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Captação do fígado do doador para o transplante: Uma proposta de protocolo para o enfermeiro

Captación del hígado del donante para el trasplante: una propuesta de protocolo para el enfermero

Resumo

Objetivo:

Propor um modelo de protocolo assistencial para o enfermeiro da captação do fígado para transplante.

Métodos:

Pesquisa descritiva, de natureza qualitativa, realizada em Fortaleza, no período de junho a agosto de 2014. Foram realizadas entrevistas e observação do trabalho dos enfermeiros em hospital de referência do Ceará. Os dados foram trabalhados por meio da análise temática e subsidiaram a construção da proposta piloto do protocolo, apreciado pelos enfermeiros para versão final.

Resultados:

O estudo permitiu a construção de um protocolo, apresentando ações específicas, que permeiam o procedimento de captação, especificamente a etapa da retirada do órgão, dinamizando as intervenções e tornando os procedimentos mais seguros e uniformes no processo captação-transplante de fígado.

Conclusões:

A proposta de um protocolo referente à captação do fígado para transplante é um modelo de sistematização da assistência com potencial para instrumentalizar as ações do enfermeiro no programa captação-transplante.

Palavras-chave:
Transplante de Fígado; Coleta de Tecidos e Órgãos; Enfermeiros; Protocolos

Resumen

Objetivo:

Proponer un modelo de protocolo clínico para enfermeros para el proceso de captación de hígado para trasplante.

Métodos:

Investigación descriptiva, cualitativa, realizada en Fortaleza, entre Junio y Agosto de 2014. Fueron realzadas entrevistas y observación del trabajo de los enfermeros en un hospital de referencia en Ceará. Los datos fueron procesados a través del análisis temático y subsidiaron la construcción de la propuesta piloto del protocolo, apreciado por los enfermeros para la versión final.

Resultados:

El estudio permitió la construcción de un protocolo, con acciones específicas sobre el procedimiento de captación, específicamente la etapa de extracción del órgano, dinamizando las intervenciones y haciéndolas más seguras y uniformes en el proceso captación-trasplante.

Conclusión:

La propuesta de un protocolo relativo a la captura del hígado para trasplante es un modelo de sistematización de la asistencia con potencial para instrumentalizar las acciones del enfermero en el programa captación-trasplante.

Palabras clave:
Trasplante de Hígado; Recolección de Tejidos y Órganos; Enfermeros; Protocolos

Abstract

Objective:

To propose a clinical protocol model for nurses in liver harvesting for transplant.

Methods:

A descriptive study, qualitative in nature, held in Fortaleza, in the period from June to August 2014. Interviews were carried out and observing the work of nurses in a referral hospital in Ceará. The data was processed through the thematic analysis and provided the construction of the proposed Protocol pilot, analysed by nurses for the final version.

Results:

The study allowed the construction of a protocol, with specific actions that permeate the harvesting procedure, specifically the stage of organ removal, streamlining interventions and making them safer and more uniform in the liver harvest-transplantation process.

Conclusions:

The proposal of a protocol concerning liver harvesting for transplant is a systematization assistance model with the potential to codify the actions of the nurse in the harvesting and transplantation process.

Keywords:
Liver Transplantation; Tissue and Organ Harvesting; Nurses; Protocols

INTRODUÇÃO

Este estudo traz uma proposta de um protocolo para a prática do enfermeiro na captação durante a retirada do fígado para transplante. A finalidade desse protocolo é proporcionar ao enfermeiro, que participa da equipe de extração do órgão, informações que torne sua ação mais segura e ágil, possibilitando uma melhor comunicação e prevenindo eventos adversos no processo captação-transplante.

A construção e implantação de protocolos devem ser compreendidas como uma ferramenta de apoio teórico-prático, contribuindo para o planejamento e avaliação da assistência e, consequentemente, a qualidade do cuidado11 Paes GO, Mello ECP, Leite JL, Mesquita MGR, Oliveira FT, Carvalho SM. Care protocol for clients with respiratory disorder: tool for decision making in nursing. Esc. Anna Nery. 2014 abr/jun; 18(2):303-10..

Nos últimos anos, os cenários, internacional e nacional, apresentaram muitos avanços no setor de transplantes. Em 2014, nos Estados Unidos da América (EUA) foram realizados 29.534 transplantes de órgãos, destes 6.729 foram de fígado22 United Network for Organ Sharing. Transplants by organ type. UNOS [on line] 2014 [cited 2015 Oct 14]. Available from: https://www.unos.org/about/annual-report/
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. No mesmo período, foram realizados 7.898 transplantes de órgãos no Brasil, sendo 1.755 de fígado. No campo da doação de órgãos e tecidos, o Brasil se destaca no contexto mundial, principalmente, por representar o maior sistema público de transplantes do mundo e estar em segundo colocado em número absoluto de transplantes hepáticos, ficando atrás apenas dos EUA33 Associação Brasileira de Transplantes de Órgãos. Dimensionamento dos transplantes no Brasil e em cada estado (2007 - 2014). 2014 [citado 2015 mar. 14]. Disponível em: http://www.abto.org.br/abtov03/Upload/file/RBT/2014/rbt2014-lib.pdf
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Vale ressaltar que o transplante de fígado é uma terapêutica de alta complexidade, indicado para reverter o quadro da doença hepática terminal quando não há alternativa de tratamento, onde o fígado doente é retirado, o enxerto hepático introduzido e as alterações hemodinâmicas são reestabelecidas44 Fonseca-Neto OCL. Clinical liver transplantation without venovenous bypass. ABCD Arq Bras Cir Dig[on line]. 2011 [cited 2015 Feb. 16]; 24(2):164-67. Available from: httphttp://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-67202011000200014&lng=en http://dx.doi.org/10.1590/S0102-67202011000200014
http://www.scielo.br/scielo.php?script=s...
,55 Mendes KDS, Rossin FM, Ziviani LC, Castro-e-Silva O, Galvão CM. Information needs of liver transplant candidates: the first step of the teaching-learning process. Rev. Gaúch. Enferm. [on line]. 2012 out/dez [cited 2015 out 11]; 33(4): [aprox. 10 telas]. Available from: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1983-14472012000400012&lng=pt http://dx.doi.org/10.1590/S1983-14472012000400012
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.

O desenvolvimento de um programa de transplantes bem consolidado depende da atuação de vários profissionais nas diversas fases, desde a identificação dos potenciais doadores até a efetivação dos transplantes e seu acompanhamento ambulatorial33 Associação Brasileira de Transplantes de Órgãos. Dimensionamento dos transplantes no Brasil e em cada estado (2007 - 2014). 2014 [citado 2015 mar. 14]. Disponível em: http://www.abto.org.br/abtov03/Upload/file/RBT/2014/rbt2014-lib.pdf
http://www.abto.org.br/abtov03/Upload/fi...
. Inserido na equipe multiprofissional, observa-se que o enfermeiro desempenha papel determinante no sucesso de um programa de transplante, atuando no processo de doação de órgãos e junto aos candidatos e receptores de transplantes, quer seja na função de enfermeiro clínico e/ou de coordenador66 Mendes KDS, Roza BA, Barbosa SFF, Schirmer J, Galvão CM. Organ and tissue transplantation: responsibilities of nurses. Texto Contexto Enferm. [on line]. 2012 dez [cited 2015 Oct 11]; 21(4): [aprox. 9 telas]. Available from: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-07072012000400027&lng=en http://dx.doi.org/10.1590/S0104-07072012000400027
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Dessa forma, o enfermeiro clínico necessita desenvolver competências essenciais à complexidade do cuidado para atuar nas diversas etapas do período pré-transplante, transoperatório e pós-transplante, acompanhamento ambulatorial, doador vivo, desenvolvimento profissional, prática profissional e ética77 The Organization for Transplant Professionals (Natco). Core Competencies for the Clinical Transplant Nurse. Natco; 2010 [cited 2015 May 17]. Available from: http://www.natco1.org/Professional-Development/competencies.asp
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. Dentre as responsabilidades do enfermeiro no processo de doação, inclui-se a participação na captação de órgãos e tecidos.

A captação de órgãos pode ser fracionada seguindo oito etapas, sendo a primeira a identificação do potencial doador, com morte encefálica. A segunda etapa é a notificação compulsória à Central de Notificação, Captação e Distribuição de Órgãos e Tecidos (CNCDO), do doador em potencial. A terceira etapa descreve a avaliação do doador com base na história clínica, exames laboratoriais e sorológicos, na viabilidade dos órgãos, assim como testa a compatibilidade com prováveis receptores. Então, a família é consultada sobre a doação. A quarta etapa consiste em transmitir as informações do doador efetivo à Central de Transplantes (CT). Na quinta etapa, a CT emite uma lista de receptores inscritos, selecionados em seu cadastro técnico e compatíveis com o doador88 Morais TR, Morais MR. Doação de órgãos: é preciso educar para avançar. Saúde debate [online]. 2012 out/dez [citado 2015 fev. 04];36(95): [aprox. 7 telas]. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/sdeb/v36n95/a15v36n95.pdf
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Já na sexta etapa, a CT informa às equipes transplantadoras sobre a existência do doador e qual receptor foi selecionado. Na sétima etapa, as equipes fazem a extração dos órgãos no hospital da captação. Terminado o procedimento, elas se dirigem aos hospitais para procederem à transplantação. Por fim, na oitava etapa, o corpo é entregue à família88 Morais TR, Morais MR. Doação de órgãos: é preciso educar para avançar. Saúde debate [online]. 2012 out/dez [citado 2015 fev. 04];36(95): [aprox. 7 telas]. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/sdeb/v36n95/a15v36n95.pdf
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Na oportunidade de busca nas bases de dados científicos, foi efetuada revisão nos acervos da Biblioteca Virtual em Saúde (BVS) acerca da temática da pesquisa, utilizando os Descritores em Ciências da Saúde (DeCS): "transplante de fígado" and "coleta de tecidos e órgãos"and "enfermeiros" and "protocolos", e não foram encontrados documentos. Quando mencionados na United States National Library of Medicine (PubMed) os descritores na versão Medical Subject Headings (MESH):"Liver Transplantation" and "Tissue and Organ Harvesting" and "Nurses" and "Clinical Protocols", não foram localizadas publicações. Portanto, esta pesquisa é significativa por proporcionar acréscimo ao acervo científico sobre captação do fígado, no que se refere à etapa da retirada do órgão.

Em face dessas considerações e com intuito de fornecer subsídios para a assistência do enfermeiro e melhor qualidade do cuidado, esta pesquisa teve como questão norteadora: quais as atividades executadas pelo enfermeiro na retirada do fígado para transplante? Dessa forma, o presente estudo teve como objetivo propor um modelo de protocolo assistencial para o enfermeiro da captação do fígado para transplante.

MÉTODOS

O presente artigo trata de um recorte da dissertação intitulada "Competências de enfermeiros no processo de transplante hepático em hospital de referência do Ceará", que foi realizada com enfermeiros atuantes no serviço de transplante hepático em um hospital de referência em transplantes em Fortaleza/CE, instituição considerada o maior centro de transplantes de fígado da América Latina99 Negreiros FDS. Competências de enfermeiro no processo de transplante hepático em hospital de referência do Ceará [dissertação]. Fortaleza (CE): Universidade Estadual do Ceará; 2015..

Trata-se de uma pesquisa de natureza descritiva, com abordagem qualitativa. A abordagem qualitativa é o método que investiga os princípios da história, relações, representações, crenças, percepções e opiniões das pessoas1010 Minayo MCS. O desafio do conhecimento: pesquisa qualitativa em saúde. 13. ed. São Paulo: Hucitec; 2013..

Participaram da pesquisa 31 enfermeiros que exerciam atividades no ambulatório de transplante de fígado, clínica da gastroenterologia, clínica de transplantes, centro cirúrgico, unidade de terapia intensiva pós-operatória. Como critério de inclusão, adotou-se a experiência a partir de dois anos nas atividades do transplante, considerando que esse período favorece o desenvolvimento das competências necessárias à prestação de assistência no processo captação-transplante. Como critérios de exclusão, foram considerados os enfermeiros, que estivessem afastados por motivo de ordem médica ou pessoal durante o período da coleta dos dados, ou que recusassem fazer parte da pesquisa.

Os dados foram coletados no período de junho a agosto de 2014, por meio da técnica de entrevista semiestruturada e observação não participante. A entrevista semiestruturada contém tópicos que norteiam uma conversa a dois ou entre vários locutores, realizada por um entrevistador, com a finalidade de construir informações relevantes para um objeto de pesquisa de tema1010 Minayo MCS. O desafio do conhecimento: pesquisa qualitativa em saúde. 13. ed. São Paulo: Hucitec; 2013.. Para a entrevista, foram usados um roteiro e um aparelho de gravação de voz digital e durante a observação não participante das atividades que envolvem o processo de retirada do fígado, foram utilizados o diário de campo e checklist.

Após a transcrição das falas na íntegra, o tratamento dos dados adotou a análise temática, seguindo as fases de pré-análise, exploração do material e tratamento dos resultados, inferência e interpretação1010 Minayo MCS. O desafio do conhecimento: pesquisa qualitativa em saúde. 13. ed. São Paulo: Hucitec; 2013.. Esse processo permitiu o desvelar da práxis do enfermeiro no cotidiano da captação. A partir de então, foi possível ordenar e sumarizar o conteúdo latente, gerando insumos para a proposta de sistematização de enfermagem por meio da captação do fígado para transplante, no que concerne a fase da retirada do órgão.

A segunda etapa consistiu na construção da proposta do protocolo compartilhada ao olhar dos sujeitos da pesquisa, desenvolvida em cinco momentos: 1. Elaboração da proposta de protocolo piloto, com base nos dados do checklist de observação, depoimentos e análise do material com fundamentação na literatura; 2. Análise dos elementos propostos para o protocolo piloto pelos enfermeiros participantes da pesquisa; 3. Recebimento das contribuições dos profissionais acerca da proposta do protocolo, com as alterações e discussão das mesmas, para melhor compreensão do conteúdo; 4. Encaminhamento da proposta à Diretoria de Enfermagem, para apreciação e aprovação, com prazo para devolução do protocolo; 5. Recebimento e discussão das alterações propostas, com construção final do protocolo, considerando os aspectos estruturais, a integração teórica e prática da assistência.

A realização do estudo seguiu os princípios da bioética preconizados na Resolução nº 466, de dezembro de 2012, do Conselho Nacional de Saúde, sendo aprovado pelos Comitês de Ética em Pesquisa da Universidade Estadual do Ceará e do Hospital Universitário Walter Cantídio, sob os pareceres consubstanciados nº 617.676 e nº 646.428, respectivamente. Os participantes assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, sendo assegurado o sigilo das informações e anonimato das suas identidades.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

A categoria temática selecionada para análise, a partir dos dados coletados, foi denominada processo captação-transplante: atuação do enfermeiro na retirada do fígado.

Processo captação-transplante: atuação do enfermeiro na retirada do fígado

Dentre o universo de atribuições do enfermeiro no transplante, destaca-se, em especial, a captação do fígado para transplante. As atividades do enfermeiro como membro da equipe da retirada do órgão iniciam quando a CNCDO comunica a instituição transplantadora da existência de um potencial doador. A partir de então, este profissional organiza todo o material necessário para perfusão e acondicionamento do órgão, tendo o conhecimento de que todos os materiais devem estar devidamente acondicionados de acordo com cada especificidade para manter a qualidade e a integridade do órgão captado, conforme os relatos:

Quando surge um doador, a gente pega e confere todo material na farmácia e na central de esterilização e leva para hospital da captação (1E).

Tudo acontece quando a Central de Transplantes confirma um doador, então a enfermeira vai organizar todo material para levar até o local da doação (14E).

Quando a retirada de órgãos ocorre em instituição diferente daquela onde acontecerá o transplante, o enfermeiro deve levar uma mala, previamente, organizada com materiais descartáveis específicos para o procedimento e uma caixa térmica contendo soro fisiológico 0,9% congelado e gelado, gelo comum e a solução de preservação1111 Pereira WA. Manual de Transplantes de Órgãos e Tecidos. 4. ed. Belo Horizonte: Coopmed; 2012..

O enfermeiro relatou que devem estar disponíveis para viajar caso o doador esteja localizado em outros territórios, observando o horário do transporte, terrestre e/ou aéreo, estabelecido pela CNCDO para a locomoção até ao hospital da captação, conforme as falas:

Aí, a gente vai lá para o hospital, seja aqui em Fortaleza, seja em outro Estado ou no interior do Ceará. Onde tiver doador a gente vai (2E).

A doação de órgãos pode ser aqui na capital, no interior ou em outros Estados, os profissionais da captação já sabem disso e agilizam tudo para ganhar tempo (11E).

Ainda bem que o Governo disponibiliza transporte aéreo para a equipe quando a captação é fora da Capital, assim agiliza o início do transplante (29E).

As Organizações de Procura de Órgãos (OPO) ou CNCDO informarão às respectivas equipes, quais órgãos serão retirados, assim como o horário de início do procedimento. A pontualidade das equipes em relação ao horário de chegada ao hospital e início da cirurgia do doador é altamente recomendável, pois atraso no início da cirurgia do doador repercute no resultado do transplante1212 Associação Brasileira de Transplante de Órgãos. Diretrizes Básicas para Captação e Retirada de Múltiplos Órgãos e Tecidos da Associação Brasileira de Transplante de Órgãos [online]. São Paulo; 2009 [citado 2015 fev. 12]. Disponível em: http://www.abto.org.br/abtov03/Upload/pdf/livro.pdf
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.

Os depoimentos apontaram que o enfermeiro e o cirurgião designado para a remoção do órgão deslocam-se para o hospital, onde se encontra o potencial doador. Na sala de cirurgia, o enfermeiro confere os documentos obrigatórios da avaliação clínica e laboratorial e registra as informações na ficha do doador, como referem os sujeitos:

No hospital da captação, a gente anota os dados na ficha do doador e checa os documentos com o profissional responsável pela captação de órgãos (1E).

Sei que a enfermeira quando chega na captação, ela vai checar os exames e documentos do doador, depois anota os dados no formulário que ela leva (22E).

No hospital da captação de órgãos, os profissionais devem checar, previamente ao início, à cirurgia do doador, documentos como o termo de declaração de morte encefálica, termo de autorização de doação de múltiplos órgãos, ficha de informação de doador de múltiplos órgãos, tipagem sanguínea, laudo de sorologias e laudo do exame complementar (arteriografia, eletro encefalograma, doppler transcraniano e/ou cintilografia)1212 Associação Brasileira de Transplante de Órgãos. Diretrizes Básicas para Captação e Retirada de Múltiplos Órgãos e Tecidos da Associação Brasileira de Transplante de Órgãos [online]. São Paulo; 2009 [citado 2015 fev. 12]. Disponível em: http://www.abto.org.br/abtov03/Upload/pdf/livro.pdf
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,1313 Ferraz Neto BH. Curso Prático de Extração, Perfusão e Acondicionamento de Múltiplos Órgãos para Transplante. São Paulo: Albert Einstein Hospital Israelita [online]. 2012 [citado 2015 maio 16]. Disponível em: http://www.einstein.br/Ensino/cursos-de-atualizacao/Documents/apostila-cetec-2012.pdf
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Após checagem dos documentos e exames, o enfermeiro segue na organização do evento da perfusão do órgão, sendo responsável pelo preparo da mesa da perfusão/Back Table e disponibiliza frascos para coleta de sangue (exame laboratorial e hemocultura), dos enxertos (venoso e arterial) e do material do fígado para biópsia, como mostram as falas:

Eu vou arrumar a mesa da perfusão, da Back Table, aí tem a quebra do gelo e tem a montagem dos equipos, colocar as soluções e controlar a perfusão. Colhe também sangue para bioquímica, tipagem sanguínea, cultura os enxertos (1E).

A enfermeira da captação é responsável pela perfusão e montagem da mesa para receber o fígado, ela trabalha muito em sincronia com o médico (8E).

O enfermeiro na sala de operação, onde será realizada a extração dos órgãos, realiza o preparo das soluções de preservação, assim como monta a mesa auxiliar para o preparo do órgão, contendo bacia com gelo estéril, martelo, sacos plásticos, equipos de irrigação, cateter, fios cirúrgico, fita cardíaca e instrumental cirúrgico1111 Pereira WA. Manual de Transplantes de Órgãos e Tecidos. 4. ed. Belo Horizonte: Coopmed; 2012..

Todavia, durante a observação em campo, evidenciou-se que a avaliação visual e manual do cirurgião é critério decisivo para prosseguir com o processo doação-transplante, caso o cirurgião mencione que o fígado está inapropriado para ser transplantado, o enfermeiro avisa da contraindicação do enxerto hepático para a equipe médica e de enfermagem do hospital onde se encontra o receptor. Por sua vez, sendo o fígado propício para transplante, o enfermeiro auxilia o médico a preparar o órgão na Back Table, depois o acondicionando adequadamente na caixa térmica e transporta-o até o hospital transplantador.

O órgão na Back Table deve ser colocado dentro de saco plástico estéril contendo solução de preservação e disposto em uma bacia inox contendo soro fisiológico estéril congelado. Após término do preparo, o saco contendo o enxerto é envolto em outro saco plástico estéril e são lacrados e acondicionados em uma caixa térmica com gelo comum1111 Pereira WA. Manual de Transplantes de Órgãos e Tecidos. 4. ed. Belo Horizonte: Coopmed; 2012.,1313 Ferraz Neto BH. Curso Prático de Extração, Perfusão e Acondicionamento de Múltiplos Órgãos para Transplante. São Paulo: Albert Einstein Hospital Israelita [online]. 2012 [citado 2015 maio 16]. Disponível em: http://www.einstein.br/Ensino/cursos-de-atualizacao/Documents/apostila-cetec-2012.pdf
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O profissional enfermeiro auxilia o cirurgião e se responsabiliza pelo acondicionamento do órgão e seu transporte até o hospital onde se encontra o receptor, mantendo-o a uma temperatura de 4ºC. Vale salientar que um dos fatores responsáveis pelo sucesso do transplante é, indubitavelmente, o método de conservação dos órgãos. Uma conservação adequada confere boa qualidade ao enxerto, que recupera rapidamente suas funções, além de minimizar a ocorrência de disfunção e/ou falência do enxerto1111 Pereira WA. Manual de Transplantes de Órgãos e Tecidos. 4. ed. Belo Horizonte: Coopmed; 2012..

Dentre as soluções destinadas à preservação do fígado, estão disponíveis Viaspan (Belzer), Celsior, Custodiol, Euro Collins e Soltran. No campo da pesquisa, a solução mais utilizada tem sido o Custodiol. De acordo com estudo de revisão sistemática e meta-análise, que analisou o impacto da utilização da solução sobre a disfunção primária do enxerto, as lesões biliares do tipo isquêmica e as taxas de sobrevivência de pacientes, a solução de Custodiol teve efeito semelhante a Celsior1414 Zuluaga GL, Agudelo RE, Tobon JJ. Preservation solutions for liver transplantation in adults: celsior versus custodiol: a systematic review and meta-analysis with an indirect comparison of randomized trials. Transplant Proc [on line] 2013 [cited 2015 May 16]; 45(1): [aprox. 8 telas]. Available from: http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmedhealth/PMH0053737/
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Quando o enfermeiro regressa ao hospital transplantador, entrega ao enfermeiro do centro cirúrgico uma caixa térmica onde está acondicionado o fígado, os enxertos (venoso e arterial) e material para biópsia, frascos com sangue (exame laboratorial e hemocultura) e uma ficha do doador, além das informações necessárias à segurança do transplante, como mostram os relatos:

No hospital do receptor a gente entrega a ficha do doador, o órgão, enxertos, exames do doador para enfermeira do centro cirúrgico, conferindo o acondicionamento, aí nesse momento repasso algum ocorrido na captação (2E).

Sempre recebo da enfermeira da captação uma caixa térmica com o fígado, os enxertos, frascos com sangue, dados do doador e confiro armazenamento (10E).

Aqui a rotina é a gente receber órgão e todo material do doador que a enfermeira da captação traz, sempre checo o acondicionamento e os rótulos (27E).

O profissional da saúde do centro cirúrgico deverá recepcionar o profissional da captação, recebendo o órgão e amostra de sangue do doador, e nesse momento são reverificadas as principais informações do enxerto, como acondicionamento do órgão, registros dos dados do doador, integridade e identificação das embalagens1313 Ferraz Neto BH. Curso Prático de Extração, Perfusão e Acondicionamento de Múltiplos Órgãos para Transplante. São Paulo: Albert Einstein Hospital Israelita [online]. 2012 [citado 2015 maio 16]. Disponível em: http://www.einstein.br/Ensino/cursos-de-atualizacao/Documents/apostila-cetec-2012.pdf
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.

A atuação do enfermeiro na etapa da retirada do fígado do doador é de suma importância para efetivação do transplante, pois suas atividades potencializam o processo captação-transplante, no sentido de agilizar e não causar nenhum risco ao órgão doado, dessa forma contribui para melhor restabelecimento do cliente pós-transplante.

Apresentação da proposta de protocolo para enfermeiro na captação do fígado

O estudo permitiu o desenvolvimento de um protocolo, apresentando ações específicas que permeiam o procedimento de captação, especificamente a etapa da retirada do órgão, tendo em vista garantir o sucesso do transplante.

A prática assistencial do enfermeiro na equipe de retirada do fígado para transplante desvelou as faces de um cuidado específico e necessário para a enxertia do órgão. Atualmente, existe a preocupação com a certificação das instituições de saúde, sendo fundamentais os protocolos, normas e rotinas que orientam a assistência1515 Munari DB, Parada CMGL, Gelbcke FL, Silvino ZR, Ribeiro LCM, Scochi CGS. Professional Master's degree in Nursing: knowledge production and challenges. Rev. Latino-Am. Enfermagem [on line]. 2014 mar/abr [cited 2015 Feb. 11]; 22(2): [aprox. 6 telas]. Available from: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-11692014000200204&lng=en http://dx.doi.org/10.1590/0104-1169.3242.2403
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Por meio da construção compartilhada da proposta do protocolo, é possível mencionar que a atuação do enfermeiro na equipe de retirado do fígado é de suma importância para efetivação do transplante, pois suas atribuições estão vinculadas ao contato com hospital da captação, verificação da documentação do doador, montagem da mesa perfusão/Back Table, armazenamento e transporte do órgão, contato com equipe do hospital transplantador, bem como viabilizar maior controle, agilidade e segurança no processo doação-transplante.

As atribuições do enfermeiro na captação durante a extração do fígado para transplante estão demonstradas de forma esquemática em fluxograma na figura 1.

Figura 1
Fluxograma das atividades do enfermeiro na captação durante a retirada do fígado para transplante. Fortaleza, CE, Brasil, 2015.

Foram elencados os insumos médico-hospitalares e instrumentais cirúrgicos necessários para extração do fígado. Esse material deve ser conferido pelo enfermeiro antes de ser transportado ao local da captação (Tabela 1).

Tabela 1
Material médico-hospitalar e instrumental cirúrgico necessário para extração do fígado para transplante. Fortaleza, CE, Brasil, 2015

A proposta de protocolo apresentado distingue sete momentos imprescindíveis para realização da retirada do fígado para transplante, mencionados nos Quadros 1, 2 e 3. A escolha dos itens contidos no instrumento elaborado teve como premissa promover maior chance de assertividade nas ações de segurança pertinentes ao cuidado do enfermeiro.

Quadro 1
Atividades do enfermeiro na organização do material e checagem dos documentos antes da retirada do fígado para transplante. Fortaleza, CE, Brasil, 2015
Quadro 2
Atividades do enfermeiro no preparo do ambiente no hospital da captação, da mesa auxiliar, realização da perfusão, preparação da Back Table e do fígado. Fortaleza, CE, Brasil, 2015
Quadro 3
Atividades do enfermeiro quando retorna ao hospital transplantador. Fortaleza, CE, Brasil, 2015

Tal proposta atendeu aos requisitos das Diretrizes Básicas para Captação e Retirada de Múltiplos Órgãos e Tecidos, que relata que o sucesso dos Programas de Transplantes em nosso país depende da organização e efetiva atuação das equipes participantes do processo de doação-transplante1212 Associação Brasileira de Transplante de Órgãos. Diretrizes Básicas para Captação e Retirada de Múltiplos Órgãos e Tecidos da Associação Brasileira de Transplante de Órgãos [online]. São Paulo; 2009 [citado 2015 fev. 12]. Disponível em: http://www.abto.org.br/abtov03/Upload/pdf/livro.pdf
http://www.abto.org.br/abtov03/Upload/pd...
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Os enfermeiros participantes deste estudo enfatizaram ainda a importância da perfeita articulação e execução de todas as fases envolvidas em tempo hábil, desde o momento em que se confirma o potencial doador até a implantação do órgão, pois qualquer atraso no início da cirurgia pode interferir no sucesso do transplante.

Sabe-se que o cotidiano da enfermagem perpassa as diversas dimensões do cuidar enriquecido de técnicas e tecnologias. Nesse sentido, os protocolos representam a aplicação de um tipo de tecnologia direcionada para o cuidado em saúde, devendo ser desenvolvidos de maneira sistemática e integrada, contribuindo para tomada de decisão eficaz e eficiente11 Paes GO, Mello ECP, Leite JL, Mesquita MGR, Oliveira FT, Carvalho SM. Care protocol for clients with respiratory disorder: tool for decision making in nursing. Esc. Anna Nery. 2014 abr/jun; 18(2):303-10.. Assim, devido à complexidade e especificidade do processo captação-transplante, se faz necessário que as intervenções da equipe de saúde, em particular do enfermeiro, adotem novas tecnologias, os protocolos, no direcionamento da prática clínica que estejam alicerçados em fundamentações científicas e adaptados à realidade de cada estrutura organizacional de saúde.

Os elementos demonstrados na proposição do protocolo revelaram que as atribuições do enfermeiro são heterogêneas, dinâmicas, autônomas e dialéticas, onde o saber conhecer, saber fazer, saber ser e saber conviver estão em permanente articulação exigindo constante reflexão crítica e tomada de decisão por parte deste profissional, que busca responder às contradições e tensões presentes no cotidiano do ambiente de trabalho.

A elaboração e implementação do protocolo assistencial de enfermagem na captação do fígado para transplante são de grande relevância. Sua adoção pode contribuir para otimizar e agilizar a assistência, e atenuar as variabilidades de condutas, tornando os procedimentos mais seguros e uniformes no processo captação-transplante, além de oferecer subsídios para acreditação hospitalar.

CONCLUSÃO

A elaboração de um protocolo referente à retirada do fígado para transplante representa um modelo de sistematização de uma assistência diferenciada, com potencial para instrumentalizar as ações do enfermeiro no programa captação-transplante. A prática de enfermagem é fomentadora de metodologias capazes de favorecer o cuidado, e a implementação de um protocolo no cotidiano do profissional projeta o saber fazer de uma forma sistematizada e científica, proporcionando maior segurança e autonomia nas ações executadas.

Considerando a atual preocupação com a qualidade em saúde, a padronização das condutas de enfermagem norteia a prática profissional, favorecendo a melhoria do cuidado, além de servir como ferramenta para auxiliar no processo ensino-aprendizagem e na pesquisa em enfermagem. Devido a sua amplitude área de atuação, as atribuições do enfermeiro no programa captação-transplante precisam ser problematizadas e divulgadas, sendo um aspecto específico da enfermagem que demanda maior aprofundamento do tema, possibilitando maior perceptividade da comunidade.

As limitações deste estudo estão no campo do processo de validação, uma vez que contou com uma primeira etapa de apreciação e aprovação por parte dos enfermeiros envolvidos nesse processo, utilizando-se a vivência em campo e a literatura científica na construção do protocolo.

Almeja-se que esta pesquisa sirva de auxílio para outros trabalhos correlacionados à temática em questão, sendo significativo o aprofundamento no que concerne a validação do protocolo assistencial com embasamento em um referencial metodológico para alicerçar a prática clínica, assim configurando-o como um instrumento científico para a coordenação das atividades do enfermeiro no processo captação-transplante, especificamente na etapa da retirada do órgão.

  • ERRATA
    No artigo Captação do fígado do doador para o transplante: Uma proposta de protocolo para o enfermeiro, com número de DOI: 10.5935/1414-8145.20160006, publicado na Escola Anna Nery Revista de Enfermagem 2016;20(1):38-47, na página 38, as autoras Alice Maria Correia Pequeno Marinho e Ana Patrícia Pereira Morais pertencem a afiliação Universidade Estadual do Ceará. Fortaleza - CE, Brasil e não Universidade Federal do Ceará. Fortaleza - CE, Brasil.

REFERÊNCIAS

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jan-Mar 2016

Histórico

  • Recebido
    24 Jul 2015
  • Aceito
    24 Dez 2015
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