A questão central do cuidado transicional: Integrar a pessoa no cuidado ou o cuidado na pessoa?

O aumento da esperança média de vida trouxe uma realidade epidemiológica diferente e intricada, com o desafio subjacente da (re)organização dos serviços de saúde para se adaptarem à complexidade dos processos de saúde-doença e das transições vivenciadas pelas pessoas idosas dependentes, com internamentos prolongados e readmissões frequentes nos serviços de urgência hospitalar, perdas na funcionalidade e aumento de fragilidade, o que faz com que, em muitos casos, saiam mais dependentes do internamento hospitalar do que estavam na admissão,^1-3 despontando a necessidade de um cuidador que assegure o cuidado no regresso a casa.^2,3

Associada a essa problemática a Organização Mundial de Saúde destaca, em 2018, como prática prioritária, o desenvolvimento de cuidados transicionais sustentado numa enfermagem de prática avançada, com a finalidade de reduzir custos hospitalares e gerir os cuidados a partir do domicílio.⁴ Estes cuidados iniciados no internamento incluem a preparação para a alta hospitalar, o planejamento para a transição hospital-domicílio e os primeiros 30 dias após regresso a casa,³ com alguns autores a reforçarem a importância do enfermeiro da comunidade efetuar uma avaliação dessas pessoas no prazo máximo de 48 a 72 horas após a alta hospitalar.³

Apesar de, em Portugal e em outros países, essas pessoas terem a oferta de cuidados pelas equipes hospitalares e pelas equipes da atenção primária, o que observamos é que a pessoa e o seu cuidador são integrados em ambientes de prática clínica diferentes, algumas vezes com fragmentação do cuidado, sem a garantia de continuidade da intervenção iniciada no internamento e sem o devido cuidado centrado que a complexidade dessas transições e a necessidade de individualização de medidas terapêuticas exigem. Esses aspectos justificam muitas das dificuldades na adesão ao regime terapêutico, no qual se incluem as terapêuticas de enfermagem, aumentando a vulnerabilidade, retardando a reabilitação e a recuperação funcional, acrescendo o risco de complicações inerentes ao agravamento da situação clínica e social em que essas pessoas vivem.

O supracitado leva-nos a corroborar que os profissionais de saúde centram a atenção na pessoa e no seu cuidador em dois contextos estanques: hospital ou comunidade¹, o que nos conduz ao desafio deste editorial de integrar o cuidado na pessoa e não a pessoa no cuidado, desenvolvendo intervenções de cuidado transicional que possibilitem capacitá-los (pessoa e cuidador) para o pós-alta, garantindo a continuidade dos cuidados planejados e a transição segura do hospital para a comunidade.^1-4 Para conseguir tal desiderato, importa que os enfermeiros debatam o papel e as atribuições de enfermeiros de enfermagem avançada, com capacidade de liderança de processos de cuidado transicional centrados na pessoa, promovendo a autonomia e a funcionalidade, intervindo, simultaneamente, com os cuidadores para que se sintam preparados para cuidar não só do idoso dependente como também de si próprios.²

Agradecimento

À Comissão Organizadora e Científica do Congresso Ibero-Americano de Investigação Qualitativa pela possibilidade de partilha e debate aos pesquisadores com interesse no avanço da investigação qualitativa.

Referências

• ¹
  Menezes TMO, Oliveira ALB, Santos LB, Freitas RA, Pedreira LC, Veras SMCB. Hospital transition care for the elderly: an integrative review. Rev Bras Enferm. 2019;72(Suppl 2):294-301. http://dx.doi.org/10.1590/0034-7167-2018-0286 PMid:31826223.
  » http://dx.doi.org/10.1590/0034-7167-2018-0286
• ²
  Gomes TJB, Ferreira BADS, Baixinho CL, Ferreira ÓMR. Algorithm for transitional care for caregivers of dependent older adults: a validation study. Rev Bras Enferm. 2021 jul 9;74(suppl 2):e20200625. http://dx.doi.org/10.1590/0034-7167-2020-0625 PMid:34259720.
  » http://dx.doi.org/10.1590/0034-7167-2020-0625
• ³
  Ferreira EM, Lourenço OM, Costa PVD, Pinto SC, Gomes C, Oliveira AP et al. Active Life: a project for a safe hospital-community transition after arthroplasty. Rev Bras Enferm. 2019;72(1):147-53. http://dx.doi.org/10.1590/0034-7167-2018-0615 PMid:30916280.
  » http://dx.doi.org/10.1590/0034-7167-2018-0615
• ⁴
  World Health Organization. Continuity and Coordination of Care: a practice brief to support implementation of the WHO framework on integrated people-centred health services. Genebra: WHO; 2018.

Datas de Publicação

• Publicação nesta coleção
  29 Abr 2022
• Data do Fascículo
  2022

Histórico

• Recebido
  16 Fev 2022
• Aceito
  15 Mar 2022