Assistência de enfermagem ao paciente com sepse: análise à luz do modelo conceitual de Myra Levine

Cuidados de enfermería a pacientes con sepsis: análisis a la luz del modelo conceptual de Myra Levine

RESUMO

Objetivo

estimular a reflexão acerca da assistência de enfermagem ao paciente com sepse a partir dos quatro princípios de conservação propostos pelo modelo conceitual de Myra Levine.

Método

estudo teórico-reflexivo sobre a relação existente entre os princípios de conservação de Levine e o paciente com sepse.

Resultados

vigilância aos princípios da conservação da energia observando oferta do oxigênio, idade dos pacientes e os parâmetros energéticos (sinais vitais); da integridade estrutural ao reconhecer precocemente às disfunções orgânicas no pacote hora-1; da integridade pessoal ao preservar a identidade do cliente com dificuldade de verbalizar ou outra condição e da integridade social ao relacionar-se com o paciente e família incluindo-os no processo de cuidado.

Conclusão e implicações para a prática

os princípios de conservação do modelo proposto apresentam relação com a assistência realizada pela equipe de enfermagem na manutenção do equilíbrio físico, pessoal e social do paciente com sepse. Espera-se que os enfermeiros articulem o conhecimento científico geral da assistência ao paciente com sepse ao seu conhecimento específico, por meio de um referencial teórico, para a promoção da adaptação, conservação e integridade do indivíduo.

Palavras-chave:
Cuidados de Enfermagem; Enfermagem; Homeostase; Sepse; Teoria de Enfermagem

RESUMEN

Objetivo

estimular la reflexión acerca de la atención de enfermería al paciente con sepsis a partir de los cuatro principios de conservación propuestos por el modelo conceptual de Myra Levine.

Método

estudio teórico-reflexivo sobre la relación entre los principios de conservación de Levine y el paciente con sepsis.

Resultados

vigilancia de los principios de conservación de la energía, observando el aporte de oxígeno, la edad de los pacientes y los parámetros energéticos (signos vitales); de la integridad estructural mediante el reconocimiento temprano de las disfunciones orgánicas en el paquete hora-1; de la integridad personal al preservar la identidad del cliente con dificultad para verbalizar u otra condición e de la integridad social al relacionarse con el paciente y su familia, incluyéndolos en el proceso de cuidado.

Conclusión e implicaciones para la práctica

los principios de conservación del modelo propuesto se relacionan con la atención brindada por el equipo de enfermería en el mantenimiento del equilibrio físico, personal y social del paciente con sepsis. Se espera que los enfermeros articulen el conocimiento científico general del cuidado del paciente con sepsis con sus conocimientos específicos, a través de un referencial teórico, para promover la adaptación, conservación e integridad del individuo.

Palabras clave:
Atención de Enfermería; Enfermería; Homeostasis; Sepsis; Teoría de Enfermería

ABSTRACT

Objective

encourage reflection on nursing care for patients with sepsis based on the four conservation principles proposed by Myra Levine's conceptual model.

Method

theoretical-reflective study on the relationship between Levine's conservation principles and the patient with sepsis.

Results

attentiveness to the principles of energy conservation, observing oxygen supply, patients' age and energy parameters (vital signs); of structural integrity by early recognition of organic dysfunctions in the hour-1 bundle; of personal integrity when preserving the identity of the client with difficulty to verbalize or another condition and social integrity when relating to the patient and family, including them in the care process.

Conclusion and implications for practice

the conservation principles of the proposed model are presented in relation to assistance provided by the nursing team in maintaining the physical, personal and social balance of the patients with sepsis. Nurses are expected to articulate the general scientific knowledge of sepsis patient care with their specific knowledge, through a theoretical framework, to promote the individual's adaptation, conservation and integrity.

Keywords:
Nursing Care; Nursing; Homeostasis; Sepsis; Nursing Theory

INTRODUÇÃO

O modelo conceitual proposto por Myra Estrin Levine encontra-se fundamentado na ideia de que o ser humano é um indivíduo complexo e dinâmico, capaz de se adaptar às constantes interações com o meio ambiente.¹ Nele são discutidos três conceitos fundamentais: a adaptação, a conservação e a integridade. A adaptação é o processo pelo qual se adquire a conservação e a estabilidade funcional do organismo é alcançada por meio do enfrentamento das respostas fisiológicas e comportamentais de maneira adequada, e com o menor gasto de energia possível.²

Nesse sentido, conservar significa defender a totalidade dos sistemas vivos de responderem de forma apropriada às mudanças sofridas.³ Na prática clínica, a conservação tem por objetivo equilibrar os papéis desempenhados pelo enfermeiro-paciente dentro de um continuum espaço-temporal.⁴ A integridade, por sua vez, abrange a totalidade do ser e o senso de independência e individualidade, que significa estar no controle da própria vida, ter a liberdade de fazer as próprias escolhas.^3,5

Nesse contexto, a enfermagem é considerada uma ciência humanística, de natureza holística, em que o ser humano deve ser visto como um “todo”, além de desenvolver o seu pensar e, junto com sua equipe, o seu fazer em prol da manutenção da saúde das pessoas.⁶ Assim, exercer o cuidado com a vida só é possível compreendendo o ser humano em sua totalidade, enquanto ser fortemente influenciado por fatores biológicos, psicológicos, sociais e espirituais.⁷ Nessa perspectiva, Levine propôs quatro princípios de conservação: da energia, da integridade estrutural, da integridade pessoal e da integridade social.⁴

Nesse modelo, a eficácia das intervenções de enfermagem baseia-se na manutenção da integridade do indivíduo em cada um dos domínios, promovendo ações terapêuticas e de suporte que favoreçam o processo de adaptação, no enfrentamento e na resolução dos problemas.⁸ Considera, também, que as intervenções devem ser baseadas nos diagnósticos de enfermagem, na busca de operacionalizar o processo de enfermagem.

Dessa forma, diante de situações que gerem algum tipo de desequilíbrio – como ocorre no paciente com sepse, por exemplo –, as ações de enfermagem precisam ser voltadas para a conservação da integridade geral do indivíduo. Assim, optou-se pela utilização de uma teoria de enfermagem que conferisse à prática os subsídios necessários para atuar, com vistas à manutenção da homeostase do organismo e a compreensão biopsicossocial do ser humano, incluindo os aspectos psicossociais que envolvem o paciente e sua família.

De acordo com as novas definições, a sepse é entendida como uma disfunção orgânica potencialmente fatal, causada por uma resposta desregulada do hospedeiro a uma infecção, cujas elevadas taxas de morbidade e mortalidade requerem a adoção de medidas urgentes para seu enfrentamento, em virtude de suas implicações na saúde coletiva e individual.^9,10 A identificação precoce, o tratamento e o manejo apropriados nas horas iniciais melhoram os resultados.¹¹

Dessarte, a equipe de enfermagem tem papel fundamental no reconhecimento precoce dos sinais e sintomas, implementação de ações que otimizem o tratamento e melhorem os desfechos clínicos e a qualidade da assistência. Contudo, observa-se também a necessidade de implantação de protocolo de sepse e de educação permanente para que os enfermeiros possam ter conhecimento satisfatório quanto à identificação, ao tratamento e ao gerenciamento clínico de pessoa com esse agravo.¹² Identificou-se, ainda, a escassez de estudo original ou reflexivo que abordasse o cuidado com o paciente com sepse utilizando a Teoria de Levine, segundo proposto no presente estudo. Em face do exposto, o estudo tem por objetivo estimular a reflexão acerca da assistência de enfermagem ao paciente com sepse, a partir dos quatro princípios de conservação propostos pelo modelo conceitual de Myra Levine.

MÉTODO

Trata-se de um estudo teórico-reflexivo originado da disciplina Bases Teóricas e Conceituais do Cuidado de Enfermagem, do Curso de Mestrado Acadêmico em Enfermagem da Universidade Regional do Cariri - URCA, ocorrido durante o segundo semestre de 2019.

A ideia desta reflexão surgiu a partir da vivência no campo de prática assistencial de uma docente e uma discente, sendo a segunda responsável pela capacitação sobre sepse para a equipe de um hospital regional da região Sul do Ceará. Assim, a partir dessas experiências, teve-se como base o pacote de campanha sobrevivendo à sepse¹³ e uma referência sobre intervenções de enfermagem em pacientes com sepse,¹⁴ que permitiu inicialmente observar a similaridade entre os conhecimentos biomédico e específico de enfermagem, para o alcance de um cuidado holístico.

À vista disso, buscou-se discutir sob a perspectiva do modelo conceitual de Myra Estrin Levine, por preocupar-se com o estabelecimento de saúde de pacientes que necessitam de assistência diante de seu estado de saúde alterado. A fim de tornar a leitura mais didática e promover maior apropriação sobre o tema, optou-se por subdividir os seguintes princípios de conservação de Levine: da energia; princípio da integridade estrutural; princípio da integridade pessoal; e princípio da integridade social.⁴ Dessa forma, o modelo centraliza a intervenção da enfermagem, na adaptação e na reação dos pacientes à doença,² além de apresentar conceitos menos abstratos e que podem detalhar a prática da enfermagem.

Considerando essas dimensões e diante da similaridade com a intervenção prática do profissional de enfermagem ainda empírica, articulou-se o referencial teórico e os estudos nos campos da enfermagem que contemplassem a temática. Assim, estruturou-se a apresentação desses princípios, que serviram de tópicos para correlacionar a prática clínica dos enfermeiros diante a execução dos cuidados nas primeiras horas com os pacientes com sepse e os princípios de conservação da teoria.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Princípio da conservação da energia

Como mencionado anteriormente, para Levine a enfermagem tem como propósito a manutenção ou recuperação da saúde do indivíduo a partir de quatro princípios de conservação. No primeiro deles, referente à conservação da energia, é defendida a ideia de que, em situações de doença, há um desequilíbrio entre a oferta e a demanda metabólica do organismo, e consequentemente, gasto adicional de energia.¹⁵

No paciente com sepse, os principais mecanismos que aumentam o consumo de energia são a redução da oferta tecidual de oxigênio e a lesão celular decorrente da resposta imune exacerbada. Além disso, a presença de instabilidade hemodinâmica, acrescida da disfunção microvascular e endotelial, e, por conseguinte, oferta inadequada de oxigênio aos tecidos, são apontados como os principais fatores responsáveis pelo desenvolvimento e manutenção da síndrome de disfunção de múltiplos órgãos.¹⁶

Contudo, é preciso destacar que cada pessoa possui uma resposta adaptativa única, construída a partir de suas experiências de vida e da resposta integrada do organismo aos estímulos externos e internos, resultando em um realinhamento de sua própria substância.⁴ Assim, o processo adaptativo que envolve as doenças agudas – por exemplo, o caso da sepse – é influenciado por uma série de fatores relacionados ao ambiente e ao próprio organismo, variável de pessoa para pessoa, como doenças de base preexistentes, hábitos de vida (tabagismo, alcoolismo), uso contínuo de medicamentos, dentre outros.

Relativo à idade dos pacientes, por exemplo, nos idosos, a presença de disfunções orgânicas – o rebaixamento agudo do nível de consciência ou a hipotensão – muitas vezes é a única manifestação clínica desencadeada pela sepse. Isso ocorre em função das alterações próprias da senescência. Os sinais de Síndrome da Resposta Inflamatória Sistêmica (SRIS) como febre ou hipotermia, taquicardia e taquipneia podem não estar presentes em resposta à diminuição das reservas orgânicas fisiológicas e ao declínio funcional dos mecanismos de defesa.¹⁷

Considerando que os sinais de SRIS são relevantes para o diagnóstico da infecção e, mesmo não fazendo mais parte da definição de sepse, um dos sinais – a presença de taquicardia, por exemplo – ocorre geralmente em resposta à diminuição da resistência vascular, objetivando garantir o débito cardíaco adequado. A taquipneia pode advir da produção aumentada do gás carbônico em função da insuficiência respiratória causada pela hipoxemia.¹⁸

Diante o exposto, a equipe de enfermagem tem papel primordial na vigilância constante dos parâmetros energéticos – como temperatura, frequência cardíaca, frequência respiratória, pressão arterial, glicemia capilar e saturação de oxigênio. Além de fornecerem uma estimativa indireta do gasto energético desencadeado pelas alterações fisiológicas provocadas pela sepse, representam, ainda, um importante conjunto de medidas capazes de auxiliar no reconhecimento precoce e início rápido do tratamento, nas primeiras horas após o diagnóstico.

Assim, quando presentes, toda e qualquer alteração dos sinais vitais deve ser valorizada, relatada e registrada pela enfermagem, pois é com base na identificação dos padrões específicos de adaptação que o enfermeiro buscará, por meio do processo de enfermagem (PE), elaborar um plano de cuidados individualizado, visando atender às necessidades reais e potenciais de cada paciente. Nesse sentido, os dados investigados referem-se ao processo de produção e gasto de energia, que demandam intervenções específicas para melhorar a perfusão tissular e diminuir o consumo desnecessário de energia mediante ações como monitorização multiparamétrica, vigilância do nível de consciência, nutrição e hidratação adequadas, administração de medicamentos conforme indicado, dentre outros.

Referente a essa visão sistemática do fenômeno, o enfermeiro pode planejar intervenções para a recuperação do paciente e identificar os padrões específicos de adaptação de cada um. Esses padrões se apresentam como resposta do indivíduo às forças do ambiente (holismo) e a estabilidade nos aspectos fisiológicos pela economia e conservação da energia (homeostase).⁴ Diante o exposto, ao buscar um sentido terapêutico, as intervenções de enfermagem são capazes de alterar o curso da adaptação para melhor conforto e segurança do paciente, direcionando-se ao bem-estar social. Do contrário, quando tais intervenções não conseguirem alterar o curso da adaptação – ou seja, os melhores esforços só mantiverem o status quo ou mesmo falharem completamente –, a enfermeira estará agindo em um sentido de apoio.⁵

Desse modo, ao conceber aos profissionais da enfermagem a incumbência do cuidar e a interação com o outro, produzem efeitos por meio do exercício de uma assistência na qual as competências favoreçam a reflexão e o questionamento. Ademais, informar e auxiliar o paciente a enfrentar seus problemas, conforme o balanço da energia que tenha disponível para ajudá-lo a adaptar-se ao ambiente e da experiência individual que pode limitá-lo ao leito, assim como perda da privacidade e autoestima. Uma vez que pacientes adultos internados, especialmente em unidade intensiva, apresentam fatores estressantes – fisiológicos, emocional/psicológico e social –, os quais podem levar à perda de autonomia, esse sentimento de impotência precisa ser identificado e cuidado pela enfermagem para viabilizar o processo de recuperação.¹⁹

Nesse sentido, a assistência da equipe de enfermagem tem o propósito de que o paciente possa se adaptar às mudanças ocasionadas pela sepse, especialmente ao sistema orgânico, assim como participar do seu processo de cuidado com alguma autonomia, quando possível, por meio de visita de parente mais próximo, para assegurar a privacidade.

Princípio da conservação da integridade estrutural

O princípio da conservação da integridade estrutural tem como foco a prevenção do colapso físico e o processo de cura. Para Levine, a cura objetiva, principalmente, limitar a extensão do dano tissular pela manutenção ou promoção da adaptação do indivíduo às mudanças sofridas.^8,20 Diante desse dano, a habilidade com que o corpo humano responde a essas alterações direcionará as ações do enfermeiro, a partir do padrão adaptativo exibido pelas necessidades específicas de cada paciente.⁴ Assim, “a conservação da integridade estrutural reconhece a capacidade do organismo de sustentar sua totalidade, bem como de superar insultos e lesões, e de restaurar sua estrutura e função de cura”.^21:40

Nos pacientes com sepse, por motivos ainda desconhecidos, a resposta inflamatória do organismo à infecção ocorre de forma exacerbada, levando ao surgimento de disfunções orgânicas potencialmente ameaçadoras à vida.¹⁸ Nesse caso, a eficácia dos cuidados de enfermagem está diretamente relacionada ao reconhecimento precoce das alterações resultantes nas funções e processos fisiopatológicos que levaram ao desequilíbrio homeostático e consequente ameaça à integridade estrutural.⁴

Em vista disso, as intervenções de enfermagem centram-se na criação/implementação de protocolo, por meio de medidas iniciais de reconhecimento precoce da sepse, tratamento dentro das primeiras horas do diagnóstico a fim de preservar e/ou restaurar as mudanças funcionais e estruturais, constituindo aspecto fundamental para a garantia de bons desfechos clínicos.^18,22

Nesse cenário, os profissionais de enfermagem exercem papel substancial no que diz respeito ao reconhecimento precoce e a implementação de intervenções específicas visando otimizar o tratamento e a prevenção de eventuais complicações. Em virtude disso, a adoção de medidas iniciais de atendimento – como as recomendadas pelo pacote de tratamento de uma hora (hour-1 bundle) da Campanha Sobrevivendo à Sepse – é fundamental para um prognóstico mais favorável.

Assim, dentre as estratégias voltadas para a conservação da integridade estrutural que podem ser implementadas pela equipe de enfermagem, destacam-se os seguintes elementos do pacote hora-1: mensuração do lactato arterial; obtenção de hemoculturas antes da administração do antibiótico; administração de antibióticos de amplo espectro; administração rápida de 30 mL/kg de cristaloide para hipotensão ou nível de lactato ≥ 4 mmol/L; e administração de vasopressores em caso de hipotensão durante ou após a ressuscitação hídrica para manter a pressão arterial média ≥ 65mm Hg.¹³

Diante do exposto, todos os esforços devem ser garantidos para que o paciente seja assistido integralmente e recupere a estrutura do corpo mediante estratégias capazes de reestabelecer a homeostase metabólica e prevenir o colapso funcional do organismo. Dessarte, os cuidados individualizados e contínuos de enfermagem precisam estimular os pacientes a adaptarem-se e acomodarem-se ao ambiente, por meio do repouso, para diminuir o cansaço, conservar a integridade da energia e estabilizar o quadro clínico. Desde que os enfermeiros busquem essa base teórica da profissão, podem desenvolver cuidado específico e articulado aos cuidados interdisciplinares a serem traçados com a equipe multidisciplinar.

Princípio da conservação da integridade pessoal

Este princípio está relacionado com a manutenção ou recuperação da identidade do indivíduo e refere-se à percepção que ele tem acerca de si, das suas crenças, valores e atitudes, bem como à ideia de querer ou não dividir com o outro uma parcela da sua privacidade.²³ No entanto, esse sentimento de identidade pode estar ameaçado, visto que existe a possibilidade de a doença criar uma dependência perigosa para a autoestima e afetar negativamente a percepção individual de si mesmo.²⁴ Portanto, torna-se essencial que a manutenção do “eu” seja preservada nas relações entre enfermeiro e paciente, porquanto este tem o direito de participar da tomada de decisão relacionada ao seu cuidado de saúde.^4,24

Ademais, é preciso entender que nem sempre o paciente agirá de acordo com as perspectivas do enfermeiro, e muitas vezes ignorará, negará ou até mesmo desrespeitará as instruções que lhe foram dadas. De fato, a verdadeira conservação exige que esses profissionais atuem no sentido de fortalecer o autorrespeito, aceitando os pacientes como eles são, à sua maneira, sem censuras.⁴

Por outro lado, o entendimento dessas necessidades perpassa não só a comunicação verbal, mas também a linguagem não verbal estabelecida nas relações de cuidado entre a equipe de enfermagem e o cliente, em especial nas Unidades de Terapia Intensiva (UTI), onde se exige de quem cuida a sensibilidade de perceber por intermédio dos gestos e movimentos corporais as necessidades do corpo cuidado.²⁵ Nesse contexto, destaca-se a importância das ações de enfermagem voltadas para a preservação da identidade daqueles que não podem se expressar por meio da linguagem verbal, seja em função da presença de um dispositivo médico (como um tubo orotraqueal) ou da sua condição de base preexistente (sequela neurológica, por exemplo).

Assim, a linguagem dos sinais se expressa por intermédio de gestos, olhares, ações e movimentos (involuntários ou não), e exige do enfermeiro a capacidade de saber identificá-las e planejar a assistência conforme as variáveis encontradas.²⁶ Portanto, nesse princípio, a depender do quadro clínico e do ambiente em que o paciente se encontra, cabe ao enfermeiro utilizar-se do cuidado como um ato indispensável à manutenção da vida e assegurar sua identidade e autoestima. Estas devem ser resgatadas durante a assistência do paciente, de forma a preservar sua autonomia, dignidade e direito humano em todas as suas dimensões.

Princípio da conservação da integridade social

O processo saúde-doença-cuidado contempla os aspectos epidemiológicos, biológicos, psíquicos, culturais, sociais e espirituais dos usuários, que desvela o modo de pensar e agir para obter soluções às questões emergentes na produção do cuidado. Dessa forma, apoia-se em todos os elementos/serviços e precisam estar interconectados e contextualizados, com o intuito de oferecer o cuidado integral e de qualidade ao ser humano.²⁷

Para garantir o cuidado integral, Levine defende a ideia de que o indivíduo deve ser reconhecido como um ser social em constante interação com a sua família e o meio ao qual pertence. Assim, em situações de estresse – conforme ocorre na doença/sepse –, a presença de pessoas consideradas importantes tem, para ele, caráter substancial no processo de cura e hospitalização.²³ Em vista disso, para atingir o objetivo da integralidade e da humanização ao paciente com sepse, numa configuração ecossistêmica, deve-se respeitar o planejamento do ambiente, o desenvolvimento de esforços coordenados e integrados para a melhoria da assistência e da segurança. Assim, atender às necessidades e à superação das expectativas dos usuários, profissionais e familiares.²⁷

Compreender essas interconexões significa abranger a diversidade e circularidade das relações, interações e interdependências que movem e preservam a vida nas suas diferentes expressões e manifestações.²⁸ Por isso, a equipe de enfermagem deve se relacionar com aqueles que estão sob seus cuidados, num processo interpessoal em que a qualidade dessa relação e a comunicação estabelecida impactem na maneira como as pessoas enfrentam seu estado de saúde e doença. Para atingir esse relacionamento terapêutico de qualidade e entender as experiências dos outros, exige-se que os profissionais tenham um profundo conhecimento pessoal do contexto cultural e social das pessoas cuidadas.²⁹

Os enfermeiros precisam ser capazes de extrapolar os limites do saber disciplinar, dos sistemas institucionalizados e dos contornos da doença fisiológica, objetivando a integração de uma visão sistêmica, paradoxal e interativa das questões sociais e da saúde.³⁰ Além de os profissionais de saúde interagirem com o paciente e sua família, devem incluí-los no processo do cuidado e hospitalização, para garantir o princípio da integridade social no contexto social e familiar do indivíduo.

A manutenção da integridade da pessoa deve ser considerada no processo de trabalho dos enfermeiros que lidam com pacientes com sepse, submetidos a procedimentos invasivos contínuos e que envolvem mudanças bruscas, sofrimento e risco de morte. Nesse processo, deve ser estimulada a interação com o paciente, valorizando-o como ser social, diante do estresse que vivencia.

CONCLUSÃO E IMPLICAÇÕES PARA A PRÁTICA

Os princípios de conservação do modelo proposto apresentam relação com a assistência realizada pela equipe de enfermagem na manutenção do paciente com sepse. Percebeu-se que, na vigilância aos princípios da conservação da energia, teve-se como foco a oferta do oxigênio, a idade dos pacientes e os parâmetros energéticos do paciente (sinais vitais). Relativo à integridade estrutural, é necessário reconhecer precocemente as disfunções orgânicas no pacote hora-1. Na integridade pessoal, a equipe de enfermagem deve preservar a identidade do cliente com dificuldade de verbalizar ou permitir sua participação no processo de cuidado. Por fim, na integridade social, requer-se o relacionar-se com o paciente e sua família.

Acredita-se que a incorporação dos princípios aqui discutidos, na prática assistencial do enfermeiro e sua equipe, é capaz de contribuir para o reestabelecimento da homeostase do organismo e suas necessidades psicossociais. Ademais, o referencial teórico permitirá o planejamento do cuidado, junto com a sua equipe, na promoção da adaptação, conservação e integridade do indivíduo.

Como limitação do estudo, destaca-se o número reduzido de artigos na literatura nacional e internacional sobre a aplicação prática da teoria, surgindo-se, assim, a necessidade da realização de novas pesquisas, que ampliem a reflexão e a compreensão acerca do emprego dos princípios de conservação propostos por Levine na prática assistencial do enfermeiro.

AGRADECIMENTOS

Às colegas de mestrado, Virlene Galdino de Freitas e Sabrina Alaíde Amorim Alves, pelas valiosas considerações acerca do manuscrito.

REFERÊNCIAS

• ¹
  Piccoli M, Galvão CM. Enfermagem perioperatória: identificação do diagnóstico de enfermagem risco para infecção fundamentada no modelo conceitual de Levine. Rev Lat Am Enfermagem. 2001;9(4):37-43. http://dx.doi.org/10.1590/S0104-11692001000400007
  » http://dx.doi.org/10.1590/S0104-11692001000400007
• ²
  George JB. Teorias de Enfermagem: os fundamentos à prática profissional. Porto Alegre: Artmed; 2000. Myra Estrin Levine; p. 158-66.
• ³
  Levine ME. Conservation and integrity. In: Parker ME, editor. Nursing theories in practice. New York: National League for Nursing; 1990. p. 189-201.
• ⁴
  Levine ME. The Four Conservation Principles of Nursing. Nursing Forum. 1967;6(1):45-59. http://dx.doi.org/10.1111/j.1744-6198.1967.tb01297.x
  » http://dx.doi.org/10.1111/j.1744-6198.1967.tb01297.x
• ⁵
  Levine ME. Adaptation and assessment: a rationale for nursing invention. Am J Nurs. 1966;66(11):2450-3. http://dx.doi.org/10.2307/3420045
  » http://dx.doi.org/10.2307/3420045
• ⁶
  Lopes No D, Nóbrega MML. Holismo nos modelos teóricos de enfermagem. Rev Bras Enferm. 1999;52(2):233-42. http://dx.doi.org/10.1590/S0034-71671999000200010
  » http://dx.doi.org/10.1590/S0034-71671999000200010
• ⁷
  Leite TAAF, Strong MI. A influência da visão holística no processo de humanização hospitalar. Mundo Saude [Internet]. 2006; [citado 2020 maio 16];30(2):203-14. Disponível em: http://www.saocamilo-sp.br/pdf/mundo_saude/35/influencia_visao.pdf
  » http://www.saocamilo-sp.br/pdf/mundo_saude/35/influencia_visao.pdf
• ⁸
  Wills EM. Grandes teorias da enfermagem baseadas no processo interativo. In: McEwen M, Wills EM, editores. Bases teóricas de enfermagem. Tradução de Regina Machado Garcez. 4ª ed. Porto Alegre: Artmed; 2016. p. 163-7.
• ⁹
  Singer M, Deutschman CS, Seymour CW, Shankar-Hari M, Annane D, Bauer M et al. The Third International Consensus Definitions for Sepsis and Septic Shock (Sepsis-3). JAMA. 2016;315(8):801-10. http://dx.doi.org/10.1001/jama.2016.0287
  » http://dx.doi.org/10.1001/jama.2016.0287
• ¹⁰
  Instituto Latino-Americano de Sepse – ILAS. Sepse: um problema de saúde pública. Brasília: CFM; 2015.
• ¹¹
  Rhodes A, Evans LE, Alhazzani W, Levy MM, Antonelli M, Ferrer R et al. Surviving Sepsis Campaign: International Guidelines for Management of Sepsis and Septic Shock: 2016. Crit Care Med. 2017;45(3):486-552. http://dx.doi.org/10.1097/CCM.0000000000002255
  » http://dx.doi.org/10.1097/CCM.0000000000002255
• ¹²
  Goulart LS, Ferreira Jr MA, Sarti ECFB, Sousa AFL, Ferreira AM, Frota OP. Os enfermeiros estão atualizados para o manejo adequado do paciente com sepse? Esc Anna Nery. 2019;23(4):e20190013. http://dx.doi.org/10.1590/2177-9465-ean-2019-0013
  » http://dx.doi.org/10.1590/2177-9465-ean-2019-0013
• ¹³
  Levy MM, Evans LE, Rhodes A. The surviving sepsis campaign bundle: 2018. Intensive Care Med. 2018;44(6):925-8. http://dx.doi.org/10.1007/s00134-018-5085-0
  » http://dx.doi.org/10.1007/s00134-018-5085-0
• ¹⁴
  Ferreira RGS, Nascimento JL. Intervenções de enfermagem na sepse: saber e cuidar na sistematização assistencial. Rev Saude Desenvolv [Internet]. 2014; [citado 2021 dez 4];6(3):45-55. Disponível em: https://www.revistasuninter.com/revistasaude/index.php/saudeDesenvolvimento/article/view/283
  » https://www.revistasuninter.com/revistasaude/index.php/saudeDesenvolvimento/article/view/283
• ¹⁵
  Levine ME. Introduction to clinical nursing. 2^nd ed. Philadelphia: F.A. Davis; 1973.
• ¹⁶
  Silva E, Otero JB. Disfunção de múltiplos órgãos. Rev Bras Ter Intensiva [Internet]. 2004; [citado 2020 set 20];16(2):114-8. Disponível em: https://www.amib.org.br/fileadmin/user_upload/amib/2018/junho/15/ConsensoSepse.pdf
  » https://www.amib.org.br/fileadmin/user_upload/amib/2018/junho/15/ConsensoSepse.pdf
• ¹⁷
  Machado RL, David CMN, Luiz RR, Amitrano DA, Salomão CS, Oliveira GMM. Análise exploratória dos fatores relacionados ao prognóstico em idosos com sepse grave e choque séptico. Rev Bras Ter Intensiva. 2009;21(1):9-17. http://dx.doi.org/10.1590/S0103-507X2009000100002
  » http://dx.doi.org/10.1590/S0103-507X2009000100002
• ¹⁸
  Viana RAPP, Machado FR, Souza JLA. Sepse, um problema de saúde pública: a atuação e colaboração da enfermagem na rápida identificação e tratamento da doença. 2ª ed. São Paulo: COREN-SP; 2017.
• ¹⁹
  Lana LD, Mittmann P, Moszkowicz CI, Pereira CC. Los factores estresantes en pacientes adultos internados en una unidad de cuidados intensivos: una revisión integradora. Enfermería Global. 2018;17(4):580-611.
• ²⁰
  Levine ME. Introduction to clinical nursing. Philadelphia: Davis; 1989.
• ²¹
  Levine ME. The conservation principles: a retrospective. Nurs Sci Q. 1996;9(1):38-41. http://dx.doi.org/10.1177/089431849600900110
  » http://dx.doi.org/10.1177/089431849600900110
• ²²
  Branco MJC, Lucas APM, Marques RMD, Sousa PP. O papel do enfermeiro perante o paciente crítico com sepse. Rev Bras Enferm. 2020;73(4):e20190031. http://dx.doi.org/10.1590/0034-7167-2019-0031
  » http://dx.doi.org/10.1590/0034-7167-2019-0031
• ²³
  Piccoli M, Galvão CM. Visita pré-operatória de enfermagem: proposta metodológica fundamentada no modelo conceitual de Levine. Rev Eletr Enferm. 2005;7(3):366-72. http://dx.doi.org/10.5216/ree.v7i3.897
  » http://dx.doi.org/10.5216/ree.v7i3.897
• ²⁴
  Neswick RS, Levine ME. A theoretic bases for ET nursing. JWOCN. 1997;24(1):6-9. http://dx.doi.org/10.1016/S1071-5754(97)90042-5
  » http://dx.doi.org/10.1016/S1071-5754(97)90042-5
• ²⁵
  Silva PS, Ferreira FCM, Gonçalves JM. Nurse’s attention in the intensive care to the patient with signs of severe sepsis. Rev Enferm UFPE on line. 2012;6(2):324-31. http://dx.doi.org/10.5205/reuol.2052-14823-1-LE.0602201210
  » http://dx.doi.org/10.5205/reuol.2052-14823-1-LE.0602201210
• ²⁶
  Dutra CSK, Silveira LM, Santos AO, Pereira R, Stabile AM. Diagnósticos de enfermagem prevalentes no paciente internado com sepse no centro de terapia intensiva. Cogitare Enferm. 2014;19(4):747-54. http://dx.doi.org/10.5380/ce.v19i4.36801
  » http://dx.doi.org/10.5380/ce.v19i4.36801
• ²⁷
  Medeiros AC, Siqueira HCH, Zamberlan C, Cecagno D, Nunes SS, Thurow MRB. Comprehensiveness and humanization of nursing care management in the Intensive Care Unit. Rev Esc Enferm USP. 2016;50(5):816-22. http://dx.doi.org/10.1590/s0080-623420160000600015
  » http://dx.doi.org/10.1590/s0080-623420160000600015
• ²⁸
  Zamberlan C, Medeiros AC, Svaldi JD, Siqueira HCH. Ambiente, saúde e enfermagem no contexto ecossistêmico. Rev Bras Enferm. 2013;66(4):603-6. http://dx.doi.org/10.1590/S0034-71672013000400021 PMid:24008717.
  » http://dx.doi.org/10.1590/S0034-71672013000400021
• ²⁹
  Bratz JKA, Sandoval-Ramirez M. Ethical competences for the development of nursing care. Rev Bras Enferm. 2018;71(Supl. 4):1810-4. http://dx.doi.org/10.1590/0034-7167-2017-0539 PMid:30088658.
  » http://dx.doi.org/10.1590/0034-7167-2017-0539
• ³⁰
  Backes DS, Erdmann AL, Büscher A. Evidenciando o cuidado de enfermagem como prática social. Rev Lat Am Enfermagem. 2009;17(6):988-94. http://dx.doi.org/10.1590/S0104-11692009000600010 PMid:20126941.
  » http://dx.doi.org/10.1590/S0104-11692009000600010

Editado por

EDITOR ASSOCIADO

EDITOR CIENTÍFICO

Datas de Publicação

• Publicação nesta coleção
  25 Mar 2022
• Data do Fascículo
  2022

Histórico

• Recebido
  26 Set 2021
• Aceito
  27 Jan 2022