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ASSOCIATIVISMO EM ÁREAS PROTEGIDAS: RESTRIÇÕES E POSSIBILIDADES NA EXPERIÊNCIA DOS GUIAS DE TURISMO DO CATIMBAU, PERNAMBUCO

Resumo

Este trabalho analisa a dinâmica organizacional instituída pela Associação de Guias do Turismo e do Desenvolvimento do Parque Nacional do Catimbau (AGTURC), em Pernambuco, como forma de estruturação da atividade turística em torno deste parque. Tal perspectiva é assentada nas discussões sobre as transformações pelas quais tem passado o espaço rural por meio de novas dinâmicas territoriais resultantes da ideia de conservação ambiental e valorização do campo, com a consequente instituição de áreas naturais protegidas. No caso em questão, constatou-se que a pouca atuação do poder público, a precariedade da infraestrutura logística da associação, além da deficiente administração de recursos escassos, dentre outros motivos, têm favorecido disputas internas pela condução dos visitantes, motivando, por exemplo, o descumprimento de acordos definidos em grupo. Aspectos estes reveladores das dificuldades e tensões vivenciadas em torno do turismo nesta Unidade de Conservação.

Palavras-chave
Associativismo; Unidades de Conservação; Turismo; Novas Ruralidades

Abstract

The aim of the current study is to analyze the organizational dynamics established by the Association of Tourist Guides and for the Development of Catimbau National Park (AGTURC - Associação de Guias do Turismo e do Desenvolvimento do Parque Nacional do Catimbau) as a way to structure the tourist activity in the park, which is located in Pernambuco State. This perspective is set in discussions about the changes the countryside has faced due to new territorial dynamics that have resulted from the idea of environmental conservation and enhancement of the country area, and the consequent implementation of protected natural areas. The abandonment by the public power, the poor logistics infrastructure of the association, in addition to the bad management of scarce resources in the herein presented case, among other reasons, have favored internal disputes over visitors among the AGTURC members, thus motivating, for instance, the noncompliance with the agreements defined by the group. These aspects reveal the tourism-related difficulties and tensions experienced in Brazilian Conservation Units.

Keywords
Associations; Protected Areas; Tourism; New Ruralities

Resumen

Este trabajo analiza la dinámica organizativa de la Asociación de Guías de Turismo y del Desarrollo del Parque Nacional Catimbau (AGTURC), como forma de estructuración de la actividad turística en este parque, ubicado en Pernambuco. Ésta perspectiva se fundamenta sobre discusiones referentes a las transformaciones del espacio rural con las nuevas dinámicas territoriales vinculadas a la idea de conservación del medio ambiente y valorización del campo, con el consiguiente establecimiento de áreas naturales protegidas. El estudio encontró que el abandono del poder público, la deficiente infraestructura logística de la Asociación y la desacertada gestión de los escasos recursos, entre otras razones, favorecieron disputas internas por guiar a los visitantes, ocasionando, por ejemplo, incumplimiento de acuerdos definidos al interior del grupo. Aspectos indicadores de dificultades y tensiones experimentadas en torno al turismo en las Unidades de Conservación en Brasil.

Palabras clave
Asociaciones; Áreas Protegidas; Turismo; Nuevas Ruralidades

Introdução

As dinâmicas da sociedade contemporânea, em grande parte resultantes do processo de globalização, têm provocado profundas transformações no território rural, atualmente discutidas no âmbito das novas ruralidades. Nessa perspectiva, o campo deixa de ser associado tão somente à produção agropecuária e passa a ser relacionado a outras atividades, por meio das quais novos atores sociais dele se apropriam em razão de diferentes interesses, a exemplo do turismo.

O que, por conseguinte, traz implicações nas formas de ocupação e renda para as pessoas que vivem nesse espaço, permitindo, inclusive, em muitos casos, a possibilidade de elevação de renda para um grande contingente de pessoas que passam a trabalhar no setor de serviços, em substituição às tradicionais atividades agrícolas (GRAZIANO DA SILVA, 1997).

Carneiro e Teixeira (2004) concordam com a estimativa de que as atividades não agrícolas têm constituído importante fonte de renda para as famílias rurais. Sem deixar de reconhecer a importância da agricultura para a reprodução social do grupo familiar, essas autoras confirmam a tendência de transformação de algumas localidades rurais em "comunidades turísticas", enquanto uma nova dinâmica local, sustentada em demandas externas, resultaria, em última instância, na melhoria da infraestrutura e na ampliação do acesso a bens e serviços.

Tais transformações, resultantes de distintos processos e em diferentes intensidades, baseiam-se, por um lado, em investimentos em tecnologias e integração produtiva ao mercado global e, por outro, na conservação e valorização do campo, enquanto espaço de lazer e turismo, bem como local de segunda residência para os chamados neorrurais. Estes, por sua vez, constituem um público de origem urbana em busca de tranquilidade e maior contato com a natureza no meio rural (GIULIANI, 1990 apud PIRES, A., 2004).

Ainda do ponto de vista de tais mudanças, o enfoque sobre a conservação ambiental ganha destaque a partir do discurso ambientalista, e enquanto instância de políticas públicas. Assim, os espaços rurais que se mantiveram ao longo do tempo relativamente conservados e com considerável valor paisagístico, têm sido utilizados como atrativos turísticos, sobretudo quando transformados em áreas protegidas (VEIGA et al., 2001VEIGA, José Eli. Destinos da ruralidade no processo de globalização. Estudos Avançados, v. 18, nº 51, p. 51-67, 2004.).

No Brasil, os espaços legalmente instituídos com o objetivo de conservação ambiental compõem o Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC) e integram uma série de categorias de manejo, que incluem as mais variadas designações, a exemplo de Estação Ecológica, Reserva Biológica, Área de Proteção Ambiental, Floresta Nacional, Reserva Extrativista, Parque Nacional, dentre outras, sendo, esta última, a categoria de manejo de particular interesse deste trabalho.

O SNUC, criado a partir da Lei 9.985 de 2000, é formado pelo conjunto das Unidades de Conservação (UCs) federais, estaduais e municipais, e tem, dentre seus objetivos: promover o desenvolvimento sustentável a partir dos recursos naturais; proteger paisagens naturais e pouco alteradas de notável beleza cênica; promover a educação e interpretação ambiental, a recreação em contato com a natureza e o turismo ecológico; proteger os recursos naturais necessários à subsistência de populações tradicionais, respeitando e valorizando seu conhecimento e sua cultura, promovendo-as social e economicamente (BRASIL, 2000).

O Parque Nacional do Catimbau (PNC) foi criado por meio do Decreto de 13 de dezembro de 2002, envolvendo parte de Ibimirim, Tupanatinga e Buíque, no interior do estado de Pernambuco. Este último vem, ao longo do tempo, demonstrando uma maior importância em termos de organização local voltada para a atividade turística, considerando-se, sobretudo, a mobilização dos condutores de visitantes a partir da Associação de Guias do Turismo e do Desenvolvimento do Parque Nacional do Catimbau (AGTURC).

Assim, este estudo procura revelar não apenas aspectos de organização em torno da atividade turística desenvolvida no PNC, mas também as dificuldades enfrentadas por esta associação, dentre conflitos e tensões vivenciados entre os seus associados.

Além disso, pensar o rural como lugar de conservação ambiental significa incluí-lo a partir das novas atribuições e tensões entre diferentes atores que passam a se apropriar desse patrimônio com interesses diferenciados: moradia, produção, lazer e conservação. Segundo Wanderley (2000)WANDERLEY, Maria de Nazareth Baudel. A emergência de uma nova ruralidade nas sociedades modernas avançadas: o 'rural' como espaço singular. Estudos Sociedade e Agricultura, Rio de Janeiro, n. 15, p. 87-145, out. 2000., a existência dessas diferentes instâncias transforma o meio rural em um espaço diversificado, podendo vir a ser fator de dinamismo ou fonte de conflito enquanto destinação produtiva, espaço de consumo ou patrimônio natural a ser conservado.

Portanto, com base nessa discussão, pergunta-se: como a AGTURC está atuando na defesa dos interesses do grupo e como tem contribuído para beneficiar a população local no que diz respeito ao turismo no PNC?

Na busca por respostas para este questionamento, este trabalho analisa a dinâmica organizacional instituída pelos moradores de Buíque, em torno da AGTURC, como uma forma de estruturação da atividade turística desenvolvida no PNC, sobretudo em decorrência das restrições impostas ao desenvolvimento de atividades tradicionais a partir da criação da referida UC.

Para tal, foram entrevistados 11 membros ativos de um universo de 16 associados, excluindo-se os integrantes que foram cadastrados, mas que não exerciam nenhuma atividade na associação.

Foram considerados como membros ativos aqueles associados que preencheram três requisitos, a saber: ter alguma participação nas reuniões, contribuir com o valor mensal da cota para a manutenção financeira da associação e estar na escala de trabalho para realizar o que os condutores chamam de "abertura de sede", ou seja, ser responsável pelo atendimento ao público em pelo menos dois plantões semanais de meio período cada um, além de atuar na condução de visitantes.

Igualmente, foi contatado um ex-integrante da AGTURC, que tem trabalhado por conta própria dentro da área do PNC. Além disso, foram entrevistados ainda o gestor do PNC e a Secretária de Meio Ambiente de Buíque, PE.

Como temas norteadores das entrevistas, procurou-se investigar a história pessoal dos condutores em relação ao serviço de condução no PNC e à participação na AGTURC, o processo de criação desta entidade, incluindo dinâmica de atuação e objetivos, participação dos associados, bem como resultados alcançados ao longo de sua trajetória.

A conservação ambiental e as suas implicações sobre o espaço rural

O rural tem sido analisado a partir das novas configurações socioeconômicas decorrentes do processo de globalização da economia. De modo geral, as transformações pelas quais passam os espaços rurais têm evidenciado a noção de "nascimento" de um novo rural amparado, especialmente, no fortalecimento de atividades não agrícolas, a exemplo do turismo; bem como na evidência de diferentes funções, incluindo a manutenção das paisagens e a conservação ambiental, passando a ser entendido também como local de descanso e de lazer, espaço de vida e de reprodução social (CARNEIRO, 1998; WANDERLEY, 2000).

Via de regra, percebe-se, na literatura especializada, um consenso de que a produção agrícola está dando lugar a outras atividades, configurando, segundo Marsden (1998), um rural mais polivalente, que se redefine a partir de um conjunto de diferentes espaços, baseados em distintas configurações entre local e global.

Neste contexto, a atividade turística, independentemente da sua tipologia - ecoturismo, turismo de aventura, turismo cultural, turismo rural, entre outras - constitui um dos componentes frequentemente associados à valorização das áreas rurais. Segundo Veiga (2004), as riquezas naturais como água limpa e ar puro, além das paisagens, constituem atualmente as principais vantagens comparativas desses espaços.

Abramovay (2000a)ABRAMOVAY, Ricardo. Funções e medidas da ruralidade no desenvolvimento contemporâneo. Rio de Janeiro: IPEA, 2000a., que também considera a relação do rural com a natureza mais conservada um importante bem nas sociedades contemporâneas, defende a importância de que as práticas produtivas sejam comprometidas com a sustentabilidade e a biodiversidade. De acordo com esse autor, as "regiões que conseguem encarar o meio ambiente como um trunfo para o desenvolvimento - e não como um limite a ser transposto para o sucesso de empreendimentos econômicos - alcançam formas mais sustentáveis de geração de renda" (ABRAMOVAY, 2000a, p. 10).

Nesse sentido, como admite Carneiro (2008, p. 24), a natureza ressignificada imprime uma "nova imagem do rural", permitindo, assim, que a questão ambiental estimule novas formas de ocupação do espaço que não mais se apoiem na "ruptura entre a terra produtora e a terra como paisagem e reserva patrimonial".

O fato é que a atividade turística tem se apropriado da ideia de maior contato com a natureza e de qualidade de vida para a constituição de sua oferta. Destaca-se também a importância da emoção, vinculada à memória, na valorização das paisagens e dos produtos ofertados. Lembranças da infância, por exemplo, podem contribuir para um processo de idealização do espaço rural, por meio de objetos, cenários, paisagens e experiências, que, vivenciadas no passado, são reconhecidas e exaltadas pela memória do visitante (PERAZZOLO et al., 2013, p. 156).

O estímulo ao turismo rural é ainda fomentado pelas transformações nos valores e estilos de vida nas sociedades desenvolvidas, pautadas cada vez mais em uma cultura ambiental e no esgotamento do turismo convencional ou massificado, além da crise da agricultura no âmbito das atividades tradicionais do mundo rural (LORENTE, 2002).

Ademais, como admite Elesbão (2010)ELESBÃO, Ivo. Impactos socioeconômicos do turismo no espaço rural. In: SANTOS, Eurico de Oliveira; SOUZA, Marcelino (Orgs.). Teoria e prática do turismo no espaço rural. Barueri: Manole, 2010, p. 150-166., a demanda por lazer e turismo em espaços antes predominantemente ocupados pela agropecuária, vem permitindo o estabelecimento de novas dinâmicas, ampliando as oportunidades de emprego e renda para as comunidades rurais. Nessa mesma linha de análise, Carneiro e Teixeira (2004) identificam no desenvolvimento do turismo o principal fator de reorientação recente da ruralidade.

Segundo Graziano da Silva, Vilarinho e Dale (2000), tal reorientação econômica é facilitada por dois aspectos principais: o primeiro advindo do fato de que as atividades turísticas possam se desenvolver em áreas rurais sem grandes investimentos em recursos turísticos - considerando que a atratividade do campo está voltada, sobretudo, para as atividades agropecuárias - e, segundo, porque as iniciativas nesse campo, de modo geral, estão sujeitas a baixo nível de barreiras de entrada pela concorrência. Razões que permitem que os investimentos dos pequenos e médios produtores possam ser mais facilmente realizados.

Silva, L. (2005/2006) destaca a importância do turismo na geração de emprego e renda para as famílias rurais, além do estímulo ao desenvolvimento endógeno dos territórios. Segundo este autor, a proteção do patrimônio cultural e a manutenção das paisagens estariam entre as principais contribuições dessa atividade.

Tal perspectiva também se faz presente nas recomendações do Ministério do Turismo (2004), ao enfatizar a necessidade de que a atividade turística no meio rural deve estar associada a um projeto de desenvolvimento com inclusão social, contribuindo para a diversificação da economia regional e para a geração de novas oportunidades de trabalho, permitindo assim a melhoria das condições de vida das famílias rurais.

Entretanto, vale sublinhar ainda alguns aspectos negativos presentes em muitas atividades turísticas desenvolvidas no espaço rural e que são frequentemente abordados como "impactos do turismo". Assim, o aumento de trânsito, a poluição ambiental, a depredação ao patrimônio público, o abandono das atividades agropecuárias, o aumento do custo de vida e a especulação imobiliária estão dentre as questões mais ressaltadas por alguns pesquisadores (CAMPANHOLA, GRAZIANO DA SILVA, 2000; ELESBÃO, 2010).

As críticas ao turismo no meio rural também se referem à possibilidade de transformação dos agricultores em "empresários do setor", mas dentro de uma lógica de mercado definida pelo trade turístico, e a possibilidade de descaracterização do espaço, "modificando paisagens, territórios e a territorialidade dos agricultores familiares [...]", como adverte Candiotto (2011, p. 568).

Lorente (2002), por sua vez, defende alguns pressupostos a serem observados no desenvolvimento do turismo rural, incluindo a correta utilização dos bens naturais, a integração da população local, a oferta de produtos turísticos de qualidade e o uso de instrumentos de planejamento que impeçam sua massificação e minimizem os impactos ambientais, econômicos ou culturais.

Estas questões, entretanto, esbarram na ainda precária regulação pública voltada à conservação ambiental, sobretudo em termos de planejamento a longo e médio prazo, e aporte de recursos para a sua consolidação, como pondera Medeiros (2006)MEDEIROS, Rodrigo. Evolução das tipologias e categorias de áreas protegidas no Brasil. Ambiente & Sociedade, v. IX, nº 1, jan./ jun. 2006.. Para este autor, o avanço na criação de instrumentos legais dependerá de interesses de grupos e arranjos político-institucionais com poder de influência sobre o Estado.

Como observam Ramalho e Negreiros (2009)RAMALHO, Cristiano Wellington Noberto; NEGREIROS, Emílio de Britto. Dinâmicas societárias, ação política e usos territoriais: unidades de conservação e pesca artesanal. In: SILVA, Aldenor Gomes; CAVALCANTI, Josefa Salete Barbosa; WANDERLEY, Maria de Nazareth Baudel (Orgs.). Diversificação dos espaços rurais e dinâmicas territoriais no Nordeste do Brasil. João Pessoa: Zarinha Centro de Cultura, 2009, p. 253-284., a ausência do Estado no campo da gestão das UCs, reflete uma "natureza mínima" das políticas ambientais, como expressão de pesos diferenciados entre as políticas públicas de crescimento econômico e aquelas de proteção ambiental.

Para Leff (1995, 2009), a falta de políticas voltadas à conservação ambiental tem contribuído para aumentar a condição de dependência e de subdesenvolvimento dos países pobres, devido à perda do potencial produtivo dos recursos naturais. Por essa razão, o autor salienta a necessidade de se buscar, além da criação de reservas tradicionais de conservação, novas estratégias produtivas de manejo dos ecossistemas, de modo a garantir a proteção da natureza, da biodiversidade e do equilíbrio ecológico.

Nesse sentido, a atratividade do campo tem sido fundamentada pela construção de uma imagem idealizada em virtude de características naturais mais evidentes. Argumenta-se que demandas externas ao território rural são incorporadas ao local, inclusive sob o aspecto de uma "nova conflitualidade", que diz respeito aos diferentes interesses em torno da conservação ambiental e da apropriação dos recursos naturais (VEIGA, 2006).

Em Buíque, a criação do Parque Nacional do Catimbau constitui a expressão dessa nova conflitualidade indicada por Veiga, dividindo os interesses do rural enquanto área protegida e do rural enquanto espaço de atividades agrícolas e pecuárias. Portanto, ao mesmo tempo em que ressalta a importância da conservação de uma importante área de caatinga, impõe restrições às atividades tradicionais como a agricultura e a pecuária.

A atividade turística desenvolvida pela AGTURC se insere, pois, como uma forma particular de apropriação desse espaço, em meio a uma série de restrições às atividades tradicionais, num jogo de forças que revela a tensão vivenciada entre os diversos atores sociais.

Referindo-se a essa questão, Vallejo (2002), embora admita que o aumento da demanda por um maior contato com a natureza justifique a implantação de áreas protegidas, chama a atenção para a marginalização que têm sofrido as populações que ocupam essas áreas.

De modo semelhante, Sachs (2008)SACHS, Ignacy. Caminhos para o desenvolvimento sustentável. 3 ed. Rio de Janeiro: Garamond, 2008. salienta que a proteção ambiental não pode se revelar exclusivamente por "santuários invioláveis", considerando a opção de "não-uso" apenas como uma possibilidade dentre as várias estratégias possíveis.

É, pois, no âmbito dessa discussão que serão tratadas as novas dinâmicas no espaço rural de Buíque, referindo-se às estratégias de produção e de reprodução locais que tem na AGTURC o reflexo dessas tensões.

O Parque Nacional do Catimbau e a atividade de condutores de Turismo

O Parque Nacional do Catimbau (PNC) está situado em uma região limítrofe entre o agreste e o sertão, com uma área de 62.300 ha, abrangendo parte dos municípios de Ibimirim, Tupanatinga e Buíque (BRASIL, 2002).

A principal atratividade do PNC está voltada para os sítios arqueológicos, onde foram encontradas várias pinturas rupestres, enquanto resquícios de ocupações humanas pré-históricas de extensos períodos cronológicos (MARTIN, 2005MARTIN, Gabriela. As pinturas rupestres do Sítio Alcobaça, Buíque - PE, no contexto da tradição agreste. In: Clio Arqueológica, v. 1, nº. 18. Recife: Universidade Federal de Pernambuco, 2005, p. 27-49.). Ali foram registrados 29 sítios arqueológicos pelo Cadastro Nacional de Sítios Arqueológicos do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN, 1999IPHAN. Cadastro Nacional de Sítios Arqueológicos. Brasília, 1999. Available at: <http://portal.iphan.gov.br/portal/montaPaginaSGPA.do>. Access on May 16, 2013.
http://portal.iphan.gov.br/portal/montaP...
), destacando-se, pela sua alta relevância arqueológica, o Alcobaça e o Sítio Casa de Farinha.

A paisagem composta por cemitérios indígenas, nascentes, grutas, cavernas e formações rochosas decorrentes de processos erosivos de cento e cinquenta milhões de anos, complementa o conjunto de atrativos do lugar (SENA et al. 2012SENA, Any Graziella; RODRIGUES, Rodrigo Luiz da Silva; SILVA, Antônio Carlos; PORDEUS, Ruy Batista. Parque Nacional do Catimbau - PE: um laboratório para aulas práticas de Geomorfologia. Revista Geonorte, v. 2, nº 4, p. 599-606, 2012., p. 603).

Entretanto, apesar de seu reconhecido valor paisagístico e cultural, essa Unidade de Conservação se encontra localizada em terras particulares, ainda sem contar com um plano de manejo que delimite e relacione as atividades de conservação e uso de acordo com um zoneamento (SILVA, 2011), contrariando o disposto legal de que estas UCs devem dispor de um plano de manejo no prazo de cinco anos a partir da data de sua criação (BRASIL, 2000).

A precariedade da infraestrutura do Parque pode ser facilmente observada e os serviços destinados aos visitantes do PNC ficam restritos à Associação de Guias do Turismo e do Desenvolvimento do Parque Nacional do Catimbau (AGTURC), sediada no município de Buíque. Essa organização, como será apresentado à frente, ainda carece de adequada estruturação organizacional, gerencial e logística que lhe permita cumprir coerentemente suas atribuições em torno da condução de visitantes no Parque.

Em virtude de contar com uma Unidade de Conservação em seu território, a Prefeitura de Buíque é beneficiada pelo Decreto Estadual nº 25.574 que concede aos municípios, em condições semelhantes, parcelas do ICMS calculadas nos termos do Índice de Conservação da Biodiversidade do Município (PERNAMBUCO, 2003).

Estima-se, nesse sentido, um volume de recursos na ordem de R$ 1.632.323,70 concedidos àquele município em 2011 (FUNDAJ, 2012FUNDAJ. Valores do ICMS Socioambiental repassados aos Municípios de Pernambuco em 2011. Recife, 2012. Available at: <http://www.fundaj.gov.br/images/stories/socioambiental/ICMS_PE_2011_VALORES.pdf>. Access on Nov 25, 2012.
http://www.fundaj.gov.br/images/stories/...
). Apesar disso, é um dado recorrente nos discursos dos entrevistados o grande descaso do poder público municipal com o funcionamento do Parque, como pode ser observado no trecho a seguir:

Criam uma Unidade de Conservação que tem um núcleo urbano e rural agregado ao parque, mas eles não criam nenhuma condição pra melhoramento da qualidade de vida da comunidade, de ajudar um pouco pra que as pessoas valorizem a implantação daquele projeto [...]. Eles criam e deixam lá, abandonado, e às vezes vêm só as pessoas que têm seus empregos estatutários, com seu carrão do governo, sem dar a mínima atenção pros problemas da comunidade.

De todo modo, o turismo estimulado pela criação do Parque Nacional do Catimbau tem se incorporado à realidade local associada às atividades tradicionais, representando mudanças importantes no cotidiano das pessoas que ali residem.

É bem verdade que o artesanato em madeira e barro, especialmente aquele com a representação de pinturas rupestres relacionadas ao Parque, venha atraindo a atenção por parte da população local (SILVA, 2011).

Assim, quando confrontada com os resultados apresentados por Silva (2007, 2011), verifica-se na presente pesquisa um incremento dos produtos artesanais, que passam a compor o conjunto de atrativos ofertados, destacando-se as figuras talhadas em madeira e gravetos secos, sobretudo as que tendem a retratar a realidade da caatinga, por meio de cactos, animais esqueléticos e retirantes.

A incorporação das atividades turísticas em Buíque tem diversificado o número de ocupações existentes, instituindo novos interesses e envolvendo diferentes sujeitos, a exemplo dos turistas, de representantes do Governo Municipal e dos órgãos responsáveis pela gestão da UC, corroborando a ideia de um espaço rural como um "sistema social cada vez mais heterogêneo", como analisado por Carneiro (2008).

A Associação de Guias do Turismo e do desenvolvimento do Parque Nacional do Catimbau (AGTURC)

A AGTURC foi criada em 2002 por um grupo de moradores do distrito do Catimbau, em Buíque, mesmo ano da criação do Parque. Essa iniciativa contou com o apoio de instituições como o Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA) e o Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (SEBRAE), responsáveis também pela capacitação dos condutores.

Assim, com o objetivo de incrementar o turismo em torno da criação do PNC e atentas às restrições ambientais associadas a uma Unidade de Conservação de Proteção Integral em relação às ocupações tradicionais, tais entidades deram início a alguns cursos de capacitação para a comunidade.

Vale ressaltar, entretanto, que segundo entrevistados já havia uma procura por visitas guiadas por parte de pesquisadores da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), interessados no estudo de pinturas rupestres na região. Alguns jovens moradores locais, mencionados como os primeiros condutores, dispuseram-se a acompanhar esses estudiosos, mediante recompensas, a exemplo de "gorjetas e cestas básicas". Tais benefícios auferidos por esses condutores passaram a atrair a atenção de outros jovens, constituindo, assim, mesmo que informalmente, a atividade de condutor de turismo na região.

A AGTURC foi, então, criada com o objetivo de organizar a atividade de condução de visitantes na área do Vale do Catimbau, zelando pela conservação das condições ecológicas e ambientais do Parque e favorecendo a formação de renda para a comunidade, como descrito no seu estatuto.

Depois de constituída, essa associação passou a receber apoio do IBAMA, do SEBRAE e da Prefeitura do Município, ganhando, desta última, o pagamento do aluguel do prédio onde, inicialmente, funcionava sua sede. Ajuda essa que fora extinta em 2008, com a mudança da gestão municipal.

Da forma como fora idealizada, a AGTURC também teria o papel de servir como uma interlocutora importante entre instituições públicas e a comunidade local por meio do turismo desenvolvido no PNC. Com efeito, o papel das associações em contexto de Unidades de Conservação é identificado como um fator de primordial importância para a resolução de conflitos relativos à conservação e ao desenvolvimento socioeconômico da área de entorno da UC, inclusive sendo capaz de influenciar políticas públicas (SOARES; BENSUSAN; FERREIRA NETO, 2002SOARES, Maria Clara Couto; BENSUSAN, Nurit; FERREIRA NETO, Paulo Sérgio (Coord.). Entorno de Unidades de Conservação: estudo de experiências com UCs de proteção integral. Rio de Janeiro: FUNBIO, 2002.).

Oliveira (2006), por sua vez, destaca que a organização associativa pode ser também identificada como uma oportunidade para geração de renda, criação de oportunidades de emprego e melhoria do bem-estar das comunidades.

Assim, segundo relatos dos entrevistados, as ações da AGTURC não se limitavam à condução dos visitantes, abrangendo outras ações de interesse público, a exemplo dos mutirões para a limpeza da praça e das ruas localizadas no Distrito do Catimbau e das ações de sensibilização ambiental na escola municipal. Há também informação de que, em 2006, a associação, juntamente com a Prefeitura do Município, conseguiu mobilizar toda a comunidade em torno da construção das canaletas para o calçamento das principais ruas da Vila.

Pôde-se constatar que as poucas ações de mobilização estiveram relacionadas aos membros da AGTURC, demonstrando a articulação do grupo com o poder público local, no desenvolvimento de ações conjuntas de interesse da comunidade. O que, por conseguinte, reforça a importância da associação como um canal eficaz para a resolução de problemas coletivos concretos, remetendo, portanto, à ideia de sentimento de pertencimento e de concertação social sublinhado por Pires, M. (2004, 2006).

Conforme destacado por esta autora, a importância do associativismo está baseada em sua instância privilegiada de confluência dos diversos atores em torno das propostas de desenvolvimento local (PIRES, M., 2004).

Em relação à Buíque, vale ressaltar, contudo, que no período de realização desta pesquisa não se constatou nenhum trabalho dessa natureza em andamento por parte da AGTURC, embora revelado pelos condutores o interesse em desenvolver projetos como o de sensibilização ambiental para os moradores locais.

Perfil dos condutores integrantes da AGTURC

Na época da pesquisa, realizada em 2012, todos os condutores de turismo da AGTURC eram do sexo masculino, com idade entre 25 e 46 anos. Oito deles tinham o Ensino Médio completo, apenas um apresentava o Ensino Médio incompleto e três possuíam o Ensino Fundamental incompleto. Entre os entrevistados, o tempo dedicado à condução de visitantes variava entre cinco a dezoito anos, e a maioria (sete condutores) tinha mais de 10 anos nessa atividade.

Dos onze condutores pesquisados, quatro tinham na agricultura sua principal fonte de renda, um citou a apicultura como sua atividade mais importante, três eram funcionários públicos municipais, um era vigilante e outro, professor na Aldeia indígena Kapinawá. Apenas um informante disse ter na condução de turismo a sua ocupação mais importante. Para os demais, essa atividade era considerada como atividade complementar de renda.

A diversidade das atividades desenvolvidas pelos condutores de Buíque chama a atenção para o fenômeno da pluriatividade no campo. Essa questão é situada por Wanderley (2000) como uma estratégia adotada pelos agricultores para ampliação de renda, por meio da integração de atividades não agrícolas dentro ou fora do estabelecimento familiar.

Ainda assim, constatou-se que a produção agropecuária continua a desempenhar um papel importante na vida dos condutores, visto que cinco dos onze entrevistados tinham uma inserção nessa atividade. Além disso, o município foi considerado o maior produtor de castanha de caju e segundo maior produtor de leite do estado de Pernambuco, destacando-se ainda nas lavouras temporárias como a mandioca, o milho e o feijão (IBGE, 2012IBGE. Produção agrícola municipal 2011. Rio de Janeiro, 2012. Available at: <http://www.ibge.gov.br/cidadesat/topwindow.htm?1>. Access on Feb 16, 2013.
http://www.ibge.gov.br/cidadesat/topwind...
). A apicultura também tem se inserido na economia do município, configurando-se como uma atividade importante na complementação da renda familiar.

Vale ressaltar que, conforme discorrido pelos entrevistados, as atividades não agrícolas não retiraram do morador de Buíque a sua condição de agricultor. Mesmo aqueles que não desenvolviam mais as atividades agropastoris se reafirmavam como agricultores porque, como admitem, "nasceram e cresceram na roça". Tal perspectiva tende a corroborar o argumento de Carneiro e Teixeira (2004) de que apesar de implicar, muitas vezes, baixos rendimentos, a agricultura se revela particularmente importante para a reprodução do grupo familiar e para a manutenção de uma identidade social.

É interessante frisar que essa tendência de manter a identidade de agricultor se confirma também em situações de assalariamento, mostrando que a venda temporária da força de trabalho não faz do agricultor um assalariado, quando muito um "alugado" (GARCIA JUNIOR, 1989), constituindo-se como um "novo componente da dinâmica da agricultura camponesa" (COSTA, 2014COSTA, Klenio Veiga. Permanência e transformação na agricultura familiar. Um estudo de caso sobre a resistência dos agricultores familiares no Submédio São Francisco. Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Federal de Pernambuco. Recife, 2014., p. 133).

O modus operandi da AGTURC

Conforme já mencionado, a atuação da AGTURC consiste, sobretudo, na condução dos visitantes dentro da área do PNC, e a obrigatoriedade de um condutor durante a realização das trilhas confere àquela associação uma receita permanente, embora oscilante, em torno do turismo desenvolvido no Parque.

Para cada grupo de até dez pessoas, exige-se a presença de um condutor, o que, em 2012, correspondia ao pagamento no valor variável entre R$ 80,00 e R$ 100,00 a depender do tempo destinado para a visitação. E as trilhas mais comumente percorridas incluíam a da Pedra da Concha, o Canyon, as Torres, a Igrejinha e a dos Breus, na Fazenda Porto Seguro.

De acordo com as anotações realizadas pelos condutores no Livro de Registro de Visitantes, em 2005, foram contabilizadas 2.035 visitas. Em 2006, esse número aumentou para 2.430, representando um crescimento em torno de 20%. Em 2011, registrou-se 2.245 visitas e, em 2012, esse número foi reduzido para 1.985, representando, nesses últimos dois anos, um decréscimo na ordem de 12%.

De acordo com o estatuto da AGTURC, podem se tornar membros todos os moradores envolvidos direta ou indiretamente com o turismo no PNC, fazendo-se apenas necessário que o candidato tenha seu pedido aprovado em Assembleia Geral. Entretanto, com apenas onze condutores atuantes, esta associação não tem conseguido o envolvimento dos moradores em suas atividades.

Não houve registro de novos sócios na AGTURC nos últimos dois anos anteriores à pesquisa realizada. Muito possivelmente a desmotivação de novos ingressos esteja relacionada à redução do número de visitantes no período supracitado. Ademais, em tempos de baixa demanda, a inclusão de novos sócios poderia representar uma diminuição dos rendimentos dos associados.

Todos os entrevistados confirmaram participar das atividades desenvolvidas pela associação, sobretudo quando se tratava das reuniões ordinárias mensais. Igualmente, informaram que, nessas ocasiões, costumavam defender seus pontos de vista, mas respeitavam as opiniões dos colegas e que todas as decisões eram tomadas por votação da maioria.

Entretanto, como relatado pelos próprios condutores, era constante o descumprimento do que se costumava acordar nas assembleias, de modo que "o que ficava decidido nunca acontecia", conforme destacado por um dos dirigentes à época da pesquisa de campo.

O descumprimento das decisões tomadas coletivamente, a desobediência à escala de trabalho, entre outros conflitos vivenciados no dia a dia da organização, foram algumas das razões que motivaram a renúncia do presidente da AGTURC em maio de 2013.

As disputas internas e a fraca capacidade de articulação local concorrem para o baixo empoderamento dos associados, aumentando a dependência do grupo junto aos poderes públicos, como na experiência de outras associações que vivenciaram processos organizacionais semelhantes, como observado por Abramovay (2000b).

Somam-se a isso a ausência de acompanhamento e assessoria do poder público junto à AGTURC e a situação de aparente abandono vivenciada pela região. A esse respeito, Rabinovici (2002)RABINOVICI, Andréa. Articulações e parcerias entre Organizações Não governamentais (ONGs) e Unidades de Conservação (UCs). In: NEIMAN, Zysman (Org.). Meio ambiente, educação e ecoturismo. Barueri: Manole , 2002, p. 41-70. argumenta que tais espaços têm sido esquecidos pelo Estado, em termos de investimento, ficando evidenciada a incapacidade do poder público em conservar o patrimônio natural, sobretudo quando se trata de envolver a comunidade neste processo.

A ideia de empoderamento, aqui situada enquanto expressão de sujeitos coletivos, no exercício de cidadania, na luta por emancipação social (BAQUERO, 2012) vem intimamente relacionada à concepção de união de esforços em torno de objetivos comuns, passível de facilitar as deliberações de interesse de um grupo (PIRES, M., 2003).

Este conceito, relacionado aos estudos sobre desenvolvimento local, traduz, como salientado por Pires, M. (2003, p. 59), um reconhecimento de que "somos co-autores e co-responsáveis pelo destino de todos [...]. Arregaçar as mangas ou mãos à obra, envolvendo todos os atores em um projeto coletivo, define a filosofia de trabalho ali presente".

Segundo Mielke (2009), para que as comunidades se sintam motivadas a aderir ao processo de cogestão das UCs, faz-se necessário também que vislumbrem a possibilidade de auferirem ganhos satisfatórios com as iniciativas ligadas ao turismo.

Ainda de acordo com o referido autor, nos processos de desenvolvimento local baseados no turismo, há que se considerarem as iniciativas das lideranças locais em torno de um projeto comum, orientando esforços para o aproveitamento das oportunidades geradas a partir de produtos e serviços turísticos de qualidade, com o objetivo de promover o bem-estar coletivo. Perspectiva essa que, pelas informações colhidas no transcorrer dessa pesquisa, ainda não parece fazer parte da realidade vivenciada pelos associados da AGTURC.

Considerações Finais

O turismo exerce um papel de destaque nas mudanças pelas quais têm passado os espaços rurais, estando frequentemente associado à valorização do campo por meio da manutenção das paisagens e da conservação ambiental.

Como observado neste trabalho, enquanto uma das formas de apropriação do espaço, o turismo redefine a configuração e a dinâmica das áreas rurais, onde se incluem novas formas de ocupações e processos associativos, a exemplo da atuação da AGTURC, no município de Buíque, objeto de estudo deste trabalho.

A implementação do projeto de criação do Parque Nacional do Catimbau favoreceu a criação de uma associação com o objetivo de organizar a atividade turística em torno dessa UC. Atualmente, entretanto, o grupo não recebe nenhum apoio, estando à mercê da própria sorte. O que, de certa forma, reflete o risco das falsas participações e das participações induzidas, como lembram Santos e Machado (2006).

O distanciamento do poder público, a precariedade da infraestrutura logística da associação, a administração de poucos recursos, a diminuição do número de visitantes entre 2011 e 2012, juntamente com a oscilação dos valores auferidos pelos condutores, entre outros motivos, estavam contribuindo com disputas internas, que dificultam a gestão coletiva, tendendo a minimizar a força potencial da associação voltada a um projeto de desenvolvimento local de Buíque, a partir do turismo no PNC.

Entretanto, nas falas dos entrevistados, o que se constatou foi que os ideais da cooperação e do associativismo foram destacados como um instrumento importante para a organização das atividades desenvolvidas e para a possibilidade de ampliação da renda dos seus participantes. O que, no caso em questão, não tem significado ainda um empoderamento dos sujeitos sociais envolvidos no processo, para que sejam capazes de alavancar as ações de interesse do grupo.

E o descuido com que o poder público local, estadual e federal vem lidando com o PNC, apesar do seu reconhecido valor, tem refletido na precariedade de sua infraestrutura, dificultando o estímulo à visitação e, por conseguinte, o aproveitamento do turismo como fonte de renda e melhoria da qualidade de vida para os moradores de Buíque. Questões que se agravam quando considerada a situação fundiária, sobretudo pela ausência de regularização em termos de indenizações e desapropriações, como previsto pelo Sistema Nacional de Unidades de Conservação (BRASIL, 2000).

Como destacado neste trabalho, o caso do PNC não constitui uma realidade isolada da situação vivenciada pela maioria dos parques nacionais brasileiros, nos quais também se constatam problemas semelhantes em relação à insuficiência de pessoal para monitoramento e administração da área e baixos níveis de investimento na infraestrutura local.

Entretanto, malgrado os percalços, observa-se, por meio desta pesquisa, um discreto crescimento no número da oferta de serviços relacionados à atividade turística em Buíque, quando comparado a estudos realizados em anos anteriores (SILVA, 2007, 2011), sinalizando para a possibilidade de que venham a representar uma ampliação da renda local.

Além disso, integrantes da AGTURC expressaram o desejo de implementar projetos capazes de dinamizar a associação e de beneficiar a comunidade. Entretanto, até o presente momento, tudo se reduz ao plano das esperanças e das 'boas intenções'.

Essas questões refletem, portanto, os limites de uma organização que tem um reconhecimento local, mas que esbarra na inoperância da gestão interna e na ausência de apoio institucional para ampliar a sua importância na atividade turística do Parque, bem como para alavancar um projeto de desenvolvimento local. Se o incremento do turismo representará uma diminuição das atividades tradicionais é um caso que merece ser investigado.

Ressalta-se ainda que os resultados alcançados nesta pesquisa sinalizam para outros questionamentos, a saber: quais os interesses que irão prevalecer como fio condutor das ações da AGTURC no futuro? E ainda, essa associação será capaz de responder satisfatoriamente aos objetivos que motivaram sua criação? Estas são apenas algumas possibilidades de análise que poderão nortear futuros estudos relacionados à Associação dos Guias Turísticos do Parque Nacional do Catimbau.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Apr-Jun 2016

Histórico

  • Recebido
    23 Jul 2014
  • Aceito
    31 Ago 2015
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