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A REFLEXIVIDADE EM OPOSIÇÃO À MASSIFICAÇÃO DA PRODUÇÃO AGRÍCOLA

Este volume de Ambiente e Sociedade apresenta 14 artigos que abordam uma diversidade de temas: agroecologia e suas múltiplas polissemias, práticas de educação ambiental, comportamento ambiental de estudantes universitários, ecossistemas e vulnerabilidade, turismo em zonas costeiras, políticas públicas de desenvolvimento, ambientalismo e redes de informação e comunicação, política de controle de agrotóxicos, estratégias de racionalização do uso da água.

Em todo volume da revista abordamos temas que têm destaque na agenda ambiental, e se escolheu a problemática relacionada às tecnologias que promovem aumento da capacidade de produção de alimentos, e ampliam os riscos ao meio ambiente e à saúde.

O glifosato voltou a ser alvo de polêmica. Indicado como causador de câncer, o herbicida responsável por eliminar ervas daninhas nas plantações, domina mais da metade do mercado mundial de herbicidas. A atual polêmica em torno do glifosato, envolve a Organização Mundial da Saúde (OMS), a Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO), países da União Europeia e Estados Unidos.

Pesquisas recentes revelam ainda que o glifosato é, possivelmente, o fator mais importante no desenvolvimento de doenças que se tornaram prevalentes nas sociedades ocidentais, como o autismo, TDHA (Transtorno do Déficit de Atenção e Hiperatividade), Alzheimer e o câncer.

Estas polêmicas tem se multiplicado em virtude dos inúmeros impactos gerados com o surgimento dos agrotóxicos e de seu uso intensivo, quando, após a metade do século XX, novas tecnologias associadas com o paradigma da Revolução Verde, estimularam um aumento da capacidade de produção de alimentos, promovendo riscos ambientais e à saúde humana. Mais recentemente, com a segunda Revolução Verde - a dos alimentos transgênicos, estes riscos, marcados por incertezas, foram consideravelmente ampliados.

Desde 2008, o Brasil tornou-se o maior consumidor de agrotóxicos do mundo, e o país ultrapassou os Estados Unidos, assumindo também o posto de maior mercado mundial destes produtos e; dos 50 agrotóxicos mais utilizados no país, 22 são proibidos na União Europeia, inclusive em nações onde se localizam as matrizes externas das empresas produtoras.

O uso de agrotóxicos no Brasil está associado, principalmente, às culturas de exportação, como a soja, o algodão, a cana-de-açúcar, o tabaco e algumas frutas, produzidas no modelo do agronegócio. Entretanto, não se pode subestimar o uso que é feito pela agricultura familiar, hoje responsável pela produção de grande parte das frutas e hortaliças que são consumidas.

De acordo com dados da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), 19% de todos os defensivos agrícolas produzidos no mundo são usados no Brasil. Os agrotóxicos contaminam o solo, o ar, as águas subterrâneas e superficiais, afetando os seres vivos e impactando toda a cadeia alimentar. E em dossiê publicado pela Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco), em 2015, cada brasileiro consumia em média 7,36 litros de agrotóxico por ano. No último relatório divulgado pela Anvisa (2013), verificou-se que 78% das amostras de alimentos monitoradas apresentaram contaminação por agrotóxicos, sendo que em 36% foi constatada a presença de agrotóxicos não autorizados para a cultura e/ou ultrapassagem dos limites máximos de resíduos considerados aceitáveis. E, pesquisa divulgada em 2011 pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) revelou que o uso de agrotóxicos e fertilizantes já é a segunda maior causa de contaminação da água no país, atrás somente da contaminação por esgoto doméstico.

Mas voltemos no tempo. Em 1962, Rachel Carson, no seu livro Primavera Silenciosa, já nos alertava e demonstrava como o DDT (Dicloro-difenil-tricloroetano) pode provocar cancro em seres humanos e interfere com a vida animal, causando, por exemplo, o aumento de mortalidade entre os pássaros. Carson chegou a comparar o efeito das pulverizações massivas de DDT ao de uma nova bomba atômica. Vários estudos assinalaram que o DDT estava a matar vários insetos inofensivos essenciais para os ecossistemas e o pesticida chegou a ser responsabilizado pela quase extinção de, pelo menos, uma ave, o falcão-peregrino.

Carson denunciou também a racionalidade distorcida do processo que leva os humanos a buscar respostas imediatas, mas com consequências graves a longo prazo, e a irresponsabilidade do apoio institucional à indústria química. A denúncia era calcada, sobretudo, no desconhecimento do impacto e na falta de estudos do efeito dos produtos sintéticos utilizados nas lavouras e nas cidades. Na época, os inseticidas eram considerados extremamente seletivos - argumento que lhes rendia a fama de seguros -, já que, supostamente, agiam somente sobre os organismos considerados danosos. Algo que o relato em Primavera Silenciosa e os estudos posteriores comprovaram ser um grande equívoco.

O sugestivo título do livro refere-se ao silêncio dos pássaros e dos insetos, devastados pelo uso indiscriminado dos agroquímicos - os biocidas - assim chamados pela primeira vez nessa publicação. O livro retrata uma cidade fictícia assolada por danos ambientais, que ao longo do tempo foram diagnosticados pela ambientalista. Segundo a própria autora, a cidade fantasiosa é um compêndio de urbes existentes. Os diversos danos expostos em Primavera Silenciosa demonstram o perigo do DDT), inseticida de alta toxicidade utilizado na Segunda Guerra Mundial para erradicação dos vetores de doenças nas áreas de combate.

O conceito de biomagnificação dos inseticidas, ou seja, o acúmulo e potencialização da substância ao longo da cadeia alimentar são demonstrados pelo livro. O DDT é aplicado nas lavouras e escorre para os aquíferos, onde é absorvido por pequenas algas. As algas, que apresentam uma determinada concentração do veneno, são consumidas por peixes, que apresentarão uma contaminação maior, já que a substância acumula na gordura. Peixes são consumidos por peixes maiores, que são consumidos por águias. No último nível trófico as quantidades de DDT são letais e chegam a ameaçar algumas espécies de extinção.

Dez anos após a publicação de "Primavera Silenciosa", a produção doméstica do DDT nos EUA foi proibida e criada a Agência de Proteção Ambiental Norte-Americana. Em 23 de maio de 2001, 122 países assinaram a Convenção de Estocolmo sobre poluentes orgânicos persistentes (POPs), com o objetivo de eliminar uma lista inicial de 12 substâncias tóxicas, na qual se incluía o DDT.

A multiplicação dos riscos, em especial os ambientais e tecnológicos, de graves consequências, tornam-se elemento-chave para entender as características, os limites e as transformações da modernidade. E a sociedade, produtora de riscos, se torna crescentemente reflexiva, mais autocrítica, e ao mesmo tempo em que a humanidade gera perigos, reconhece os riscos que produz e reage diante disso. O conceito de risco passa a ocupar um papel estratégico para entender as características, os limites e as transformações do desenvolvimento do sistema industrial, associado aos impactos da globalização, em um mundo pautado pela incerteza e pela reflexividade.

A reflexividade permite que reconheçamos as "incertezas manufaturadas" ou incertezas criadas pelo próprio desenvolvimento da ciência e da tecnologia, assim nomeados por resultarem da intervenção humana sobre a natureza (Giddens, 1991, 1994). Isto pode permitir que qualquer indivíduo, inserido nos mais distintos contextos, possa reconhecer que há efeitos colaterais associados ao emprego da ciência e da tecnologia.

A partir da década de 1990, as pesquisas passaram a reconhecer as incertezas relacionadas aos riscos advindos dos contaminantes químicos presentes na dieta, com destaque para os agrotóxicos, das doenças como a "vaca louca" e a gripe aviária e dos alimentos geneticamente modificados. Mais recentemente, o refinamento nos métodos analíticos corrobora com a análise de micropoluentes nos distintos compartimentos ambientais, nos alimentos e em amostras biológicas, inclusive de humanos, em frações extremamente diminutas, como partes por bilhão ou partes por trilhão. Todavia, ainda restam dúvidas, por exemplo, da periculosidade da imensa gama de poluentes com que temos contato e da possibilidade de sinergia entre determinadas substâncias que podem oferecer a potencialização de efeitos nocivos.

Os transgênicos representam um ramo de pesquisa relativamente novo (a engenharia genética), fabricantes de agroquímicos criam sementes resistentes a seus próprios agrotóxicos, ou mesmo sementes que produzem plantas inseticidas. O modelo agrícola baseado na utilização de sementes transgênicas, e o aumento dramático no uso de agroquímicos decorrentes do plantio de transgênicos é exemplo de prática que coloca em cheque o futuro dos solos e da biodiversidade agrícola.

Os transgênicos representam um duplo risco, associados as incertezas de sua utilização como material geneticamente modificado e pela possibilidade de intensificação do uso de agrotóxicos. Por sua resistência a agrotóxicos, o uso contínuo de sementes transgênicas leva também à possibilidade de resistência de ervas daninhas e insetos, o que por sua vez leva o agricultor a aumentar a dose de agrotóxicos ano a ano. Não por acaso o Brasil se tornou o maior consumidor mundial de agrotóxicos em 2008 - depois de cerca de dez anos de plantio de transgênicos - sendo mais da metade deles destinados à soja, primeira lavoura transgênica a ser inserida no País. Além disso, o uso de transgênicos representa um alto risco de perda de biodiversidade, tanto pelo aumento no uso de agroquímicos, quanto pela contaminação de sementes naturais por transgênicas.

Dentre os impactos socioambientais, as sementes transgênicas geram organismos vivos que têm a capacidade de dispersão e multiplicação no meio ambiente. A contaminação de lavouras não-transgênicas tem sido alvo de discussões importantes para o presente e o futuro da produção de alimentos, da segurança e da soberania alimentar das nações.

A difusão dos transgênicos no mundo foi marcada pela falta de rigor científico e de diálogo com a sociedade, e não existe consenso na comunidade científica sobre a segurança dos transgênicos para a saúde humana e o meio ambiente.

A possibilidade de resposta a essa crise deve emergir da sociedade de modo geral e de seu poder de adquirir uma postura reflexiva. Embora ainda pouco expressivo, o interesse e a busca por alimentos orgânicos e pela permacultura consagra uma perspectiva nesse sentido. Muito frequentemente, as pessoas que optam por outras cadeias produtivas para a produção dos gêneros que consomem estão, ao mesmo tempo, preocupadas com a própria saúde e, também, com a saúde do planeta. Para a continuidade disto, é essencial que haja crescente transparência quanto à produção e comercialização de alimentos, assim, fica claro quanto a importância de que os alimentos transgênicos sejam identificáveis.

O artigo "Agroecologia: polissemia, pluralismo e controvérsias" dos autores: Luiz Antonio Norder, Claire Lamine, Stephane Bellon e Alfio Brandenburg, analisa, com base nas experiências brasileira e francesa, as peculiaridades da Agroecologia nos campos da ciência, dos movimentos sociais, da educação e das políticas governamentais.

As autoras Laila Sandroni e Maria José Carneiro apresentam um levantamento da produção em ciências sociais que trata de ambientes onde a conservação da biodiversidade aparece como elemento central de pesquisa, apontando algumas tendências bibliográficas e lacunas do conhecimento no artigo "Conservação da biodiversidade" nas Ciências Sociais Brasileiras: uma revisão sistemática de 1990 a 2010".

Buscando identificar as percepções e expectativas dos stakeholders quanto à contribuição das organizações do terceiro setor para a educação ambiental, os autores Virgínia Talaveira Valentini Tristão e José Americo Martelli Tristão, utilizam o método Delphi para levantar de que forma os atores envolvidos entendem a educação ambiental praticada nessas organizações como uma nova proposta pedagógica no artigo "A contribuição das ONGs para a educação ambiental: uma avaliação da percepção dos stakeholders".

Com o objetivo de elucidar as estratégias utilizadas pela mídia para ambientalizar a fabricação do etanol, o autor Wendell Ficher Teixeira Assis, analisa peças publicitárias patrocinadas pelo setor sucroalcooleiro veiculadas nos principais meios de comunicação vigentes, bem aquelas publicadas pela imprensa da União Europeia e dos Estados Unidos no artigo "Justificações Midiáticas: as estratégias de ambientalização da produção de etanol através da publicidade".

No artigo "Benefícios locais da Mata Atlântica: evidências de comunidades rurais do Sul do Brasil" os autores: Gisele Garcia Alarcon, Alfredo Celso Fantini e Carlos H. Salvador, buscaram compreender como produtores rurais percebem o papel da floresta na manutenção de serviços ambientais através do estudo dessas comunidades e aplicação de questionário aos produtores.

Por meio de um estudo comparativo, os autores: Pedro Luiz Côrtes, António Guerner Dias, Maria Eduarda da Silva Teixeira Fernandes e Jorge Manuel Vieira Pamplona, analisam o comportamento de estudantes universitários frente as questões ambientais, observando os fatores que influenciam em seus discursos, posturas e opções no artigo "Comportamento Ambiental: Estudo Comparativo entre Estudantes Brasileiros e Portugueses".

Através de um levantamento de campo e da análise do índice de vulnerabilidade, os autores: Luana Portz, João Pedro De Moura Jardim, Rogério Portantiolo Manzolli e Nelson Sambaqui Gruber, identificaram os fatores que mais contribuíram para a degradação das dunas frontais da orla de Capão da Canoa, RS, no artigo "Impactos no sistema de dunas: dinâmica natural versus interferência antrópica"

No artigo "Políticas Públicas de desenvolvimento: convergências e divergências no Geoparque Bodoquena-Pantanal", os autores: Maria Cristiane Fernandes da Silva Lunas, Ademir Kleber Morbeck de Oliveira e Vera Lúcia Ramos Bononi, analisaram os objetivos implícitos e explícitos das políticas públicas planejadas para a implementação do Geoparque, a partir da perspectiva do desenvolvimento regional.

Os autores: Plínio Guimarães de Sousa, Esdras Matheus Matias e Vanice Santiago Fragoso Selva, mapearam empreendimentos turísticos imobiliários buscando identificar seus impactos na costa nordestina em contraste com o discurso ambiental dos projetos no artigo "Do turismo residencial aos complexos turísticos imobiliários: a apropriação da zona costeira do nordeste Brasileiro pela atividade turística imobiliária".

Por meio do mapeamento das atividades e projetos de MDL aprovados pela Comissão Interministerial de Mudança Global do Clima, os autores: Camila Torres, Ricardo K.S. Fermam e Isabel Sbragia, buscaram identificar as oportunidades de entrada no mercado de novas certificadoras de projetos MDL no país no artigo "Projetos de MDL no Brasil: oportunidade de mercado para empresas e para novas entidades operacionais designadas".

Ao apresentar o histórico da criação da Lei Federal de controle da produção, comércio e uso de agrotóxicos no Brasil, o artigo "A (Des)construção da agenda política de controle de agrotóxicos no Brasil", resgata a participação dos movimentos ambientalistas e analisa as principais tentativas de desconstrução e enfraquecimento dessas leis. Dos autores: Caroline da Rocha Franco e Victor Pelaez.

Através da análise de redes compostas por organizações e movimentos sociais ambientalistas que visam a proteção dos biomas brasileiros, os autores: Sonia Aguiar, Iargo de Souza Santos, Nayara Arêdes e Sóstina Silva, discorrem sobre as estruturas organizativas e os recursos informacionais e comunicativos que elas se utilizam para alcançar seus objetivos estratégicos no artigo: "Redes-bioma: informação e comunicação para ação sociopolítica em ecorregiões".

No artigo "Contribuição ao estudo de medidas para a redução da perda aparente de água em áreas urbanas" os autores: Cristina Mendes Silva, Valter Lúcio de Pádua e Jorge Martins Borges, avaliam como a proposta de substituição dos hidrômetros surge como alternativa à necessidade de melhoria da eficiência das prestadoras de serviço de abastecimento público.

Os autores: Sílvia Laine Borges, Ludivine Eloy, Isabel Belloni Schmidt, Ana Carolina Sena Barradas e Ivanilton Almeida dos Santos, pesquisaram de que forma o uso tradicional do fogo no manejo do solo, propicia a manutenção da cobertura vegetal e contribui para o processo de sucessão ecológica natural, no artigo "Manejo do fogo em veredas: novas perspectivas a partir dos sistemas agrícolas tradicionais no Jalapão".

Desejamos a todos uma boa leitura

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jul-Sep 2016
ANPPAS - Revista Ambiente e Sociedade Anppas / Revista Ambiente e Sociedade - São Paulo - SP - Brazil
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