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O QUE INDICAM OS INCÊNDIOS NA AUSTRÁLIA - REFLEXÕES SOBRE SEUS ALCANCES

Este primeiro editorial de 2020 aborda os incêndios devastadores na Austrália desde 2019, que resultam da combinação de secas e ondas de calor como efeito das mudanças climáticas. O fogo na Austrália é histórico, faz parte do regime do bioma australiano e pode ocorrer de forma natural, principalmente por raios, assemelhando-se em muitas características ao Cerrado Brasileiro.

O PNUMA - Programa da ONU para o Meio Ambiente revela que a temperatura média global está agora 1,1°C mais alta que no início do século XX. Isto ocasiona temperaturas mais altas em várias partes do planeta, provocando condições mais secas, e o aumento da probabilidade e a intensidade de incêndios florestais e megaincêndios.

De acordo com a OMM - Organização Mundial de Meteorologia, o ano de 2019 foi o segundo mais quente já registrado, sendo que na década passada verificou-se uma diminuição das quantidades de gelo, níveis recordes da subida do mar, acidificação dos oceanos e condições climáticas extremas.

A OMM também observa que o ano de 2020 começou da mesma forma que 2019 terminou, e destacou a situação da Austrália, que teve o ano mais quente e seco já registrado, o que teria contribuído para os enormes incêndios florestais que foram arrasadores para pessoas, propriedades, vida selvagem, ecossistemas e meio ambiente.

A crise climática tem sido apontada como a principal responsável por diversos eventos extremos, como a inundação em Veneza, o ciclone Idai em Moçambique em 2019 e os incêndios na Califórnia em 2018, dentre outros.

O desmatamento, o aquecimento global do qual decorrem as mudanças climáticas e o risco de incêndios florestais estão diretamente conectados, como reflexo do efeito de retroalimentação, na medida em que os incêndios aumentam a concentração dos gases estufa na atmosfera.

Segundo o Greenpeace, todos os anos, cerca de 8 bilhões de toneladas de CO2 são liberadas por incêndios. Isso equivale a cerca da metade das emissões causadas pela queima de carvão em todo o mundo. Os incêndios na Austrália já liberaram metade do volume de CO2 que o país produziria durante um ano típico.

Os dados sobre os incêndios na Austrália mostram que mais de 10 milhões de hectares queimaram na segunda semana de janeiro de 2020, causando mortes humanas e de um número ainda incalculável de animais. Pesquisadores da Universidade de Sydney estimaram que mais de 1,5 bilhão de animais morreram em incêndios em todo território. Este número inclui mamíferos, aves e répteis. Os focos dos incêndios se concentraram na região leste do país, sendo a situação no estado de Nova Gales do Sul considerada a mais grave.

Para os cientistas, os incêndios sem precedentes podem levar várias espécies da fauna e flora à extinção e a perdas relativas a uma década de conservação, podendo não haver a possibilidade de recuperação para algumas delas.

De fato, o número exorbitante de animais mortos dos incêndios florestais impacta não apenas a vida selvagem da Austrália, mas também a biodiversidade do mundo, graças ao elevado número de espécies endêmicas dessa região. A megafauna, como cangurus, e fauna média, como coalas, têm tido destaque, mas outras espécies podem ter sido muito mais afetadas com risco de extinção.

Dados apresentados em reportagem do The Guardian em janeiro de 2020, mostram que os incêndios florestais não apenas queimam animais até a morte, mas também os matam de fome, pois as aves perdem seus locais de nidificação, frutos e invertebrados dos quais se alimentam, e os mamíferos que sobrevivem ficam em uma paisagem aberta e descampada, sem nenhum lugar para se esconderem, virando presas fáceis para gatos e raposas selvagens.

Mas a Austrália não é o único país com incêndios florestais. Em 2019, a plataforma online de vigilância Global Forest Watch Fires (GFW) contabilizou em todo o mundo mais de 4,5 milhões de incêndios com ao menos um quilômetro quadrado de área. Isso representa um total de 400 mil incêndios a mais que em 2018.

A Austrália é normalmente quente e seca no verão, mas as mudanças climáticas, que trazem períodos mais longos e mais frequentes de calor extremo, agravam essas condições e tornam a vegetação mais seca e com maior probabilidade de queimar. A metade sul da Austrália experimentou um dos períodos mais secos de sua história, de janeiro a agosto. Esta extensão de períodos do que se convencionou denominar de eventos extremos, a seca, combinada com um inverno com recordes de calor, proporcionou o cenário ideal para que as chamas se alastraram pela vegetação.

A catástrofe dos incêndios também chamou a atenção para o fracasso do governo australiano em reduzir as emissões de dióxido de carbono, responsável por reter o calor na atmosfera.

Mesmo com o aumento das emissões, o país, atualmente governado por uma coalizão conservadora, tem dificuldade em chegar a um consenso político sobre políticas de energia e mudanças climáticas, pois essas políticas, em parte, são influenciadas pela longa história de mineração da Austrália e seu poderoso lobby de carvão.

Cabe esclarecer que não há comparação entre os incêndios na Austrália e na Amazônia, pois, ao contrário da Austrália, os incêndios na floresta amazônica não são naturais, mas sim provocados principalmente pela ação humana, como parte do processo de desmatamento.

Concluímos observando que estes incêndios impactam a biodiversidade e os ecossistemas. Cabe destacar que o PNUMA alerta que a biodiversidade está em declínio acentuado, com impactos em ecossistemas vitais. Portanto, na medida em que a biodiversidade terrestre do mundo está concentrada nas florestas, que abrigam mais de 80% de todas as espécies terrestres de animais, plantas e insetos, isto também se reflete na produção global de alimentos. Quanto a custos econômicos, os efeitos ocorrem principalmente nos danos em infraestrutura, impactos na agricultura e turismo.

E não se pode ignorar que os efeitos também se manifestam na saúde pública, como resultado da intensa fumaça e poluição do ar decorrentes dos incêndios. Grandes cidades como Sydney e Canberra vivenciam índices negativos de qualidade do ar entre todas as grandes cidades do mundo. Como as áreas de captação de água potável se localizam principalmente em áreas de floresta acabam atingidas pelas cinzas dos incêndios e a poluição, com efeitos na saúde humana. Por fim, cabe também destacar que os incêndios e seus impactos causam além de danos físicos, traumas mentais coletivos devido à evacuação de emergência da população que perde seus lares, animais de estimação, pertences, gado ou outras fontes de subsistência.

Após esta reflexão, convidamos a todos para desfrutar das leituras durante o ano de 2020, não sem antes agradecer a toda a equipe editorial da Revista Ambiente & Sociedade que, com rigor acadêmico e qualidade, faz possível a continuidade da publicação de artigos com discussão interdisciplinar.

Abrindo o novo volume anual, os autores: Melina de Souza Leite, Joaquim Alves da Silva Júnior, Adriane Calaboni e Alexandre Toshiro Igari investigaram como o tamanho de propriedade, atividade econômica e grupo social relacionam-se com a cobertura de vegetação nativa em imóveis rurais do estado de São Paulo, avaliando implicações para políticas públicas para conservação ambiental; no artigo: Fatores socioeconômicos e a vegetação nativa em imóveis rurais no estado de são Paulo.

No artigo: Milagre ou miragem? contribuições críticas à ‘‘teoria da Modernização ecológica’’ à luz do projeto desertec, os autores Luiz Enrique Vieira de Souza, Marcelo Fetz e Alina Mikhailovna Gilmanova Cavalcante analisam o projeto ‘‘Desertec’’ e propõem um debate crítico, apontando uma agenda de pesquisa que enfoque os projetos de modernização ecológica mal-sucedidos (failure cases), sublinhando os limites de abrangência da Teoria da Modernização Ecológica.

Os autores Cleber Broietti, João Antônio Salvador de Souza, Leonardo Flach, Gilberto Crispim Silva e Celma Duque Ferreira, se baseando em um modelo multivariado com dados empilhados pela técnica Pooled OLS, buscaram entender como e o que impacta o gasto ambiental, e a importância deste processo para o desempenho e a preocupação dos gestores públicos com o meio ambiente. Isto no artigo: o impacto dos consórcios públicos no gasto ambiental nos municípios do sul do brasil.

Considerando a importância de pautar qualquer intervenção ambiental nas especificidades das interações entre os diferentes grupos humanos e o ambiente, as autoras Lara Carvalho de Oliveira e Wilza Gomes Reis Lopes, no artigo: Vivenciando o lugar: estudo das relações Homem-ambiente e suas implicações no bairro olarias, teresina, Piauí, analisaram aspectos afetivos, simbólicos e funcionais da relação entre moradores do bairro Olarias, localizado na área de abrangência do Programa Lagoas do Norte (PLN).

Simone Mendoça Santos, Marcelo Marini Pereira de Souza, Guilherme Augusto Carminato Bircol e Helene Mariko Ueno, no artigo: Planos de bacia e seus desafios: o caso da Bacia Hidrográfica do Alto-Tietê - SP, propõem um conjunto de requisitos que foram aplicados na avaliação do Plano da Bacia Hidrográfica do Alto Tietê. O caso mostrou baixo potencial de articulação horizontal e de planejamento da segurança hídrica. Os autores sugerem utilizar ferramentas de planejamento que promovam o envolvimento da sociedade.

O artigo: descentralização do licenciamento e da avaliação de impacto ambiental no brasil: regulação e estudos empíricos, dos autores Thiago Nascimento, Emanoele Lima Abreu e Alberto Fonseca, sintetiza criticamente os regulamentos e estudos científicos empíricos sobre o uso descentralizado desses instrumentos, bem como explora a percepção de especialistas sobre esse fenômeno. O trabalho acentua a importância da capacitação e da inovação institucional nos municípios e sugere estudos futuros.

Reconhecendo a resiliência comunitária como essencial na gestão de desastres, as autoras Larissa Ciccotti, Angela Cassia Rodrigues, Maria Eugenia Gimenez Boscov e Wanda M. R. Günther, no artigo: construção de indicadores de resiliência comunitária aos desastres no brasil: uma abordagem participativa, evidenciaram o valor das políticas públicas e da infraestrutura urbana para a resiliência comunitária aos desastres na percepção de especialistas brasileiros.

No artigo: conservação da água em cidades de deserto: desde o conserto socioecológico aos gestos de resistência, os autores Brian F. O’Neill e Anne-Lise Boyer afirmam que em lugares com escassez de recursos hídricos, as políticas de conservação da água se embasam no marco ideológico do crescimento económico, promovendo a conservação para consertar um ciclo hidro-social disfuncional. Isto constituiria um ‘‘gesto’’ que procura a ilusão de um futuro com abundância de recursos para que a escassez possa ser suportada.

Os autores Luiz Everson da Silva, Wanderlei do Amaral, Marcos Machado da Silva e Adriana Lucinda de Oliveira trabalharam com comunidades tradicionais com o objetivo de contemplar o recurso genético disponível, a diversidade cultural local e o uso sustentável dos recursos naturais. Constataram a importância do saber tradicional para a descoberta de compostos bioativos e a geração de renda; no artigo: conservação de recursos Genéticos: a pesquisa com plantas medicinais no litoral do Paraná.

O artigo: rio abaixo, rio acima: o pescador, o rio e os riscos no baixo são Francisco, dos autores Kleverton Melo de Carvalho, Maria Elisabete Pereira dos Santos, Juliane Alves Cabral Silva, Rosa Eunice Alves Azevedo, e Virginia de Lourdes Carvalho dos Santos, revela um cenário de descrença generalizada; potencialização do sentido dos riscos devido à transposição das águas do rio; associação entre morte do ‘‘Velho Chico’’ e morte cultural das comunidades ribeirinhas, bem como de suas estruturas sociais e econômicas.

Com o objetivo de observar e descrever o processo de reestruturação do Conselho Gestor do Parque Natural Morro do Osso (PNMO), os autores Suzane Bevilacqua Marcuzzo, Thani da Silva Prunzel e Rafael Vidor Dezorzi utilizaram metodologias de diagnóstico participativo e verificaram falhas de informação e liderança no processo de construção do conselho, mas também potencial para uma mobilização e reestruturação; no artigo: os caminhos da participação no parque municipal Morro do osso, sul do brasil.

As autoras Maria Luísa Bonazzi Palmieri e Vânia Galindo Massabni analisaram as contribuições de realizar visitas escolares em áreas protegidas, considerando as concepções e práticas dos envolvidos. Concluíram que as visitas escolares monitoradas contribuem para a educação escolar por meio da oportunidade da visita, da vivência no ambiente natural proporcionada aos alunos e da contribuição ao trabalho docente. Isso no artigo: as contribuições das visitas em áreas protegidas para a educação escolar.

Refletindo sobre o desenvolvimento de uma expedição educativa, as autoras Ermelinda Moutinho Pataca e Camila Martins da Silva Bandeira, no artigo: História da ciência e educação ambiental na expedição pelo riacho do ipiranga, problematizam as questões socioambientais da cidade de São Paulo de forma contextualizada e crítica, associando as questões ambientais à história de duas importantes instituições localizadas no riacho: o Jardim Botânico e o bosque do Museu Paulista.

No artigo: influência das mudanças climáticas sobre as condições de trabalho no final do século XXi, os autores Plínio Marcos Bernardo de Souza, Marcelo de Paula Corrêa, Roger Rodrigues Torres e Luiz Felipe Silva avaliaram esses efeitos, comparando-se a capacidade de trabalho na América do Sul entre clima presente (1979 a 2005) e o futuro (2071 - 2100). Os resultados indicam que, mesmo em cenários climáticos favoráveis, a capacidade de trabalho pesado deve ser reduzida entre 25 a 50% no final do século XXI.

Com o objetivo de identificar os benefícios gerados pela agricultura urbana e suas motivações, as autoras Carina Júlia Pensa Corrêa, Kelly Cristina Tonello, Ernest Nnadi e Alexandra Guidelli Rosa realizaram um levantamento bibliográfico e análise de artigos que descrevem as experiências atuais. Independente dos objetivos que motivam a prática, sua contribuição para qualidade ambiental, social e econômica das cidades é evidenciada; no artigo: semeando a cidade: Histórico e atualidades da agricultura urbana.

Após realizar uma pesquisa qualitativa exploratória, os autores Francisco Tavares Filho, Roberta Fernanda da Paz de Souza Paiva, Ana Paula Poll, Angelita Pereira Batista e

Welington Kiffer de Freitas, no artigo: os efeitos do avanço urbano/industrial na baía de Guanabara na percepção de pescadores artesanais, concluíram que o avanço urbano/ industrial, resultante do atual ciclo de desenvolvimento regional relacionado ao petróleo, vem se constituindo numa ameaça à sobrevivência da atividade pesqueira.

No artigo: desenvolvimento rural na amazônia brasileira: níveis e distribuição regional na década 2000, Mário Sérgio Pedroza Lobão e Jefferson Andronio Ramundo Staduto constataram uma alta heterogeneidade na distribuição intrarregional, em que coexistem municípios com diferentes níveis de desenvolvimento rural. Na porção Leste e Sul da Amazônia brasileira figuram os estados com os melhores níveis de desenvolvimento rural e no lado Oeste e Norte localizaram-se aqueles com os piores níveis.

Com o objetivo de compreender as definições que envolvem a problemática da cobertura florestal e sua vulnerabilidade e elucidar argumentos para redução do desmatamento florestal, os autores Rosane Aparecida Kulevicz, Ozeni Souza de Oliveira, Natália Pompeu, Benedito Albuquerque da Silva e Édila Cristina de Souza apresentam uma série de soluções para a vulnerabilidade arbórea; no artigo: análise da vulnerabilidade genética das florestas e argumentos para redução do desmatamento.

Finalmente, Luciana Rodrigues Fagnoni Costa Travassos, Silvana Maria Zioni, Pedro Henrique Campello Torres, Bruna de Souza Fernandes e Gabriel Machado Araujo, no artigo: Heterogeneidade e fragmentação espacial na Macrometrópole Paulista: a produção de fronteiras e buracos, revelam as características produzidas neste espaço, desvelando territórios que, embora não compõem os arranjos urbano-industriais próprias dessa cidade-região, provêm serviços ecossistêmicos e dão lugar a outros modos de vida. Desejamos a todos uma boa leitura!

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    22 Abr 2020
  • Data do Fascículo
    2020
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