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MUDANÇAS CLIMÁTICAS: O LONGO CAMINHO DA TEORIA À AÇÃO

Em agosto de 2016 o Brasil acolheu a XXXI edição dos Jogos Olímpicos. Na abertura do evento, foram exaltadas as raízes da nação brasileira, assim como a sua criatividade e suas belezas, principalmente naturais. O verde das florestas predominou nas várias imagens que foram transmitidas internacionalmente. Um dos pontos altos da abertura foi um chamado para o mundo sobre as mudanças climáticas. De forma central e enfática, o Brasil, pela leitura dos idealizadores do evento, mostrava por imagens e textos a necessidade de agir frente a este desafio e as novas dinâmicas em que o mundo se depara.

Esta grande celebração do esporte aproveitou os bilhões de espectadores espalhados pelo mundo para mandar uma mensagem importante: precisamos pensar sobre o futuro do planeta, e para tanto abordou a pauta do aquecimento global e a necessidade de cumprir com os compromissos assumidos contra as mudanças climáticas, destacando a emissão de gases de efeito estufa, o degelo dos polos, a elevação do nível do mar e o aumento da temperatura global.

Nos pós COP 21, mais conhecido como Acordo de Paris que reuniu 196 países no final de 2015, emerge uma nova arquitetura de governança ambiental global, que sinaliza um caminho e estimula a adesão dos governos nacionais a providenciar a adaptação à mudança e a mitigação de emissões, e que preconiza reduzir de forma significativa o uso de combustíveis fósseis e apostar nas energias renováveis. Ao reafirmar o objetivo de limitar o aumento da temperatura global em 2ºC, propõe um compromisso de corte nas emissões de CO2 e se reconhece que os países industrializados devem contribuir para a adaptação dos países em desenvolvimento, tanto monetariamente como na transferência de tecnologia. Além disso, reconhece que um processo de intensa descarbonização da economia global poderá promover um desenvolvimento verdadeiramente sustentável.

Criou-se um ambiente político mais favorável à tomada de decisão para que os objetivos assinalados formalmente sejam alcançados, entretanto, o acordo estabelece apenas as condições para que algo aconteça, mas não se definiram sequer prazos ou metas. É imperativo compreender o senso de urgência em torno de um tema cada vez mais importante para as novas gerações, em um planeta onde o desequilíbrio climático já tem provocado eventos extremos, mudança do ciclo das chuvas, elevação do nível do mar, inundação das áreas costeiras, e aumento das doenças transmitidas por mosquitos.

É interessante observar que a imagem que se cria a partir da abertura das Olimpíadas é que o Brasil está comprometido com o compromisso de enfrentar as mudanças climáticas e assim se posiciona como uma liderança na promoção de mudança no comportamento e na forma de viver das pessoas. Claro, é importante destacar que os idealizadores da abertura das Olimpíadas são artistas brasileiros renomados, pessoas reconhecidas internacionalmente e que possuem uma agenda comprometida com causas sociais e ambientais. Eles souberam aproveitar a oportunidade para mandar uma mensagem ao mundo, mas também, para o Brasil sobre como devemos agir e responder a este problema global.

Apesar da abertura ser entendida como a mensagem que o país Brasil quis passar ao mundo, isto não quer dizer que a agenda de comprometimento com as mudanças climáticas seja de fato positiva ou que não apresente contradições. Mesmo entre as nações signatárias do Acordo de Paris, que vêm assumindo compromissos fundamentais para a redução de gases de efeito estufa, ainda são muitos os exemplos de políticas e ações contraditórias com a agenda climática. China e Estados Unidos continuam sendo as nações que mais emitem gases poluentes, a Índia além de consumir grandes quantidades de combustíveis fósseis, como o carvão, emite altas concentrações de gás metano oriundo da pecuária. Pode-se citar o Japão que poderá, no curto prazo, recorrer a fontes de combustíveis fósseis após o acidente de Fukushima.

No caso brasileiro, apesar da mensagem que o país pretendeu transmitir ao mundo na abertura dos jogos Olímpicos, não se pode deixar de mencionar a proposta de flexibilização do licenciamento ambiental, que tramita no Congresso Nacional e prevê a redução do prazo de aprovação dos projetos, sem a necessidade de uma análise técnica e diálogo com a sociedade, retirando as atuais prerrogativas dos órgãos reguladores.

Reconhecendo que as mudanças climáticas são consequência do processo de modernização do planeta que levou a transformação da paisagem, destruição de florestas, savanas, mangues e a emissão de gás carbônico, a flexibilização do licenciamento ambiental irá possibilitar o retorno de práticas produtivas que degradem o ambiente e assim contribuem com a intensificação das mudanças climáticas. Destaca-se também que a principal fonte de emissão de gases no Brasil ocorre por meio da alteração do uso do solo para acolher práticas produtivas, o licenciamento ambiental deveria ser fortalecido para evidenciar o compromisso do governo com um novo modelo de produção.

A imagem proposta pela abertura das Olimpíadas contrapõe as práticas propostas por parte do setor empresarial, pelos agentes do estado e do legislativo brasileiro atualmente. O desafio hoje é alinhar essas diferentes visões e ações para que o Brasil realmente se torne referência no combate às mudanças climáticas.

Este volume de Ambiente e Sociedade, além de conter artigos sobre questões socioambientais diversas, apresenta também cinco trabalhos que analisam aspectos centrais da complexidade da problemática climática.

A partir de um estudo de caso de uma empresa produtora de óleo de palma, o artigo "Arenas Transnacionais, políticas públicas e meio ambiente: o caso da Palma na Amazônia", dos autores João Paulo Candia Veiga e Pietro Carlos Rodrigues, discute a ascensão de atores não estatais na produção de regras e normas ambientais e sociais em arenas transnacionais que escapam ao controle de governos e organizações internacionais.

Por meio da abordagem institucional no estudo da auto-organização e auto governança desenvolvida por Elinor Ostrom, os autores Márcio de Araújo Pereira, Sérgio Schneider, Jan Douwe Van Der Ploeg e Marcelino de Souza discutem a ação coletiva dos atores sociais na gestão dos recursos comuns no entorno do Parque Nacional da Serra da Bodoquena no artigo "The Collective Action on Governing the Commons in the Surroundings of Protected Areas".

A partir da análise de dados da indústria da carne em Santa Catarina/Brasil, o artigo "Ética ambiental e desenvolvimento territorial sustentável: uma análise com base na categoria de especismo", dos autores Luciano Félix Florit e Diego da Silva Grava, busca identificar territórios que evidenciam a ocorrência de Especismo desproporcionalmente intenso, relacionando-o à um processo sócio-político, econômico e simbólico.

Os autores Thayse Cristina Pereira Bertucci, Edson Pereira Silva, Aguinaldo Nepomuceno Marques Jr. e Cassiano Monteiro Neto, se utilizam de dados secundários e das discussões sobre a Ecologia Política e Educação Ambiental Crítica, para avaliarem as correlações entre o processo de desenvolvimento das cidades as margens da Lagoa e o seu impacto sobre a qualidade ambiental do ecossistema no artigo "Turismo e urbanização: os problemas ambientais da lagoa de Araruama - Rio de Janeiro".

O artigo "Gerenciamento de riscos ambientais em municípios da Região Metropolitana do Cariri - Ceará, Brasil", das autoras Ana Patrícia Nunes Bandeira, Paula Hemilia de Souza Nunes e Maria Gorethe de Souza Lima, apresenta a situação da ocupação desordenada na Região Metropolitana do Cariri, interior do Ceará, e propõe ações de gerenciamento de áreas de risco a fim de contribuir com a minimização dos desastres naturais.

Os autores Leonardo Silva Fernandes e Rosangela Garrido Machado Botelho, discutem sobre os programas de pagamento por serviços ambientais em âmbito municipal, a partir de variáveis de pesquisa nos temas: Impactos Ambientais, Aparato Institucional e Ações Ambientais, no artigo "Proposta metodológica de priorização de municípios para implantação de programas de pagamento por serviços ambientais (PSA)".

O artigo "Água: urgência de uma agenda territorial", apresenta e discute a crise de abastecimento de água e o consequente risco de racionamento em escala regional no Sudeste brasileiro nos anos de 2014 e 2015. Para tanto, os autores Gisela Aquino Pires do Rio, Helena Ribeiro Drummond e Christian Ricardo Ribeiro argumentam que não é possível compreender a crise de abastecimento e suas medidas emergenciais como exclusivamente relativas ao controle e redução de vazão, e que novas espacialidades territoriais estão emergindo e impondo ajustes à gestão das águas.

A partir de uma análise etnográfica, os autores Pedro Tomé e Miguel Ángel Casillas analisam o conflito social em Temacapulín, uma aldeia de Jalisco/México, que se levantou contra o desejo do governo em construir uma mega barragem para levar água para cidades remotas, com o desaparecimento de pessoas e a deslocação forçada de seus habitantes no artigo "Escondidos, desplazados, olvidados: la construcción de la presa de El Zapotillo en Jalisco, México".

Os autores Gilles Massardier, Franck Poupeau, Pierre-Louis Mayaux, Delphine Mercier e Joan Cortinas, propõem uma abordagem analítica para conflitos e elaboração de políticas relacionadas com a gestão das águas urbanas com base em coligações políticas multi-nível no artigo "Multi-level policy coalitions: An interpretative model of water conflicts in the Americas". Para tanto, são articuladas quatro questões principais: o reposicionamento das lutas sociais e políticas para o acesso à água, a análise dos efeitos de transição ecológica, a reincorporação dessas lutas e os desafios no contexto de uma abordagem multi-nível e a pesquisa relativa à formulação contemporânea das políticas públicas.

Seção Especial

Por meio de pesquisa bibliográfica e documental e ancorada em autores da Teoria Política e da Sociologia que tematizam as categorias de cidadania, direitos humanos e soberania, o artigo "Tuvaluanos desassistidos globalmente em face da mudança climática: documentos oficiais, direitos humanos e o "não futuro"?", dos autores Patricia Benedita Aparecida Braga e Fabio Lanza, buscou refletir sobre o caso tuvaluano frente à mudança climática a partir de uma nova perspectiva analítica que considera como atuais e em andamento os impactos ambientais advindos das mudanças climáticas na região.

Os autores João Guerra e Luísa Schmidt analisam a correspondência entre o discurso e prática dos objetivos de Desenvolvimento Sustentável e a COP21 no sentido de reforçar as estratégias de envolvimento e comprometimento universal a qual se propõem no artigo "Concretizar o Wishfull Thinking - dos ODS à COP 21".

No artigo "Procesos de toma de decisiones y adaptación al cambio climático" os autores Eduardo Bustos Sandoval e Sebastián Vicuña Diaz, discutem a necessidade de rever os processos envolvidos na tomada de decisão tendo em vista a adaptação às alterações climáticas a fim de desenvolver processos que possam abrir caminho para lidar com os impactos futuros esperados ou reduzir a vulnerabilidade atual para o clima, gerando sistemas mais resilientes.

Os autores Pedro Roberto Jacobi e Roberta de Assis Maia analisam, no contexto das mudanças climáticas, os fatores que tem impacto na relação entre ciência e política e a forma de superar os obstáculos colocados pela complexidade dos problemas socioambientais contemporâneos, enfatizando os fatores ativadores e mobilizadores nesse contexto, no artigo "Desafíos y Estrategias para Fortalecer las Relaciones entre Ciencia y Política en Relación al Cambio Climático".

Por fim, o autor Daniel Ryan, no artigo "Diseño de la Institucionalidad Climática: Aportes para el análisis" explora os desafios, limitações, vantagens e desvantagens da criação de instituições governamentais encarregadas da agenda climática no contexto da América Latina.

Desejamos à todos uma ótima e proveitosa leitura.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Oct-Dec 2016
ANPPAS - Revista Ambiente e Sociedade Anppas / Revista Ambiente e Sociedade - São Paulo - SP - Brazil
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