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LOGÍSTICA REVERSA DE REEE EM PAÍSES EM DESENVOLVIMENTO: DESAFIOS E PERSPECTIVAS PARA O MODELO BRASILEIRO

Resumo

As iniciativas de programas de logística reversa de resíduos eletroeletrônicos em países como Índia, China e Brasil mostram que modelos específicos, adaptados à realidade local, são necessários em países em desenvolvimento. Esta pesquisa tem como objetivo discutir os principais desafios e oportunidades para a implementação de modelos de logística reversa de computadores e aparelhos celulares. Os procedimentos metodológicos incluem 21 entrevistas em profundidade com múltiplos stakelholders incluindo representantes do poder público, fabricantes, varejo, recicladores, cooperativas de catadores e acadêmicos. Resultados evidenciam a importância da nova legislação para ampliar o diálogo entre os membros da cadeia de eletroeletrônicos para o avanço do modelo brasileiro de logística reversa. No entanto, barreiras tecnológicas para reciclagem de resíduos eletroeletrônicos no país, as dimensões continentais, entraves tributários e os conflitos entre organizações de catadores e indústrias ameaçam o sucesso do modelo brasileiro.

Palavras-chave
Resíduos eletroeletrônicos; logística reversa; catadores; responsabilidade compartilhada; reciclagem

Abstract

E-waste reverse logistics initiatives in important industrial economies like India, China and Brazil show that specific models of reverse logistics, adapted to local reality, are required in developing countries. This research objective is to discuss the main challenges and opportunities for the implementation of the reverse logistics Brazilian model for computers and cell phones. Methodological procedures included 21 in-depth interviews with multiple stakeholders including government, manufacturers, retailers, recycling companies, waste picker organizations and academics. Results show the importance of the new regulation to enhance the dialogue among the members of the electro electronic supply chain for the development of the Brazilian model of reverse logistics. However technological gaps in recycling e-waste within the country, its continental dimension, taxation challenges and conflicts between waste picker organizations and the industry are challenges for the Brazilian model success.

Keywords
E-waste; reverse logistics; waste pickers; shared responsibility; recycling

Resumen

Iniciativas de logística inversa de desechos eletrônicos en importantes economías como India, China y Brasil demuestram que se requieren modelos específicos de logística inversa, adaptados a la realidad local en los países en desarrollo. Este proyecto de investigacin tiene como principal objetivo discutir los desafíos y oportunidades para la implementación del modelo brasileño de logística inversa para computadoras y teléfonos celulares. Los procedimientos metodológicos incluyeron 21 entrevistas en profundidad con múltiples stakaholders como representantes gobenamentales, fabricantes, empresas recicladoras, minoristas, organizaciones coletoras de materiales reciclables. y académicos. Los resultados muestran la importancia de la nueva regulación para mejorar el diálogo entre los miembros de la cadena de suministro de electrónicos de forma a contribuir para el desarrollo del modelo brasileño de logística inversa. Sin embargo gaps tecnológicos para reaprovechamento de componentes eletroeletrónicos en Brasil, su dimensión continental, desafíos fiscales y conflictos entre organizaciones de coletores de materiales reciclables desafían la implementacion del moldelo brasileno.

Palavras-clave
Resíduos eletro eletrônicos; logística inversa; cartoneros; responsabilidade compartida y reciclage

Introdução

Nos últimos anos, a Logística Reversa (LR) de Resíduos de Equipamentos Elétricos Eletrônicos (REEE) ganhou reconhecimento tanto pelos pesquisadores acadêmicos, quanto pelos profissionais do setor. Drivers para LR incluem o rápido crescimento dos REEE, a evolução das leis ambientais e o aumento da pressão do consumidor por responsabilidade social (Lau & Wang, 2009; Janse, Schuur & Brito, 2009). Este contexto tem gerado diferentes modelos de LR em países desenvolvidos. Em contraste, a LR de REEE em países em desenvolvimento ainda está em estágio preliminar. Inciativas em economias emergentes como India, China e Brasil mostram que é necessário modelos específicos adaptados à realidade local. O modelo emergente de LR nesses países convive com a falta de legislação adequada e de incentivos econômicos, baixa conscientização dos consumidores, produtos sem marca e catadores de materiais recicláveis que coletam e destinam quantidades crescentes de lixo eletrônico, mas com pouco preparo para lidar com os riscos relativos à saúde, à segurança e proteção do meio ambiente (Schluep et al, 2009; Manomaivibool, Vassanadumrongdee, 2011Manomaivibool, P.; Vassanadumrongdee, S. Extended producer responsibility in Thailand prospects for policies on waste electrical and electronic equipment. Journal of Industrial Ecology, v. 15, n. 2, p. 185-205, 2011.; Wang, Huisman, Meskers, Schluep, Stevels, & Hagelüken, 2012).

A Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS), instituída em 2010, representa uma abordagem inovadora entre países em desenvolvimento no que se refere a implementação da LR de REEE. Produtores, importadores e empresas de varejo passam a ser co-responsáveis pelo desenvolvimento e implementação de um modelo LR, independente do sistema de gestão de resíduos público. A lei brasileira também é a primeira regulamentação mundial a reconhecer a importância das organizações de catadores nos fluxos reversos de REEE e estimular a integração destes trabalhadores nos futuros programas de logística reversa (Demajorovic & Migliano, 2013). O sucesso deste modelo é essencial para o Brasil, considerando o expressivo crescimento do consumo de produtos eletrônicos, como telefones celulares, e computadores, e a expansão proporcional da quantidade de REEE descartado ao final de sua vida útil. Um estudo sobre a produção de lixo eletrônico em 11 países em desenvolvimento revelou que o Brasil gera 96,8 mil toneladas/ano de resíduos de computadores, superado apenas pela China com 300 mil toneladas/ano (Schluep et al, 2009).

Embora os riscos relacionados aos REEE apareçam como mais desafiadores em países em desenvolvimento, a maioria dos estudos publicados sobre LR tem seu foco em países desenvolvidos (Lau & Wang, 2009). No entanto, é justamente nos países de economias emergentes, caracterizados pelo menor controle social, que o mercado de microcomputadores cresce mais rapidamente, tornando sua coleta ao final de sua vida útil e sua destinação correta, essenciais para mitigar seus potenciais impactos socioambientais. Nesse contexto, surgem algumas importantes questões sobre as perspectivas para a implantação da LR no Brasil a partir do modelo apresentado na legislação. A cadeia de suprimento de computadores e celulares no Brasil está preparada para a implantação total do modelo brasileiro de LR de REEE e para integrar os catadores de resíduos? Com o propósito de contribuir para este debate, esta pesquisa tem como principal objetivo discutir os desafios e oportunidades para a implementação do modelo brasileiro LR para computadores e telefones celulares. Para atingir este objetivo, destacam-se os seguintes objetivos específicos: apresentar uma visão geral dos modelos internacionais de LR de REEE em países desenvolvidos e em desenvolvimento e comparar, com base nos princípios da PNRS, as propostas para a implementação do modelo brasileiro. Como instrumentos metodológicos, foram realizadas entrevistas em profundidade com os principais atores envolvidos no desenvolvimento do acordo setorial da LR de REEE.

Logística reversa em países desenvolvidos e em desenvolvimento

A LR é tida como o processo de planejamento, implementação e controle da eficiência, estoques em processo, produtos acabados e informações relacionadas do ponto de consumo ao ponto de origem, com objetivo de reagregar valor ou efetuar o descarte de forma correta (Rogers; Tibben-Lenke, 1998Rogers, D. S.; Tibben-Lembke, R. S. Going backwards: reverse logistics trends and practices. University of Nevada e Reverse Logistics Executive Council. Reno, 1998. Disponível em: <http://www.rlec.org/reverse.pdf>. Acesso em: 19 mai. 2011.
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). Diversos são os fatores que explicam o maior interesse para gestores e acadêmicos em programas de LR a partir da década de 90, destacando-se: a evolução da legislação ambiental (Jayareman and Luo, 2007); a pressão dos consumidores e os benéficos para imagem das empresas (Janse et al., 2009; Lau & Wang, 2009). Também as pressões competitivas e o avanço tecnológico que vem propiciando, de um lado, a obsolescência dos produtos e a diminuição do ciclo de vida, de outro, o desenvolvimento de novos materiais que possibilitam a ampliação das atividades de reuso e reciclagem favorecendo a inserção da LR nos processos de gestão. Janse et al. (2009) mostram em uma pesquisa com cinco grandes fabricantes de eletroeletrônicos que três delas já contavam com um setor especifico para gerenciamento de LR.

A literatura também mostra uma série de barreiras para a implantação desta atividade. Produtores, muitas vezes adiam investimentos em LR devido aos custos relacionados à infra-estrutura necessária para recolher, reutilizar ou reciclar REEE (Jayaraman & Luo, 2007Jayaraman, V.; Luo, Y. Creating competitive advantages through new value creation: e reverse logistics perspective. Academy Management Perspective, v. 1, n. 2, p. 56-73, maio 2007.; Stock & Mulki, 2009). A falta de interesse das empresas em LR é explicada também pela complexidade na coordenação de diferentes atores da cadeia de suprimentos, tais como distribuidores, varejistas, consumidores, organizações de coleta e reciclagem (Rogers & Tibben-Lembke, 1998, Lau & Wang, 2009). Lacunas na legislação também impactam negativamente neste processo de coordenação. A Diretiva Europeia, por exemplo, exige um modelo de responsabilidade compartilhada para implementar um sistema de coleta e tratamento de REEE. Mas, enquanto os produtores são responsáveis pelo tratamento de REEE, a coleta não está claramente definida (Rotter, Chancerel, & Schill, 2011). Dessa forma, os varejistas podem aceitar receber REEE, mas se recusam a pagar o custo de transporte para os produtores ou locais de coleta municipais. Em alguns países, outros problemas foram encontrados também, especialmente questões relacionadas às estruturas tributárias e a falta de incentivos financeiros para expandir a atividade (Schluep et al., 2009). Neste cenário, observa-se o desenvolvimento de vários modelos de gestão da LR nos países desenvolvidos e mais recentemente em países em desenvolvimento.

Principais características dos modelos de LR de REEE em países desenvolvidos e em desenvolvimento

A Suíça foi o primeiro país a implementar para todo o setor industrial um sistema organizado para coleta e reciclagem de REEE, em operação desde 1995 (Sinha-Khetriwal, Kraeuchi, & Schwaninger, 2005). Este sistema foi precedido por duas iniciativas voluntárias de fabricantes de eletroeletrônicos que criaram duas Producer Responsibility Organisations (PRO). Em 1990, surge a S.EN.S (Swiss Foundation for Waste Management) como uma organização sem fins lucrativos que opera soluções de recuperação em nome dos fabricantes, importadores e varejistas (Hischier, Wäger, & Gauglhofer, 2005). A Garantia de Reciclagem SWICO foi criada em 1993 pela SWICO (Swiss Association for Information, Communication and Organization Technology), associação dos produtores e importadores da Suíça de equipamento eletrônico para escritório e TI. Entretanto, somente em 1998, a legislação sobre coleta e reciclagem de REEE entrou em vigor (Sinha-Khetriwal et al., 2005).

As PRO são geridas pelos comitês de representantes dos produtores, responsáveis pela tomada de decisão, tais como a definição da Taxa de Antecipada para Reciclagem (TAR), que financia o sistema e faz a avaliação dos contratos de reciclagem (Khetriwal, Kraeuchi, & Widmer 2009). De acordo com Sinha-Khetriwal et al. (2005), em 2003 foram recolhidas 68.000 toneladas de WEEE na Suíça, cerca de 9 kg/ pessoa, 125% a mais do que os 4 kg/pessoas mínimos exigidos pela Diretiva de REEE da EU.

O sucesso do sistema de coleta deve-se a eficiência da gestão do fluxo dos resíduos, pela SWICO e S.EN.S (Sinha-Khetriwal et al., 2005). Além disso, Khetriwal et al. (2009) destacam a importância da parceria formada entre as PRO e o Escritório Federal da Suíça de Meio Ambiente, tanto na fase inicial, como durante todo o processo, colaborando na montagem das redes de trabalho de coleta e reciclagem, inclusive na elaboração da Lei. O outro elemento essencial, para os autores, foi o sistema de gerenciamento dos resíduos ser baseado na Responsabilidade Estendida do Produtor, estabelecendo papéis claros aos atores envolvidos no processo, poder público, fabricantes, varejo, distribuidores e consumidores. Assim, embora a responsabilidade da operação do sistema seja do fabricante, por meio das PRO, financiadas pela TAR, a co-responsabilidade dos demais membros da cadeia está claramente definida na lei, indicando seu papel para assegurar o retorno dos REEE aos pontos de coleta. Já ao setor público, é reservado o papel de monitoramento do sistema e de licenciamento das atividades, como no caso das empresas recicladoras.

Outro exemplo de avanço da logística é o caso da Suécia, que se tornou líder mundial na coleta de REEE, devido a um acordo firmado em 2001 entre produtores de EEE e autoridades locais. Ficou estabelecido um sistema de cooperação entre as partes, na qual a organização dos produtores suecos, representada pela El-Krestsen arcava com todos os custos de desmontagem, descontaminação, reciclagem e destinação ambientalmente adequada. Todos os 290 municípios suecos seriam responsáveis pelo sistema de coleta dos REEE (SEPA, 2009). Cidadãos suecos entregam para reciclagem um pouco mais que 16 kg per capta por ano de REEE, nos mais de 1000 postos de coleta distribuídos pelo país (ELRETUR, [2010?]). Houve uma grande evolução na coleta de REEE a partir de 2002, saltando de 4 kg per capita para mais 16 em 2008.

Em 2008, uma organização de produtores lançou a Swedish Association of Recycling Electronic Products (EÅF). As lojas de seus membros são utilizadas como ponto de coleta. A EÅF celebrou um acordo com a El-Krestsen de compensação financeira, permitindo que seus membros paguem as mesmas taxas para reciclagem dos REEE que os membros da El-Krestsen, nas cidades onde não têm postos de coleta (SEPA, 2009). O exemplo da Suécia mostra a importância da parceria tanto com o governo local, como com o comércio varejista e entre os dois sistemas de gerenciamento de reciclagem de REEE geridos por grupos de produtores. No caso da El-Kristsen, ela viabiliza a reciclagem dos membros da EÅF, ao mesmo custo dos seus membros, nos locais onde esta não possui postos de coletas, potencializando a capilaridade e abrangência das duas organizações no país.

No caso dos países em desenvolvimento, há experiências também em curso. Destaca-se, o projeto StEP, lançado pela ONU, com o objetivo de minimizar o problema de REEE, criando padrões mundiais de reciclagem e analisando as melhores alternativas existentes. Um dos desdobramentos do projeto StEP foi a formação de um consórcio de empresas formados por 2 produtores de EEE multinacionais, uma empresa de recondicionamento de EEE, uma refinaria de metais preciosos europeia, vários institutos de pesquisa e uma recicladora de sucata de metais mistos, para criar o modelo ideal de reciclagem de WEEE em larga escala na China. Essa iniciativa foi relatada por Wang et al. (2012) para analisar os resultados benéficos da implantação da filosofia Best of 2 world - Bo2W, sobre o meio ambiente e a economia em países em desenvolvimento. O estudo comparou os resultados com um modelo indiano de baixa escala, realizado pelo Programa de REEE Suíço Federal Laboratories for Material Testing and Research - EMPA, envolvendo o setor informal em Bangalore, em parceria com os recicladores locais.

Após um ano e meio da implantação do sistema de reciclagem na China, Wang et al. (2012) aferiram que apesar do acúmulo de conhecimento técnico gerado, o modelo de larga escala não foi eficiente. Um dos principais desafios encontrados foi a falta de disponibilidade de REEE suficiente, com valores razoáveis para sustentar a operação diária da usina. Devido à ausência de legislação para regular o tratamento de lixo eletrônico nesse país, o setor informal dominou a coleta e a negociação desses resíduos. O projeto, para tratar de forma ambientalmente adequada esses insumos, tornou-se economicamente inviável para o consórcio, perdendo em competitividade para o setor informal. Wang et al. (2012) afirmam que a implementação de uma infraestrutura de reciclagem Bo2W em larga escala na China pode ser bem sucedida quando a regulamentação adequada estiver em vigor.

Na Índia, o projeto-piloto teve resultados mais animadores, com o envio de dois lotes até o momento para a usina de reciclagem europeia. Com uma abordagem de pequena escala, semelhante ao modelo avaliado na China, foi implantado o modelo Bo2W, utilizando na etapa de pré-processamento e desmontagem manual, mão de obra do setor informal local, que recebem incentivos para trabalharem na produção de lotes ideais para serem enviados à usina de reciclagem europeia. Wang et al. (2012) identificaram uma importante barreira financeira, devido ao gap criado entre o envio do lote de resíduo e o pagamento após seus processamentos pela usina europeia, pois o setor informal funciona baseado no recebimento diário da produção. Esse modelo é sustentado pelo tamanho e custo do setor informal de reciclagem, preservando milhares de postos de trabalho e garantindo a retirada de uma renda mínima para esses trabalhadores. Nesse cenário, Wang et al. (2012) sugerem como solução para questão de fluxo de caixa no setor informal uma parceria entre grandes recicladores locais ou internacionais que atuariam como intermediários entre o setor informal e a usina, financiando o fluxo de caixa. Outro fator importante, abordado pelos autores, é a necessidade de implementar mais processos seguros ao meio ambiente e saúde desses fornecedores. Ainda assim, para os autores, a desmontagem manual em países em desenvolvimento é preferível, devido ao baixo custo operacional e ao alto rendimento na recuperação do material e, contraposição ao alto gasto energético e custo de investimento na tecnologia de separação mecânica, além do baixo rendimento de recuperação deste processo.

Apesar de alguns avanços registrados, são diversos os desafios para implementação da LR em larga escala em países em desenvolvimento, entre eles: o volume de coleta insuficiente para sustentar financeiramente a operação; gaps tecnológicos e exportação ilegal de REEE. Aspectos tributários também são identificados barreiras à adesão das empresas aos programas (Schluep et al., 2009), assim como a resistência de recicladores autônomos e empresas do setor informal entregarem os REEE às centrais de reciclagens organizadas e equipadas. Por fim, a falta de conscientização sobre os potenciais riscos dos REEE e suas consequências à saúde e ao meio ambiente é outro entrave à implantação de sistemas de LR (Jang, 2010Jang, Y.-C. Waste electrical and electronic equipment (WEEE) management in Korea: generation, collection, and recycling systems. Journal of Material Cycles and Waste Management, v. 12, n.4, p. 283-294, nov. 2010. Disponível em: <http://link.springer.com/article/10.1007%2Fs10163-010-0298-5>. Acesso em: 01 jul. 2012.
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), favorecendo processos de desmontagem e reciclagem sem equipamentos de segurança e controle ambiental (Lundgren, 2012).

No caso específico do Brasil, o maior avanço recente nesta temática foi a aprovação da Lei nº 12.305/2010, instituindo a PNRS (Guarnieri, 2011Guarnieri, P. Logística reversa: em busca do equilíbrio econômico e ambiental. 2. ed. São Paulo: Clube de autores, 2011.), superando o desafio da falta de legislação com abrangência nacional com foco nos gerenciamento adequado de resíduos sólidos e RL.

Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS)

A PNRS dispõe sobre as diretrizes da gestão integrada e gerenciamento de resíduos sólidos e obriga a implantação de sistemas de LR nas empresas fabricantes, importadores, distribuidores e comércio varejista de produtos tóxicos e tecnológicos, garantindo o retorno dos produtos, após o uso pelo consumidor, para a cadeia produtiva ou dando destino ambientalmente adequado (Brasil, 2010).

Diversos autores ressaltam o caráter inovador da Lei nº 12.305/2010, destacando-se a Responsabilidade Compartilhada Pelo Ciclo de Vida, a LR, os Acordos Setoriais e a promoção do conceito de ecoeficiência. A lei direciona os processos de produção, de forma a gerar menos resíduos, sendo passíveis de reciclagem, reutilização e recuperação. Com relação à coleta e destinação de materiais e recicláveis, a PNRS defende a inclusão dos catadores organizados como fornecedores de serviços de LR para as empresas (Guarnieri, 2011, Yoshida, 2012Yoshida, C. Competência e as diretrizes da PNRS: conflitos e critérios de harmonização entre as demais legislações e normas. In: PHILIPPI Jr., A. (Coord). Política nacional, gestão e gerenciamento de resíduos sólidos. São Paulo: Manole, 2012. cap. 1, p. 3-38., Demajorovic & Migliano, 2013).

Especificamente no que se refere à RL de produtos eletroeletrônicos, a PNRS em seu Art. 33º estabeleceu que os EEE e seus componentes, incluindo os microcomputadores, deverão, após sua fruição, retornar à origem através de mecanismos de LR, de maneira independente dos serviços públicos de limpeza urbana e disposição de resíduos. A lei define também que o funcionamento do sistema de LR seja definido por meio dos acordos setoriais que são definidos como: ato de natureza contratual firmado entre o poder público e fabricantes, importadores, distribuidores ou comerciantes, tendo em vista a implantação da responsabilidade compartilhada pelo ciclo de vida do produto" (Brasil, 2010). A lei também inova ao reconhecer os grupos de catadores de materiais recicláveis como ator fundamental da cadeia de reciclagem e estimula sua inserção nas diversas iniciativas para a expansão da coleta e destinação de resíduos. É importante lembrar, como mostram Ribeiro et al. (2009), que a maior parcela dos resíduos que retornam para as atividades de reciclagem no Brasil, volta pelo trabalho dos catadores de materiais recicláveis, que, no entanto, vivem de um processo de trabalho exposto à grande vulnerabilidade social. No Brasil, cerca de um milhão de catadores abastecem diariamente a cadeia reversa de reciclagem. É importante ressaltar que a nova legislação prega que os catadores devem ser inseridos nos processos de LR, por meio de cooperativas e não como catadores independentes. A ideia é que, através de parcerias com grandes empresas na cadeia de LR, catadores são capazes de obter maior rentabilidade e condições de trabalho mais dignas (Souza, Paula, & Souza-Pinto, 2012). A construção destas parcerias no entanto, enfrenta uma série de desafios, tais como: a falta de profissionalização no processo de produção e de legalização, que impede a emissão de notas fiscais, desqualificando-a como fornecedora para a indústria recicladora; a capacitação gerencial, que não é vista como prioridade entre os cooperados, que valorizam o conhecimento empírico; e a falta de conhecimento das corporações ou empresas de reciclagem sobre a realidade das cooperativas, gerando mal-entendidos e conflitos (Mota, 2012; Demajorovic & Migliano, 2013).

Método de Pesquisa

Para este trabalho, optou-se por realizar uma pesquisa qualitativa de natureza exploratória. A complexidade da cadeia de LR no setor de REEE e a presença de atores, muitas vezes com interesses conflitantes, justifica a escolha de uma abordagem qualitativa para este projeto de pesquisa. Para Godoi e Balsini (2010), os trabalhos de natureza qualitativa permitem uma compreensão dos agentes envolvidos, sem buscar a regularidade, mas sim as motivações para suas ações.

Os procedimentos metodológicos incluem 21 entrevistas em profundidade com múltiplos stakeholders, incluindo atores do governo, indústria, varejo, empresas de reciclagem, cooperativas de catadores e academia. Os setores escolhidos para participar da pesquisa e seus respectivos representantes foram identificados a partir da revisão da literatura e pela participação dos pesquisadores em fóruns e seminários referentes à temática da PNRS, em especial os que privilegiaram os debates sobre REEE. Além disso, a técnica de bola de neve ajudou a identificar novas fontes de informação para o método de amostragem não probabilística escolhida (Godoi & Mattos, 2010). Ao final deste processo selecionou-se cinco fabricantes de Computadores e celulares; 3 empresas recicladoras de REEE, 2 Associações de classe empresarial, 2 representantes do comércio varejista, 2 cooperativas de catadores, 2 especialistas na PNRS; 2 representantes da academia, 1 representantes do governo federal, 1 do governo estadual e 2 do governo municipal. O critério teórico de saturação ou redundância, definido por Glaser e Strauss (1967) mostra que a amostra escolhida foi suficiente para garantir uma ampla análise do objeto da pesquisa.

Para garantir a validade interna, particularmente a confiabilidade dos resultados, foram adotados alguns procedimentos: triangulação dos dados por meio de diferentes fontes de informação, incluindo entrevistas, análise documental e observação in loco em cooperativas e fornecedores de reciclagem. As entrevistas gravadas foram transcritas e, posteriormente, submetidas à aprovação entrevistados (Creswell, 2010Creswell, J. W. Projeto de pesquisa: métodos qualitativos, quantitativos e misto. Artmed, 2010.).

Além dos procedimentos acima, a confiabilidade também foi assegurada por meio de um protocolo que estabeleceu o objetivo, a questão de pesquisa, a estrutura teórica, os procedimentos para a coleta de dados, o instrumento de coleta e a forma de análise e tratamento de dados (Yin, 2010Yin, R. K. Estudo de caso: planejamento e métodos. 3. ed. Porto Alegre: Bookman, 2010.). Os principais elementos do protocolo e as categorias e subcategorias identificadas na revisão da literatura são mostrados abaixo na Figura 1.

Figura 1
Categorias e Subcategorias

Para Eisenhardt (1989), o processo de análise é o elemento essencial da pesquisa qualitativa. Os resultados são tratados pela análise de conteúdo. De acordo com Bardin (2011)Bardin, L. Análise de conteúdo. São Paulo: Almedina, 2011., a análise de conteúdo é um conjunto de técnicas que utiliza procedimentos sistemáticos para garantir uma descrição objetiva do conteúdo dos dados. Os dados coletados nas entrevistas foram submetidos ao software NVIVO que ajuda a organizar e analisar documentos em Word, PDFs, vídeos, fotos e arquivos de áudio. Esse programa serve para auxiliar a análise do material não estruturado, compilar e representar graficamente as informações do projeto. O NVIVO auxiliou na transcrição das 21 entrevistas e organização das falas dos entrevistados por categorias, facilitando a compilação dos dados e sua análise, conforme apresentado a seguir.

Resultados da pesquisa

Para responder a questão principal da pesquisa sobre barreiras e perspectivas na implementação da LR de REEE, é apresentado o entendimento de múltiplas fontes de informação, considerando as categorias de análise identificadas na revisão da literatura.

O primeiro grupo de questões focou na percepção dos entrevistados sobre os principais impactos dos REEE à saúde humana e ao meio ambiente. Todos os entrevistados não relacionaram o processo de produção dos EEE como uma fonte fundamental de risco à saúde humana e ao meio ambiente. Problemas tais como substâncias tóxicas usadas no processo de manufatura dos EEE e estratégia de desenvolvimento de novos produtos que favoreçam a miniaturização de dispositivos eletrônicos não foram identificados pelos respondentes como um risco significativo associado ao processo de produção e assim como barreiras para o aumento do reuso dos REEE. Os riscos foram reconhecidos apenas no processo de descarte e relacionados ao manuseio por cooperativas. Nenhum dos entrevistados acredita que o Brasil receberá REEE importados de forma ilegal, assim como não se tornará um exportador ilegal de resíduos.

ACA-01 - "nós temos visitado algumas cooperativas. Elas estão quebrando monitores com martelos e deixando-os abandonados. Eles não têm consciência do perigo e risco de envenenamento do chumbo."

IND-05 - "nos não vemos a disposição de computadores no meio da rua. Essas imagens dos computadores jogados na rua certamente não combinam com a realidade brasileira

O segundo bloco de questões aprofundou a percepção dos respondentes sobre a importância da PNRS no cenário atual. Como aspectos positivos, a totalidade dos entrevistados concorda que a PNRS representa um arcabouço regulatório fundamental de forma a avançar as iniciativas de LR de REEE. Além disso, ressaltaram a pertinência da legislação considerando o dinamismo do mercado brasileiros e o crescimento exponencial do consumo de eletroeletrônicos e a geração de REEE.

GOV-03 - A PNRS proporcionou os instrumentos necessários para implementar a LR. Anteriormente, tínhamos as resoluções Conama demandando o retorno de resíduos pós-consumo, mas sem contar com instrumentos específicos para a LR. Agora temos um arcabouço legal que torna mandatário a implantação de LR, incluindo o acordo setorial e o termo de compromisso.

ACA-01 - A motivação é clara. Os brasileiros estão consumindo mais computadores e eletrônicos. O Brasil tem por volta de 1,33 celulares por habitante. O número de celulares vendido por ano cresce entre 18 a 20%. Além disso, o tempo em que consumidores trocam seus celulares usados por novos diminuiu de para 7 a 9 meses, de acordo com os dados da ANATEL. Logo, mais e mais resíduos estão sendo gerados.

Ainda que se considerem os aspectos positivos na nova legislação, os conflitos e desafios emergem como característica mais frequente no discurso dos entrevistados. Isto pode ser explicado em parte, pela grande resistência feita pelo setor industrial contrária a aprovação da PNRS, especialmente no que se refere a aceitar a responsabilidade pós-consumo, resultando nos 21 anos de prazo necessários para sua aprovação. (Guarnieri, 2011; Reveilleau, 2011: Yoshida, 2012). Por trás desta posição empresarial brasileira, a questão do custo da LR sempre esteve no centro do debate. Isto corrobora diversas pesquisas internacionais e nacionais que mostram que o custo permanece como principal motivo para a resistência do setor de EEE em adotar programas de LR (Lau & Wang, 2009, Stock & Mulki, 2009). Além dos custos, os conflitos de interesses sobre a implantação da RL permanecem como desafios até o momento. O setor privado acusa o governo por não ter estipulado papeis bem definidos na cadeia reversa e reclama da falta de políticas de incentivo para sua implantação. Por outro lado, o Governo acusa o setor privado por valorizar os desafios com o objetivo de postergar sua efetivação. A própria indústria acusa outras empresas do mesmo setor, por não quererem assumir o custo do transporte da LR. Os conflitos sobre as atribuições de papéis é singular ao Brasil, devido ao ineditismo da responsabilidade compartilhada (Yoshida, 2012). Infere-se que estes conflitos, embora também pudessem ser observados em outros modelos internacionais, foram ampliados na realidade brasileira, pela falta de papéis previamente estabelecidos, como em outros programas como os casos discutidos nos modelos Sueco e Suíço (Sinha-Khetriwal et al., 2005; Hischier et al., 2005). Portanto, membros da cadeia reversa de REEE precisam aprender como cooperar e trabalhar juntos para cumprir as exigências da legislação brasileira

IND-05 - Varejistas não parecem muito interessado em conversar, porque eles não querem pagar pela logística primária. O que é a logística primária? O consumidor iria entregar o equipamento para qualquer varejista, em seguida, ele teria que transportar o equipamento para um centro de distribuição de cargas e, em seguida, a indústria iria recolher nesses centros, como não temos capacidade para recolher em cada loja. O nosso acordo inicial era estabelecer o número de pontos onde a indústria iria pegar os REEE, e os varejistas seriam responsáveis pelo armazenamento desta carga para nós irmos buscá-la.

COM-02 - "Vai acabar caindo a obrigação sempre nas grandes redes de varejos que possuem espaços maiores ou nos hipermercados, Então a capacidade competitiva deles vai ficar desbalanceada. Vai ter obrigações de dar destinação, de recolher todo o material que 99% do comércio comercializa e 1% vai receber,"

O terceiros bloco de questões focou a questão da LR. Os desafios parecem como mais importantes do que os benefícios gerados a partir da nova legislação. Por exemplo, de acordo com Janse et al. (2009), um dos principais benefícios da exigência da implantação da LR seria o estimulo a inovação para o uso de matérias-primas que facilitem o processo de reuso e reciclagem. Cerca de 40% dos entrevistados reforçaram este aspecto da PNRS, mas apenas 1 acredita que isto seja viável no cenário atual. O principal problema é ainda a questão da divisão de custos e responsabilidades. Nesse sentido, a questão do custo com transporte é emblemática da dificuldade que é avançar o modelo brasileiro de LR de forma a atender alguns dos principais objetivos da PNRS. Jang (2010) aponta que esta atividade é um elemento central para inviabilizar qualquer iniciativa de RL. No Brasil, esse fator tem dois agravantes, as dimensões continentais do país e a ineficácia da malha viária para a maioria dos atores. No entanto, ainda que estas características do país sejam de grande relevância, o ponto crucial parece ser como ratear os custos com a atividade. Para os representantes do governo, a Lei é clara em definir ao fabricante a responsabilidade sobre o REEE, com a prerrogativa de compartilhá-la com os distribuidores e varejo. No entanto, a pesquisa mostrou também que há visões conflitantes entre fabricantes, distribuidores e comércio, usando brechas da legislação, para evitar a definição da distribuição efetiva dos custos relativos à operacionalização do transporte do REEE.

COM-02 - Nos países em que a LR está evoluindo, a indústria é claramente responsabilizada pela implementação do processo enquanto outros membros da cadeia de suprimentos são convidados a participar. No Brasil, a legislação determina a responsabilidade compartilhada para a implementação da LR, mas não define o papel específico de cada membro da cadeia reversa.

IND-01 - Se a lei fala que o comércio tem que receber e entregar o material pra indústria, então está espera que o comércio entregue a ela o material recolhido enquanto o comércio alega que o material está lá e deve ser buscado pela própria indústria, então cada um pode entender o que é melhor pra si. Esses foram um dos grandes problemas que a lei não deixou claro.

Para financiar os custos do sistema de RL de WEEE, está sendo discutida a criação de uma taxa de reciclagem cobrada na compra do equipamento ou na sua devolução. Estudos da experiência da Suécia (SEPA, 2009; ELRETUR, [2010?]) e da Suíça (Khetriwal et al., 2009) mostram que o sistema de taxas foi essencial para o seu sucesso. No caso brasileiro o modelo ainda não foi definido, pois a indústria quer que ela seja uma taxa visível para o consumidor e livre de impostos. Este aspecto reforça também o problema da conscientização dos consumidores observado pelas pesquisas de Jang (2010), Wath, Dutt, e Chakrabarti (2011)Wath, S. B; Dutt, P. S; Chakrabarti, T. E-waste scenario in India, its management and implications. EnvironMonitAssess, n. 172, p. 249-262, 2011., e Lundgren (2012). Para os entrevistados, a falta de conscientização dos consumidores brasileiros resulta no descarte incorreto de REEE, e resistência para arcar com custos adicionais de uma taxa de reciclagem. Uma realidade diferente dos consumidores europeus, onde a porcentagem de descarte é maior do que a exigida por lei, pois a população tem um elevado nível de conscientização ambiental e paga a taxa para fazer o descarte (Khetriwal et al., 2009).

Aos desafios de custo com transporte, comentado anteriormente, somam-se os gaps da legislação brasileira, com 256 Leis diferentes entre estados e municípios e exigências distintas ou até mesmo contraditórias, devido à falta de padronização legislativa brasileira sobre LR de REEE, de acordo com atores da indústria e comércio.

Outro desafio é a falta de recicladores capacitados de forma a atender todos os requisitos legais e exigências de certificações para dar o tratamento adequado para esse material, sem oferecer risco à saúde humana e ao meio ambiente e respeitando as leis trabalhistas. Por outro lado, como aspecto positivo da legislação destaca-se também o aumento significativo de pedido de licenciamento para recicladoras no Estado de São Paulo. Ainda assim, não se vislumbra no cenário brasileiro nenhuma perspectiva para implantação de usinas de reciclagem para extração dos materiais presentes nas placas de CI. Para os entrevistados além dos altos custos de construção e operação (Schluep et al, 2009; Wang et al., 2012), a demanda de WEEE no Brasil não é suficiente para manter o funcionamento de uma usina de reciclagem, com algo em torno de 15% da capacidade da usina, de acordo com o setor da indústria, comércio e recicladores.

O quarto grupo de questões foca em um dos aspectos mais inovadores da legislação brasileira, que trata da inclusão das cooperativas de catadores na LR. (Mota, 2012, Yoshida, 2012). Os resultados das entrevistas apresentam a importância de investimentos eficientes para a inclusão das cooperativas, que vão muito além de fornecer equipamentos. É necessário treinamento constante, tecnologia, formação de gestores e respeito às diferenças regionais onde ela está instalada, como também defendido por Souza et al. (2012). Nesse contexto, parcerias com grandes empresas compradoras ou com geradoras de resíduos podem ser interessantes para ambos os lados, proporcionando maior rentabilidade para os catadores cooperados e dignidade (Demajorovic, Caires, Silva, & Silva, 2012; Souza et al., 2012). Porém a potencialidade desta relação com a cooperativa somente foi reconhecida pelos representantes do governo, academia e das próprias cooperativas.

IND-02 - "Eu não vejo as cooperativas incluídas no processo de LR de REEE. Ao escolher uma organização gestora, que necessita um licenciamento ambiental obrigatório para manusear REEE, as cooperativas de catadores terão alcançar este padrão. O aspecto perto mais controverso da legislação é a inclusão das cooperativas no processo.

COO-01 - "Sem que se capacite profissionalmente esses atores, eu vejo como será possível a efetiva inclusão das cooperativas na implantação da LR.

O último grupo de questões aborda as possíveis alternativas para o desenvolvimento do modelo brasileiro de LR de REEE. Assuntos como a criação de uma taxa de reciclagem para financiar o sistema de LR, incluindo coleta, transporte e destinação segura emerge como um consenso entre os entrevistados. Com relação ao modelo de LR mais adequado à realidade brasileira, os entrevistados corroboram os argumentos de Khetriwal et al. (2009) sobre a importância da presença das organizações gestoras e defendem a implantação de um modelo similar aos em operação na Suíça e Suécia. No Brasil, as organizações gestoras seriam responsáveis pela gestão de sistema de LR, incluindo distribuição dos pontos de coleta, contratar serviços, tais como transporte, centrais de consolidação de grandes volumes, fornecedores de reciclagem e destinação final segura de substâncias tóxicas presentes nos REEE nos aterros sanitários.

IND-05 - "Em nosso modelo nós contaremos uma organização gestora que vai atuar de acordo com a legislação fazendo essa triagem, por marca, pra depois ele repartir, fazer a aferição de quanto cabe a cada fabricante. Nós não esperamos criar uma empresa, mas sim contratar uma empresa no mercado brasileiro que tenha condições de operar essa gestão."

COM-02 - "A coleta vai ser nos estabelecimentos comerciais. Nos não seremos responsáveis por coletar nas residências ou pelos pontos de entrega voluntária espalhados pela cidade. A entidade gestora tem que providenciar a retirada dos pontos de coleta, esses pontos de coleta podem ser no comércio ou parceiros. A contribuição (taxa de reciclagem) iria para a entidade gestora que seria responsável pelo financiamento de todo o processo. Pode ter até mais de uma gestora. O modelo da Suíça e da França são bem parecidos"

Representantes governamentais sugerem a participação colaborativa dos municípios para a coleta de REEE, ampliando a atual infraestrutura de coleta, desde que pago pela indústria para este fim.

GOV-01 - "As prefeituras têm um serviço de coleta de resíduos urbanos e achamos que poderia coletar também computadores, sendo remunerada pela indústria pelos serviços prestados. Este serviço poderia ser uma fonte de receita para os municípios e estamos discutindo nesse instante os instrumentos para implementar esta alternativa."

Alguns atores defendem a criação de um projeto piloto para testar a eficiência e diagnosticar gargalos e barreiras que precisam ser corrigidas. No entanto, representantes governamentais alertam que o acordo setorial será assinado sem todas as pendências resolvidas, uma vez que os modelos discutidos até o momento exigem a inclusão de alguns aspectos que não foram discutidos na nova legislação. Alguns temas que emergem são a classificação dos REEE, que precisam ser definidos como resíduos perigosos ou não, já que a presença de material tóxico em alguns de seus componentes, implica dificuldades adicionais para armazenamento e transporte de computadores ao final de sua vida útil. Também central é um sistema alternativo tributário que estimule a reciclagem de REEE sem gerar uma bi-tributação, que é esperada o atual sistema tributário.

COM-02 - "A princípio o Ministério (MMA) vai assinar um acordo com a gente, com o custo embutido, o fabricante remete isso para a entidade gestora que gerencia esse valor e esse valor vai custear toda a cadeia e a gente vai abrir outra linha de negociação junto ao Ministério da Fazenda para desonerar essa contribuição"

Considerando a discussão feita, apresenta-se a seguir a síntese das principais características do modelo brasileiro, comparadas a outras experiências internacionais.

Tabela 1
Modelos internacionais e o possível modelo brasileiro

O Brasil deverá ter o governo ativo no que se refere à normatização e criação de incentivos fiscais, creditícios e financeiros, mas sem a participação na fiscalização da Operadora Gestora (OG), as quais serão de responsabilidade da indústria, operacionalizando toda a RL de WEEE. Essa operadora será contratada no mercado brasileiro, podendo ou não terceirizar as etapas do processo de RL. Além da OG será criada uma entidade para auditar todas as empresas do processo reverso, assim como os resultados obtidos. A responsabilidade do consumidor no modelo brasileiro será de entregar o celular ou microcomputador sem custo nem incentivo nos postos de coleta. Será cobrada uma taxa embutida na compra do produto, para cobrir o custo do sistema de RL, repassada pela indústria para a OG. Após o descarte dos equipamentos nos pontos de coleta instalados no varejo, a OG irá fazer a retirada e o transporte para o ponto de consolidação, onde será feita a separação por marcas e o pré-armazenamento. Depois será transferido para as centrais de transbordo para sua descaracterização e destinação para reciclagem, descontaminação, e eliminação do rejeito final.

Conclusão

Este estudo possibilitou identificar alguns dos principais desafios e perspectivas da implementação da LR no Brasil, dialogando com outros modelos já implantados em países desenvolvidos e em desenvolvimento.

Ainda que a maior parte dos entrevistados concordem sobre um modelo a ser operado, a sua efetiva implementação enfrentará uma série de barreiras que incluem diversas dimensões como a cultural, territorial e tecnológica. Destacam-se os conflitos observados na própria cadeia e a pouca disponibilidade de setores como fabricantes, distribuidores e varejo trabalharem de forma cooperativa, principalmente no que se refere à repartição de custos. Também a baixa conscientização da população e as dificuldades de ajustes tributários na legislação brasileira ameaçam o financiamento do modelo. A possibilidade da bi-tributação indicada pelos entrevistados representa um custo político que pouco interessa ao governo. Considera-se ainda a possibilidade que o aumento do produto final possa estimular a compra de produtos contrabandeados.

Do ponto de vista territorial, as dimensões continentais brasileiras torna a atividade de coleta ainda mais difícil fora dos grandes centros urbanos em função dos custos logísticos envolvidos. Vale lembrar que o valor dos materiais inseridos no produto e o volume disponível para garantir ganhos de escala na atividade são essenciais para garantir a viabilidade financeira da RL. No Brasil. a tecnologia disponível possibilita a reciclagem no país apenas dos componentes com valor agregado mais baixo, enquanto as placas podem ser apenas separadas e acondicionadas para envio para a recuperação no exterior, transferindo para outros países a maior parcela do valor gerado com a atividade.

Por fim, o modelo apresentado ameaça um dos pontos mais inovadores da legislação brasileira, principalmente quando se pensa no contexto de países emergentes, que se refere à inclusão das cooperativas de catadores neste processo. Programas de RL nesses países podem propiciar inovação, contribuindo não apenas para ganhos econômicos e ambientais, mas também gerar renda e inclusão social. Os resultados relatados por Wang et al. (2012) em sua pesquisa na China e Índia mostram que poucos resultados nesta direção foram concretizados. A realidade brasileira parece caminhar na mesma direção. A pouca disponibilidade do setor empresarial em trabalhar em parceria com as cooperativas, as deficiências de gestão destas organizações e o despreparo para trabalhar os WEEE indicam que dificilmente a legislação será cumprida. Incentivos financeiros, capacitação e treinamento das cooperativas de catadores surgem como preponderantes para que a legislação cumpra sua dimensão social.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Apr-Jun 2016

Histórico

  • Recebido
    30 Nov 2014
  • Aceito
    29 Jun 2015
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