Influência da sobrecarga, estresse e sintomas depressivos na saúde de idosos cuidadores: estudo longitudinal

Influencia de la carga, el estrés y los síntomas depresivos en la salud de los cuidadores de personas mayores: un estudio longitudinal

Resumo

Objetivo

analisar o efeito da sobrecarga, do estresse e dos sintomas depressivos sobre as características de saúde de idosos cuidadores de idosos.

Métodos

estudo quantitativo e longitudinal com 127 idosos cuidadores. As variáveis utilizadas foram caracterização de saúde; sobrecarga; sintomas depressivos e estresse. Realizou-se modelo de regressão linear, teste de Poisson, com nível de significância de 5%.

Resultados

observou-se que um ponto a mais no escore na escala de sobrecarga aumenta em 0,030 o número de doenças (p=0,020) e risco de dor crônica (p=0,005); um ponto a mais no escore na escala de estresse aumenta em 0,058 o número de doenças (p=0,001) e risco para avaliação de saúde regular/ruim (p=<0,001) e dor crônica (p=<0,001); o aumento no escore na escala de sintomas depressivos aumenta o número de doenças (p=<0,001), risco de quedas (p=0,009), avaliação de saúde regular/ruim (p=<0,001) e dor crônica (p=<0,001).

Conclusões e implicações para a prática

estimativa de piora nos escores das variáveis psicológicas acarreta um risco para o agravamento de características de saúde física dos cuidadores. Com os resultados encontrados, observar-se a necessidade da criação de políticas públicas para os idosos cuidadores, a fim de propiciar uma melhor qualidade de vida.

Palavras-chave:
Cuidadores; Depressão; Estresse Psicológico; Idoso

Resumen

Objetivo

analizar el efecto de la sobrecarga, el estrés y los síntomas depresivos sobre las características de salud de los cuidadores de ancianos.

Métodos

estudio cuantitativo y longitudinal con 127 cuidadores de ancianos. Las variables utilizadas fueron caracterización de la salud; sobrecarga; Síntomas depresivos y estrés. Se realizó un modelo de regresión lineal, prueba de Poisson, con un nivel de significancia del 5%.

Resultados

se observó que un punto más en la puntuación de la escala de sobrecarga aumenta en 0,030 el número de enfermedades (p=0,020) y el riesgo de dolor crónico (p=0,005); un punto más en la puntuación de la escala de estrés aumenta en 0,058 el número de enfermedades (p=0,001) y el riesgo de evaluar regular/mala salud (p=<0,001) y dolor crónico (p=<0,001); el aumento de la puntuación en la escala de síntomas depresivos aumenta el número de enfermedades (p=<0,001), riesgo de caídas (p=0,009), valoración regular/mala de la salud (p=<0,001) y dolor crónico (p=<0,001).

Conclusiones e implicaciones para la práctica

la estimación del empeoramiento de las puntuaciones de las variables psicológicas conlleva un riesgo de empeoramiento de las características de salud física de los cuidadores. Con los resultados encontrados, se evidencia la necesidad de crear políticas públicas para los cuidadores de adultos mayores, con el fin de brindarles una mejor calidad de vida.

Palavras-clave: Ancianos; Cuidadores; Depresión; Estrés Psicológico

Abstract

Objective

to analyze the effect of burden, stress, and depressive symptoms on the health characteristics of older adult caregivers of older adults.

Method

A quantitative and longitudinal study was conducted with 127 older adult caregivers to analyze the effect of burden, stress, and depressive symptoms on their health characteristics. The variables assessed included health characterization, burden, depressive symptoms, and stress. A linear regression model and Poisson test were employed, with a significance level set at 5%.

Results

The findings revealed that an increase of one point in the burden scale score was associated with a 0.030 increase in the number of diseases (p=0.020) and an increased risk of chronic pain (p=0.005). Similarly, a one-point increase in the stress scale score was associated with a 0.058 increase in the number of diseases (p=0.001), as well as an increased risk of a poor subjective health assessment (p=<0.001) and chronic pain (p=<0.001). Furthermore, an increase in the score on the depressive symptoms scale was associated with an increase in the number of diseases (p=<0.001), risk of falls (p=0.009), poor subjective health assessment (p=<0.001), and chronic pain (p=<0.001).

Conclusions and implications for practice

The worsening estimate in the scores of psychological variables poses a risk to the deterioration of caregivers’ physical health characteristics. The findings underscore the need for the development of public policies aimed at improving the quality of life for older adult caregivers.

Keywords:
Caregivers; Depression; Stress, Elderly; Psychological

INTRODUÇÃO

O aumento da expectativa de vida e a redução na taxa de natalidade e mortalidade nos remetem a um fenômeno mundialmente conhecido, o envelhecimento populacional, que traz consigo um cenário com alta demanda por cuidados, devido ao aumento de morbidades nessa população, sobretudo as doenças crônicas não transmissíveis (DCNT).¹-⁴

O perfil do cuidador de idoso é caracterizado como informal, predominantemente realizado pelo sexo feminino, sendo, na maioria das vezes, esposa ou filha.²,⁵,⁶ Em função da longevidade e das mudanças demográficas e na estrutura familiar, um novo cenário que vem se apresentando com cada vez mais frequência é o do cuidador que é idoso, um fato preocupante, visto que complicações de saúde tendem a ocorrer em função do avanço da idade.²,³,⁵,⁷ Exercer a tarefa de cuidar implica a oferta de assistência frequente para as atividades de vida diária e para a manutenção/recuperação da saúde, exigindo habilidades que, na maioria das vezes, o cuidador informal não foi capacitado para realizar, tornando as tarefas mais onerosas e contribuindo para o aumento da sobrecarga e estresse do cuidador.³,⁸

Pesquisas apontam para agravos à saúde em decorrência de sobrecarga relacionada ao cuidado ofertado. Um estudo foi realizado nos Estados Unidos com o objetivo de verificar a associação entre a sobrecarga do cuidado e a propensão para o desenvolvimento de sintomas físicos de cuidadores de idosos, e identificou que os participantes com maior sobrecarga estavam mais propensos a experimentar sintomas físicos, como presença de dor, diminuição da força dos membros inferiores e sentimentos de baixa energia.⁹ Outros estudos ainda mostram que o estresse psicológico, o comprometimento físico e os problemas de saúde dos cuidadores estão relacionados à sobrecarga em função da tarefa de cuidar,¹⁰-¹¹ e as consequências para a saúde podem ser ainda mais graves quando esse cuidador de idoso também é um idoso.

Análises longitudinais acerca de como se comportam as características de saúde e outras variáveis em idosos cuidadores de idosos no Brasil são apontadas como uma lacuna na literatura. Considerando o aumento de idosos cuidadores de idosos, estudos longitudinais se tornam essenciais para elaborar ações mais assertivas, com o intuito de prevenir futuros agravos à saúde dessa população.

Estudos transversais apontam para complicações psicológicas atreladas ao ato de cuidar em cuidadores idosos. Um estudo transversal, realizado com 202 cuidadores idosos, objetivou investigar os fatores associados à depressão em cuidadores, identificando que o aumento das horas gastas com o ato de cuidar e níveis mais elevados de neuroticismo estiveram associados a sintomas depressivos na população investigada.¹² Na Espanha, uma pesquisa realizada com amostra de 200 cuidadores com média de idade de 59,8 anos apontou que 37% relataram sintomas depressivos. O comprometimento psíquico foi relacionado à pressão social para a oferta de cuidado, tornando maior o ônus do cuidado. Os autores destacaram a importância da detecção precoce do impacto negativo da tarefa de cuidado como forma de prevenir agravos como a depressão.⁴

O cuidador que abdica do cuidado com sua própria saúde para cuidar de outro se torna duplamente vulnerável quando os agravos à sua saúde se somam à sobrecarga das demandas do cuidado com o outro,²,¹³,¹⁴ o que pode resultar em dificuldade de prover o cuidado e maior sobrecarga ao sistema de saúde público. Diante do exposto e da escassez de pesquisas na literatura sobre a temática, o presente estudo se propõe a analisar as condições de saúde ao longo dos anos de idosos cuidadores de idosos em uma amostra brasileira. A expectativa é contribuir para que futuras políticas e programas de saúde e bem-estar sejam elaborados com o objetivo de dar assistência adequada, evitando maiores ônus à saúde pública.

Dessa maneira, o presente estudo teve o objetivo de analisar o efeito da sobrecarga, do estresse e dos sintomas depressivos sobre as características de saúde de idosos cuidadores de idosos.

MÉTODO

Trata-se de um estudo longitudinal, de caráter quantitativo,¹⁵ com duas avaliações dentro de intervalo de quatro anos, norteada pela ferramenta Strengthening the Reporting of Observational studies in Epidemiology (STROBE). A coleta de dados ocorreu na cidade de São Carlos, SP, Brasil, entre os anos de 2014 e 2018.

A amostra foi definida a partir da primeira avaliação, que ocorreu de abril a novembro de 2014, com a inclusão de 15 Unidades de Saúde da Família (USF) da área urbana do município. Os participantes foram identificados por meio de listas disponibilizadas pelas USF com os nomes e endereços dos idosos que residiam com outro idoso. Os pesquisadores entraram em contato previamente com as USF para aquisição dos endereços, sendo que todas as casas em que residiam dois ou mais idosos foram visitas pelos pesquisadores.

Na primeira avaliação (2014), participaram da pesquisa 266 idosos cuidadores, que preencheram os seguintes critérios de inclusão: idade igual ou superior a 60 anos; residência na área urbana da cidade de São Carlos; cadastro em uma das USF; e realização do cuidado informal a outro idoso no mesmo domicílio. Foram excluídos os idosos que não se encontravam no domicílio em até três tentativas, além de casos de falecimento, mudança de endereço, recusa e situação em que os dois idosos eram igualmente independentes para as atividades de vida diária.

Para identificar o idoso cuidador, foram utilizados os questionários de avaliação do desempenho nas atividades básicas de vida diária¹⁶ e instrumentais de vida diária.¹⁷ O idoso com melhor desempenho na soma da pontuação dos dois instrumentos era considerado o cuidador, e o idoso com menor pontuação, aquele que recebia os cuidados.⁵ Quando ambos os idosos obtiveram a mesma pontuação e apresentaram-se independentes para todas as atividades, foram excluídos do estudo.

Na segunda avaliação em 2018, todas as residências foram novamente visitadas, conforme descrito em estudo anterior.¹⁸ Houve perda de seguimento devido ao falecimento do cuidador ou da pessoa cuidada (n=32), a três tentativas de contato em dias e horários distintos sem sucesso (n=16), à mudança de endereço (n=36), a recusas (n=46) e ao comprometimento na fala ou declínio cognitivo importante, em que o entrevistador não conseguiu realizar a avaliação (n=9). O instrumento Addenbrooke’s Cognitive Examination Revised (ACE-R)¹⁹ foi utilizado para avaliar o declínio cognitivo. O idoso que apresentasse comprometimento severo, ou seja, que não pudesse responder ao instrumento, era excluído do estudo. Dessa maneira, a amostra final do presente estudo foi composta por 127 participantes. A seguir, a Figura 1 apresenta o fluxograma dos participantes incluídos e excluídos em 2014 e 2018.

Figura 1
Fluxograma dos participantes incluídos e excluídos do estudo. São Carlos, 2018

Nas duas avaliações, foram coletadas informações sobre as características sociodemográficas e de saúde e as variáveis psicossociais (sobrecarga do cuidador, sintomas depressivos e estresse percebido).

Para a coleta de dados sociodemográficos e de saúde, foi utilizado um instrumento que contemplava informações sobre sexo (masculino/feminino), idade (em anos), escolaridade (em anos), número de medicamentos, número de comorbidades, avaliação subjetiva de saúde (boa ou regular/ruim), presença de dor (sim/não), quedas nos últimos 12 meses (sim/não) e horas diárias destinadas ao cuidado. Essas informações foram autorreferidas pelos participantes.

A dor crônica foi considerada aquela com duração igual ou superior a 6 meses, de caráter contínuo ou recorrente, acometendo qualquer região corporal. A intensidade foi avaliada pela escala numérica de 11 pontos (0-10), sendo 0 ausência de dor, e 10, pior dor imaginável.²⁰

O Inventário de Sobrecarga de Zarit, com 22 questões com resposta do tipo Likert, foi utilizado para avaliar a sobrecarga do cuidador. A soma das questões pode variar de 0 a 88 pontos; quanto maior a pontuação, maiores os índices de sobrecarga.²¹

Os sintomas depressivos foram avaliados pela Escala de Depressão Geriátrica (GDS-15), que tem como objetivo rastrear sintomas depressivos em idosos. A pontuação pode variar de 0 a 15 pontos, sendo que pontuações maiores do que 5 sugerem presença de sintomas depressivos.²²

O estresse percebido foi avaliado pela Escala de Estresse Percebido (EEP), composta por 14 questões e com pontuação total variando de 0 a 56.²³ A escala não apresenta uma nota de corte; quanto maior a pontuação no instrumento, maior o nível de estresse.

Para análise dos resultados foi criado um banco de dados, sem a identificação dos indivíduos, no software Excel 2016. Após a validação da dupla entrada, pelo mesmo pesquisador, os dados foram exportados para o software SAS system for Windows (9.2).

Para comparações envolvendo variáveis quantitativas (número de medicamentos, número de doenças, sobrecarga, estresse e sintomas depressivos) e diferenças entre os tempos (2014 e 2018), foi proposto o modelo de regressão linear com efeitos mistos (efeitos aleatórios e fixos). O teste de Poisson com variância robusta simples e múltiplo foi utilizado nas análises das variáveis qualitativas (quedas nos últimos 12 meses, avaliação subjetiva de saúde e presença de dor crônica) para estimar o risco relativo (RR). Todos os modelos foram ajustados por sexo, idade e escolaridade. Foi considerado um nível de significância p≤ 0,05.

O presente estudo teve parecer favorável da Secretária Municipal de Saúde e do Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos para as coletas de dados realizadas em 2014 (Certificado de Apresentação para Apreciação Ética (CAAE) n^o 22956313.6.0000.5504) e 2018 (CAAE n^o 90749218.4.0000.5504). Os aspectos éticos contidos na Resolução n^o 466/2012 do Conselho Nacional de Saúde (CNS) foram respeitados. Todos os idosos que aceitaram participar do estudo assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.

RESULTADOS

Participaram da pesquisa 127 idosos cuidadores com média de idade de 68,2 (±1,7) anos, com prevalência do sexo feminino (78,7%) e escolaridade média de 3,3 (± 3,1) anos. Com relação às características do cuidado, a maioria dos participantes prestava cuidado ao cônjuge (85%), por um tempo médio de 9,2 anos, em 2014, e despendiam uma média de 5,4 horas diárias para a execução desses cuidados. A Tabela 1 apresenta os dados descritos relacionados às características de saúde, sobrecarga, estresse e sintomas depressivos no decorrer de quatro anos.

Tabela 1
- Características de saúde, sobrecarga, estresse e sintomas depressivos dos idosos cuidadores (N = 127). São Carlos, SP, Brasil 2014 - 2018.

Variáveis	2014	2018
Número de medicamentos (média; DP)	3,1 ± 2,19	3,6 ± 2,44
Número de doenças (média; DP)	4,9 ±3,11	4,1 ± 2,45
Presença de quedas nos últimos 12 meses	42(33,07%)	31 (24,41%)
Avaliação subjetiva de saúde
Boa	72(51,43%)	58 (51,33%)
Regular/ruim	55(48,67%)	68 (48,57%)
Presença de dor crônica	76 (48,1%)	82 (51,9%)
Estresse (média; DP)	19,6 ± 10,49	20,3 ±9,83
Sintomas depressivos (média; DP)	3,8±2,85	3,1 ± 2,75
Sobrecarga (média; DP)	18, 7 ± 15,12	11, 23 ± 12,3

• Fonte: elaborado pelos autores.

A Tabela 2 apresenta os resultados das características de saúde e das variáveis sobrecarga, estresse e sintomas depressivos relacionadas à avaliação longitudinal, com o intuito de verificar o efeito do tempo sobre essas variáveis. Observou-se que o número de medicamentos utilizados pelos idosos apresentou um aumento no decorrer do tempo, com evidência de diferença (-0,427, p=0,028). Em contraste, as variáveis número de doenças (0,802; p=0,028), sobrecarga (7,674; p=0,001) e sintomas depressivos (0,737; p=0,002) apresentaram diminuição no decorrer do tempo.

Tabela 2
- Análise do efeito do tempo nas características de saúde, sobrecarga, estresse e sintomas depressivos dos cuidadores de idosos (N = 127) no decorrer de quatro anos. São Carlos, SP, Brasil, 2014-2018.

Variáveis	Estimativa da diferença*	Risco relativo *	IC 95%†		Valor de p
Número de medicamentos	-0,427		-0,807	-0,047	0,028‡
Número de doenças	0,802		0,351	1,256	0,001 ‡
Quedas nos últimos 12 meses (sim/não)		1,355	0,926	1,983	0,118 §
Avaliação subjetiva (boa/regular ou ruim)		0,945	0,775	1,152	0,574§
Presença de dor crônica (sim/não)		0,918	0,808	1,043	0,189§
Sobrecarga	7,674		3,489	11,860	0,001‡
Estresse	-0,691		-2,569	1,188	0,468‡
Sintomas depressivos	0,737		0,274	1,200	0,002‡

• Fonte: elaborado pelos autores.
• ^*
  Análise realizada com os dados de 2014 versus 2018;
• IC 95%† - Intervalo de Confiança de 95%;
• ^‡
  Regressão linear com efeitos mistos (efeitos aleatórios e fixos);
• ^§
  Teste de Poisson com variância robusta; Modelo ajustado por sexo, idade, escolaridade.

Na Tabela 3, verificou-se o efeito das variáveis sobrecarga, sintomas depressivos e estresse percebido sobre as características de saúde ao longo do tempo. A cada aumento de um ponto no escore da sobrecarga, aumenta em 0,030 o número de doenças (p=0,020), aumentando o risco de os indivíduos apresentarem dor crônica (RR=1,009; p=0,005). Com relação ao estresse, a cada aumento de um ponto no escore dessa variável, aumenta em 0,058 o número de doenças (p=0,001), aumentando o risco para avaliação subjetiva regular/ruim (RR=1,029; p=<0,001) e presença de dor crônica (RR= 1,020; p=<0,001). Observou-se, também, que índices maiores nos sintomas depressivos aumentam o número de doenças (p=<0,001), o risco de quedas (RR= 1,080; p=0,009), a avaliação de saúde regular/ruim (RR= 1,135; p=<0,001) e a presença de dor crônica (RR= 1,089; p=<0,001).

Tabela 3
- Análise do efeito das variáveis sobrecarga, estresse e sintomas depressivos sobre características de saúde de cuidadores de idosos (N = 127) no decorrer de quatro anos. São Carlos, SP, Brasil, 2014 -2018.

Variáveis	Estimativa da diferença*	Risco relativo *	IC 95%†		Valor de p
Número de medicamentos
Sobrecarga	-0,006		-0,028	0,016	0,573‡
Estresse	0,022		-0,006	0,050	0,126‡
Sintomas depressivos	0,127		0,021	- 0,232	0,232‡
Número de doenças
Sobrecarga	0,030		0,005	0,055	0,020‡
Estresse	0,058		0,024	0,091	0,001‡
Sintomas depressivos	0,267		0,144	0,389	<0,001 ‡
Quedas nos últimos 12 meses (sim/não)
Sobrecarga		1,188	0,743	1,901	0,472§
Estresse		1,395	0,090	0,950	0,090§
Sintomas depressivos		1,080	1,019	1,144	0,009 §
Avaliação subjetiva de saúde (boa/regular/ruim)
Sobrecarga		0,862	0,656	1,132	0,286§
Estresse		1,029	1,016	- 1,041	<0,001 §
Sintomas depressivos		1,135	1,093	1,178	<0,001 §
Presença de dor crônica (sim/não)
Sobrecarga		1,009	1,003	1,016	0,005 §
Estresse		1,020	1,011	-1,030	<0,001 §
Sintomas depressivos		1,089	1,059	1,120	<0,001 §

• Fonte: elaborado pelos autores.
• ^*
  Análise realizada com os dados de 2014 versus 2018;
• IC 95%† Intervalo de Confiança de 95%;
• ^‡
  Regressão linear com efeitos mistos (efeitos aleatórios e fixos);
• ^§
  Teste de Poisson com variância robusta; Modelo ajustado por sexo, idade, escolaridade.

DISCUSSÃO

No presente estudo, observou-se a influência das variáveis psicológicas sobre as características de saúde ao longo dos quatro anos, com associação entre aumento nos escores da sobrecarga e o aumento do número de doenças e risco para a presença de dor crônica. Na avaliação do estresse, o aumento do escore dessa variável está associado ao aumento do número de doenças e maior risco para avaliação subjetiva de saúde regular/ruim e presença de dor crônica. O aumento nos sintomas depressivos também eleva o número de doenças, o risco de quedas, a avaliação de saúde regular/ruim e a presença de dor crônica.

Ao comparar as variáveis durante os anos de 2014 e 2018, os resultados mostram que o número de medicamentos apresentou uma estimativa de aumento no decorrer dos quatro anos. Porém, nas variáveis sobrecarga, sintomas depressivos e número de doenças, foi possível identificar uma redução nos escores após quatro anos. Para as demais variáveis, não houve alterações significativas no período.

O aumento no número de medicamentos pode estar associado à polifarmácia, frequente nessa população.²⁴ Dados semelhantes aos da presente pesquisa foram encontrados em um estudo de seguimento de 16 meses realizado na Bélgica com cuidadores com idade superior a 70 anos, no qual os autores observaram um aumento no número de medicamentos utilizados na segunda avaliação, principalmente os ansiolíticos.²⁵

Um estudo longitudinal realizado na Finlândia com amostra de cuidadores informais com idade média de 66 anos (±10,2) cuidando de pessoas com Alzheimer apontou aumento significativo no número médio e proporção de medicamentos usados nos últimos cinco anos. Esses autores ainda apresentaram como resultado a comparação entre a concordância entre dados obtidos por autorrelato e o registro de prescrição médica, revelando um importante aumento de automedicações.²⁶ O acesso à medicação do receptor de cuidados facilita o uso de medicamento inapropriado, afirmando um estudo realizado com cuidadores de idosos com demência, e entre os medicamentos mais utilizados por cuidadores, foram citados estrogênios orais, benzodiazepínicos, fluoxetina, relaxante muscular, entre outros.²⁷

No presente estudo, os participantes apresentaram menor escore de sintomas depressivos na segunda avaliação, dado que corrobora com uma pesquisa longitudinal inglesa realizada com cuidadores com idade superior a 50 anos. O estudo demonstrou uma diminuição da média dos escores de sintomas depressivos dos participantes que realizavam o cuidado contínuo por um período de dois anos.²⁸ Em discordância, um estudo realizado na China entre os anos 2011-2015 avaliou um grupo de cuidadores e não cuidadores, observando que os participantes que iniciaram o cuidado durante esse período apresentaram índices mais elevados de sintomas depressivos, quando comparados aos participantes que não realizavam o cuidado.²⁹

A influência do ato de cuidar sobre as variáveis psicológicas pode apresentar mudanças ao longo do tempo, devido a fatores positivos e negativos associados ao cuidado. No entanto, após a adaptação em relação às mudanças sociais na vida do cuidador, sentimentos como gratidão e percepção de ajuda ao familiar contribuem para reduzir os sentimentos negativos associados ao cuidado, e podem favorecer positivamente as variáveis psicológicas e a satisfação com a vida.³⁰

Com relação à redução nos escores da sobrecarga ao longo do tempo encontrada neste estudo, acredita-se que as adaptações dos cuidadores associadas ao cuidado e relacionadas aos sentimentos de gratidão e resiliência³⁰,³¹ possam ter contribuído para as pontuações mais baixas de sobrecarga na segunda avaliação. Uma revisão sistemática no período de 2009 a 2019 demonstrou que a adaptação à rotina das atividades do cuidado ocorre em função de enfrentamento resiliente, o qual reduz os fatores de risco para agravos emocionais nos cuidadores informais.³¹ Dados semelhantes foram observados em estudo longitudinal realizado com cuidadores japoneses, no qual não foi evidenciado, no período de um ano, aumento na sobrecarga, sendo que os cuidadores apresentaram uma diminuição na pontuação da escala referente à tensão pessoal diante das atividades de cuidado.³²

Com relação à influência das variáveis sobrecarga, estresse e sintomas depressivos em relação às características de saúde ao longo dos quatro anos, um aumento nos escores da sobrecarga teve associação com o maior número de doenças e a dor crônica. A sobrecarga é considerada, por alguns autores, uma variável importante e que auxilia na avaliação da saúde dos cuidadores e nas características do cuidado prestado.³³

Apesar de estudos a longo prazo com amostra de idosos cuidadores serem escassos, pesquisas nacionais e internacionais destacam que níveis elevados de sobrecarga podem contribuir para uma piora na saúde física e psicológica de cuidadores, ocasionando fadiga, distúrbios do sono, perda da atenção, presença de dores e aumento de comorbidades.³³,³⁴ Ademais, a dor crônica pode implicar um grande impacto na vida do idoso, apresentando elevação na intensidade com o avanço da idade, influência negativa na qualidade de vida e redução da funcionalidade do idoso.³⁵ Ressalta-se que a presença de dor contribui para o agravamento da sobrecarga e dificuldades para realizar as atividades de cuidado.³⁶

No Japão, em uma pesquisa transversal em amostra de 156 cuidadoras com idade média de 65 anos (±10,4), foi relatada associação entre dor lombar e as atividades desenvolvidas no ato de cuidar. Observou-se que 70% da amostra referiu estresse psicológico, e essa porcentagem aumenta para 85,7% dentre as cuidadoras com relato de dor, dificultando a realização das atividades do cuidado e reduzindo a qualidade de vida dos cuidadores.³⁷

Também, no presente estudo, foi possível constatar que, no decorrer de quatro anos, o aumento nos índices de sintomas depressivos gerou maior número de doenças, risco de quedas, avaliação de saúde regular/ruim e dor crônica. Corroborando com esses resultados, uma pesquisa transversal, realizada em Florianópolis, com 1.656 idosos, observou que sintomas depressivos estiveram associados com a ocorrência de queda no último ano, relato de dor e pior percepção de saúde.³⁸ Já uma pesquisa realizada com 202 cuidadores com idade superior a 55 anos, realizada na Austrália, observou uma correlação entre o número de medicamentos e sintomas depressivos, dados que não foram evidenciados no presente estudo.³⁹

As complicações resultantes do ato de cuidar podem ser maiores dependendo do grau de dependência do receptor de cuidados.⁴⁰,⁴¹ Em um estudo transversal com cuidadores informais de pessoas com demência com idade superior a 21 anos, investigadores na parte sul do centro-oeste dos Estados Unidos da América demostraram uma ligação significativa entre doenças crônicas, idade e sexo do cuidador. O risco de doenças crônicas foi quase três vezes maior para os cuidadores com mais de 65 anos, quando comparados aos com idades inferiores a 65 anos.⁴² Nesse contexto, dados de um estudo realizado no estado de São Paulo com 362 cuidadores evidenciaram que a tensão excessiva de cuidadores de idosos foi associada ao cuidado continuo, à disfunção familiar, à idade e às condições funcionais e cognitivas do idoso cuidado.⁶

Esses resultados demonstram a importância de uma assistência à saúde voltada para a promoção do bem-estar psicológico dos idosos cuidadores, uma vez que a maioria dos cuidadores informais não tem suporte ou assistência focada no risco de desgaste físico e psicológico desencadeado pelo ato de cuidar. Dessa maneira, ressaltam-se a necessidade de ações de avaliação e novos estudos voltados para essa população. Estudos longitudinais sobre a saúde dos idosos cuidadores certamente são necessários e devem ser aprofundados, assim como as ações desenvolvidas pelas USF devem ser fortalecidas e incentivadas, com o intuito de melhorar a assistência de saúde realizada ao idoso cuidador e ao receptor de cuidado.

Os resultados obtidos a partir deste estudo podem contribuir para melhor entendimento acerca das condições de saúde ao longo dos anos de idosos cuidadores de idosos, auxiliando a prática profissional no desenvolvimento de atividades de assistência integral ao idoso cuidador. Este estudo ainda contribui para dar visibilidade aos profissionais de saúde sobre a necessidade de detecção precoce dos problemas de saúde e intervenção adequada a essa população que oferta cuidados a outro idoso, abdicando de cuidados para si. Intervenções de saúde realizadas individualmente ou em grupos com idosos cuidadores, com o intuito de desenvolver ações que proporcionem bem-estar físico e psicológico, como oficinas, alongamentos e rodas de conversas, podem contribuir na assistência à saúde para essa população.

CONCLUSÕES E IMPLICAÇÕES PARA A PRÁTICA

Os resultados demonstraram que somente a variável número de medicamentos apresentou uma estimativa de aumento ao longo dos quatros anos e que os escores de sobrecarga, sintomas depressivos e número de doenças apresentaram uma redução.

Verificou-se que uma estimativa de piora dos escores das variáveis psicológicas acarreta risco para o agravamento de algumas variáveis associadas à saúde física dos idosos cuidadores. A variável sobrecarga apresentou uma associação com o número de doenças e risco para dor crônica. O estresse esteve associado ao aumento do número de doenças, avaliação subjetiva de saúde regular/ruim e a presença de dor crônica. A variável sintomas depressivos apresentou relação com o aumento do número de doenças, presença de quedas, avaliação de saúde regular/ruim e presença de dor crônica.

Embora este estudo tenha trazido resultados interessantes sobre a saúde dos idosos cuidadores de idosos, algumas limitações devem ser apontadas. Infelizmente, houve uma redução significativa no número de participantes na segunda avaliação (n=127). A variável número de doenças foi obtida por meio do autorrelato, podendo ter um viés nos dados. Não foram coletadas informações sobre a saúde do receptor de cuidados, o que certamente poderia auxiliar na compreensão dos resultados obtidos. Da mesma forma, dados sobre a qualidade do sono e prática de atividade física do cuidador deveriam ser considerados em estudos futuros, uma vez que esses fatores podem interferir na saúde física e psicológica dos idosos cuidadores.

Com os resultados encontrados, observa-se a necessidade da criação de políticas públicas para os idosos cuidadores, a fim de propiciar uma melhor qualidade de vida e contribuir para a implementação de ações que favoreçam um olhar voltado para a saúde física e psicológicas desses cuidadores.

• FINANCIAMENTO

  O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES) Código de Financiamento 001, da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP - n^o 2018/23756-7); 2017/04129-9) e do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) (n^o 304068/2015-6).

REFERÊNCIAS

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EDITOR ASSOCIADO

EDITOR CIENTÍFICO

Datas de Publicação

• Publicação nesta coleção
  24 Jul 2023
• Data do Fascículo
  2023

Histórico

• Recebido
  26 Jan 2023
• Aceito
  24 Maio 2023