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Construção de um bundle para alívio da dor na punção arterial norteado pela Tradução do Conhecimento

Elaboración de un paquete de atención para aliviar el dolor en la punción arterial guiado por Traducción del conocimiento

RESUMO

Objetivo

descrever o processo de construção e estratégias de implementação de um bundle para alívio da dor durante a punção arterial do bebê hospitalizado.

Métodos

estudo de abordagem qualitativa feito em uma unidade de terapia intensiva neonatal, por meio de rodas de conversa realizadas com a equipe de enfermagem. A coleta dos dados ocorreu de fevereiro a maio de 2019.

Resultados

os encontros levaram à construção de um bundle composto por quatro itens, formatado ludicamente e que deveria ser anexado à incubadora, previamente à realização da punção.

Conclusões e Implicações para a prática

o processo estimulou a reflexão crítica acerca da própria prática e os profissionais referiram ao uso do bundle como algo possível dentro da unidade, mediante um planejamento para sua inclusão na rotina assistencial. O estudo é pioneiro e apresenta caráter de inovação ao utilizar o bundle para aliviar algo multifacetado como a dor no período neonatal. Apesar de ser algo criado especificamente para a punção arterial, o mesmo pode ser aplicado em demais procedimentos que potencialmente geram dor aguda, uma vez que o foco principal é sempre minimizar o desconforto sentido pelo bebê.

Palavras-chave:
Equipe de Enfermagem; Manejo da Dor; Pacotes de Assistência ao Paciente; Recém-nascido; Unidade de Terapia Intensiva Neonatal

RESUMEN

Objetivo

describir el proceso de elaboración y las estrategias de implementación de un paquete de atención para aliviar el dolor durante la punción arterial de bebés internados.

Métodos

estudio de enfoque cualitativo realizado en una unidad de cuidados intensivos neonatales a través de rondas de conversación realizadas con el equipo de Enfermería. La recolección de datos tuvo lugar de febrero a mayo de 2019.

Resultados

las reuniones derivaron en la elaboración de un paquete de atención que consta de cuatro elementos, formateados en forma lúdica y que deben adjuntarse a la incubadora antes de la punción.

Conclusiones e Implicaciones para la práctica

El proceso estimuló la reflexión crítica sobre la propia práctica y los profesionales mencionaron el uso del paquete de atención como algo viable dentro de la unidad, a través de la planificación para su inclusión en la rutina de atención. El estudio es pionero y presenta un carácter innovador al utilizar el paquete de atención para aliviar algo multifacético como el dolor en el período neonatal. A pesar de haber sido creado específicamente para la punción arterial, también puede aplicarse en otros procedimientos con potencial para generar dolor agudo, ya que el enfoque principal siempre es minimizar las molestias que siente el bebé.

Palabras clave:
Manejo del Dolor; Equipo de Enfermería; Paquetes de Atención al Paciente; Recién Nacido; Unidad de Cuidados Intensivos Neonatales

ABSTRACT

Objective

to describe the elaboration process and implementation strategies of a bundle for pain relief during arterial puncture in hospitalized infants.

Methods

a qualitative approach study carried out in a neonatal intensive care unit, through conversation circles held with the Nursing team. Data collection took place from February to May 2019.

Results

the meetings led to the elaboration of a bundle consisting of four items, in a playful format, and which should be attached to the incubator prior to the puncture.

Conclusion and Implications for the practice

The process stimulated critical reflection about the practice itself and the professionals mentioned use of the bundle as something feasible within the unit, through planning for its inclusion in the care routine. The study is pioneering and presents an innovative character when using the bundle to relieve a multifaceted issue such as pain in the neonatal period. Despite having been specifically created for arterial puncture, it can also be applied in other procedures that potentially generate acute pain, as the main focus is always to minimize the discomfort felt by the infant.

Keywords:
Neonatal Intensive Care Unit; Newborn; Nursing Team; Pain Management; Patient Care Packages

INTRODUÇÃO

A aplicação prática de pesquisas previamente realizadas juntamente com as evidências científicas ainda constitui-se um desafio no mundo contemporâneo. Geralmente, muitos anos transcorrem até que o conhecimento seja efetivamente implementado na área da saúde, tornando a assistência muitas vezes pautada no âmbito subjetivo e impactando diretamente na qualidade do cuidado11 Andrade KRC, Pereira MG. Knowledge translation in the reality of Brazilian public health. Rev Saude Publica [Internet]. 2020; [citado 13 fev 2021];54:72. Disponível em: https://www.scielo.br/pdf/rsp/v54/1518-8787-rsp-54-72.pdf
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Existem diversos termos para descrever pesquisas que efetivamente tentam diminuir essa lacuna, sendo a Tradução do Conhecimento (TC), uma delas22 World Health Organization. “Bridging the “know-do” gap meeting on knowledge translation in global health”; 10-12 Oct 205; Geneva, Switzerland. Geneva: WHO; 2005.. A TC é definida como um processo dinâmico e interativo cujo objetivo foca na melhoria dos serviços e produção de ferramentas eficazes de saúde. O referencial se baseia na proposição de que o conhecimento produzido via pesquisa primaria e sua divulgação não é suficiente para garantir que sejam aplicados na prática, tampouco interferem na tomada de decisões33 Elledge C, Avworo A, Cochetti J, Carvalho C, Grota P. Characteristics of facilitators in knowledge translation: an integrative review. Collegian. 2019;26(1):171-82. http://dx.doi.org/10.1016/j.colegn.2018.03.002.
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Uma proposta de aplicação prática do conhecimento em conjunto com a equipe assistencial é a utilização dos bundles. O bundle também conhecido como pacotes de assistência ao paciente, é uma ferramenta de baixo custo, na qual as evidências acerca de determinada temática são agrupadas e aplicadas conjuntamente, visto que dessa forma o resultado é mais efetivo do que quando as mesmas são aplicadas separadamente. O instrumento tem sido amplamente utilizado em contextos relacionados à taxa de pneumonia hospitalar e infecções por corrente sanguínea44 Costa CAB, Araújo FL, Costa ACL, Corrêa AR, Kusahara DM, Manzo BF. Central Venous Catheter bundle: professional knowledge and behavior in adult Intensive Care Units. Rev Esc Enferm USP. 2020;54:e03629. https://doi.org/10.1590/S1980-220X2019011203629.
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Tanto a TC como o bundle podem ser utilizados em diversos contextos, mas dentro da Unidade de Terapia Intensiva Neonatal (UTIN), sua aplicação ainda é sucinta. Por se tratar de um setor de alta especificidade, destinado a atender bebês logo após o nascimento, geralmente de alto risco e que necessitam de assistência contínua, acredita-se que tanto essa população como os profissionais que atuam na área podem se beneficiar da mesma55 Costa TMS, Oliveira ES, Rocha RRA, Santos KVG, Dantas JKS, Dantas RAN et al. Massage for neonatal pain relief in intensive care units: a scoping review. Rev Rene. 2021;22:e60597. http://dx.doi.org/10.15253/2175-6783.20212260597.
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Estima-se que nas duas primeiras semanas de vida os prematuros sejam submetidos a aproximadamente 2.883 procedimentos como punções arteriais e venosas, glicemia capilar, aspiração, cateterismos e manipulação excessiva. O manuseio inadequado, a falta de organização neuropsicotomotora e a disposição do bebê para o cuidado, pode ser interpretado pelo córtex prematuro como um estímulo doloroso. Dessa forma, torna-se extremamente pertinente e necessário reconhecer o potencial danoso que simples ações cotidianas dentro da assistência neonatal podem causar66 Orovec A, Disher T, Caddell K, Campbell-Yeo M. Assessment and management of procedural pain during the entire neonatal intensive care unit hospitalization. Pain Manag Nurs. 2019;20(5):503-11. http://dx.doi.org/10.1016/j.pmn.2018.11.061. PMid:31103509.
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A punção arterial é um procedimento altamente doloroso e realizado de forma rotineira dentro da unidade neonatal, e os profissionais de enfermagem participam ativamente dessa prática. A capacitação adequada da equipe que presta assistência, de maneira a estimular a avaliação rotineira da dor como quinto sinal vital, seguido da minimização dos procedimentos ou, quando necessária sua realização, a aplicação de intervenções farmacológicas e não farmacológicas para alívio do desconforto é extremamente necessária77 Maciel HIA, Costa MF, Costa ACL, Marcatto JO, Manzo BF, Bueno M. Medidas farmacológicas e não farmacológicas de controle e tratamento da dor em recém-nascidos. Rev Bras Ter Intensiva. 2019;31(1):21-6. http://dx.doi.org/10.5935/0103-507x.20190007. PMid:30916233.
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. Dessa forma, estabeleceu-se como objetivo do estudo, descrever o processo de construção e estratégias de implementação de um bundle para alívio da dor durante a punção arterial do bebê hospitalizado.

MÉTODO

Trata-se de um estudo descritivo, participativo e de abordagem qualitativa, integrante de uma pesquisa de doutorado intitulada: “Construção de um bundle para o manejo da dor durante a punção arterial e recém-nascidos prematuros”, cujo objetivo foi desenvolver e implementar um bundle para alívio da dor na punção arterial do RN.

O referencial teórico-metodológico que norteou o estudo e que visa à articulação e o intercâmbio entre a produção de evidências científicas e as práticas assistenciais foi o marco conceitual desenvolvido no Canadá e traduzido para o Brasil chamado Tradução do Conhecimento (TC)88 Graham ID, Logan J, Harrison MB, Straus SE, Tetroe J, Caswell W et al. Lost in knowledge translation: time for a map? J Contin Educ Health Prof. 2006;26(1):13-24. http://dx.doi.org/10.1002/chp.47. PMid:16557505.
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. O Canadian Institute of Health Research (CIHR) define a TC como um processo dinâmico e interativo que inclui a síntese, difusão, intercâmbio e aplicação eticamente sólida do conhecimento para melhorar a saúde, fornecer serviços de saúde e produtos mais eficazes, além de melhorar o sistema99 Melo RHV, Felipe MCP, Cunha ATR, Vilar RLA, Pereira EJS, Carneiro NEA et al. Roda de Conversa: uma Articulação Solidária entre Ensino, Serviço e Comunidade. Rev Bras Educ Med. 2016 jun;40(2):301-9. http://dx.doi.org/10.1590/1981-52712015v40n2e01692014.
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As estratégias da TC consideram que a criação do conhecimento via pesquisa primária com a criação de revisões sistemáticas e diretrizes, e sua simples divulgação, não são suficientes para garantir sua aplicabilidade na tomada de decisão, contribuindo para o aumento da lacuna existente entre teoria e prática1010 Vaishali T, Deepti S, Tessy SS. A care bundle approach: quality nursing care. IJANM. 2020;8(3):257-9. http://dx.doi.org/10.5958/2454-2652.2020.00056.6.
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Diversos modelos de aplicação permeiam o referencial escolhido. O modelo chamado Knowledge to Action (KTA) é composto de seis fases dinâmicas e interdependentes, que levam à aplicação do conhecimento baseado em: identificar um problema que precisa ser abordado; identificar, analisar e selecionar o conhecimento ou a pesquisa relevante para o problema; adaptar o conhecimento ou pesquisa identificados ao contexto local; avaliar barreiras ao uso do conhecimento; selecionar, adaptar e implementar intervenções para promover o uso do conhecimento (ou seja, implementar a mudança); monitorar o uso do conhecimento; avaliar os resultados da utilização do conhecimento; sustentar o uso contínuo do conhecimento1111 Silva AG, Oliveira AC. Impacto da implementação dos bundles na redução das infecções da corrente sanguínea: uma revisão integrativa. Texto Contexto Enferm. 2018;27(1):e3540016. http://dx.doi.org/10.1590/0104-07072018003540016.
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O KTA foi posteriormente traduzido para o português, sendo então denominado de Conhecimento para Ação (CPA). Seu ponto de partida envolve a identificação de um problema por um grupo ou indivíduo específico1212 Vieira ACG, Gastaldo D, Harrison D. How to translate scientific knowledge into practice? Concepts, models and application. Rev Bras Enferm. 2020;73(5):e20190179. http://dx.doi.org/10.1590/0034-7167-2019-0179. PMid:32609213.
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. Na figura abaixo (Figura 1) se pode observar o CPA adaptado para o contexto e sua aplicação dentro do estudo:

Figura 1
Uso do CPA1212 Vieira ACG, Gastaldo D, Harrison D. How to translate scientific knowledge into practice? Concepts, models and application. Rev Bras Enferm. 2020;73(5):e20190179. http://dx.doi.org/10.1590/0034-7167-2019-0179. PMid:32609213.
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durante a coleta de dados.

A etapa relacionada à observação não participante ocorreu no período de outubro de 2018 a janeiro de 2019 e teve por objetivo realizar um diagnóstico inicial da unidade acerca das medidas de alívio da dor realizadas durante a punção arterial bem como os escores de dor durante o procedimento. Tais resultados foram posteriormente expostos à equipe durante a realização das rodas de conversa.

A pesquisa foi realizada na UTIN de um hospital privado do Noroeste do Paraná. Trata-se de unidade neonatal e pediátrica que atende pacientes proveniente do Sistema Único de Saúde, e presta assistência a RNs e crianças até 11 anos e 29 dias. Conta com 12 leitos de unidade intensiva e três leitos que ficam fora da UTIN, dentro de um quarto de enfermaria e que compõem a unidade semi-intensiva.

A equipe de enfermagem da unidade em questão é composta por uma enfermeira coordenadora, uma enfermeira assistencial e cinco técnicos de enfermagem por turno (matutino, vespertino e os dois períodos noturnos), totalizando 25 profissionais. Estabeleceu-se como critérios de inclusão: profissionais de enfermagem atuantes na assistência direta e indireta dos recém-nascidos hospitalizados na unidade. Foram excluídos do estudo os profissionais que, no momento da coleta, estavam ausentes por férias ou licenças médicas. Em relação aos dados sociodemográficos, foram coletadas informações referentes a idade, tempo de formação e atuação na unidade e realização de pós graduação. A coleta dos dados ocorreu no período de fevereiro a maio de 2019.

As rodas de conversa99 Melo RHV, Felipe MCP, Cunha ATR, Vilar RLA, Pereira EJS, Carneiro NEA et al. Roda de Conversa: uma Articulação Solidária entre Ensino, Serviço e Comunidade. Rev Bras Educ Med. 2016 jun;40(2):301-9. http://dx.doi.org/10.1590/1981-52712015v40n2e01692014.
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, tiveram objetivo de analisar as opiniões do grupo para compor o diagnóstico da unidade e traçar estratégias para melhorar a assistência, no tangente ao tópico específico do manejo da dor. Primou-se pela discussão de estratégias simples e que na visão da equipe pudessem ser encaixadas dentro da rotina assistencial, e ao mesmo tempo que já fossem consolidadas enquanto evidências científicas no tangente ao alívio da dor1313 Riddell RRP, Racine NM, Gennis HG, Turcotte K, Uman S, Horton RE, et al. Non-pharmacological management of infant and young child procedural pain. Cochrane Database Syst Ver. 2015;(12):CD006275. http://dx.doi.org/10.1002/14651858.CD006275.pub3.
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.

Todos os encontros foram realizados mediante um instrumento formulado pela pesquisadora composto pelas seguintes questões de apoio: conte-me como é sua rotina na unidade, como ocorrem as coletas de exame, o que podemos fazer de diferente, qual seu conhecimento sobre bundle. As perguntas tiveram a finalidade de nortear as discussões.

Os participantes se encontravam na sala de reuniões da unidade, e as rodas tiveram uma duração média de 30 minutos. O horário para início da atividade foi definido pela equipe de modo que fosse mais conveniente e não interferisse na sua rotina. Os encontros foram realizados com no mínimo dois e no máximo quatro profissionais. Não houve separação entre enfermeiros e técnicos de enfermagem.

No total, foram realizadas oito rodas de conversa. Os primeiros quatro encontros tiveram a finalidade de delinear como era desenvolvida a rotina da unidade, tanto no âmbito mais geral, como durante as coletas de exame, de maneira a levantar como os profissionais percebiam sua prática, elencando dúvidas e fragilidades nesse processo. Ao mesmo tempo, foi questionado de que forma a coleta dos exames poderia ser melhorada.

As rodas subsequentes tinham o intuito de discutir com a equipe os métodos não farmacológicos para o alívio da dor na punção arterial, elencar juntamente com os profissionais, quais itens que fariam a composição do bundle e discutir sobre suas estratégias de implementação. Os itens elencados para sua composição, além de terem sido escolhidos pela equipe, também possuíam alto grau de recomendação1111 Silva AG, Oliveira AC. Impacto da implementação dos bundles na redução das infecções da corrente sanguínea: uma revisão integrativa. Texto Contexto Enferm. 2018;27(1):e3540016. http://dx.doi.org/10.1590/0104-07072018003540016.
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e foram determinados por meio de buscas em bases de dados fortemente reconhecidas.

As rodas de conversa foram registradas em áudio e posteriormente transcritas na íntegra. Após transcrição, os relatos foram analisados juntamente com os dados provenientes do diário de campo, e categorizados segundo a técnica de análise de conteúdo1414 Bardin L. Análise de conteúdo. Tradução de Luís Augusto Pinheiro. São Paulo: Edições 70; 2016.. Após análise dos dados evidenciou-se que cada categoria emergida compreendia uma fase do processo de construção do bundle. Num primeiro momento, a equipe refletiu sobre sua prática assistencial, posteriormente foi analisado o momento da coleta dos exames de sangue em especial a punção arterial e no terceiro momento, abordou-se sobre o bundle e como este poderia ser construído e implementado dentro da unidade. Ressalta-se que o bundle foi construído em conjunto com a equipe e durante as rodas de conversa. Os relatos oriundos destes momentos foram descritos para ilustrar o processo de construção.

O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos da Universidade Estadual de Maringá. A todos que aceitaram participar, foi entregue um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TLCE), o qual foi assinado em duas vias, em consonância aos preceitos éticos preconizados pela Res. 466/2012-CNS. A confidencialidade das informações foi observada por meio da codificação dos sujeitos e instituições participantes.

RESULTADOS

Todos os participantes eram do sexo feminino com idade entre 25 e 35 anos, e média de 33 anos. Em relação ao tempo de atuação na unidade, este variou entre dois meses e dois anos. Duas enfermeiras tinham completado pós-graduação. Em relação aos técnicos de enfermagem, o tempo na unidade variou entre duas semanas e cinco anos. A idade variou entre 19 e 44 anos, e média de 28 anos. No total, participaram cinco enfermeiras e 15 técnicos de enfermagem.

A análise dos relatos revelou que não há diferenças importantes entre os turnos, o que permitiu a análise dos dados em conjunto, sem necessidade de especificação do período. O mesmo ocorreu em relação às categorias profissionais, técnicos de enfermagem e enfermeiros, que compartilhavam percepções e práticas similares no que tange ao tema de investigação. A partir da análise, emergiram três categorias: Unidade de terapia intensiva neonatal: sobre o fazer cotidiano da equipe de enfermagem; Coleta de exames e alívio da dor; e O bundle e sua aplicabilidade.

A primeira categoria está relacionada a como os profissionais enxergavam sua própria prática, a segunda direcionada especificamente às coletas de exames arteriais e alivio da dor e a terceira diz respeito ao uso do bundle. As três categorias em conjunto descrevem como foi o processo de criação do instrumento e sua forma de aplicabilidade dentro da unidade. Ressalta-se que o bundle foi construído e validado com os profissionais de enfermagem atuantes da unidade e que participaram das rodas de conversa. Todo o processo de seleção dos itens, composição da imagem, cores e a forma como ele seria utilizado e que estão descritos nas categorias, também foi definida em conjunto com a equipe.

Unidade de terapia intensiva neonatal: sobre o fazer cotidiano da equipe de enfermagem

Quando questionados sobre como era desenvolvida a rotina, os técnicos de enfermagem referiram que esta era bem delimitada, iniciando-se no momento em que chegavam, dividiam-se na escala, e iniciavam o trabalho transcrevendo as etiquetas dos medicamentos que seriam administrados no período.

Posteriormente, verificavam sinais vitais, realizavam troca de fraldas, e quando necessário, auxiliavam nas coletas de sangue. Ajudavam na aspiração de vias áreas superiores e endotraqueal dos bebês com a fisioterapeuta, e procediam a administração da dieta via cateter nasogástrico ou via oral. Quando o bebê estava sendo amamentado, auxiliavam as mães a pegá-lo no colo:

A gente pega o plantão, tira as medicações, vai até o leito, vê o que está faltando, pede os materiais que vamos usar ... depois a gente começa a troca de fraldas, vê os sinais vitais, e faz as medicações de horário ... (E3).

A gente chega, pega o plantão com a equipe junto, depois a gente controla, passa leite, troca fralda [...] (E5).

A rotina noturna apresentava pequenas diferenças, pois nesse período estão inclusos os banhos e a pesagem dos bebês. Um aspecto merecedor de destaque, diz respeito à quantidade de profissionais presentes na unidade no período noturno, bastante inferior ao quantitativo de pessoal do diurno:

É bem diferente do dia, não temos residente, nem fisioterapeuta, nem nada... somos só nós e o médico. Fica basicamente para nós, dar os banhos, controlar sinais e meu exame físico (E2).

Em relação aos enfermeiros, verificou-se uma rotina muito próxima daquela relatada pelos técnicos de enfermagem, incluindo o auxílio no controle de sinais vitais, administração de medicamentos e dieta. A estes procedimentos somavam-se as coletas de exame, solicitação de reparo de equipamentos e materiais, além da organização geral da unidade. Não foi reconhecida sua rotina específica, enquanto líder e formador dos demais liderados.

A gente chega e pega o plantão; a doutora distribui a coleta dos exames, depois saem as prescrições e a avaliação das crianças. A gente apraza os horários, administra os medicamentos, troca os soros (E15).

Coleta de exames e alívio da dor

Sobre a rotina para coleta dos exames, evidenciou-se uma reprodução de comportamentos entre os profissionais, reforçando o aspecto tecnicista, bem como a falta de um planejamento adequado para tal momento:

Quando a gente está auxiliando, preparamos o material, os frascos, as identificações. Na hora da coleta, não se faz medicação para dor, mas a gente pode fazer medidas de conforto, colocando o dedo para sugar, ás vezes faz uma glicose...(E4).

Tem a glicose e a chupetinha que a gente faz com a luva, mas a gente só faz quando não tem aparelho. A gente faz em todo mundo quando chora ... quando não precisa, a gente não faz, depende se ele vai chorar ou não (E7).

Se ele estiver muito choroso, a gente faz a sucção não nutritiva e procura mantê-lo calmo, segurando firme. Antes a gente não faz não. Só se ele chorar durante o procedimento (E12).

Percebe-se que a preocupação com a dor acontece quando o bebê manifesta algum tipo de desconforto, ou até mesmo, dificultando a coleta de sangue. Não se evidenciou pelos relatos uma estratégia prévia, para a prevenção ou minimização a priori desta resposta:

Se o nenê estiver calmo, eu espero. Se estiver tranquilo, não faço nada não. Tem alguns que precisa, porque são muito estressados, agitados; algum as vezes dá uma choradinha e logo já param. Não tem aquele estresse todo, sabe?! (E10).

Eu separo o material e vou até o leito. Se tiver glicose eu uso a gente sempre colhe arterial, palpo bem para não errar e não precisar furar de novo. Se não tem glicose, eu coloco o dedinho de luva. Quando está intubado ou é uma criança muito hipoativa, eu não faço nada, porque ele não esboça reação, não é? Nem de dor, nem de nada (E11).

O fato de caracterizarem o bebê como estressado ou agitado, ao mesmo tempo em que percebem o bebê como “hipoativo” ou como alguém que “não expressa nenhuma reação”, chama a atenção, pois pode estar relacionado à falta de conhecimento acerca das características da população neonatal e da forma como estes se expressam.

Muitos colaboradores ressaltaram a necessidade de planejamento para a realização do cuidado de forma adequada, destacando o fator tempo como influenciador deste processo, já que os casos de urgência acabam por gerar uma prática automatizada:

Quando não é a correria, ou um exame de urgência, a gente tenta, no paciente intubado, o enrolamento; e nos não intubados, a gente aplica a glicose via oral 25% ... Se... a glicose já estiver no leito, tudo pronto, dá para fazer sempre. Se não estiver e eu precisar ir atrás, fazer a solicitação para farmácia, esperar a glicose subir da farmácia, aí fica inviável. É uma questão de organizar ... (E2).

Eu acredito que é possível, essa parte não farmacológica do alívio da dor, eu acredito que sim ... geralmente quando eu vou coletar, e não é um bebê que está intubado e sedado, que aí eles já nem estão sentindo dor, eu geralmente uso a sucção não nutritiva e a glicose, porque o que for medicamentoso, tem que estar prescrito ... então eu ofereço a glicose, e a técnica que está comigo faz a sucção. Quando a gente faz isso, o nenê nem fica agitado e muitas vezes, só puxa o bracinho na hora da picada, só, depois fica tranquilo (E1).

Percebe-se assim uma reprodução de comportamentos realizados de forma automática, sem uma reflexão sobre as motivações para fazê-lo ou acerca de como tais estratégias poderiam ser otimizadas.

O Bundle e sua aplicabilidade

Nesse momento, verificou-se que o desconhecimento acerca do termo bundle enquanto estratégia para aplicação de evidências na prática foi unânime entre todos os participantes dos grupos:

Bundle? Não. Nunca ouvi falar (E7).

Bundle? Não conheço, nunca me falaram (E13).

Após serem orientados sobre o que seria um bundle, a pesquisadora questionou de que forma seria possível a aplicação deste conjunto de cuidados dentro da unidade. As estratégias destacadas pelos colaboradores incluíram:

Podia ser algo junto com os materiais. Você vai pegar o scalp e a seringa, e você já pega a glicose, como se fosse um conjunto daquilo, é um kit, o kit do exame. Às vezes na correria, infelizmente não dá para esperar a glicose ..., mas se tiver tudo pronto, e for só pegar, tem que funcionar (E6).

Durante as rodas de conversa, foi possível definir quais itens seriam selecionados para compor o bundle final. A pesquisadora atuou como mediadora, trazendo quais evidencias existiam na literatura para esta faixa etária e baseado nestas, foram selecionadas as seguintes medidas: oferta de glicose 25% administrada na porção anterior da língua dois minutos antes do procedimento; sucção não nutritiva com o dedo enluvado; e realização de somente uma punção. A amamentação e o balançar/segurar não foram escolhidas pela equipe em virtude de não se serem viáveis para o contexto naquele momento. O produto final construído pode ser verificado na figura abaixo (Figura 2):

Figura 2
Bundle para alívio da dor durante a punção arterial.

Delimitou-se que o bundle deveria ser anexado à incubadora ou berço aquecido do bebê, como forma de lembrete, para que nenhum dos itens fosse esquecido durante a coleta.

É corrido, mas é algo que já está dentro do alcance. Não é nada além do que a gente já faz, não vai tomar mais tempo do que a gente já gasta. Dá para fazer sim! Só falta organizar mesmo, colocar como rotina (E10).

Sua apresentação foi realizada para todos os turnos e a aplicação prática se deu posteriormente, no período da manhã visto que na unidade estudada a coleta dos exames ocorre prioritariamente nesse horário, salvo exceções decorrentes da gravidade dos bebês.

DISCUSSÃO

A utilização do CPA durante o processo de construção do bundle permitiu identificar juntamente com a equipe quais fragilidades existiam durante a assistência, de que forma poderíamos pensar em estratégias para corrigir tais dificuldades, em especial a falta de manejo da dor durante a coleta de sangue arterial e traçar em conjunto, a forma de aplicação do bundle dentro da unidade. Estudos realizados com a aplicação do modelo, em um contexto de pessoas que residem em instituições de longa permanência1515 Doré I, Plante A, Bedrossian N, Montminy S, St-Onge K, St-Cyr J et al. Developing practice guidelines to integrate physical activity promotion as part of routine cancer care: a knowledge-to-action protocol. PLoS One. 2022;17(8):e0273145. http://dx.doi.org/10.1371/journal.pone.0273145. PMid:35969619.
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, para acompanhamento e tratamento de pacientes com câncer1616 Heckman GA, Boscart V, Quail P, Keller H, Ramsey C, Vucea V et al. Applying the knowledge-to-action framework to engage stakeholders and solve shared challenges with person-centered advance care planning in long-term care homes. Can J Aging. 2022;41(1):110-20. http://dx.doi.org/10.1017/S0714980820000410. PMid:33583447.
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e aqui no Brasil para diminuir a dor em bebê até 12 meses durante a imunização1212 Vieira ACG, Gastaldo D, Harrison D. How to translate scientific knowledge into practice? Concepts, models and application. Rev Bras Enferm. 2020;73(5):e20190179. http://dx.doi.org/10.1590/0034-7167-2019-0179. PMid:32609213.
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, também demonstraram resultados positivos.

Foi possível observar que todos os turnos de trabalho percebiam sua rotina como algo simples, mecanizada e fragmentada. Neste cenário, a assistência é organizada dentro de uma rotina de caráter compulsório, sem destaque ao cuidado individualizado, visando somente atender uma necessidade pontual, e sem maiores preocupações com relação ao provimento do sentimento de segurança e conforto ao bebê. Diante de tal constatação, supõe-se que alguns profissionais não sejam capazes de reconhecer a importância de seu trabalho assistencial, e o impacto deste processo cuidativo sobre a vida dos bebês assistidos. Isto acaba por gerar um ciclo vicioso que alimenta um processo assistencial mecanizado, sem foco na individualização e humanização do cuidado.

A equipe de enfermagem é aquela que permanece a maior parte do tempo com o paciente. Nesta perspectiva, por permanecerem cuidando do mesmo recém-nascido por muito tempo, estes profissionais acabam por melhor conhecer as peculiaridades deste bebê e sua família, o que por sua vez possibilita a assistência pautada nas necessidades individuais deste binômio1717 Exequiel NP, Milbrath VM, Gabatz RIB, Vaz JC, Hirschmann B, Hirschmann R. Vivências da família do neonato internado em unidade de terapia intensiva. Enferm Atual. 2019;88(27):1-9. http://dx.doi.org/10.31011/reaid-2019-v.89-n.27-art.466.
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Observou-se nos relatos acerca do fazer assistencial dos enfermeiros, uma incapacidade destes de reconhecer seu papel de liderança e na formação/educação permanente de sua equipe. O fazer profissional foi fortemente associado a habilidades técnicas e à execução de procedimentos, nos moldes expressos pelos técnicos da equipe.

O fato de os profissionais não conseguirem enxergar seu papel enquanto líderes formadores da equipe levanta uma preocupação acerca da capacidade crítica e reflexiva dos mesmos, e do quanto esta lacuna pode comprometer as mudanças necessárias para a qualificação crescente do cuidado1818 Sade PMC, Peres AM, Brusamarello T, Das Mercês NNA, Wolff LDG, Lowen IMV. Demandas de educação permanente de enfermagem em hospital de ensino. Cogitare Enferm. 2019;24:e57130. http://dx.doi.org/10.5380/ce.v24i0.57130.
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A visão reducionista da assistência e da rotina da unidade, restrita ao sequenciamento de procedimentos técnicos do setor, demonstra que a atualização em procedimentos técnicos, assim como os cuidados de enfermagem a pacientes críticos têm se revelado como uma grande preocupação dentro do contexto da educação permanente1818 Sade PMC, Peres AM, Brusamarello T, Das Mercês NNA, Wolff LDG, Lowen IMV. Demandas de educação permanente de enfermagem em hospital de ensino. Cogitare Enferm. 2019;24:e57130. http://dx.doi.org/10.5380/ce.v24i0.57130.
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. Na grande maioria das vezes, verificam-se por parte das empresas e instituições, políticas de treinamento direcionadas a demandas tecnicistas, e que buscam tratar de temas ligados ao “como fazer”, e pouco preocupadas com o exercício reflexivo do “por que fazer”1919 Koerich C, Erdmann AL. Meanings attributed by nursing staff about permanent education in cardiovascular institution. Rev Rene. 2016;17(1):93-102. http://dx.doi.org/10.15253/2175-6783.2016000100013.
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Há, portanto, uma necessidade de se repensar o desenvolvimento e a educação no ambiente de trabalho, para proporcionar aos profissionais, espaços que estimulem o pensamento crítico, focados na articulação entre os saberes e práticas. Verifica-se uma busca por aprimorar ações educativas voltadas às equipes de uma forma flexível, reflexiva e participativa, a fim de contribuir para a qualidade da assistência, por meio do desenvolvimento e crescimento profissional2020 Mello AL, Backes DS, Terra MG, Rangel RF, Nietsche EA, Salbego C. (Re) pensando a educação permanente com base em novas metodologias de intervenção em saúde. Rev Cuba Enferm [Internet]. 2017; [citado 13 fev 2021];33(3). Disponível em: http://www.revenfermeria.sld.cu/index.php/enf/article/view/1104
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Aos achados específicos relacionados ao controle e alívio da dor, encontrou-se que os profissionais têm percepção de que os bebês sentem dor, porém a mesma ainda é avaliada de forma subjetiva. Os participantes revelaram não ter conhecimento de que a simples manipulação já é suficiente para causar um estímulo álgico e que, principalmente, diante de procedimentos sabidamente dolorosos como a punção arterial, faz-se premente um planejamento adequado e prévio, voltado à prevenção e minimização dos efeitos negativos provocados pela dor2121 Shinners J, Graebe J. Continuing Education as a Core Component of Nursing Professional Development. J Contin Educ Nurs. 2020;51(1):6-8. http://dx.doi.org/10.3928/00220124-20191217-02. PMid:31895463.
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São escassos os estudos que tratam especificamente da punção arterial enquanto fator estressor e causador de dor no bebê; entretanto, quando se fala em extração de sangue, sabe-se que bebês com idade gestacional entre 28 e 31 semanas são fisiologicamente mais reativos, pois apresentam indicações comportamentais e cardiovasculares significativas de estresse, tornando-os mais vulneráveis a complicações futuras, quando comparados a bebês com idade gestacional maior2222 Querido DL, Christoffel MM, Almeida VS, Esteves APVDS, Andrade M, Amim J Jr. Fluxograma assistencial para manejo da dor em Unidade de Terapia Intensiva Neonatal. Rev Bras Enferm. 2018;71(suppl 3):1360-9. http://dx.doi.org/10.1590/0034-7167-2017-0265.
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Deste modo, sabendo-se que a exposição do neonato a uma experiência dolorosa como a coleta de exame, agrava a condição de estresse deste bebê, estratégias para diminuição do estímulo deveriam estar sendo aplicadas previamente, e não no curso do procedimento invasivo, quando os níveis de estresse atingem o pico máximo2323 Rebelato CTS, Stumm F. Análise da dor e do cortisol livre em recém-nascidos em terapia intensiva com procedimentos terapêuticos. Rev Dor. 2019;2(2):159-65. http://dx.doi.org/10.5935/2595-0118.20190029.
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A determinação de realizar somente uma punção durante o processo de construção do bundle foi baseada na literatura e corrobora com o pensamento acima apresentado, no sentido de que quanto maior a manipulação, maior o estresse do bebê e consequentemente o risco de desestabilização também estaria aumentado1313 Riddell RRP, Racine NM, Gennis HG, Turcotte K, Uman S, Horton RE, et al. Non-pharmacological management of infant and young child procedural pain. Cochrane Database Syst Ver. 2015;(12):CD006275. http://dx.doi.org/10.1002/14651858.CD006275.pub3.
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Ao serem questionados acerca das medidas não farmacológicas realizadas durante a punção, os participantes referiram falta de tempo e de recursos como fatores determinantes para sua utilização. Um estudo identificou que, dos 237 enfermeiros neonatais abordados, 81% relataram o uso de instrumentos para avaliação da dor, 83% confiavam no uso das medidas farmacológicas e 79% nas medidas não farmacológicas. Segundo os autores, a gestão da dor foi implementada com base nos treinamentos realizados acerca do uso dos instrumentos adequados para avaliação, e a partir de protocolos estabelecidos pela instituição2222 Querido DL, Christoffel MM, Almeida VS, Esteves APVDS, Andrade M, Amim J Jr. Fluxograma assistencial para manejo da dor em Unidade de Terapia Intensiva Neonatal. Rev Bras Enferm. 2018;71(suppl 3):1360-9. http://dx.doi.org/10.1590/0034-7167-2017-0265.
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Utilizar somente o choro ou agitação do bebê como parâmetro de avaliação torna tal mensuração inadequada e incompleta. Ainda é necessário sensibilizar e capacitar a equipe quanto às formas de avaliação da dor no bebê, e a partir de sua adequada identificação possam ser implementadas medidas de alívio efetivas para sua prevenção ou minimização2121 Shinners J, Graebe J. Continuing Education as a Core Component of Nursing Professional Development. J Contin Educ Nurs. 2020;51(1):6-8. http://dx.doi.org/10.3928/00220124-20191217-02. PMid:31895463.
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Embora o choro seja reconhecido como um método primário de comunicação do RN, sua avaliação isolada limita o diagnóstico da dor, uma vez que alguns bebês acabam não chorando durante o procedimento doloroso, mas apresentam outros sinais, como alteração de mímica facial, alteração de sinais vitais e distúrbios metabólicos66 Orovec A, Disher T, Caddell K, Campbell-Yeo M. Assessment and management of procedural pain during the entire neonatal intensive care unit hospitalization. Pain Manag Nurs. 2019;20(5):503-11. http://dx.doi.org/10.1016/j.pmn.2018.11.061. PMid:31103509.
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O fato de os profissionais apresentarem desconhecimento quanto às características apresentadas pelo bebe hospitalizado é algo preocupante, pois quando submetido a diversas situações estressoras, o metabolismo torna-se alterado e o bebê não consegue esboçar reações, não porque não está sentindo, mas porque não possui energia para manifestar a sensação de dor/desconforto, portanto alegar que o bebê está quieto e por isso não está sentindo dor, é algo que precisa ser revisto e atualizado2424 Vera SO, Gouveia MTO, Dantas ALB, Rocha SS. Stressors in patients of neonatal intensive care unit. Rev Rene. 2018;19:e3478. http://dx.doi.org/10.15253/2175-6783.2018193478.
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O uso de estratégias farmacológicas, comportamentais e ambientais ainda é inconsistente no Brasil; portanto, faz-se necessária a implementação de diretrizes e protocolos para o manuseio adequado da dor sentida pelos bebês. Nesse sentido, o bundle parece ser uma estratégia promissora77 Maciel HIA, Costa MF, Costa ACL, Marcatto JO, Manzo BF, Bueno M. Medidas farmacológicas e não farmacológicas de controle e tratamento da dor em recém-nascidos. Rev Bras Ter Intensiva. 2019;31(1):21-6. http://dx.doi.org/10.5935/0103-507x.20190007. PMid:30916233.
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O bundle consiste em um conjunto de cuidados específicos que, quando utilizados em conjunto, trazem benefícios para à assistência em saúde. Trata-se de uma tecnologia leve, que assim como os protocolos, representa uma ferramenta desenvolvida com base nas melhores evidências para práticas de saúde mais seguras. Para seleção dos cuidados, são incluídos os custos, a facilidade de implementação, bem como a adesão da equipe a essas intervenções99 Melo RHV, Felipe MCP, Cunha ATR, Vilar RLA, Pereira EJS, Carneiro NEA et al. Roda de Conversa: uma Articulação Solidária entre Ensino, Serviço e Comunidade. Rev Bras Educ Med. 2016 jun;40(2):301-9. http://dx.doi.org/10.1590/1981-52712015v40n2e01692014.
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,1010 Vaishali T, Deepti S, Tessy SS. A care bundle approach: quality nursing care. IJANM. 2020;8(3):257-9. http://dx.doi.org/10.5958/2454-2652.2020.00056.6.
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O fato de o bundle ser algo novo e até então desconhecido pela equipe, trouxe diversos desafios durante a pesquisa, bem como para sua aplicação na prática. Seus resultados praticados foram avaliados em outro momento e não estão descritos nesse estudo, porém como reforçado anteriormente, seu uso gera implicações benéficas ao paciente principalmente quando pensamos na clientela neonatal, fragilidade por si só.

A análise de conteúdo possibilitou a construção do bundle, uma vez que por meio da análise dos relatos foi possível identificar a forma como a equipe visualiza sua prática, como o manejo da dor poderia ser aprimorado e de que forma uma tecnologia leve como o bundle, poderia ser aplicada dentro da rotina em questão. Em relação às contribuições para a assistência, ressaltamos que o bundle é algo inovador, visto que agrupa várias evidências para serem utilizadas em conjunto e isto traz um resultado melhor do que quando estas são realizadas de forma individual. Para avanço do conhecimento, indicamos a discussão do bundle para manejo da dor em outros procedimentos realizados rotineiramente dentro das unidades neonatais, bem como para outras estratégias relacionadas ao cuidado do neonato hospitalizado, como posicionamento, higiene e alimentação.

LIMITAÇÕES DO ESTUDO

Entende-se que os dados não podem ser generalizados e que os resultados encontrados podem ser diferentes caso o estudo seja realizado em outra unidade e talvez por mais tempo, porém o intuito nesse momento era descrever como foi o processo de interação com a equipe de enfermagem de modo que conseguisse visualizar como estava trabalhando, para a partir de então pensar em estratégias em conjunto com a pesquisadora e que pudessem sabidamente diminuir a dor dos bebês de modo que isso fosse realizado de forma sistemática e não subjetiva, culminando no desenvolvimento do bundle para ser utilizado no momento da punção arterial.

CONCLUSÃO E IMPLICAÇÕES PARA A PRÁTICA

O processo de construção do bundle se deu em conjunto com a equipe de enfermagem e de maneira participativa. Foi possível analisar a percepção que os profissionais tinham acerca da sua rotina assistencial, seu conhecimento prévio sobre alívio da dor e posteriormente elencar os itens que fariam a composição do bundle, como o mesmo seria identificado dentro da unidade e de que forma se daria sua aplicação.

O estudo levantou outras questões não somente no que tange ao alívio da dor dos bebês, mas também no sentido de estimular o pensamento crítico, uma vez que também foi identificado que alguns profissionais apresentavam uma visão altamente tecnicista e atrelada a rotinas assistenciais básicas sem refletir amplamente sobre o cuidado que estavam realizando. Por fim, o produto final foi resultado de uma construção participativa entre equipe e pesquisadora, sendo algo de baixo custo e que pode facilmente ser incorporado à rotina assistencial.

O bundle para a punção arterial pode ser aplicado em demais procedimentos que potencialmente geram dor aguda, uma vez que o foco principal é minimizar o desconforto do bebê. Para a unidade em questão, o processo de construção do bundle levantou questões até então não percebidas pelos profissionais de enfermagem e que de certa forma estavam adormecidas, fazendo com que a assistência se realizasse de forma fragmentada e sem o pensamento crítico necessário. O processo pode permitir uma aproximação entre técnicos de enfermagem e enfermeiros, visto que para proporcionar uma assistência de qualidade ao bebe hospitalizado, é necessário um alinhamento de condutas e uma relação interpessoal bem estabelecida, com foco no bem-estar do paciente.

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Editado por

EDITOR ASSOCIADO

EDITOR CIENTÍFICO

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    19 Dez 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    30 Maio 2022
  • Aceito
    30 Ago 2022
Universidade Federal do Rio de Janeiro Rua Afonso Cavalcanti, 275, Cidade Nova, 20211-110 - Rio de Janeiro - RJ - Brasil, Tel: +55 21 3398-0952 e 3398-0941 - Rio de Janeiro - RJ - Brazil
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