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EDITORIAL N° 2/2019 NATUREZA EM DECLÍNIO: A ADVERTÊNCIA DO RELATÓRIO IPBES SOBRE EXTINÇÃO DE ESPÉCIES

Entre 29 de abril e 4 de maio foi aprovado novo resumo do relatório da Plataforma Intergovernamental de Políticas Científicas sobre Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos (IPBES) pelo Plenário do IPBES em Paris4 4 . Summary for policymakers of the global assessment report on biodiversity and ecosystem services of the Intergovernmental Science-Policy Platform on Biodiversity and Ecosystem Services. Disponível em: <https://www.ipbes.net/sites/default/files/downloads/spm_unedited_advance_for_posting_htn.pdf> Acesso em: 06 jun 2019. . Trata-se de relatório produzido com colaboração de 145 autores especialistas de 50 países nos últimos três anos, com contribuições de outros 310 autores.

O documento avalia as mudanças nas últimas cinco décadas, fornecendo uma visão abrangente da relação entre os caminhos do desenvolvimento econômico e seus impactos na natureza. Também oferece vários cenários possíveis para as próximas décadas.

A conclusão é que a natureza está em declínio em um ritmo sem precedentes na história humana, com taxas aceleradas de extinção de espécies e com graves impactos para as pessoas ao redor do mundo.

A declaração do Presidente do IPBES, Sir Robert Watson, é muito preocupante na medida que, nas suas palavras, “[a] saúde dos ecossistemas dos quais nós e todas as outras espécies dependem está se deteriorando mais rapidamente do que nunca (...). Estamos erodindo as próprias fundações de nossas economias, meios de subsistência, segurança alimentar, saúde e qualidade de vida em todo o mundo” (O GLOBO, 2019).

O relatório foi produzido a partir de revisão sistemática de cerca de 15.000 fontes científicas e governamentais, e pela primeira vez, inclui conhecimentos dos Povos Indígenas e Comunidades Locais.

Outra conclusão apresentada pelo relatório é que cerca de 1 milhão de espécies animais e vegetais estão ameaçadas de extinção, sendo mais de 40% das espécies de anfíbios, quase 33% dos corais e mais de um terço de todos os mamíferos marinhos. Muitas destas espécies correm o risco de desaparecerem nas próximas décadas. Uma taxa de extinção nunca vista na história da humanidade. Também mostra que a abundância média de espécies nativas na maioria dos principais habitats terrestres caiu em pelo menos 20%, principalmente, desde 1900.

Também aponta que pelo menos 680 espécies de vertebrados foram levadas à extinção desde o século XVI, e mais de 9% de todas as raças domesticadas de mamíferos usados ​​para alimentação e agricultura foram extintas em 2016. Além desses números, se estima que pelo menos, mais de 1.000 raças encontram-se ainda ameaçadas.

O relatório apresenta dados que mostram que desde 1980, as emissões de gases do efeito estufa dobraram -elevando a temperatura média global em pelo menos 0,7 graus Celsius- e que a mudança climática afeta desde a natureza do ecossistema até a sua genética.

Destaca ainda a importância dos nexos, abordagens integradas e intersetoriais de gestão que enfatizem as compensações da produção de alimentos e energia, infraestrutura, manejo de água doce e costeira, assim como a conservação da biodiversidade.

Baseado nestes dados, o relatório mostra que este quadro de perda de biodiversidade ameaça boa parte dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) fixados pelas Nações Unidas, e identifica e classifica, pela primeira vez, os cinco fatores que mais contribuem globalmente para as mudanças na natureza, que também se aceleraram nos últimos 50 anos, segundo as pesquisas. O primeiro refere-se às mudanças no uso da terra e do mar: três quartas partes do meio terrestre e cerca de dois terços do marinho se encontram “significativamente alterados” pela ação humana. Um segundo fator é a exploração de organismos - 33% dos recursos pesqueiros marítimos eram explorados em níveis insustentáveis em 2015. O terceiro, com impacto cada vez maior, amudança climática. O quarto fator é a poluição - o rejeito plástico - que decuplicou desde 1980. E, finalmente, as espécies exóticas invasoras, cuja presença cresceu 70% desde 1970, em pelo menos 21 países.

Segundo pesquisadores que participaram da elaboração do relatório, as tendências negativas na natureza continuarão até 2050. Apesar do progresso nas políticas de preservação, se considera que as metas globais para conservar e usufruir da natureza de forma sustentável não poderão ser alcançadas nas trajetórias atuais. Destacam que as metas até 2030, e para além deste período, poderão ser alcançadas apenas por meio de mudanças transformadoras e de fatores políticos e tecnológicos.

No Brasil, segundo dados de 2014 do Ministério do Meio Ambiente, as espécies ameaçadas somam 3.286, sendo 1.173 de fauna5 5 . MMA em Números. Biodiversidade - Fauna. Disponível em: <http://www.mma.gov.br/mma-em-numeros/biodiversidade> Acesso em: 06 jun 2019. e 2.113 de flora6 6 . MMA em Números. Biodiversidade - Flora. Disponível em: <http://www.mma.gov.br/mma-em-numeros/biodiversidade-flora> Acesso em: 06 jun 2019. . Deste total, 316 são espécies sem nenhum tipo de instrumento oficial de proteção. Isto é, não estão em Unidades de Conservação, não têm Plano de Ação Nacional e não estão incluídas em nenhuma outra medida de proteção (MENEZES, 2019MENEZES, Mariana. Segundo relatório do IPBES, 1 milhão de espécies está em risco. WWF Brasil, 2019. Available at: < https://www.wwf.org.br/informacoes/sala_de_imprensa/?uNewsID=70942 > Accessed on: 06 Jun 2019.
https://www.wwf.org.br/informacoes/sala_...
).

Após esta breve reflexão sobre o relatório do IPBES, que apresenta cifras impactantes sobre a aceleração do declínio da biodiversidade no planeta, que vem afetando as funções da natureza, convidamos a todos para a leitura dos novos artigos publicados correspondentes ao Volume Anual 2019.

Em consonância com a nossa política de gratuidade para o acesso aos artigos, publicados tanto na linguagem original e traduzidos aos inglês, convidamos a nossos leitores a contribuir na sua multiplicação por diversas mídias nacionais e internacionais, com o objetivo de ampliar o alcance dos trabalhos que acompanham este editorial e que contribuem, com qualidade, ao debate socioambiental. Como sempre, agradecemos a toda a equipe editorial da Revista Ambiente & Sociedade pela sua fundamental contribuição para garantir a continuidade da publicação.

Abrindo este novo grupo de artigos, apresentamos nossa seção Temas em Destaque, este ano com o tema “Oceanos”, que traz o artigo Espaços Marítimos e sua Geografia. Neste trabalho, a autora Gisela Aquino Pires do Rio apresenta um conjunto de temas relevantes na agenda de pesquisa sobre espaços marítimos: a) circulação; b) fronteiras e limites; c) recursos; e d) meio ambiente, vinculados a questões mais amplas como redes e fluxos internacionais, regulação espacial, conflitos e tensões, vulnerabilidade de zonas de interface terra-mar.

Como artigos originais, a autora Leandra Regina Gonçalves, no trabalho: O poder escuta a ciência? O caso da ICCAT e do atum azul (2004-2014), analisou o papel e a influência da ciência e das comunidades epistêmicas nas decisões políticas na ICCAT para o manejo do atum azul do atlântico, de 2004 a 2014. Este caso ilustra uma situação que, em um contexto de crise e cheio de incertezas, os tomadores de decisão recorreram e aceitaram o aconselhamento dos cientistas, o que resultou em um manejo da pesca mais eficaz.

No artigo: Território(s) da “favela” e conflitos socioambientais: na Comunidade Arvoredo, Florianópolis-SC, os autores Cristienne Magalhães Pereira Pavez; Mário Jorge Cardoso Coelho Freitas e Vera Lúcia Nehls Dias, identificam as formas de territorialização na Comunidade do Arvoredo (Favela do Siri) e como elas se constroem nos conflitos sociais e ambientais vividos pelos seus moradores, cuja ocupação é situada em uma APP - Área de Preservação Permanente.

As autoras Greici Maia Behling e Vanessa Hernandez Caporlingua, no artigo Educação Ambiental Crítica e a transição paradigmática do Direito Ambiental na desobjetificação dos animais, debatem a nova possibilidade paradigmática de Direitos Animais a partir das teorias animalistas, com as contribuições trazidas pela Educação Ambiental Crítica e com os desafios éticos advindos de aceitar animais como sujeitos de direito e limitadores da própria Educação Ambiental Crítica.

Por meio de duas revisões integrativas, o artigo: Gestão das águas: limitações e contribuições na atuação dos comitês de bacias hidrográficas brasileiros, dos autores Larissa de Lima Trindade e Luiz Fernando Scheibe, conclui que, na maioria dos casos, estes grupos não conseguem contribuir efetivamente para o propósito de sua criação por diversos fatores. No entanto, como contribuições destacam-se sua atuação em ações de educação ambiental e seu potencial para maior participação social na gestão hídrica.

Com base na avaliação de 614 famílias localizadas nas áreas rurais da província de Cartago na Costa Rica, durante os anos de 2014 até 2016, os autores Silvia M. Soto-Córdoba, Lilliana Gaviria-Montoya e Macario Pino-Gomez, do artigo Estudo de caso: Eliminação de águas residuais domésticas em áreas rurais da Costa Rica, verificaram que em 100% das comunidades, a água cinza é despejada diretamente em rios circundantes sem tratamento e o 87% das águas negras é tratada em tanques sépticos.

Os autores Denise de Castro Pereira; Paulo Vitor Siffert; Patrícia Generoso Tomás Guerra; Liliane de Oliveira Guimarães e Paula Pessoa de Castro Gentil, no artigo Irresponsabilidades organizacionais ou ausência de governança territorial? Reflexões sobre gestão ambiental no Projeto Minas-Rio, analisam as dimensões sociais e organizacionais do licenciamento ambiental e implantação do projeto minerário Minas-Rio, discutindo fragilidades metodológicas e gerenciais evidenciadas pelas denúncias de irregularidades, conflitos socioambientais e falhas de planejamento.

Baseado nas notícias dos sites dos Comitês de Bacias do Sistema Cantareira (Comitês Alto Tietê e Piracicaba, Capivari e Jundiaí -PCJ) e da Rede Brasil de Organismos de Bacias Hidrográficas (Rebob), o artigo: Informação da crise da água em São Paulo ofertada pelos Comitês de Bacias Hidrográficas, dos autores Jane M. Mazzarino; Luciana Turatti; Sabrina T. Petter; Denise B. Scheibe e Rodrigo M. Marques, problematiza a forma de abordagem da crise hídrica de São Paulo pelos comitês.

Finalmente, os autores Pedro Henrique Campello Torres; Ruth Ferreira Ramos e Leandra Regina Gonçalves, no artigo: Conflitos ambientais na Macrometrópole Paulista: Paranapiacaba e São Sebastião, analisam estes dois casos, relacionados tanto ao desenvolvimento territorial quanto à instalação de grandes empreendimentos logísticos, verificando seu enquadramento na lógica de planejamento e visão do Estado, assim como as reações da sociedade civil aos impactos destes empreendimentos.

Desejamos a todos uma boa leitura!

References

  • 4
    . Summary for policymakers of the global assessment report on biodiversity and ecosystem services of the Intergovernmental Science-Policy Platform on Biodiversity and Ecosystem Services. Disponível em: <https://www.ipbes.net/sites/default/files/downloads/spm_unedited_advance_for_posting_htn.pdf> Acesso em: 06 jun 2019.
  • 5
    . MMA em Números. Biodiversidade - Fauna. Disponível em: <http://www.mma.gov.br/mma-em-numeros/biodiversidade> Acesso em: 06 jun 2019.
  • 6
    . MMA em Números. Biodiversidade - Flora. Disponível em: <http://www.mma.gov.br/mma-em-numeros/biodiversidade-flora> Acesso em: 06 jun 2019.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    26 Ago 2019
  • Data do Fascículo
    2019
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