais e, do mesmo modo, não possibilita que os desdobramentos e impactos regionais provenientes de pressões globais sejam devidamente mitigados. Aliás, o incessante apelo e a supervalorização da questão econômica como meta e, ao mesmo tempo, possibilidade de atender demandas sociais - que aliás, se constitui como um mito - não permite uma visão integrada das interdependências sistêmicas entre dimensões de sustentabilidade, em que, minimamente, devemos considerar a prudência para com os limites ecossistêmicos, a justiça social e a própria viabilidade econômica.

Assim, o desenvolvimento não é capaz de dialogar com possíveis efeitos colaterais, nem com as questões de natureza global - local repletas de profundas iniquidades, nem mesmo, hábil em considerar uma perspectiva transgeracional e duradora. Ainda conforme o pensamento de Morin, devemos vislumbrar a substituição da ideia fixa de crescimento por um complexo capaz de englobar diversos crescimentos, diversos decrescimentos e diversas estabilizações.

Esforço contemporâneo e que deve ser corroborado consiste dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável - ODS do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento PNUD2 2 Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento - PNUD. Os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável. Disponível em http://www.pnud.org.br/ODS.aspx, acesso em 23/08/2015 . Os ODS estão sendo propostos considerando-se a experiência positiva em torno dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio - ODM, que tiveram seu horizonte neste ano de 2015. Portanto, os ODS são uma agenda pós-2015 com horizonte até 2030, motivada a partir do documento final da Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável, a Rio+20, realizada em 2012, no Brasil. Neste mês de setembro de 2015 a Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas deverá aprovar a versão final dos ODS. Sinteticamente, os ODS são compostos por 17 objetivos subdivididos em 169 metas. Os 16 primeiros objetivos se constituem em propostas temáticas que dialogam entre as dimensões do desenvolvimento sustentável (ambiental, social e econômica) e suas interconexões, considerando também as diferentes realidades nacionais, capacidades e níveis de desenvolvimento. O 17o objetivo, por sua vez, caracteriza-se sob uma perspectiva estratégica no sentido de fortalecer os mecanismos de implementação e financiamento, também visando promover a revitalização de uma parceria global para o desenvolvimento sustentável.

Os ODS, enquanto objetivos e metas configuram a perspectiva de desafio e, para tanto, demandam a organização de esforços, inclusive, para a superação de paradigmas profundamente institucionalizados no que diz respeito à desenvolvimento. Perguntas elementares como 'onde estamos?' e 'de onde viemos?' colocam-se inicialmente relevantes para se aparelhar com indicadores pertinentes para se delimitar 'onde queremos chegar'. Nesse sentido, não apenas condições e tendências devem ser compreendidas, como também as metas devem ser estipuladas de forma precisa em acordo com os contextos de planejamento e intervenção, buscando harmonizar as dimensões de sustentabilidade por meio de ações que, além de tudo, possam permitir o diálogo entre realidades locais, regionais, nacionais e condicionantes e perspectivas globais.

Considerando, por exemplo, o ODS7 - garantir o acesso à energia barata, confiável, sustentável - pressupõe um processo de inclusão por meio do provimento de energia. Porém, esta oferta deve ser associada ao custo viável, confiável e prudente mediante aos limites dos ecossistemas. Não é preciso argumentar excessivamente no sentido de que a energia, no mundo, é consumida de modo desigual revelando profunda iniquidade. Do mesmo modo, a obtenção de energia é significativamente associada ao uso de fontes não renováveis o que vem caracterizando o elemento central da atual crise global das mudanças climáticas sobre a concepção de que o uso de combustíveis fósseis, primordialmente, vem promovendo o aquecimento global.

O equacionamento desse tema, de fato, não é nada simples e evidencia as forças e interesses associados a um paradigma de desenvolvimento calcado no uso de recursos naturais não renováveis. Também neste ano de 2015 veremos um momento relevante quanto a aplicação de novos princípios na busca de energias sustentáveis, no que diz respeito às possibilidades de desdobramentos da Conferência das Partes (COP 21), a se realizar em Paris, França, pelos países membros da Convenção Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (UNFCCC). Após sucessivas decepções em conferências anteriores, em que pouco se avançou em termos de metas de redução de gases de efeito estufa, espera-se o despontar de lideranças para um desfecho mais positivo.

Observemos que a partir de 2014 a China, segunda maior economia do mundo, vêm iniciando a divulgação de alguns números mais animadores nesse sentido, apesar de sua busca acirrada por crescimento econômico e inclusão social. Consta, nesse sentido, a opção pela utilização de carvão de melhor qualidade em suas termoelétricas, capaz de reduzir a emissão de gases de efeito estufa, também, observa-se a significativa instalação de capacidade de geração de energia elétrica a partir de luz solar. Mostra-se como desafiador superar a busca ambiciosa pela industrialização e crescimento econômico dentro de um modelo de reprodução do paradigma convencional de desenvolvimento, com ameaças à dimensão ambiental e insuficiente para promover justiça social.

De outro lado, provavelmente em uma competição positiva por liderança quanto a questão das mudanças climáticas globais, vemos Barak Obama, presidente dos Estados Unidos, anunciar a meta de redução da geração de energia elétrica a partir de carvão em seu país. Obama, não conta com maioria em seu congresso nacional, portanto, busca para tal redução a prerrogativa de que estas usinas geram poluentes atmosféricos que prejudicam a saúde da população norte americana. Há, evidentemente, forças naquele país que corroboram negativamente com a redução da emissão de gases de efeito estufa, como também há em outros contextos e, naturalmente, em uma escala global. Mostra-se, do mesmo modo, desafiador superar o modelo de desenvolvimento cristalizado pela referência norte americana.

Realmente, não é fácil conciliar as dimensões do desenvolvimento sustentável superando uma lógica preponderante de desenvolvimento calcada na produção de riqueza com substancial viés do interesse corporativo e da hegemonia do capital. Mas a busca de novas alternativas para a sustentabilidade requer muitas inovações, esforços, reflexão, produção de conhecimento e uma governança capaz de transcender escalas territoriais sob orientação de uma nova ética planetária.

Neste volume de Ambiente e Sociedade, apresentamos artigos que trazem inovação, crítica, estudos de percepção ambiental, situações da relação global - local e estudos sobre acesso a serviços essenciais à qualidade de vida que, por sua vez, dialogam diretamente com a sustentabilidade.

Com base em uma pesquisa documental, o artigo "Uma grande oportunidade: o sindicalismo e seus projetos de ecologização da agricultura familiar" dos autores Everton Lazzaretti Picolotto e Alfio Brandenburg, analisa como os temas ambientais têm influênciado os projetos politicos e a construção de pautas específicas no sindicalismo de agricultores familiares.

O autor Antonio Teixeira de Barros analisa as representações sociomediáticas sobre o ambiente rural no Brasil e em Portugal, a partir de dois pontos de vista específicos: o rural degradado e o rural idealizado, no artigo "O rural mediatizado: análise comparada Brasil-Portugal". A pesquisa foi realizada com base na revisão sistemática de estudos acadêmicos sobre mediatização ambiental, história das ideias ecológicas, sociologia da comunicação e as ciências sociais do ambiente.

O artigo "A Maricultura e as bases econômica, social e ambiental que determinam seu desenvolvimento e sustentabilidade" dos autores Leandro Angelo Pereira e Rosana Moreira da Rocha, discorre sobre a origem da Maricultura enquanto alternativa para o desenvolvimento econômico de comunidades litorâneas, interagindo com o meio ambiente onde está inserida.

Os autores Gabriela Litre e Marcel Bursztyn analisam, por meio de entrevistas com bovinocultores familiares da Argentina, Brasil e Uruguai, as percepções e estratégias de adaptação destes trabalhadores face aos riscos climáticos e socioeconômicos no Pampa. Confira no artigo "Percepções e Adaptação aos Riscos Climáticos e Socioeconômicos na Pecuária Familiar do Bioma Pampa".

O artigo "O ativismo alimentar na perspectiva do Locavorismo" da autora Elaine de Azevedo, apresenta um estudo conceitual sobre o Locavorismo quanto estratégia de promoção da agricultura familiar, abordando as dimensões socioambiental e econômica nas discussões sobre qualidade e riscos dos alimentos locais, além das relações entre este movimento com o Vegetarianismo e o Feminismo.

Através de um estudo comparativo, os autores Gesinaldo de Ataíde Cândido, Mariana Moura Nóbrega, Marilia Taynah Martins de Figueiredo e Mônica Maria Souto Maior, analisam dois métodos de avaliação da sustentabilidade de agroecossistemas: o IDEA e MESMIS, por meio de critérios como: conceito de sustentabilidade, objetivos, público-alvo, flexibilidade, adaptabilidade, abordagem sistêmica e envolvimento de stakeholders. Confira no artigo "Avaliação da sustentabilidade de unidades de produção agroecológicas: um estudo comparativo dos métodos IDEA e MESMIS".

No artigo "De la conservación del suelo al cuidado de la tierra: uma propuesta ético-afectiva del uso del suelo" os autores Isaías Tobasura Acuña, Franco Humberto Obando Moncayo, Fred Alberto Moreno Chavez, Carmen Soledad Morales Londoño e María Henao Castaño, discutem as relações de afetividade dos povos tradicionais com a terra, sobre a perspectiva da cultura local e a partir do contraste entre as visões de produtores rurais e preservacionistas.

Com o objetivo de demonstrar a viabilidade da implementação do monitoramento ambiental sistemático utilizando a bacia hidrográfica como unidade de planejamento municipal, os autores Zulma Schussel e Paulo Nascimento Neto, avaliam a experiência da Prefeitura do Município de Rio Negro/PR, no desenvolvimento desse projeto no artigo "Gestão por bacias hidrográficas:

Do debate teórico à gestão municipal".

Os autores Adriana Lustosa da Costa e Frédéric Mertens, analisam a capacidade do Plenário do Conselho Nacional de Recursos Hídricos (CNRH) em constituir-se como arena de governança da água a partir da mobilização de redes e capital social no alcance dos objetivos da Política Nacional de Recursos Hídricos (PNRH) no artigo "Governança, redes e capital social no Plenário do Conselho Nacional de Recursos Hídricos no Brasil".

O artigo "Análise exploratória dos potenciais efeitos das mudanças climáticas nos "Vales da Uva Goethe" desenvolve uma análise dos impactos decorrentes das mudanças na dinâmica climática que ocorrem na vitivinicultura da região. Para isso, os autores Adriana Carvalho Pinto Vieira, Junior Ruiz Garcia e Kelly Lissandra Bruch, avaliaram os dados climáticos da região e os relatos dos produtores locais.

O artigo "Uma perspectiva histórica das primeiras políticas públicas de saneamento e recursos hídricos no Brasil" avalia como o desenvolvimento socioeconômico e político do país resultou em estruturas globais de poder. Para tanto, os autores Ney Albert Murtha, José Esteban Castro e Léo Heller recorreram à intérpretes clássicos como Celso Furtado e Caio Prado Júnior para discutir como as políticas de saneamento se desenvolveram no sentido de regular o uso da água e privilegiar a geração de energia elétrica.

Os autores Teresa Da-Silva-Rosa, Marcos Barreto Mendonça, Túlio Gava Monteiro, Ricardo Matos de Souza e Rejane Lucena discorrem sobre como a educação ambiental pode contribuir na redução dos desastres ambientais por colaborar na construção da cidadania, a partir da compreensão da situação de risco em que vivem populações vulneráveis. Confira no artigo "A educação ambiental como estratégia para redução de riscos socioambientais".

O artigo "Contribuições para abordagem municipal da Pegada Hídrica: estudo de caso no Litoral de São Paulo" teve como objetivo subsidiar o estabelecimento de uma abordagem municipal para a Pegada Hídrica a partir do estudo de caso do município de Caraguatatuba/SP. Para isso, os autores Bruna Vieira e Wilson Sousa Junior, consideraram as pegadas hídricas do sistema de água urbana, da produção de esgoto, da pecuária e da água utilizada no meio rural.

Com o objetivo de avaliar as consequências da oferta pública de ações da Companhia de Saneamento de Minas Gerais para os serviços de abastecimento de água e esgotamento sanitário, os autores Thiago Guedes de Oliveira e Sonaly Cristina Rezende Borges de Lima, utilizaram-se da análise de indicadores e das reflexões produzidas a partir de entrevistas com gestores, técnicos e especialistas, no artigo "Privatização das companhias estaduais de saneamento: uma análise a partir da experiência de Minas Gerais".

Por fim, a autora Aline Carvalho apresenta a resenha do Livro "Governança ambiental no Brasil - entre o socioambientalismo e a economia verde" dos autores Fábio de Castro e Célia Futemma, 2015.

Os editores e colaboradores da revista Ambiente & Sociedade desejam a todos uma boa leitura!

  • Morin E. A Via para o futuro da humanidade. Trad. Carvalho EA, Bosco MP. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2013.
  • 2
    Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento - PNUD. Os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável. Disponível em http://www.pnud.org.br/ODS.aspx, acesso em 23/08/2015

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    July-Sep 2015
ANPPAS - Revista Ambiente e Sociedade Anppas / Revista Ambiente e Sociedade - São Paulo - SP - Brazil
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