Morbimortalidade e fatores associados ao óbito em internados por efeitos do álcool e outras drogas

Morbimortalidad y factores asociados a la muerte en hospitalizados por los efectos del alcohol y otras drogas

Resumo

Objetivo

descrever as internações por efeitos do abuso de álcool e outras drogas e os fatores associados ao óbito.

Métodos

estudo transversal, observacional e retrospectivo, com dados secundários de 3.562 internações registradas no Centro de Informação e Assistência Toxicológica de um hospital de ensino no noroeste do Paraná, por vigilância epidemiológica de busca ativa, entre os anos 2009 e 2018. Os dados foram tratados por análise univariada (teste do qui-quadrado de Pearson e teste exato de Fisher).

Resultados

houve predomínio do sexo masculino (89,6%), e a média de idade foi de 43,62 anos (±16 anos). A maioria das internações foi por eventos traumáticos e outras causas externas (52,1%) associadas ao uso/abuso de bebida alcoólica (85,8%). O tempo médio de internação foi de 34,6 dias; 6,0% evoluíram a óbitos. Houve a associação entre o risco para óbitos e doenças endócrinas/metabólicas, cardiovasculares, gastrintestinais e geniturinárias.

Conclusão

as internações com maior gravidade aumentam a incidência de óbitos, e a identificação dos fatores associados direcionou as intervenções para a redução de internações, minimizando as complicações e os óbitos.

Implicações para prática

este estudo serve como subsídio para o desenvolvimento de estratégias de prevenção e estímulo para as ações de melhoria na rede assistencial aos usuários, fortalecendo e incrementando as políticas públicas.

Palavras-chaves:
Drogas Ilícitas; Hospitalização; Indicadores de Morbimortalidade; Monitoramento Epidemiológico; Morte

Resumen

Objetivo

describir las hospitalizaciones derivadas del abuso de alcohol y otras drogas y los factores asociados a la muerte.

Métodos

estudio transversal, observacional y retrospectivo, con datos secundarios de 3.562 hospitalizaciones registradas en el Centro de Información y Asistencia Toxicológica de un hospital universitario al noroeste de Paraná, por vigilancia epidemiológica de búsqueda activa, entre los años 2009 y 2018. Los datos se procesaron mediante análisis univariado (prueba chi-cuadrado de Pearson y prueba exacta de Fisher).

Resultados

la mayoría eran varones (89,6%) y la edad media fue de 43,62 años (±16 años). La mayoría de las hospitalizaciones se debieron a eventos traumáticos y otras causas externas (52,1%) asociadas al uso/abuso de bebidas alcohólicas (85,8%). El tiempo de hospitalización media fue de 34,6 días y el 6,0% evolucionó a la muerte. Hubo una asociación entre el riesgo de muerte y las enfermedades endocrinas/metabólicas, cardiovasculares, gastrointestinales y genitourinarias.

Conclusión

las hospitalizaciones con mayor gravedad aumentan la incidencia de muertes, y la identificación de los factores asociados orientó las intervenciones para disminuir las hospitalizaciones, reduciendo las complicaciones y las muertes.

Implicaciones para la práctica

este estudio sirve de apoyo para el desarrollo de estrategias de prevención y estímulo para acciones de mejora en la red de atención a los usuarios, fortaleciendo y ampliando las políticas públicas.

Palabras clave:
Drogas Ilícitas; Hospitalización; Indicadores de Morbimortalidad; Monitoreo Epidemiológico; Muerte

Abstract

Objective

To describe the hospitalizations resulting from the impacts of alcohol and other drug abuse and factors associated with death.

Methods

Cross-sectional, observational, and retrospective study, with secondary data from 3,562 admissions recorded at the Center for Information and Toxicological Assistance of a teaching hospital in northwest Paraná, using epidemiological surveillance of active search, from 2009 to 2018. Data were processed using univariate analysis (Pearson’s Chi-square test and Fisher’s exact test).

Results

Most were males (89.6%), and the mean age was 43.62 years (±16 years). Most hospitalizations resulted from traumatic events and other external causes (52.1%) associated with the use/abuse of alcoholic beverages (85.8%). The mean length of hospital stay was 34.6 days, and 6.0% died. There was an association between risk of death and endocrine/metabolic, cardiovascular, gastrointestinal, and genitourinary diseases.

Conclusion

Hospitalizations with greater severity increase the incidence of deaths, and evidencing the associated factors directs interventions to decrease hospitalizations, reducing complications and deaths.

Implications for practice

The studies serve as a support for the development of prevention strategies, encouragement for improvement actions in the assistance network for users, strengthening and increasing public policies.

Keywords:
Death; Epidemiological Monitoring; Hospitalization; Ilicit Drugs; Indicators of Morbidity and Mortality

INTRODUÇÃO

Considerado um problema social e de saúde emergente de âmbito global, o consumo abusivo de álcool e outras drogas é um fenômeno multidimensional, que está relacionado aos problemas sócio-ocupacionais, econômicos, culturais e legais.^1-4 Pelas graves consequências pessoais, comunitárias e pela elevada prevalência mundial, o enfrentamento das consequências do abuso de álcool e outras drogas interessa à comunidade acadêmica e ao poder público, visto que são afetados os serviços de Segurança Pública, Educação, Saúde, Justiça e Assistência Social e além dos espaços familiares.^1,2

A Organização Mundial da Saúde (OMS) estima que 70% da população mundial acima de 13 anos consuma bebidas alcóolicas, e entre dois a dois e meio milhões de pessoas morram decorrentes do consumo de álcool.^3,5-7 Os efeitos do álcool e de outras drogas podem ser potencialmente nocivos à saúde, independentemente de seu padrão de consumo (quantidade e frequência), seja por efeito direto das drogas e/ou por suas causas secundárias, como as doenças crônicas não transmissíveis, doenças orgânicas gastrintestinais, neurológicas e o trauma físico, que têm importante protagonismo na morbimortalidade geral.⁸

São encontrados efeitos agudos: como os acidentes no trânsito (efeito acidentogênico), violência interpessoal, agressões e quedas e efeitos pelo uso crônico: como o desenvolvimento de doenças crônicas não transmissíveis e infecciosas (por exemplo: câncer de pulmão nos tabagistas, cirrose hepática nos etilistas e fibrose pulmonar nos usuários de crack)^9,10 além de transtornos mentais e comportamentais.⁵

Mesmo com as políticas públicas voltadas para essa problemática, os pacientes apresentam alta variabilidade de resposta às intervenções e às taxas igualmente elevadas de recidivas, necessitando de internações hospitalares.^11,12 O consumo de álcool está associado diretamente ao aumento do risco de hospitalização em grande parte da população brasileira, atingindo cerca de três milhões de mortes (5,3%) anuais, além de sequelas temporárias ou permanentes.¹³

Um estudo com 611 admissões em uma Unidade de Terapia Intensiva geral nos Estados Unidos informou que as drogas foram responsáveis por 28% das admissões hospitalares e 39% dos custos hospitalares. Dessas internações, 14% tinham relação com o tabaco e resultaram em 16% dos custos hospitalares; 9% foram relacionadas ao efeito do álcool, com 13% dos custos; e 5% das admissões foram relacionadas aos efeitos das drogas ilícitas.¹⁴

A magnitude das internações por transtornos mentais e comportamentais pelo uso de álcool e outras drogas também é demonstrada em estudos realizados em comunidades terapêuticas; em serviços de saúde hospitalares especializados (hospitais psiquiátricos) com admissões voluntárias, involuntárias e/ou compulsórias; nos Centros de Atenção Psicossocial Álcool e Outras Drogas (CAPSad) e em serviços ambulatoriais multiprofissionais.^12,15

Os estudos relacionados à incidência da internação hospitalar e à taxa de morbimortalidade, associados aos efeitos do abuso de álcool e outras drogas, contribuem para a qualificação da equipe multiprofissional, estimulam o monitoramento epidemiológico e auxiliam os gestores no fortalecimento das políticas públicas.

Este estudo objetiva descrever as internações por efeitos do abuso de álcool e outras drogas e os fatores associados ao óbito.

MÉTODOS

Trata-se de estudo transversal, observacional e retrospectivo, com análise das internações por efeitos do álcool e outras drogas em um hospital de ensino do noroeste do Paraná, constantes no Banco de Dados de Pacientes Internados - Busca Ativa, que foi construído a partir de registros de um Centro de Informação e Assistência Toxicológica (CIAT), no período de 1º de janeiro de 2009 a 31 de dezembro de 2018. Para o relato deste estudo, foram seguidas as diretrizes Strengthening the Reporting of Observational Studies in Epidemiology (STROBE).¹⁶

A busca ativa de casos foi realizada diariamente em prontuários e fichas de atendimento de pacientes em todos os setores do hospital, com posterior preenchimento das fichas epidemiológicas de Ocorrência Toxicológicas de Intoxicação Alcoólica e/ou Outras Drogas de Abuso (OT/IA), que fornecem dados de identificação do intoxicado, da ocorrência toxicológica, do tratamento, da evolução clínica e o desfecho,^{17 e a} inclusão dos casos no banco de dados do CIAT.

A população do estudo foi representada por 3.562 pacientes internados por efeitos do álcool e outras drogas, arrolados pelo método de vigilância epidemiológica de busca ativa, e registrados no CIAT no período observado. Os critérios de elegibilidade foram: indivíduos internados no Hospital Universitário Regional de Maringá, independentemente da procedência geográfica, sexo, idade e unidade de internação. Foram consideradas internações hospitalares, a admissão e a permanência no estabelecimento hospitalar por um período maior que 24 horas.¹⁸ Foram excluídos três registros com permanência da internação em período inferior a 24 horas.

Como fonte de dados, foram utilizados os prontuários hospitalares para a elaboração do formulário digital estruturado denominado Banco de Dados de Pacientes Internados - Busca Ativa.

A coleta de dados ocorreu no ano de 2019 em dois momentos: a) inicialmente foi auditado os prontuários hospitalares e selecionada as internações por efeitos do abuso de álcool e outras drogas, que ocorreram no hospital de ensino; b) posteriormente os dados foram compilados em formulário estruturado no Microsoft Office Excel 2016, denominado Banco de Dados de Pacientes Internados - Busca Ativa.

O Banco de Dados de Pacientes Internados - Busca Ativa é um formulário digital de preenchimento mensal, e posterior agrupamento por ano, composto por dois módulos: variáveis sociodemográficas e variáveis da internação. As variáveis sociodemográficas investigadas foram: sexo (masculino e feminino), idade em faixa etária (13 a 17 anos, 18 a 30 anos, 31 a 59 anos, 60 a 80 anos, e maior que 80 anos), e situação no mercado de trabalho (empregado/contrato formal, aposentado/do lar, desempregado/autônomo). As variáveis da internação foram: ano (2009 a 2018), data da internação (dia da internação), motivo da internação (causa principal), agente causal (tipo de droga), circunstância da internação (aguda ou crônica) diagnóstico médico (código internacional da doença, segundo Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados com a Saúde, 10ª edição - CID-10: (A00-B99, F10-F19, F00-F99, G00-G99, I00-I99, J00-J99, K00-K93, M00-M99, N00-N99, O00-O99, R00-R99, S00-T98 e V01-Y98), setor de internação (Pronto-Socorro, Clínica Médica, Cirurgia ou Ginecologia e Obstetrícia e Unidade De Terapia Intensiva), duração da internação em dias e desfecho (alta melhorado, alta transferido ou óbito).

Os dados coletados foram processados com o uso do software IBM Statistical Package for Social Sciences (SPSS). A variável dependente e as variáveis independentes foram tratadas por estatística descritiva e análise univariada, por meio do teste de Pearson e do teste exato de Fisher, para verificar as associações estatísticas. A força das associações foi analisada com uso do Risco Relativo (RR) e seu respectivo Intervalo de Confiança de 95% (IC95%).

O estudo atendeu às normas nacionais e internacionais de ética em pesquisa envolvendo seres humanos, e foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos da Universidade Estadual de Maringá sob o Parecer nº 4.010.048/2020.

RESULTADOS

A média mensal de internações foi de 29,7 pacientes e a anual de 356,2 pacientes. Os anos com maior quantidade de internações foram 2011 e 2012, com somatória de 911 internações (25,5%). A partir de 2013, houve declínio do registro do número anual das internações no banco de dados (Figura 1).

Figura 1
Quantidade de internações e óbitos por efeitos do abuso de álcool e outras drogas, segundo ano de internação. Maringá (PR), Brasil, 2009 a 2018.

Ocorreram 213 óbitos, com média anual de 21,3. O ano de 2017 apresentou o maior registro de óbitos (28; 13,1%), e a taxa de mortalidade foi de 7,9% de todos os internados.

Os dados sociodemográficos selecionados para os indivíduos internados e as circunstâncias da intoxicação estão apresentados na Tabela 1. Em 81,4% das internações, a evolução da intoxicação esteve associada aos efeitos crônicos do álcool e outras drogas.

Tabela 1
Características sociodemográficas de indivíduos internados por efeitos do álcool e outras drogas, e evolução da intoxicação. Maringá (PR), Brasil, 2009 a 2018.

Variável	Evolução da intoxicação		Total
	IA	IC
Sexo
Masculino	534 (16,8)	2.660 (83,2)	3.194 (89,6)
Feminino	130 (35,3)	238 (64,7)	368 (10,4)
Faixa etária, anos
13-17	43 (62,4)	26 (37,6)	69 (1,9)
18-30	346 (43,3)	452 (56,7)	798 (22,4)
31-59	243 (11,7)	1.834 (88,3)	2.077 (59,9)
60-80	29 (5,0)	543 (95,0)	572 (14,4)
>81	1 (2,0)	45 (98,0)	46 (1,2)
Situação no mercado de trabalho*
Empregado/contrato formal	306 (13,0)	1.209 (51,4)	1.515 (64,4)
Aposentados/do lar	32 (1,3)	387 (16,4)	419 (17,8)
Desempregado/autônomos	69 (2,9)	349 (14,8)	418 (17,7)

• Legenda: Resultados expressos por n (%).
• ^*
  n= 2.352 indivíduos com informações completas.
• IA: Intoxicação Aguda; IC: Intoxicação Crônica.
• Fonte: Dados da pesquisa.

Observou-se que 89,6% dos internados eram do sexo masculino, e a média de idade foi de 43,62 anos (±16 anos), com predominância na faixa etária de 31 a 59 anos. A maioria dos pacientes (64,4%) estava empregada, com contrato formal de trabalho similar para ambos os sexos, embora essa questão tenha sido verificada em 66,0% dos casos. Referente à distribuição por sexo, 83,2% eram homens. O sexo masculino representou 88,3% de internações crônicas na faixa etária de 31 a 59 anos. Com relação ao sexo feminino, 43,3% foram de internações agudas na faixa etária de 18 a 30 anos.

A predominância das internações foi por abuso de bebida alcoólica, representando (85,8%), seguida da associação de bebidas alcoólicas e drogas ilícitas (maconha, ecstasy/MDMA, cocaína e crack). O abuso de crack foi notificado isoladamente em 5,7% dos indivíduos e a maconha em 1,4% dos pacientes.

Internação única foi registrada em 3.463 casos (88,7%), porém, da totalidade dos casos, 278 (7,8% das internações) registraram 399 reinternações, variando de duas a sete reinternações, e 69,6% deles tiveram duas internações (Tabela 2).

Tabela 2
Características dos indivíduos internados por efeitos do álcool e outras drogas (n=3.562). Maringá (PR), Brasil, 2009 a 2018.

Variável/Categorias	n(%)
Sexo
Masculino	3.194 (89,6)
Feminino	368 (10,4)
Droga de abuso
Bebida alcoólica	3.058 (85,8)
Bebida alcoólica + droga ilícita*	241 (6,7)
Cocaína/crack	205 (5,7)
Maconha	46 (1,4)
Outras drogas†	12 (0,4)
Número de internação
Única	3.163 (88,7)
Múltipla	399 (11,3)
Setor de internação
Pronto-Socorro	2.883 (81,0)
Clínica Médica/Cirúrgica/GO	539 (15,1)
UTI	140 (3,9)
Internação, dias
1-3	1.379 (38,7)
4-9	692 (19,4)
10-20	576 (16,1)
21-30	409 (11,4)
31-60	287 (8,0)
61-100	157 (4,5)
>100	62 (1,9)
Desfecho
Alta hospitalar melhorado	3.057 (85,8)
Alta hospitalar por transferência	292 (8,2)
Óbito	213 (6,0)

• Legenda: Resultados expressos por n (%).
• ^*
  Bebida alcoólica + maconha + ecstasy + cocaína e crack;
• ^†
  inalantes e solventes, ecstasy e dietilamida do ácido lisérgico, conhecido pela sigla LSD.
• Fonte: Dados da pesquisa.

A unidade de atenção às urgências/pronto-socorro foi o setor com maior registro das internações (81,0%), porém, 3,9% ocorreram em Unidade de Terapia Intensiva, indicando a gravidade clínica dos pacientes. A duração mínima da internação foi de 24 horas/1 dia e a máximo de 246 dias, com média de 34,6 dias. Em 41,9% dos internados, o período de internação foi superior a dez dias.

Com relação ao diagnóstico médico codificado pela CID-10, foi observado o seguinte padrão: 35,5% com diagnóstico de causas externas de morbidade e mortalidade (V01-Y98), 16,6% de lesões, envenenamentos e outras causas externas (S00-T98), 16,1% de doenças gastrintestinais (K00-K93) e 11,3% de outros sintomas não especificados em outras partes (R00-R99). Os dados da análise de associações univariadas estão descritas na Tabela 3.

Tabela 3
Análise univariada entre os diagnósticos médicos, segundo a Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados com a Saúde, 10ª edição, e desfecho de 213 óbitos ocorridos em indivíduos internados por efeitos do álcool e outras drogas, no Hospital Universitário de Maringá. Maringá, Paraná, Brasil, 2009-2018.

Categorias (CID-10)	n (%)	Desfecho		Total	X 2 *	Valor de p †	RR (IC95%)
		Alta	Óbito
Causas externas de morbidade e mortalidade (V01-Y98)	1.268 (35,5)	1.246	19	1.265	68,96	<0,001‡	0,2 (0,27-0,12)
Lesões, envenenamentos e outras causas externas (S00-T98)	593 (16,6)	570	12	582	18,13	<0,001‡	0,3 (0,52-0,18)
Doenças gastrintestinais (K00-K93)	576 (16,1)	485	91	576	115,94	<0,001‡	3,9 (3,03-4,94)
Outros sintomas NEOP (R00-R99)	404 (11,3)	371	33	404	3,47	0,062	1,4 (1,00-2,05)
Transtornos relacionados ao uso de drogas (F10-F19)	216 (6,0)	208	8	216	2,11	0,191	0,6 (1,19 - 031)
Doenças cardiovasculares (I00-I99)	187 (5,2)	168	19	187	5,39	0,020‡	1,8 (1,13 -2,78)
Doenças respiratórias (J00-J99)	131 (3,7)	119	12	131	1,90	0,167	1,6 (0,89 -2,74)
Doenças infecciosas e parasitárias (A00-B99)	61 (1,7)	54	7	61	3,34	0,067	2,0 (0,95 - 4,00)
Gravidez, parto e puerpério (O00-O99)	47 (1,3)	47	-	47	-	-	0,0 (0,00-0,00)
Doenças geniturinárias (N00-N99)	31 (0,9)	27	4	31	1,57	0,209§	2,2 (0,86-5,56)
Doenças endocrinológicas e metabólicas (E00-E99)	27 (0,8)	22	5	27	7,62	0,005‡	3,1 (1,39 - 7,11)
Doenças do sistema nervoso (G00-G99)	21 (0,6)	18	3	21	1,32	0,250	2,4 (0,83-7,03)
Doenças osteomusculares (M00-M99)	8 (0,2)	8	-	8	-	-	0,0 (0,00-0,00)
Outros transtornos mentais (F00-F99)	6 (0,2)	6	-	6	-	-	0,0 (0,00-0,00)

• Legenda:
• ^*
  Valor da estatística do qui-quadrado;
• ^†
  Valor da significância;
• ^‡
  Associação significativa no nível de 0,05,
• ^§
  Associação significativa no teste exato de Fisher.
• CID-10: Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados com a Saúde, 10ª edição; RR: Risco Relativo; IC95%: Intervalo de Confiança de 95%; NEOP: Não Especificado em Outra Parte.
• Fonte: Dados da pesquisa.

Observou-se uma associação significativa, no sentido de risco, entre os óbitos e as doenças endócrinas e metabólicas (E00-E99), cardiovasculares (I00-I99), gastrintestinais (K00-K93) e geniturinárias (N00-N99). Já a associação estatística entre a ocorrência de óbitos e lesões, envenenamentos, outras e causas externas (S00-T98) e causas externas de morbidade e mortalidade (V01-Y98) foi significativa, no entanto, o sentido da associação foi de proteção.

Ao analisar o desfecho dos casos, 94% tiveram alta hospitalar, as doenças gastrintestinais (K00-K93) apresentaram maior taxa do total de óbitos (42,7%), mas as internações classificadas pela categoria da CID-10 (doenças gastrintestinais - K00-K93) foram registradas em 576 indivíduos, que representa 16,1% do total das internações.

DISCUSSÃO

A identificação dos fatores associados à internação por efeitos do abuso de álcool e outras drogas é importante para a elaboração de ações e estratégias de prevenção das internações e medidas de monitoramento dos agravos relacionados ao consumo de drogas.^1,2,13,14

Os achados de caracterização sociodemográfica corroboraram com os resultados da literatura,^19-21 que evidenciam a predominância masculina no consumo de álcool e outras drogas, e nos transtornos relacionados ao uso de drogas.

As diferenças específicas de sexo no consumo de drogas são relacionadas aos fatores biológicos, psicológicos e sociais, que podem afetar diretamente o quadro clínico, a estabilização e os desfechos. Quanto menor a escolaridade, maiores as diferenças de sexo na prevalência do consumo de drogas, devido aos diferentes padrões de consumo em homens e mulheres. O sexo em si não é um preditor de retenção, conclusão ou resultado do tratamento.^22,23

A idade média para o primeiro consumo de álcool e outras drogas no Brasil é de 12,5 anos. Metade dos adolescentes de 13 a 15 anos já bebeu em algum momento na vida. Os estudos sugerem que quanto mais precoce o início do consumo do álcool e outras drogas, maior a probabilidade de desenvolver padrões nocivos, como dependência e problemas associados às drogas, tais como: acidentes, doenças crônicas, internações, sequelas ou até mesmo a morte.^24,25

O consumo de drogas acaba sendo normativo em jovens, e tal fato pode manter importante relação com a prevalência de uso habitual na idade adulta, e se constituir em uso sustentado e duradouro. Porém, sabe-se que o curso evolutivo seguido pelas experiências com o álcool e drogas é desconhecido, indicando que a prevenção ativa no início do consumo pode significar o único meio eficaz de prevenção.^10,12

O perfil etário encontrado neste estudo corresponde à idade economicamente ativa, pois a maioria dos casos foi notificada em indivíduos que referiram estar empregados - apesar da precariedade dos contratos de trabalho e da elevada informalidade. No entanto, a situação no mercado de trabalho foi a variável com maior número de informações não registradas, possivelmente justificadas pela recusa da informação do paciente durante a abordagem de coleta de dados à internação ou pela ausência desse questionamento ao paciente.

Em estudo sobre os fatores associados ao uso de álcool em homens, verificou-se que o risco de desenvolver transtornos relacionados ao uso de álcool atingiu o pico aos 30 anos de idade, com maior risco em homens com mais idade que em jovens, sendo ainda observada maior prevalência em homens casados, desempregados e sem comorbidades mentais.^13,26

Mundialmente, sabe-se que os transtornos relacionados ao uso de álcool, têm sido os mais prevalentes entre todos os relacionados ao uso de substâncias, resultando em elevados anos potenciais de vidas perdidos por incapacidade. Em estudos com usuários de drogas, verificou-se que os homens com nível educacional mais baixo apresentaram elevadas prevalências para beber compulsivamente (ou binge drinking), e o uso pesado de outras substâncias, em comparação aos indivíduos com nível educacional mais alto. Nesse sentido, o desemprego também foi associado ao uso pesado de drogas.^22,25

O uso de álcool e drogas tem relação com o aumento na prevalência de agravos traumáticos, tanto aos usuários quanto às outras pessoas, sendo que as vítimas são principalmente mulheres e jovens. Em um estudo desenvolvido na Nova Zelândia, observou-se que a maioria dos dados disponíveis descreve agressão e crime, além de lesões não intencionais devido aos acidentes de trânsito, quedas, incêndios e outros, que são efeitos agudos do abuso de álcool e outras drogas.²⁷

Mais da metade da população brasileira de 12 a 65 anos declarou ter consumido bebida alcóolica alguma vez na vida. Aproximadamente 14% dos homens brasileiros dirigiram após consumir bebida alcoólica; já entre as mulheres, essa estimativa foi de 1,8%. A percentagem de pessoas que estiveram envolvidas em acidentes de trânsito enquanto estavam sob o efeito de álcool foi de 0,7%.⁹

O uso do álcool como principal motivo das internações pode estar relacionado ao uso constante, descontrolado e progressivo de bebidas alcoólicas, podendo comprometer seriamente o bom funcionamento do organismo e levando a consequências irreversíveis. A pessoa dependente do álcool, além de prejudicar sua própria vida, afeta a de sua família, amigos e colegas de trabalho.^12,28 Quanto maior o consumo de bebida alcoólica, maior o risco para as doenças crônicas e infecciosas, além das internações hospitalares.²⁹

O binge drinking foi o principal motivador dos atendimentos em unidades de emergência e internações hospitalares. Muitos usuários apresentaram comorbidades psiquiátricas coexistentes. As internações relacionadas ao uso de álcool e outras drogas foram devido às complicações agudas ou crônicas relacionadas ao abuso dessas substâncias, e estão associadas diretamente ao custo e à mortalidade.^9,30

Atualmente, o poliuso de drogas (ou uso simultâneo de drogas diferentes)⁹ está associado principalmente aos jovens. Esse tipo de uso é um potencial causador de danos e lesões que necessitam de atendimento nos serviços de urgência e emergência, necessitando que os hospitais gerais realizem adequações e implementem protocolos que atendam essa demanda, fortalecendo e articulando as estratégias periódicas e atualizações com os profissionais de serviços de urgência e emergência.^31,32

O consumo de álcool e outras drogas também está relacionado diretamente às doenças e disfunções orgânicas. Segundo a OMS, existe uma relação causal entre o consumo do álcool e outras drogas, e mais de 60 tipos de doenças, incluindo condições cardiovasculares, gastrintestinais, neuropsiquiátricas e uma variedade de neoplasias.⁵ Os principais fatores associados à gravidade estão relacionados ao tipo e à quantidade de droga consumida. A combinação do abuso de álcool e o uso de outras drogas pode ter um efeito sinérgico, aumentando a probabilidade de lesão, seja intencional (por exemplo: autoinfligida ou relacionada à violência) ou não intencional (por exemplo: acidentes automobilísticos, envenenamentos, quedas, incêndios e outros), causando incapacidade e aumentando o número de casos em todo o mundo, com elevado número de óbitos.³¹

Embora a unidade de atenção às urgências/pronto-socorro seja um local conveniente para estudar a associação entre o uso de drogas e lesões, os indivíduos com alta prevalência de uso de álcool e outras drogas acessam o pronto-socorro em decorrência de agravos agudos, como traumas e automutilações, e/ou crônicos agudizados, como as doenças hepáticas e gastrintestinais.^13,30 Os serviços de urgência e emergência, principalmente os prontos-socorros gerais, não estão preparados estruturalmente e com profissionais qualificados para os atendimentos relacionados aos transtornos mentais associados ao abuso de álcool e outras drogas.

Em alguns países, a triagem de álcool e outras drogas é frequentemente realizada em pacientes internados no pronto-socorro, quando há suspeita de intoxicação por drogas. No entanto, essa prática é frequentemente questionável, dado que esses testes são dispendiosos e podem levar a resultados falso-negativos, quando tais drogas são usadas em doses baixas. Apesar de algumas evidências de que a triagem toxicológica possa ser desnecessária ou de custo-efetividade não comprovada, ela parece ser uma forma, em conjunto com a obtenção de uma história clínica, para promover a melhor identificação desses casos no pronto-socorro.^7,31

A bebida alcoólica causa maior número de acidentes e traumas, em relação às doenças clínicas, porém, a taxa de mortalidade no público analisado é maior nas doenças clínicas metabólicas. Uma elevada porcentagem dos feridos em acidentes de trânsito relacionados ao álcool não era a responsável pelo consumo, e isso representava cerca de um em cada oito, de todos os acidentados, semelhantemente ao observado nas mortes não intencionais de incêndio residencial que acometeram vítimas inocentes de incêndios relacionados ao álcool.^6,27

As doenças gastrintestinais, principalmente as hemorragias digestivas e a cirrose hepática, são os principais agravos associados ao consumo de bebida alcoólica e merecem destaque devido à sua grande incidência de morbimortalidade por efeitos crônicos do álcool. Estima-se que 48% das mortes e 47% dos dias de vida perdidos por incapacidade (DALYs) estão associados à cirrose alcoólica, e, o câncer hepático é a neoplasia com maior incidência e mortalidade.²⁹

O elevado número de internações em decorrência dos efeitos das bebidas alcoólicas, classificados como lesões e causas externas de morbimortalidade, apresentou baixa mortalidade, quando comparados às doenças endócrinas e metabólicas, cardiovasculares, gastrintestinais. Esses fatores podem estar relacionados ao agravamento das doenças crônicas, em decorrência dos efeitos do álcool, levando às complicações em outros sistemas orgânicos, reinternações frequentes e maior taxa de mortalidade, quando comparadas ao trauma e às causas externas.

A gravidade dos casos ocasiona incapacidade temporária e/ou permanente e a morte, estando relacionada ao consumo excessivo de bebidas alcoólicas e gerando diversos problemas de saúde, como cirrose, pancreatite, varizes esofágicas, demência, polineuropatia, miocardite, desnutrição, hipertensão arterial, infarto, certos tipos de cânceres e lesões osteomusculares relacionadas às causas externas, como trauma e violência.^33,34

As reinternações hospitalares por efeitos de bebida alcoólica e outras drogas estão associadas à evolução crônica da intoxicação e à maior probabilidade de óbito, com período de internação maior da estadia, e com custos mais elevados, comparados às internações não relacionada às drogas de abuso.³⁵ As internações de longo período ocasionam ausência de suas atividades laborais e sociais, com maior incidência para o desenvolvimento de outras comorbidades e sequelas.

Os indivíduos que procuram atendimento precocemente têm mais chances de tratamento e recuperação. Isso abre uma janela de oportunidade para a intervenção, tentando reduzir os indicadores de morbimortalidade. Além disso, pode ajudar a identificar os fatores de gravidade precocemente, propondo medidas de reabilitação, e evitando a forma mais grave de dependência, de doenças clínicas e de eventos traumáticos associados.^3,6,7

As consequências relacionadas às doenças atribuíveis ao uso de álcool e outras drogas variam substancialmente em diferentes localizações geográficas, sendo maior em países com um baixo e médio-alto Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), como é o caso do Brasil. Grande parte desse ônus é devido ao efeito do uso de substâncias em outros resultados de saúde, como o comportamento sexual de risco, o aumento da mortalidade por violência e causas externas. Resultando, consequentemente, em sobrecarga nos serviços de saúde para o tratamento dessas pessoas, com longos períodos de internação. Ainda, não podem ser esquecidas as doenças crônicas não comunicáveis, causadas diretamente pelos efeitos das substâncias, como os transtornos psiquiátricos e as doenças hepáticas crônicas.⁶

Destaca-se que o abuso de álcool está associado à gravidade clínica e à mortalidade. As estimativas indicam que cerca de 3,3 milhões de pessoas morrem a cada ano devido ao uso nocivo de álcool, ou seja, quase 6% das mortes são atribuídas total ou parcialmente ao álcool. As faixas etárias jovens (20 a 49 anos) são as principais atingidas pelas mortes associadas ao consumo do álcool, representando uma perda expressiva de pessoas economicamente ativas.⁵

CONCLUSÃO E IMPLICAÇÕES PARA PRÁTICA

A maioria das internações foi por transtornos relacionados ao uso de álcool (bebidas alcoólicas), e as causas principais das internações foram as externas de morbimortalidade. Os fatores de gravidade aumentam a incidência dos óbitos. O desfecho óbito, foi associado, estatisticamente, às doenças endócrinas e metabólicas, cardiovasculares, gastrintestinais e geniturinárias, com a associação no sentido de risco e com lesões, envenenamentos e outras, além de causas externas de morbidade e mortalidade, mas, o sentido da associação foi de proteção, por sua referência de média complexidade para trauma.

Os achados demonstram relevância para a identificação dos fatores associados à gravidade e ao óbito de internações por efeitos do álcool e outras drogas, visando ao desenvolvimento de intervenções para a redução do número de internações, minimizando as sequelas e os óbitos.

As limitações do estudo estão relacionadas à pesquisa com dados secundários e, por se tratar de um cenário local de referência macrorregional, demostra a realidade das internações em um hospital geral, e com sinais e sintomas associados aos efeitos diretos e indiretos, relacionados, por sua vez, ao consumo de álcool e outras drogas.

O estudo reforça a importância na identificação dos fatores associados aos sinais de gravidade em indivíduos internados por efeitos de drogas. As pesquisas relacionadas ao abuso de álcool e outras drogas são importantes e servem como subsídio para o desenvolvimento de estratégias de prevenção, bem como o estímulo para as ações de melhoria na rede assistencial aos usuários, fortalecendo e incrementando as políticas públicas e da gestão de saúde.

• FINANCIAMENTO

  Este trabalho não recebeu financiamento, sendo executado com recursos dos próprios autores.

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EDITOR ASSOCIADO

EDITOR CIENTÍFICO

Datas de Publicação

• Publicação nesta coleção
  16 Dez 2022
• Data do Fascículo
  2023

Histórico

• Recebido
  18 Maio 2022
• Aceito
  05 Out 2022