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Estereótipos sexistas na enfermagem portuguesa: Um estudo histórico no período de 1935 a 1974

Estereotipos sexistas en la enfermería portuguesa: Un estudio histórico en el periodo de 1935-1974

RESUMO

Gênero pode ser entendido como uma construção histórica, plural e, historicamente, definidos.

Objetivo:

Identificar estereótipos sexistas da enfermagem portuguesa entre o período de 1935 a 1974.

Métodos:

Investigação histórica com abordagem qualitativa. Como banco de dados para este estudo, foi utilizado os diários das sessões da Assembléia Nacional e da Câmara Corporativa de Portugal.

Resultados:

Os achados encontrados configuraram as seguintes categorias de análise: influência das forças armadas na profissão e a enfermagem militar, gênero como uma formação social e enfermagem como campo de trabalho feminino, exploração do trabalho em enfermagem, gênero como uma formação social e enfermagem como saber auxiliar, enfermagem como sacerdócio.

Conclusões:

Afirmamos, a necessidade de compreensão da enfermagem como trabalho, marcada por contextos históricos e culturais, a fim de pensarmos em caminhos para a valorização e o reconhecimento social do trabalho da enfermeira.

Palavras-chave:
Enfermagem; Identidade de gênero; História; Feminismo

RESUMEN

El género puede ser comprendido como una construcción histórica, plural, e históricamente definidos.

Objetivo:

Identificar estereotipos sexistas de la enfermería portuguesa en el periodo de 1935-1974.

Métodos:

Investigación histórica, cualitativa. Como banco de datos para este estudio, se utilizaron diarios de las sesiones de la Asamblea Nacional y de la Cámara Corporativa de Portugal.

Resultados:

Los hallazgos encontrados configuraban las siguientes categorías de análisis: influencia de las fuerzas armadas en la profesión y la enfermería militar; género como una formación social y enfermería como campo de trabajo femenino; exploración del trabajo en enfermería; género formación social y enfermería como conocimiento auxiliar; enfermería como sacerdocio.

Conclusión:

Se confirma la necesidad de comprensión de la enfermería como trabajo, marcada por contextos históricos y culturales, con el fin de pensar en la valoración y el reconocimiento social del trabajo de la enfermera.

Palabras clave:
Enfermería; Identidad de Género; Historia; Feminismo

ABSTRACT

Gender may be understood as a historical construction, defined plurally and historically.

Objective:

To identify sexist stereotypes of Portuguese nursing in the period 1935 to 1974.

Methods:

Historical investigation with a qualitative approach. The session diaries of Portugal's National Assembly and Corporative Chamber were used as a database for this study.

Results:

The findings configured the following analytical categories: the influence of the Armed Forces on the profession and military nursing, gender as a social formation, and nursing as a female area of work, exploitation of nursing work, gender as social formation and nursing as auxiliary knowledge, and nursing as a priesthood.

Conclusions:

We assert the need to understand nursing as work, marked by historical and cultural contexts, such that it may be possible to think about paths towards the valorization and social recognition of the work of the nurse.

Keywords:
Nursing; Gender identity; History; Feminism

INTRODUÇÃO

Gênero pode ser entendido como uma concepção histórica, social, plural, permeado por predefinições entre o conceito de feminino e masculino, social e, historicamente, definidos. Sendo que, a ideia de pluralidade sobre esse conceito, implicaria em admitir não apenas que sociedades diferentes teriam concepções diferentes de homem e mulher, como também que no interior de uma sociedade tais concepções seriam diversificadas, conforme a classe, a religião, a raça, a idade etc11 Padilha MICS, Vaghetti HH, Brodersen G. Gênero e enfermagem: uma análise reflexiva. Rev Enferm UERJ. [Internet]. 2006 [Citado 2015 Set 29]; 14(2): 292-300. Disponível em: http://repositorio.furg.br/handle/1/1572.
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Nesse sentido, o conceito de gênero sofre influências da cultura social, de papéis sexuais estabelecidos pela sociedade e firma como devem ocorrer as relações homem-mulher, homem-homem, mulher-mulher e, não, necessariamente, apenas a relação homem-mulher, como a maioria dos estudos colocam. Corroborando para uma noção que postula que o sexo social é o produto de uma construção social permanente que dá forma, no interior de todas as sociedades humanas, à organização das relações sociais entre homens e mulheres22 Santo, TBE. Gênero e Enfermagem: reafirmação de papeis sociais na seção feminina da Escola Profissional de Enfermeiras e Enfermeiros (1920-1921) [tese]. São Paulo: Escola de Enfermagem; 2012. Disponível em: http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/7/7140/tde-09052012-124247/pt-br.php.
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Portanto, o gênero é o elemento constitutivo dessas relações sociais assentadas nas diferenças perceptíveis entre os sexos, e é um primeiro modo para dar significado às relações de poder. Nessa direção, o gênero não se restringe a identidade biológica sexuada, mas à construção social como sujeito masculino e feminino, que se produzem em relação, não mais fixa e imutável, mas, sim, sujeita a todas as transformações histórico-sociais33 Nascimento P, Rios LF. Gênero, saúde e práticas profissionais. Recife: Editora Universitária da UFPE; 2011..

Em paralelo, a ação de cuidar de pessoas sempre esteve, culturalmente, mais ligada à mulher do que ao homem, desde o período antes de Cristo, na Roma Antiga e na Idade Média. O trabalho de enfermagem estava, na sua origem, associado ao trabalho e ao gênero feminino, pouco valorizado socialmente, atribuído ao papel designado à mulher pela sociedade de classe44 Bustorff LACV. O conceito de gênero nas políticas públicas que orientam a atenção a Saúde da Mulher: uma revisão integrativa da literatura [dissertação]. João Pessoa (PB): Programa de Pós-Graduação em Enfermagem, Universidade Federal da Paraíba; 2010..

Nessa lógica, pensando no gênero definido social e culturalmente, podemos dizer que a mulher tem uma série de experiências que "objetivam" a construção de aptidões e habilidades do campo feminino, sendo o cuidar de pessoas uma dessas. A menina ganha bonecas para cuidar e o menino ganha carro para dirigir e bolas para jogar.

Nessa direção são conformados os estereótipos. Estes são generalizações não científicas sobre o que é considerado característico de cada gênero e, são produto/produtor de preconceitos que, muitas vezes, firmam os interesses hegemônicos. Devido as suas consequências, os estereótipos e preconceitos relacionados com o gênero se destacam, e reverberam em representações sexistas das mulheres, que produzem efeitos adversos na sociedade e nas mulheres55 Calvo MA. Sexist stereotypes and biases associated with the female nursing model in advertising communication. Rev. Texto contexto - enferm. [Internet]. 2014 Set [Citado 2015 Set 29]; 23(3):530-537. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-07072014000300530
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Nessa teia social, identificamos os estereótipos sexistas, que ocorrem desde a infância e estendem-se ao longo da vida, com uma série de comportamentos predefinidos que obrigam, tanto a mulher quanto ao homem, a uma luta constante pela libertação66 Coelho EAC. Gênero, saúde e enfermagem. Rev. bras. enferm. [Internet]. 2005 Jun [Citado 2015 Set 29]; 58(3): 345-348. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0034-71672005000300018&script=sci_arttext
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. E, neste estudo, buscamos aprofundar sobre os estereótipos sexistas da enfermagem portuguesa.

No campo teórico, este trabalho justifica-se por tratar de uma profissão predominantemente de mulheres, que são pouco reconhecidas e valorizadas socialmente, que vivenciam, cotidianamente, situações de exploração do trabalho, preconceito e pouca visibilidade profissional.

Outra questão que acresce à justificativa é a produção escassa sobre o tema. Em pesquisa na Biblioteca Virtual de Saúde, foram encontrados 11 estudos que versam sobre os "exteriótipos sexistas" e apenas dois sobre "exteriótipos sexistas na enfermagem".

Diante disso, este artigo tem como questão norteadora: Quais são os estereótipos sexistas da enfermagem portuguesa entre o período de 1935 e 1974? Tendo como objetivo identificar esses estereótipos na enfermagem na delimitação de tempo já apontado.

REFERENCIAL TEÓRICO

Em um recorte temporal, situado na década de 30 a 70, Portugal viveu uma das mais longevas ditaduras de toda a Europa Ocidental, denominado como Estado Novo, tendo como figura central, António de Oliveira Salazar Algumas características centrais em destaque: a censura aos meios de comunicação social, a criação da Mocidade Portuguesa: organização juvenil criada, em 1936, com o intuito de orientar a juventude para os valores patrióticos e nacionalistas do Estado Novo e a retirada de todo caráter reivindicatório dos trabalhadores77 Castelo BEA. PO-EX: a poética como acontecimento sob a noite que o fascismo salazarista impôs a Portugal. Revista Brasileira de História [internet]. 2014 jun [citado 2015 set 20]; 34(67): 131-155. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0102-01882014000100007&script=sci_arttext
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Na literatura portuguesa, esse longo período entre a Revolução Militar de 1926 e a Revolução de 25 de abril de 1974, denominado Revolução dos Cravos, caracterizado pela onipresença constante da repressão política e policial, meio século de censura à mídia e aos espetáculos, supressão rigorosa das liberdades fundamentais, com sistema de polícia (PIDE), tribunais especiais e prisões, cujo vértice principal era a violação dos direitos dos cidadãos88 Rosa F. Salazar e o Poder: a arte de saber durar. Lisboa: Tinta da China; 2012..

No que tange a evolução, o sistema de saúde em Portugal, foi marcado pela ideologia caritativa que imprimiu na legislação uma concepção de assistência médico-sanitária. O hospital foi considerado o elemento central do sistema de saúde, tendo as casas de misericórdia, predominantemente, a coordenação dessas atividades e a filosofia subjacente que preconizava a não intervenção do Estado nos problemas de saúde99 Souza PAF. O sistema de saúde em Portugal: realizações e desafios. Acta paul. enferm., [internet]. 2009 jan/mar; [citado 2015 set 25] 22(esp.): 884-94. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/ape/v22nspe/09.pdf
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No início do século XX, havia em Portugal dois tipos de enfermeiras: as religiosas ou congreganistas e as laicas ou seculares. Sendo que os registros da literatura que apontam para a inferioridade da enfermagem praticada pelas religiosas, dado ao fato de não possuírem conhecimentos científicos; não utilizarem vestuário adequado à prática de cuidados; assumirem-se como missionárias e, nesse sentido, imporem as suas crenças e prestarem tratamento diferenciado aos doentes que as não partilhassem; serem hierarquicamente subordinadas à abadessa ou ao abade; revelarem arrogância perante a técnica e mostrarem mais preocupação com a salvação da alma do que com o alívio do sofrimento dos doentes1010 Ferreira ÓR. Enfermagem Religiosa no Portugal do Século XX (1901-1950): Detratores e Apologistas, dois extremos em confronto. Pensar Enfermagem [internet]. 2014 jan/jun; [citado 2015 set 25] 18(1): 66-76. Disponível em: http://pensarenfermagem.esel.pt/files/Artigo6_66_76.pdf
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No que concerne ao entendimento das práticas assistenciais da época, seu conceito esteve quase sempre associado a uma prática de caridade, centrado na abnegação, no esquecimento do eu em detrimento do outro, e comprometido com interesses religiosos, políticos e econômicos1111 Mendes FRP, Mantovani MF. Dinâmicas atuais da enfermagem em Portugal: a representação dos enfermeiros. Rev. bras. enferm. [Internet]. 2010 Abr [citado 2015 Oct 01]; 63(2): 209-215. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0034-71672010000200007
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Em outro ponto, o modelo de formação em enfermagem foi baseado no anglo-americano, o qual preconizava que as alunas fossem detentoras de cultura e educação elevadas, semelhante as dos jovens que se candidatavam aos cursos superiores; que a formação decorresse por um período relativamente longo (três a quatro anos); os estágios deviam ser realizados sob supervisão de docentes enfermeiras1212 Ferreira ÓR. História da Escola Técnica de Enfermeiras (1940-1968) [tese]. Lisboa: Instituto de Educação, Universidade de Lisboa; 2012..

Corroboram outros autores, ao apontarem que, à época, os aspetos da cultura geral eram importantes para o desempenho da profissão, afirmando que: "além da vocação, da caridade para com os enfermos e das noções gerais de enfermagem, a enfermeira necessita, também, de uma cultura geral que lhe permita trocar impressões com o médico e com os doentes1111 Mendes FRP, Mantovani MF. Dinâmicas atuais da enfermagem em Portugal: a representação dos enfermeiros. Rev. bras. enferm. [Internet]. 2010 Abr [citado 2015 Oct 01]; 63(2): 209-215. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0034-71672010000200007
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É válido destacar que a primeira escola de enfermagem fundada em Portugal, em 1881, foi uma iniciativa de Costa Simões, denominada Escola de Enfermagem de Coimbra, não visava à preparação de pessoal para substituição das irmãs de caridade nos serviços hospitalares, na verdade, os hospitais da Universidade de Coimbra nunca tinham se servido por religiosas, segundo ele, tal empreitada era para dar melhor instrução a enfermeiras e enfermeiros e habilitar as criadas do estabelecimento a concorrerem com as vagas1313 Silva AI. A arte de Enfermeiro: Escola de Enfermagem Dr. Ângelo da Fonseca. Coimbra: Imprensa da Universidade de Coimbra, 2008..

Nessa direção, a formação em enfermagem passa por algumas dificuldades, como no caso do insucesso da escola para enfermeiros no hospital de São José em Lisboa: "O curso de enfermeiros não tem dado o resultado que se esperava, principalmente porque os indivíduos aceites para os hospitais são na maior parte analfabetos"1313 Silva AI. A arte de Enfermeiro: Escola de Enfermagem Dr. Ângelo da Fonseca. Coimbra: Imprensa da Universidade de Coimbra, 2008..

Ainda nesse período histórico, a literatura pesquisada volta a enfatizar os critérios de habilitação para o ingresso da educação em enfermagem, em destaque para: considerar a enfermeira como auxiliar do médico ou como elemento auxiliar da medicina, bem como, seus valores religiosos e morais1111 Mendes FRP, Mantovani MF. Dinâmicas atuais da enfermagem em Portugal: a representação dos enfermeiros. Rev. bras. enferm. [Internet]. 2010 Abr [citado 2015 Oct 01]; 63(2): 209-215. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0034-71672010000200007
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MÉTODOS

Trata-se de um estudo histórico de abordagem qualitativa, caracterizado como estudo que se ocupa do passado do homem e consiste em localizar, avaliar e sintetizar, objetivamente, os fatos, a fim de obter conclusões referentes aos acontecimentos do passado, em específico, identificar esses estereótipos na enfermagem portuguesa, no período de 1935 a 19741414 Richardson RJ. Pesquisa Social: métodos e técnicas. São Paulo: Atlas, 1999..

Essa proposta de pesquisa foi originada a partir de articulações entre a Escola de Enfermagem da Universidade Federal da Bahia e a Escola Superior de Enfermagem de Coimbra, para realização de estágio doutoral, quando foi apontada pelo professor da instituição portuguesa a possibilidade de análise do banco com diários das sessões da Assembléia Nacional e da Câmara Corporativa de Portugal, no período de 1935 a 1974.

Vale destacar que esse último já havia feito buscas nesse banco de atos legislativos, no site da Assembléia da República de Portugal, com as seguintes palavras: enfermagem, enfermeira, enfermeiras, enfermeiros e enfermeiro. Foram selecionadas 1687 páginas dos diários das sessões da Assembléia Nacional e da Câmara Corporativa de Portugal.

Os dados foram coletados entre o período de 13 de abril a 27 de agosto de 2015, quando todas as páginas foram lidas, extraídos os textos que tratavam da enfermagem ou da profissional enfermeira.

Para a análise dos achados adotou-se o método de análise de conteúdo, na técnica de análise temática, definido como um método de análise de texto que reduz a complexidade deste, abrangendo técnicas estatísticas e a análise qualitativa dos materiais de pesquisa. Esse método nos permite reconstruir indicadores e cosmovisões, valores, atitudes, opiniões, preconceitos e estereótipos1515 Bauer MW, Gaskell G. Pesquisa qualitativa com texto, imagem e som: um manual prático. 7ª edição. Petrópolis: Editora Vozes, 2008, 516 p..

A análise de dados passou por três etapas, em destaque:

  1. Leitura compreensiva do material selecionado: efetuamos a leitura dos diários legislativos e selecionamos os trechos que tratavam de enfermagem, enfermeiros, enfermeiro, enfermeiras e enfermeira. Estes foram inseridos em uma planilha contendo os dados de identificação do diário, tópico no qual se enquadrava e texto transcrito.

  2. Exploração do material: quando atribuímos sentido aos trechos transcritos, indo além das falas e dos fatos, destacando o tópico principal do parágrafo ou seu tema.

  3. Elaboração da síntese interpretativa: no momento em que aglutinamos trechos transcritos a partir do tema que se tratava, onde emergiram as seguintes categorias de análise: influência das forças armadas na profissão e a enfermagem militar, gênero como uma formação social e enfermagem como campo de trabalho feminino, exploração do trabalho em enfermagem, gênero como uma formação social e a enfermagem como saber auxiliar e enfermagem como sacerdócio.

RESULTADOS

Nesta direção, apresentamos os resultados por décadas apenas por uma questão didática, contudo, entendemos a história numa perspectiva da Escola de Annales, uma história social que correlaciona passado, presente e o futuro, em uma cadeia de acontecimentos contínuos e descontínuos.

Tabela 1
Estereótipos sexistas na Enfermagem Portuguesa na década de 30
Tabela 2
Estereótipos sexistas na Enfermagem Portuguesa na década de 40
Tabela 3
Estereótipos sexistas na Enfermagem Portuguesa na década de 50
Tabela 4
Estereótipos sexistas na Enfermagem Portuguesa na década de 60
Tabela 5
Estereótipos sexistas na Enfermagem Portuguesa na década de 70

DISCUSSÃO

Em caráter didático, discutiremos os tópicos temáticos na sequência do maior para o de menor em ocorrência.

No eixo temático exploração do trabalho em enfermagem, as citações tabuladas revelam uma equipe de enfermeiras submetidas às condições precárias de trabalho, baixos salários, sobrecarga de trabalho, carga horária de trabalho subumana, repercutindo na marginalização da profissão.

Com relação a isso, observamos que o trabalho na enfermagem nasce como essencialmente feminino e, como tal, em uma sociedade patriarcal, sofre opressão, dominação e marginalização. Tal situação se expressa nas condições de trabalho em enfermagem, sustentados na enorme fragilidade da luta por melhores condições de trabalho e de vida, no baixo o índice de sindicalização de mulheres, na alienação, na falta de tradição política da mulher, no elitismo, submissão, falta de consciência de classe (enfermeira não se considera trabalhadora), na acomodação e ignorância1616 Lopes JM. O trabalho da Enfermeira: nem público, nem privado feminino, doméstico e desvalorizado. R. Bras. Enferm. [internet] 1988 Dec [citado 2015 Set 28]; 41(3-4): 211-217. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0034-71671988000400007&script=sci_arttext
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Estudos mais recentes destacam que a enfermagem portuguesa, não diferente de uma maioria mundial, está marcada por grande parte dessas deficiências: más condições de alojamento, alimentação, vencimentos, educação e instrução, em que vivem os nossos enfermeiros e enfermeiras, sendo necessário promover uma campanha a favor de um maior e melhor recrutamento do pessoal de enfermagem, aperfeiçoando o trabalhador para o exercício profissional1111 Mendes FRP, Mantovani MF. Dinâmicas atuais da enfermagem em Portugal: a representação dos enfermeiros. Rev. bras. enferm. [Internet]. 2010 Abr [citado 2015 Oct 01]; 63(2): 209-215. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0034-71672010000200007
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Nos dados encontrados na categoria influência das forças armadas na profissão e a enfermagem militar, observamos que a inserção da mulher no serviço militar ocorreu com o objetivo de dispor de um trabalho voluntariado e caridoso, considerando os interesses expansionistas e econômicos, expressos no valor do corpus social de um soldado.

No entanto, considera-se que a organização militar destacou as contribuições mais elementares da enfermagem, dando destaque para a ação de vigiar os doentes. Por outro lado, marcou essa profissão de forma singular, em especial, implicando na divisão social do trabalho, na separação do saber e fazer, repercutindo na desvalorização do cuidado da enfermeira.

Corroboram outros autores ao afirmarem que a enfermagem sofre grande influencia da organização militar, em especialmente com o princípio da unidade de comando, encontrado na organização linear, tendo suas origens no exército e na época medieval, refletindo na dicotomia entre o pensar e fazer na enfermagem1717 Melo CMM. Divisão do trabalho e enfermagem. São Paulo: Cortez, 1986..

Nessa direção, para alguns autores, a divisão social do trabalho inicia-se nesse período. O serviço de enfermagem era prestado por matron (elemento feminino que dirigia o serviço de enfermagem) e a de sister (para as mulheres encarregadas pela enfermaria), divisão inspirada na organização militar e a hierarquia religiosa, referência datada do período colonial.

Outro aspecto relevante foi destacar as escolas militares de enfermeiras, aqui denominado, formação militar na Enfermagem. Muitos registros versavam sobre a contribuição das instituições militares para recrutar e formar enfermeiras para atuarem nas guerras ou auxiliando o papel colonialista de um país, no caso de Portugal, há estes dois registros.

Dos aspectos encontrados nessa categoria analítica, gênero como uma formação social e enfermagem como saber auxiliar, observamos que a enfermagem é vista como uma prática auxiliar e de colaboração que pode ser moldada a mercê dos interesses e lacunas do serviço.

Algumas autoras afirmam que a respeito da enfermagem, além de ser vista como estruturalmente secundária, a desigualdade com a medicina se acentua pelo fato dela ter uma história ligada ao fazer, desarticulada de uma teorização e de uma formação sistemática e científica e como conseqüência, o reflexo mais forte é a desvalorização e o desprestígio da profissão em relação à medicina1818 Passos E. De Anjos a Mulheres: ideologias e valores na formação de enfermeiras. Salvador: EDUFBA, 2012..

Contudo, o trabalho de enfermagem, demandado pelo avanço tecnológico hospitalar e as epidemias, precisou de um saber técnico-científico próprio, e a apropriação desse saber possibilitou que o Estado entendesse o impacto desse profissional nos serviços e sistemas de saúde a fim de atender às necessidades de saúde da população.

Vale salientar que, apesar dessa compreensão, os atos legislativos buscavam assegurar a hegemonia médica e a submissão da enfermagem, tendo, essa última, como uma prática auxiliar, explorada pela categoria médica, a fim de garantir seus interesses econômicos e profissionais.

Já sobre o eixo temático, gênero como uma formação social e enfermagem como campo de trabalho feminino, notamos que a convocação de trabalhadores esteve sempre voltada ao feminino, bem como, a indução da mulher para ações tidas como "domesticas", em exemplo, para o cuidado.

Algumas autoras colocam que a identificação da enfermagem com essas atividades, tidas como femininas, é uma falácia, bem como a sua explicação de que é decorrente de um "impulso" da mulher que se identifica com o "instinto materno", como um instinto de conservação da espécie presente até nos animais1818 Passos E. De Anjos a Mulheres: ideologias e valores na formação de enfermeiras. Salvador: EDUFBA, 2012..

Ela, a autora, diz que tal afirmação é um mito. A mulher não nasce mãe, e sim, um ser humano de sexo feminino, e os papéis ocupados por ela na sociedade vão sendo construídos dialeticamente a partir das próprias condições histórico-sociais1818 Passos E. De Anjos a Mulheres: ideologias e valores na formação de enfermeiras. Salvador: EDUFBA, 2012..

Esses achados reforçam que a enfermagem nasce como profissão feminina, determinada por uma série de interesses econômicos e sociais, para que fosse tida como uma prática desvalorizada, submissa e explorada, a fim de atender aos interesses do sistema econômico e político vigente.

Por fim, encontramos como categoria de análise a enfermagem como um sacerdócio, com maior ocorrência de citações que relatavam a enfermagem como prática desvelada, caritativa, moralizada e abnegada. Em exemplo: A exigência de que as mulheres contratadas para trabalhar como enfermeiras deveriam ser solteiras e sem filhos, excluindo as casadas, com filhos e viúvas.

Essa determinação impactava na ocorrência de abortos e casamentos ilegais entre as enfermeiras e, por outro lado, servia como agente de vulnerabilização das mulheres exploradas pelo Estado e serviços de saúde.

Percebemos que, ao passo em que é proibida a constituição de família em prol da justificativa da impossibilidade de conciliação do trabalho como enfermeira com a condição de esposa, de algum modo, isso denota o alto grau de exploração dessas trabalhadoras, dando similaridade com o trabalho escravo.

Observamos nos achados legislativos que um número significativo de mulheres, interessadas em exercer a enfermagem tinham, na realidade, interesse nos benefícios atrelados ao período de formação, como um lar, alimentação e possibilidade de estudar.

Tais influências remontam da própria formação Em Portugal, muitas das escolas eram geridas por ordens religiosas ou fundações privadas, com formação centrada no domínio da prática, na primeira parte do Curso. A ênfase era dada para a destreza e perícia manuais e a enfermeira seria um misto de bondade, habilidade e obediência1313 Silva AI. A arte de Enfermeiro: Escola de Enfermagem Dr. Ângelo da Fonseca. Coimbra: Imprensa da Universidade de Coimbra, 2008..

Contudo, em Portugal, houve a justaposição de dois tipos de enfermeiras: as religiosas ou congreganistas e as laicas ou seculares. Estudiosas alertam para a inferioridade da enfermagem praticada pelas religiosas, dado não possuírem conhecimentos científicos; não utilizarem vestuário adequado à prática de cuidados; assumirem-se como missionárias e, nesse sentido, imporem as suas crenças e prestarem tratamento diferenciado aos doentes que as não partilhassem; haver incompatibilidade entre os seus deveres de religiosas e de enfermeiras; serem hierarquicamente subordinadas à abadessa ou ao abade, o que era impeditivo da seleção das enfermeiras mais competentes e da manutenção da estabilidade e qualidade dos cuidados nas enfermarias; revelarem arrogância perante a técnica; exercerem sem título; mostrarem mais preocupação com a salvação da alma do que com o alívio do sofrimento dos doentes e saírem mais dispendiosas que as enfermeiras laicas1010 Ferreira ÓR. Enfermagem Religiosa no Portugal do Século XX (1901-1950): Detratores e Apologistas, dois extremos em confronto. Pensar Enfermagem [internet]. 2014 jan/jun; [citado 2015 set 25] 18(1): 66-76. Disponível em: http://pensarenfermagem.esel.pt/files/Artigo6_66_76.pdf
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Todas essas questões estão atreladas aos estereótipos sexistas, ao papel social preconizado a mulher e ao homem e determinam e corroboram para uma prática profissional em enfermagem alienada e subjugada por interesses econômicos de dominação, opressão e marginalização.

Nessa direção, identificar a enfermeira com o estereótipo de anjo é uma forma de reafirmar uma identidade que à distância do profissionalismo e de uma postura de engajamento político, a mantém como ser que exerce uma ocupação sagrada e serve para afastá-la do aspecto profissional. E essa atitude serve para justificar e ou manter os baixos salários e o status social inferior, que tem marcado a enfermagem ao longo da história1818 Passos E. De Anjos a Mulheres: ideologias e valores na formação de enfermeiras. Salvador: EDUFBA, 2012..

CONCLUSÃO

Retomando a questão de pesquisa, quais são os estereótipos sexistas na Enfermagem Portuguesa entre o período de 1935 a 1974? Observamos que esses estereótipos passam pela construção social e cultural da mulher e, em especifico, marca a enfermagem como prática auxiliar e explorada, representada na figura do anjo.

Percebemos que os achados deste estudo corroboram com os estudos existentes, entretanto, revelam especificidades da enfermagem portuguesa, entre a década de 30 a 70, importantes para a compreensão e superação da trajetória histórica da enfermagem.

Afirmamos a necessidade de compreensão da enfermagem como trabalho, marcada por contextos históricos e culturais, a fim de pensarmos em caminhos para a valorização e o reconhecimento social do trabalho da enfermeira, ficando evidenciado que a história da mulher na sociedade se confunde com a história da enfermagem e que os caminhos construídos foram demarcados por interesses políticos, econômicos e culturais.

Assim, percebemos que apesar da enfermagem nascer como um trabalho auxiliar, sem base científica, esta se torna uma profissão essencial aos serviços e sistemas de saúde, conformando um corpo de conhecimento complexo e próprio, aglutinando saberes de diversas áreas impactando nas necessidades em saúde das populações.

AGRADECIMENTOS

Por fim, devemos agradecer à Escola Superior de Enfermagem de Coimbra, no distrito de Coimbra, da Região Centro de Portugal, que oportunizou e incentivou a realização desta pesquisa e, à Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), que por meio do Programa de Doutorado Sanduíche no Exterior (PDSE) financiou este estudo.

REFERÊNCIAS

  • 1
    Padilha MICS, Vaghetti HH, Brodersen G. Gênero e enfermagem: uma análise reflexiva. Rev Enferm UERJ. [Internet]. 2006 [Citado 2015 Set 29]; 14(2): 292-300. Disponível em: http://repositorio.furg.br/handle/1/1572
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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Apr-Jun 2016

Histórico

  • Recebido
    06 Out 2015
  • Aceito
    19 Jan 2016
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