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EDITORIAL N° 1/2019. CIÊNCIA INTERDISCIPLINAR CRÍTICA, CRISES E DESASTRES

No ano de 2019, a Revista Ambiente & Sociedade mantém o formato de volume anual com uma renovada secretaria executiva editorial. Com o desafio de dar continuidade a nossa política editorial, no nosso 22º ano de existência buscamos ampliar nosso alcance tanto para o público nacional quanto para o internacional.

Entretanto, cabe enfatizar para nossos leitores que vivemos uma realidade nacional na qual a ciência sofre um estrangulamento orçamentário sem precedentes, passando por um processo de abandono e desmonte das suas instituições geradoras de conhecimento (NEHER, 2019NEHER, Clarissa. O desmonte da ciência brasileira. DW, Brasil, 2019. Disponível em: <https://p.dw.com/p/3GJPr>. Access in: 08 april 2019.
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). Os drásticos cortes realizados recentemente nos orçamentos de Ciência, Tecnologia e Inovação, que já estavam em níveis muito baixos, colocam o Brasil na contramão da história. Essa redução drástica atinge diretamente Ambiente e Sociedade na medida em que não conta com a concessão de apoio financeiro do CNPq, fazendo com que a revista tenha que se manter com recursos próprios.

Em virtude desta realidade, e para garantir a sua continuidade com a qualidade reconhecida nos meios científicos nacional e internacional, a revista vai alterar seu modelo de pagamento por submissão. Além da taxa de submissão de R$ 300,00, vigente a partir de 2019, será cobrado um valor adicional de R$ 500,00 (Quinhentos Reais) para os artigos aprovados para publicação, após o processo de avaliação. Essa cobrança será feita para os artigos que forem submetidos a partir de 01 de maio de 2019. A taxa adicional complementará os custos de produção que incluem a estrutura de funcionamento em suas diversas etapas: secretaria executiva editorial, revisão, diagramação e produção editorial. Destaca-se que as fases de desk review, do acompanhamento dos editores associados, a contribuição dos pareceristas e demais atividades do corpo editorial são realizadas por um corpo acadêmico formado por docentes de diversas universidades brasileiras e estrangeiras, pesquisadores doutores e pós-doutores que colaboram de forma voluntária e não remunerada.

Nota-se, por exemplo, que instituições públicas de fomento científico internacionais, como algumas europeias, vêm estimulando e, por vezes, exigindo que os resultados de pesquisas por elas financiados sejam publicados em periódicos de acesso aberto. O termo mais utilizado internacionalmente para essa modalidade têm sido “open access”, que está fortemente associado a ascensão de uma modalidade crescente de serviços providos por grupos editoriais privados, que em suma, cobram taxas de publicação, porém em uma lógica corporativa. O modelo que prevalece em Ambiente & Sociedade se diferencia por apenas solicitar custeio essencial para despesas editoriais, não havendo, portanto, interesse de grupos privados. Assim, têm-se a reprodução de uma prática editorial comprometida única e exclusivamente com a divulgação científica de qualidade, de acesso livre e fortemente apoiada por instituições públicas. Dessa forma, reforçamos nosso compromisso para assegurar a visibilidade e o acesso universal à literatura científica, assim como demais periódicos disponíveis na plataforma SCIELO, dentro de um modelo de publicação eletrônica cooperativa de periódicos científicos via internet.

E é com esta colaboração e compromisso de todo o corpo editorial da Revista Ambiente & Sociedade que apresentamos os conteúdos deste novo volume. Assim como na edição anterior, a sistemática de inclusão de artigos aprovados nas diferentes seções da Revista (textos originais, Temas em Destaque, entre outras) será feita ao longo do ano até o mês de novembro. Assim, além dos artigos apresentados nesta edição, nos seguintes meses serão publicados novos artigos correspondentes ao Volume Anual 2019, contemplando todas as seções disponíveis.

O Tema em Destaque de 2019 é “Oceanos”, e para 2020 foi definido o tema “Urbanização, planejamento e mudanças climáticas”, destacando como debate central o papel das mudanças climáticas e seus impactos nas dinâmicas espaciais, em especial relacionadas com a urbanização e a globalização, e nos processos de planejamento dos territórios.

Os editores de Ambiente e Sociedade não podiam deixar de abordar o fato que o ano de 2019 também se iniciou com a tragédia socioambiental de Brumadinho que provocou mais de 230 pessoas mortas e dezenas de desaparecidos (G1 MINAS, 2019), revelando assim os graves problemas do modelo privatista da exploração mineral, refletido na multiplicação de situações de alto risco. Riscos gerados não apenas pelas barragens que ainda se mantêm, comissionadas ou descomissionadas, mas também pela toxicidade da lama, que gera nas comunidades afetadas preocupações e incertezas sobre a contaminação de terras, das suas fontes de água e a possível contaminação de alimentos produzidos nessas áreas (ZHOURI et al., 2016ZHOURI, Andréa; VALENCIO, Norma; OLIVEIRA, Raquel; ZUCARELLI, Marcos; LASCHEFSKI, Klemens; SANTOS, Ana F. O desastre da Samarco e a política das afetações: classificações e ações que produzem o sofrimento social. Cienc. Cult., São Paulo , v. 68, n. 3, p. 36-40, Sept. 2016. Disponível em: <http://cienciaecultura.bvs.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0009-67252016000300012&lng=en&nrm=iso>. Access in: 08 april 2019. DOI: http://dx.doi.org/10.21800/2317-66602016000300012.
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). Após o desastre da barragem da Samarco em 2015, medidas deveriam ter sido implementadas para prevenir colapsos de outras barragens; no entanto, estas ações foram negligenciadas, levando à morte de pessoas e provocando graves desastres socioambientais.

O desastre que ocorreu na cidade de Mariana (MG) deixou 19 pessoas mortas, parte significativa da Bacia do Rio Doce contaminada por dejetos e mais de 1200 pessoas desabrigadas e com graves impactos nas suas condições de sobrevivência econômica (G1 MINAS, 2016G1 MINAS. Rompimento de barragem da Samarco, em Mariana, completa um mês. G1 Minas Gerais, 2016. Disponível em: <http://especiais.g1.globo.com/minas-gerais/2015/desastre-ambiental-em-mariana/1-mes-em-numeros/> Access in: 08 april 2019.
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; RIBEIRO; FERNANDES, 2016 RIBEIRO, Bruno; FERNANDES, Marcio. Desabrigados pela lama enfrentam preconceito e desconfiança em Mariana. Estadão, 2016. Disponível em: <https://brasil.estadao.com.br/noticias/geral,desabrigados-pela-lama-enfrentam-preconceito-e-desconfianca-em-mariana,10000085277> Access in: 08 april 2019.
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), o que era um sinal de alerta para a toda a região de mineração em Minas Gerais.

Apesar disso, fica evidente - pelos acontecimentos posteriores - que acreditou-se que o desastre de Mariana era uma ocorrência eventual. Novos procedimentos de segurança não foram internalizados pelas empresas de mineração e um novo marco regulatório tramitou muito lentamente no legislativo mineiro. Somente um mês após o desastre de Brumadinho é que o Governo de Minas aprovou a Política Estadual de Segurança de Barragens em Minas Gerais (MINAS GERAIS, 2019). Mas, a Agência Nacional de Mineração ainda mostra dificuldades com a falta de equipe e de orçamento para incrementar a fiscalização das barragens (JUCÁ, 2019JUCÁ, Beatriz. Responsável por fiscalizar barragens, ANM já admitiu falta de verba para vistorias “in loco”. El País, 2019. Disponível em: <https://brasil.elpais.com/brasil/2019/02/07/politica/1549559820_961591.html> Access in: 08 april 2019.
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).

Após o rompimento da barragem localizada no Córrego do Feijão, a área total da mancha de detritos contaminados ocupa oito km2 de um total aproximadamente de 640 km². O rio Paraopeba se transformou num rio tóxico por mais de 300 km, sendo a região mais impactada com o despejo de 14 mil toneladas de rejeitos de minério nos arredores Análises levantadas em diferentes pontos do rio mostram que suas águas se tornaram impróprias para diversos usos como o abastecimento público, irrigação de alimentos e dessedentação de animais. Em todos os pontos de coleta analisados, as concentrações microbiológicas apresentam valores muito acima dos permitidos pela legislação vigente. Componentes de metais pesados como ferro, cobre, manganês e cromo são encontrados na água numa concentração acima dos limites máximos definidos por lei. Estas quantidades são nocivas ao ambiente, à saúde humana, à fauna, aos peixes e aos organismos vivos, em toda a extensão do rio Paraopeba (SOS MATA ATLÁNTICA, 2019SOS MATA ATLANTICA. Observando os rios: O retrato da qualidade da água na bacia do rio Paraopeba após o rompimento da barragem Córrego do Feijão - Minas Gerais. 2019. Disponível em: <https://www.sosma.org.br/wp-content/uploads/2019/03/Expedicao-Paraopeba_Relatorio.pdf> Access in: 08 april 2019.
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).

Trata-se de crime ambiental que revela os graves problemas do modelo privatista da exploração mineral, gerador de irreversíveis impactos e incremento de situações de alto risco. O que se observa é que as empresas trabalham numa perspectiva na qual o lucro prevalece sobre a segurança. Com avaliações pós-desastre, nesta era em que se ampliam argumentos neoliberais para desregulamentação e financeirização, se verifica a proposta ou a adoção de medidas mais baratas que reproduzem as estruturas e mecanismos predatórios regentes da concorrência capitalista, em detrimento do médio ambiente e a saúde humana.

Portanto, existe uma necessidade urgente de revisão do modelo existente no setor mineração. Neste cenário, revela-se de extrema importância o entendimento do setor da mineração sobre a importância do monitoramento e fiscalização de forma sistemática e continuada por equipes técnicas qualificadas em benefício do interesse público.

Os crimes ambientais de Mariana e Brumadinho destacam a importância de se abordar a questão do licenciamento ambiental no Brasil. Ao contrário do que propôs o Governo Federal sobre a flexibilização do licenciamento ambiental, verifica-se a necessidade de melhorar e aperfeiçoar esse importante instrumento, sempre aliado a uma fiscalização cada vez mais eficiente.

Às críticas sobre uma eventual demora em tramitar os pedidos de licenciamento é necessário contrapor o número reduzido de equipes técnicas qualificadas (o que acaba afunilando os trabalhos de análise). Sintomaticamente, todas as manifestações que defendem um licenciamento mais expedido e leniente nunca vieram acompanhadas de solicitações de verbas para ampliação dessas equipes.

De modo geral, diante destes desastres e de suas consequências ampliadas, das dúvidas nas situações causais e nas responsabilizações necessárias, cabe reiterar, quanto ao papel da produção de crítica acadêmica e sua respectiva divulgação, que estejam isentas de permeabilidade por interesses financeiros e realmente comprometidas com a sociedade.

Após esta breve reflexão, convidamos a todos para desfrutar das leituras durante todo o ano de 2019, não sem antes agradecer a toda a equipe editorial da Revista Ambiente & Sociedade que, com rigor acadêmico e qualidade, faz possível a continuidade da publicação de artigos com discussão interdisciplinar.

Abrindo o novo volume anual, os autores: Éric Cesar Pagliarini, Vanessa Menezes Oliveira e Evaldo Luiz Gaeta Espindola apresentam e discutem os resultados da aplicação do método de Avaliação de Risco Ecológico (ARE) para a valoração da probabilidade de ocorrência de efeitos adversos em águas de abastecimento do município de Bom Repouso (MG), no artigo: Aplicação da Análise de Risco Ecológico (ARE) para avaliação de impactos em ecossistemas aquáticos naturais.

No artigo Proposta de um sistema para o monitoramento de parques urbanos em fundos de vale, os autores: Larissa Fernanda Viera Martins, Luis Antonio Bittar Venturi e Giovanna Belem Wingter, apresentam os resultados da aplicação de um protocolo para o monitoramento de parques urbanos, baseado em indicadores de duas categorias: i) conservação e; ii) uso público. Este protocolo foi aplicado no Parque Nascentes do Belém, em Curitiba-Paraná.

Os autores Rafaela Vieira, Gabriela Schmidt e João Marcos Bosi Mendonça de Moura, no artigo: Política pública urbana de gestão de riscos de desastres naturais em Blumenau-SC: processos e ações, realizam uma análise sobre os órgãos públicos municipais responsáveis pela gestão de riscos de desastres, assim como das ações e ideias relatadas pelos representantes dos órgãos pesquisados, sobre a temática dos riscos de desastres naturais.

Por meio de estudo bibliográfico e entrevistas semiestruturadas, o artigo: Educação diferenciada e turismo de base comunitária nos territórios Caiçaras de Paraty (RJ), dos autores: André Loureiro Ribeiro Barros e Camila Gonçalves de Oliveira Rodrigues, discute o processo de construção da educação escolar diferenciada e sua contribuição para o desenvolvimento do turismo nas comunidades caiçaras da Praia do Sono e do Pouso da Cajaíba.

No artigo: Delineamento participativo do Protocolo de Monitoramento da pesca artesanal da comunidade de Tarituba, Paraty, RJ, as autoras: Ana Carolina Esteves Dias e Cristiana Simão Seixas, analisam o processo de elaboração do protocolo de monitoramento na comunidade, experimentando um método pioneiro no Brasil, SocMon. O monitoramento visa a sustentabilidade da pesca local buscando solucionar conflitos resultantes da restrição a essa atividade participativa da pesca artesanal.

Com base no estudo de caso da comunidade Caiçara de Martin de Sá, em Rio de Janeiro, os autores: Laura Sinay, Maria Cristina Fogliatti de Sinay e Gabriel Aguiar de Araújo, descrevem quinze anos (2000 - 2015) de mudanças no modo de pensar e no estilo de vida da comunidade, influenciadas, dentre outros fatores, pela implantação de unidades de conservação da natureza e pelo turismo; no artigo: Povos tradicionais, áreas protegidas e turismo: um caso brasileiro de 15 anos de mudança cultural.

Os autores: Maria Accioly Dias e Carlos Frederico Bernardo Loureiro, no artigo: Uma abordagem sistêmica da sustentabilidade - A interconexão de suas dimensões nas práticas das ecovilas, analisam de que forma são trabalhadas as diferentes dimensões da sustentabilidade nas práticas das ecovilas. Eles concluem que a chamada “sustentabilidade social” (incluindo-se aspectos políticos, econômicos e culturais) envolve desafios muito mais significativos que a chamada “sustentabilidade ecológica”.

Finalmente, no artigo: Desassoreamento de rios: quando o poder público ignora as causas, a biodiversidade e a ciência, os autores: Welber Senteio Smith, Fabio Leandro Silva e Renata Cassemiro Biagioni, expõem a falta de critérios técnicos para a execução de dragagem dos sedimentos depositados no leito do Rio Sorocaba, os impactos para a biota aquática e a real necessidade desta intervenção. A intenção é detalhar as causas das inundações urbanas e discutir como o poder público deve proceder.

Para culminar este editorial, anunciamos o início de uma nova seção denominada: “Narrativas e Reflexões”. Neste novo espaço, convidamos à comunidade acadêmica e sociedade civil organizada a compartilharem textos curtos sobre questões socioambientais que demandem um profundo e urgente processo reflexivo baseado em experiências próprias ou de pesquisa, sobretudo em campo. Exige-se que estes textos contenham uma argumentação sólida e robusta, mas dispensando a rigorosidade da pesquisa acadêmica. Para esta edição, o texto: O que aprendemos com Mariana? A importância de nomes, lugares e afetos, dos autores: Nadja Araújo, Keila Carnavalli, Leticia Barbosa, Nathalia Silva, Patrícia Barcelos, Raphael Saldanha, Teresa Neves e Vinicius Klein, apresentam uma reflexão sobre esta tragédia após sua visita às comunidades afetadas pelo rompimento da barragem de Mariana-MG.

Desejamos a todos uma boa leitura!

References

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    23 Maio 2019
  • Data do Fascículo
    2019
ANPPAS - Revista Ambiente e Sociedade Anppas / Revista Ambiente e Sociedade - São Paulo - SP - Brazil
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