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O lugar da mãe na psicoterapia da criança: uma experiência de atendimento psicológico na saúde pública

El lugar de la madre en la psicoterapia del niño: una experiencia de servicio psicológico en la salud públicaen salud - la experiencia del PROLIG

The mother’s place in the child psychoterapy: an experience of psychological attendance in public health

Resumos

A psicoterapia da criança não difere da psicoterapia do adulto somente na técnica lúdica empregada durante as sessões. A família, principalmente a mãe, deve ser contemplada no tratamento da criança. Os terapeutas encontram suas maiores dificuldades na abordagem da mãe, que freqüentemente é considerada não só responsável como também culpada pelo distúrbio da criança. É freqüente o encaminhamento da mãe para a psicoterapia individual a fim de que seus problemas emocionais não interfiram de forma a inviabilizar o tratamento do filho. Mas elas costumam recusá-la, alegando que o problema está na criança que apresenta o sintoma. No atendimento psicológico da criança em internação hospitalar, da mesma forma, a abordagem da mãe traz uma questão delicada. Este trabalho destaca a importância da família no tratamento dos distúrbios psicológicos de crianças, propondo o atendimento em grupo das mães como recurso de escolha para a inclusão das famílias na instituição de saúde pública. Fundamentando-se numa perspectiva psicanalítica, discute a relação entre a criança, a terapia e a família, apontando uma postura despida de preconceitos por parte do terapeuta como condição necessária ao adequado manejo técnico. Propõe ainda a adoção desse tipo de grupo de mães no atendimento psicológico em enfermaria e UTI pediátrica de saúde pública.

Psicanálise da criança; Grupos; Saúde pública; Psicologia hospitalar


La psicoterapia del niño no difiere de la psicoterapia del adulto solamente en la técnica lúdica creada durante las sesiones. La familia, principalmente la madre, debe ser contemplada en el tratamiento del niño. Los terapeutas encuentran sus mayores dificultades en el abordaje de la madre, que frecuentemente es considerada no sólo responsable como también culpable por el disturbio del niño. Es frecuente el encaminamiento de la madre para la psicoterapia individual a fin de que sus problemas emocionales no interfieran de forma a hacer inviable el tratamiento del hijo. Pero ellas suelen recusarla, alegando que el problema está en el niño que presenta el síntoma. En el servicio psicológico del niño en internación hospitalaria, de la misma manera, el abordaje de la madre trae una cuestión delicada. Este trabajo destaca la importancia de la familia en el tratamiento de los disturbios psicológicos de niños, proponiendo el servicio en grupo de las manos como recurso de elección para la inclusión de las familias en la institución de salud pública. Fundamentándose en una perspectiva psicanalítica, discute la relación entre el niño, la terapia y la familia, señalando una postura libre de preconceptos por parte del terapeuta como condición necesaria al adecuado manejo técnico. Propone aún la adopción de ese tipo de grupo de madres en el servicio psicológico en enfermería y UTI pediátrica de salud pública.

Psicoanálisis del niño; Grupos; Salud pública; Psicología hospitalaria


Child psychotherapy does not vary from adult’s only in the play techniques used during the sessions. The family, mainly the mother, needs to be considered when the child is undergoing therapy. Children therapists meet most of their challenges when approaching the mother, usually considered not only responsible but also guilty for the child’s emotional disturbances. The mother is often routed for individual therapy so that her emotional problems will not interfere in a way to render the child treatment impossible. But they usually refuse such treatment pointing out that the problem resides in the child alone, whose symptoms corroborate that. In the psychological treatment of a child within a hospital, likewise, approaching the mother is a very delicate issue. This paper emphasizes the family role in children psychological treatment, suggesting the mother advising group as a strategy for family inclusion in a public health institution. Based on a psychoanalytical approach, the relation between child, therapy and family is discussed, pointing towards a therapist attitude void of prejudices as a required condition to technical procedure. The adoption of this kind of group work is proposed for psychological support in pediatric wards and intensive care units in public health.

Child psychoanalysis; Groups; Public health; Hospital psychology


EXPERIÊNCIAS

O lugar da mãe na psicoterapia da criança – uma experiência de atendimento psicológico na saúde pública

The mother's place in the child psychoterapy - an experience of psychological attendance in public health

El lugar de la madre en la psicoterapia del niño – una experiencia de servicio psicológico en la salud públicaen salud – la experiencia del PROLIG

Lenira Akcelrud Finkel* * Psicóloga do Instituto Nacional de Cardiologia, Ministério da Saúde – RJ; Especialista em Psicologia clínica e Psicologia hospitalar, grupoterapeuta.

Ministério da Saúde, Instituto Nacional de Cardiologia – Rio de Janeiro

Endereço para correspondência Endereço para correspondência Lenira Akcelrud Finkel Rua Conde de Baependi, 23/203 22231-140 – Rio de Janeiro - RJ -Brasil E-mail: lfinkel@attglobal.net

RESUMO

A psicoterapia da criança não difere da psicoterapia do adulto somente na técnica lúdica empregada durante as sessões. A família, principalmente a mãe, deve ser contemplada no tratamento da criança. Os terapeutas encontram suas maiores dificuldades na abordagem da mãe, que freqüentemente é considerada não só responsável como também culpada pelo distúrbio da criança. É freqüente o encaminhamento da mãe para a psicoterapia individual a fim de que seus problemas emocionais não interfiram de forma a inviabilizar o tratamento do filho. Mas elas costumam recusá-la, alegando que o problema está na criança que apresenta o sintoma. No atendimento psicológico da criança em internação hospitalar, da mesma forma, a abordagem da mãe traz uma questão delicada. Este trabalho destaca a importância da família no tratamento dos distúrbios psicológicos de crianças, propondo o atendimento em grupo das mães como recurso de escolha para a inclusão das famílias na instituição de saúde pública. Fundamentando-se numa perspectiva psicanalítica, discute a relação entre a criança, a terapia e a família, apontando uma postura despida de preconceitos por parte do terapeuta como condição necessária ao adequado manejo técnico. Propõe ainda a adoção desse tipo de grupo de mães no atendimento psicológico em enfermaria e UTI pediátrica de saúde pública.

Palavras-chave: Psicanálise da criança, Grupos, Saúde pública, Psicologia hospitalar.

ABSTRACT

Child psychotherapy does not vary from adult's only in the play techniques used during the sessions. The family, mainly the mother, needs to be considered when the child is undergoing therapy. Children therapists meet most of their challenges when approaching the mother, usually considered not only responsible but also guilty for the child's emotional disturbances. The mother is often routed for individual therapy so that her emotional problems will not interfere in a way to render the child treatment impossible. But they usually refuse such treatment pointing out that the problem resides in the child alone, whose symptoms corroborate that. In the psychological treatment of a child within a hospital, likewise, approaching the mother is a very delicate issue. This paper emphasizes the family role in children psychological treatment, suggesting the mother advising group as a strategy for family inclusion in a public health institution. Based on a psychoanalytical approach, the relation between child, therapy and family is discussed, pointing towards a therapist attitude void of prejudices as a required condition to technical procedure. The adoption of this kind of group work is proposed for psychological support in pediatric wards and intensive care units in public health.

Keywords: Child psychoanalysis, Groups, Public health, Hospital psychology.

RESUMEN

La psicoterapia del niño no difiere de la psicoterapia del adulto solamente en la técnica lúdica creada durante las sesiones. La familia, principalmente la madre, debe ser contemplada en el tratamiento del niño. Los terapeutas encuentran sus mayores dificultades en el abordaje de la madre, que frecuentemente es considerada no sólo responsable como también culpable por el disturbio del niño. Es frecuente el encaminamiento de la madre para la psicoterapia individual a fin de que sus problemas emocionales no interfieran de forma a hacer inviable el tratamiento del hijo. Pero ellas suelen recusarla, alegando que el problema está en el niño que presenta el síntoma. En el servicio psicológico del niño en internación hospitalaria, de la misma manera, el abordaje de la madre trae una cuestión delicada. Este trabajo destaca la importancia de la familia en el tratamiento de los disturbios psicológicos de niños, proponiendo el servicio en grupo de las manos como recurso de elección para la inclusión de las familias en la institución de salud pública. Fundamentándose en una perspectiva psicanalítica, discute la relación entre el niño, la terapia y la familia, señalando una postura libre de preconceptos por parte del terapeuta como condición necesaria al adecuado manejo técnico. Propone aún la adopción de ese tipo de grupo de madres en el servicio psicológico en enfermería y UTI pediátrica de salud pública.

Palabras clave: Psicoanálisis del niño, Grupos, Salud pública, Psicología hospitalaria.

Aqueles que trabalham com crianças e adolescentes em saúde pública, seja na Medicina, nutrição, enfermagem, serviço social, psiquiatria ou Psicologia apontam insistentemente a questão da família de seus clientes. Na pediatria, os encaminhamentos para atendimento psicológico costumam mencionar questões importantes na dinâmica familiar.

A família é considerada responsável por grande parte da problemática apresentada pela criança portadora do sintoma. Mas o elemento familiar que vem trazer a queixa, o sintoma, o problema que nos desafia e questiona, é a mãe. E nós, dos serviços de saúde mental, que recebemos a "criança problema#&34; das mãos dessas mães, representantes da família, que, afinal de contas, foi quem gerou o problema, não tardamos a dizer: a culpa é da mãe.

Um exame na história do atendimento psicoterápico de crianças mostra um itinerário que passa, no início, pela proposta de uma ação mais pedagógica do que psicoterápica, em que se preconizava a modificação do meio ambiente. A criança deveria ser mais adequadamente ensinada a comportarse melhor (A. Freud, 1951). Num outro momento, a ênfase do tratamento é o mundo interno, e aí já não importa o ambiente escolar ou familiar, pois o objeto de trabalho está nas fantasias inconscientes (Klein, 1975). Hoje assistimos a um florescimento de novas teorias, nas quais o problema da criança é considerado, no diagnóstico ou no tratamento, somente em conjunção e dentro da dinâmica familiar (terapias familiares na abordagem sistêmica).

Trabalhando dentro de um referencial psicanalítico, consideramos que, no tratamento da criança, deve estar incluída a família. Essa inclusão vai demandar maior número de sessões e colocar em questão alguns padrões de atendimento institucional, pois, nos serviços de saúde pública, há que se responder à demanda. O trabalho em saúde pública desafia e exige do profissional. As tentativas de desenvolver uma prática mais adequada a um grande volume de pacientes se vêem constantemente contaminadas por uma ideologia de desvalorização do cliente. Se, nos consultórios, trabalhamos no sentido de uma reestruturação da personalidade, nos ambulatórios, almejamos tão somente a supressão do sintoma, da queixa. É como se, no consultório, quiséssemos salvar o cliente, e, no ambulatório, quiséssemos nos livrar dele.

A busca de uma alternativa que permitisse equacionar a demanda reprimida à qualidade do atendimento levou à oferta de atendimento em grupo às mães de crianças com indicação de psicoterapia. Essa experiência teve início em 1986, no PAM, na Praça da Bandeira (antigo INAMPS), desenvolvendose depois no Hospital da Criança e do Adolescente, no Centro Brasileiro para a Infância e a Adolescência (antiga FUNABEM), e foi posteriormente retomada no Serviço de Cardiopediatria do Instituto Nacional de Cardiologia.

Pretendemos, neste trabalho, apresentar algumas reflexões sobre o lugar dos pais, do psicoterapeuta e da instituição de saúde pública na questão dos distúrbios psicológicos das crianças. Fundamentamo-nos na literatura psicanalítica para a compreensão das psicodinâmicas e nos conceitos e técnicas de trabalho com grupos (Foulkes & Anthony, 1972) para a abordagem com as mães.

Método

Grupos de mães como estratégia no atendimento em ambulatório público

Nossa experiência com tratamento psicológico de crianças tem-nos mostrado que o andamento da terapia vai ser determinado em grande parte pela reação da família (e principalmente da mãe) a esse tratamento. Na clínica privada, é praxe o encaminhamento dos pais para um acompanhamento paralelo à psicoterapia da criança com outro profissional ou o agendamento de sessões com o terapeuta da criança. Na saúde pública, a pressão sofrida pelo profissional para dar conta da demanda leva-o a abrir mão do atendimento dos pais. Mas foi por valorizar a participação da família, sem desconsiderar a demanda reprimida e por considerar que o trabalho com grupos pode ser extremamente proveitoso, sendo em alguns casos uma alternativa melhor que o atendimento individual, que optamos pelos grupos de mães. Não havia a proposta de um grupo terapêutico, pois inexistia demanda de terapia por parte daquelas mães, o que já seria tecnicamente impeditivo, e, ademais, tratava-se de um ambulatório de crianças e adolescentes.

A proposta era a criação de um espaço de orientação e reflexão sobre a problemática emocional dos filhos e sua relação com a dinâmica familiar que viesse a favorecer a colaboração das mães, a ser feita em grupo, nos moldes de um grupo operativo. "As finalidades e propósitos dos grupos operativos podem ser resumidos dizendo-se que sua atividade está centrada na mobilização de estruturas, estereotipadas por causa do montante de ansiedade despertada por toda mudança#&34; (Pichon-Rivière, 1983, p. 98). Não se objetivava uma forma ou fonte de pesquisas, mas sim, uma estratégia que permitisse conciliar as necessidades da clientela, os recursos e os limites da instituição, com a perspectiva de um trabalho profissional digno que se recusa a oferecer ao cliente da instituição de saúde pública um padrão inferior de atendimento.

Destinar horários de ambulatório infantil para o atendimento das mães pode ensejar alguns questionamentos: por que a opção pelo grupo de mães? Não se deveria atender o casal parental? Não estaríamos corroborando com a exclusão do pai? Não deveríamos formar grupos de pais (os pais e as mães)? A essas perguntas responde a observação da realidade. O horário de funcionamento dos ambulatórios não possibilita aos pais das crianças em atendimento comparecerem sistematicamente.

Trabalhar somente com as mães não implica excluir nem desvalorizar o pai. Pelo contrário, através do trabalho desenvolvido nos grupos, pode-se ressaltar sua importância. Quando o grupo questiona a participação do pai em determinada situação, a mãe se dá conta de que ele não estava incluído, não participava do problema nem da procura da solução, na maioria das vezes, por omissão do pai aliada à sua exclusão pela mãe. Mas, se isso nunca fora problematizado, o importante é que passa a ser a partir daí. Sabemos que o lugar do pai, do terceiro que rompe a simbiose, que interdita o incesto e traz a lei, é veiculado, antes de tudo, pela mãe. O próprio grupo pode exercer esse papel, de um terceiro que se interpõe entre criança e mãe, lugar de decisões sobre a vida da criança. Nos casos de ausência da figura do pai, isso se torna ainda mais relevante.

As mães, com freqüência, chegam ao grupo trazendo a fantasia de que é um lugar de confissões com os decorrentes conselhos sábios, porém impregnados de censura, pois tal é o modelo seguido nas reuniões promovidas nas instituições destinadas ao atendimento da população carente.

Os fenômenos característicos dos grupos apresentam- se como os dos grupos terapêuticos ou operativos. Na formação dos grupos, é recomendável avaliar a capacidade de cada membro de suportar e colaborar com o trabalho, isso porque, quando a rotatividade é muito grande e o grupo ainda não formou seu núcleo, não tendo ainda uma identidade, ele é mais suscetível à desagregação. Não é, então, aconselhável a inclusão de pessoas com personalidades muito desestruturadas, sem limites, etc. Por outro lado, quando o grupo já conta com seu núcleo aglutinador, ele pode suportar uma determinada cota de rotatividade.

Partindo do princípio que as mães querem o melhor para os filhos, entendemos que, quando a mãe não consegue ser a melhor mãe, ela se sente derrotada, porque imagina que as outras são melhores do que ela. Se tentarmos "ensiná-la#&34; a ser essa mãe "completamente boa#&34;1 1 Alusão ao conceito de Winnicott de mãe "suficientemente boa#&34; (Winnicott, 1978) , como não vai conseguir mesmo, vai acabar se sentindo a pior do mundo.

Participar do grupo alivia esse sentimento, pois as outras mães também têm problemas. Algumas, no início, reclamam que ficam aflitas com tantos problemas das outras mães e rejeitam o grupo dizendo que bastam os seus. É o medo de se ver no espelho das outras. Mas, se for superado esse medo inicial, o grupo é percebido como continente para as angústias causadas pelos problemas com os filhos.

Algumas abordagens de orientação psicanalítica não admitem a orientação diretiva ou o aconselhamento. Entretanto, Dolto (1977) nos diz:

...As pessoas pedem para ser assistidas, e já é muito que elas aceitem ir embora sem pedidos de radiografias, sem receitas, sem calmantes, enfim, sem provas tangíveis de que tenham estado no médico. Portanto, é preciso pelo menos falar-lhes, muni-las de conselhos precisos que provocarão, se forem aplicados, um progresso, por ligeiro que seja, no comportamento da criança, graças ao que terão confiança em nós e voltarão com ela. (p. 135)

Em enfermaria e UTI de cardiopediatria

A internação hospitalar em pediatria sempre vai suscitar ansiedade ou trazer à tona situações importantes da dinâmica familiar. Quem é essa criança para a mãe, o pai, avós, irmãos? O que representa para cada um? Que lugar ocupa?

Há mães que não podem ficar e delegam a tarefa à avó. Há mães que não saem de perto por nada. Há o pai que nunca pode vir. Há o pai que dorme na calçada do hospital para ficar mais perto. Muitas vezes, o lugar que é dado à criança ocupar na família, o que ela representa para cada membro, não está evidente, se dilui, um elemento compensa o outro. Na internação, isso vai aparecer.

Mas a internação, quer seja para cirurgia agendada, quer seja porque o quadro da criança se agravou, quer seja porque o bebê acabou de nascer e diagnosticouse a cardiopatia, já é desencadeadora de enorme carga de ansiedade. E, muitas vezes, essas mães estão sentindo-se muito sós e desamparadas, apesar de já fazerem parte de um grupo natural – o das mães das crianças internadas naquele momento.

No atendimento grupal, a escuta, o acolhimento da angústia, o incentivo à expressão de fantasias, vai servir de continente e suporte, oferecer oportunidades de trocas e espaço de reflexão dos relacionamentos e dificuldades do cotidiano.

Nesses grupos, é muito freqüente a demanda de "tradução#&34; do que elas ouviram do médico, tanto em relação à patologia quanto aos procedimentos. Aqui, da mesma forma, é condição sine qua non não assumir postura autoritária de disputa de poder sobre o modo de tratar a criança. Ao informar as prescrições, os procedimentos e a própria cardiopatia em linguagem que lhes permita fazer sentido, estamos ajudando-as a recuperar a autoridade parental e a aderir ao tratamento quando da alta, pois o pátrio poder sobre a criança internada desloca-se da família para a equipe de saúde, que é quem sabe o que é melhor para ela.

No trabalho com mães de crianças hospitalizadas em estado grave ou com proposta de cirurgia de grande porte, é preciso ter capacidade de empatia, saber ouvir, falar (orientar, informar), olhar e ver (porque parece existir uma transparência e anonimato do cliente da saúde pública). Também é importante avaliar os ganhos secundários, os jogos de culpa, as feridas narcísicas e os dados de realidade da instituição, da criança e da família, e, principalmente, suportar a transferência, que se mostra muito intensa devido à peculiaridade dessa situação.

No caso específico dos portadores de febre reumática, é preciso cooptar a mãe como aliada na profilaxia secundária, que consiste em aplicações periódicas de injeções de penicilina benzatina, e nos casos de cirurgia com colocação de prótese, atentar para o delicado equilíbrio de saber que terá que haver uma outra cirurgia no futuro, mas que ela não deverá viver assombrada com isso.

Resultados

Nas instituições onde desenvolvemos o trabalho com grupos de mães (em ambulatório, enfermaria e UTI), tivemos boa receptividade por parte dos outros profissionais envolvidos (pediatria, neurologia, enfermagem, fonoaudiologia, terapia ocupacional), que encaminhavam as pacientes valorizando o trabalho proposto. As pacientes atendidas, na sua maioria, puderam auferir benefícios do atendimento para seus filhos e para si próprias. A experiência mostrou que, a despeito de ocupar horários que poderiam ser preenchidos com atendimento de novos pacientes, os grupos de mães se consagraram como importante recurso terapêutico.

Observamos como temas mais freqüentes trazidos pelas mães as questões sobre controle, nível de dependência da criança como necessidade da mãe pelo medo de perda, modelos de criação, rejeição, culpa, omissão do pai, a missão do pai, problemas escolares, sexualidade, rebeldia, obediência, simbiose, enurese.

Há mães que alimentam a fantasia de que poderão proteger totalmente o filho através do máximo controle. Tal fantasia onipotente tem como contrapartida a sensação de impotência quando a mãe se depara com os perigos da vida de hoje nas grandes cidades. Nesses momentos, o desânimo pode contagiar todo o grupo familiar, que se sente incapaz de instituir mudanças que possam dar conta do sintoma da criança. As duas posturas (onipotência e impotência) são verso e reverso da mesma moeda. O grupo tem efetivamente o papel de delimitar um espaço de potência possível.

Situações que têm como conteúdo manifesto o grau de autonomia a ser dado a um filho acabam incidindo sobre questões mais complexas que envolvem a constituição da identidade da mãe e a discriminação mãe-filho. Observam-se situações em que a mãe expressa a nítida necessidade de compensar no filho frustrações de infância, ou, pelo contrário, denotam clara tendência a reproduzir o modelo educacional que viveram – mães que apanharam e batem nos filhos. Detectam-se, às vezes, elementos mais profundos subjacentes ao que se mostra como mera reprodução de modelos de criação dos filhos. Trata-se de mães que viveram profundos sentimentos de rejeição e rejeitam agora aspectos seus depositados no filho. Os casos de rejeição manifesta aparecem com menor freqüência.

Há situações em que a conduta da criança se caracteriza pela persistente necessidade de reafirmação quanto ao amor que o adulto lhe dedica, seja na medida em que este atende seus desejos ou lhe proporciona bens materiais. De que forma essa atitude está mobilizando a mãe e a família? A necessidade do filho de confirmar, a todo instante, o amor da mãe, pode gerar nesta última uma angústia de esvaziamento e medo da grande voracidade verificada no filho, medo de não ter o suficiente para dar. Forma-se, a partir daí, um círculo vicioso, em que a mãe passa a controlar suas doações (para não ser esvaziada), o que realimenta na criança o sentimento de rejeição e falta.

Dolto (1977) afirma que os pais têm duas atitudes diante dos sintomas psíquicos dos filhos. Vêem uma doença física ou moral ou então preguiça, maldade. No primeiro caso, a criança fica isenta de qualquer responsabilidade; no segundo, ela tem toda a responsabilidade por seus problemas. Numa situação, é colocada em posição de inferioridade; noutra, é culpabilizada e ameaçada com a retirada do amor.

Tudo isso faz ver como os sintomas das crianças põem em ação o jogo das culpas que ora está nos pais, ora nos filhos. Quando somos levados a considerar o sentido dos sintomas e sua relação com a dinâmica familiar, abrem-se novas possibilidades, operam-se mudanças. Percebe-se que não adianta muito perguntar, por exemplo, como fazer para que o filho deixe de roer unhas, a questão que se coloca passa a ser: o que o leva a roer unha, o que isso representa?

Algumas dificuldades escolares da criança ou adolescente têm um sentido de oposição do desejo dos pais. É como se fosse a única forma encontrada de mostrar para os pais e para si próprio que é um ser diferenciado, autônomo, não fusionado, não subjugado. E aí o mau desempenho escolar é um fracasso dos pais, e não dela.

Algumas mães são tão preocupadas que, no intuito de não "maltratar#&34; para serem boas, ficam com dificuldades de estabelecer limites. Acabam por ficar exasperadas e por bater na criança, o que vai levar a sentimentos de culpa e fracasso. A saída, por vezes, é recriminar o filho – "olha o que você fez com a mamãe, que é tão boa pra você#&34;. Nesses casos, ao ser reconhecida pela doutora e pelo grupo como mãe dedicada, a orientação diretiva de que se deve dar limite, de que isso é saudável para a criança e as sugestões práticas de como fazê-lo podem ser de efetiva ajuda.

N., 10 anos, está em terapia, e a mãe freqüenta o grupo. É trazido devido a uma disfemia (gagueira), e foi encaminhado pela fonoaudióloga. É o único filho de uma mãe solteira muito condenada pela família (com quem residia) pelo pecado de ter concebido N. O pai de N não assumiu o filho, e não mantém contato algum. Ela é mãe dedicada, generosa, trabalha muito para que nada falte ao filho, que forma com ela um par. Numa sessão do grupo, mostra-se muito desgostosa, porque descobriu que N. tinha uma coleção de revistas de "sacanagem#&34;. Diz preocupar-se pelo fato de que ele poderia pensar que ela também fazia aquelas coisas (o seu fantasma – sexualidade pecaminosa). Em outra sessão, deixou claro seu ciúme em relação a essas mulheres bonitas e atraentes. Mas, para sorte de N., arranjou um namorado, que passou a assumir funções paternas junto a N. Em uma das sessões, ele vem junto e pede para participar da sessão. Faço uma sessão com o casal após o grupo. Ele vem dizer que quer saber de mim o que penso do menino, e que acha que a mãe o superprotege, não deixando que enfrente as situações de rua, de brigas com outros meninos, por exemplo, e que, depois do tratamento no grupo, participa mais e melhor dos grupos, dos jogos dos meninos do bairro. A mãe começa a reclamar que N. agora parece gostar mais do namorado do que dela, só quer saber de estar com ele, parece desprezá-la. Ele diz que é preciso cortar esse cordão umbilical (nesses termos), porque está chegando a idade de voltar tarde para casa. Ela não iria admitir isso, iria buscá-lo nos bailes, controlaria tudo. Acaba dizendo que pretende controlar toda relação amorosa que o filho vier a ter, ele terá que contar-lhe tudo e com detalhes.

Esse material tão rico, tão espontâneo, tão corajosamente trazido, permite mostrar a essa mãe o quanto ela teme perder o filho, e que esse controle todo é o jeito que encontra de se garantir que não irão roubá-lo. Ela fala então do fantasma de roubo por parte do pai de origem, que teria ameaçado levar o menino quando tivesse 12 anos.

A questão das relações simbióticas, do que representa para as mães o crescimento dos filhos, é tema bastante recorrente. Quando o pai vem junto, no dia da "reunião das mães#&34;, pedindo para entrar também, para ser ouvido, é porque ela já sinalizou para ele que lá existe um espaço para tratar disso, é ela quem o introduz e permite-lhe questionar seus controles. Já existe um terceiro entre N. e a mãe – o novo pai, e a psicóloga, que diz: "não deves dormir com mamãe#&34;.

R., 14 anos, repete pela terceira vez a 5ª série, e é também extremamente dependente e rebelde. A mãe vem para o grupo, é muito falante, questionadora. Afirma que gostaria de ser um mosquitinho para espionar R. em todos os momentos. O grupo ri, e diz: "Quando ele estiver namorando, transando, você lá o tempo todo! É ruim, heim!#&34; Ela conta que a procura de atendimento para R. data de alguns anos. Ouvia sempre dizer que o menino estava bem e que o problema era dela, o que não conseguia compreender. E nenhum era atendido, nem filho, nem mãe.

A mãe de V. conta que detestava sua barriga na gravidez, batia nela, não conseguiu cuidar do bebê, era sua mãe quem o segurava para mamar; por ela, o deixaria cair. Ficamos todas impressionadas com tal relato. Ela não ficou muito tempo no grupo, mas sua fala mobilizou L., que ousou então falar mais de sua relação com o filho mais velho, que deixou alguns meses com os avós quando nasceu o segundo. Ela tinha medo da condenação. Os sintomas da criança já têm esse sentido para ela, pois ele recusa a sua comida, é um menino triste e faz feridas na pele (fora encaminhado pela dermatologista). L. vai acabar falando da própria rejeição sofrida na infância. Encorajada pelo grupo, questiona o filho, exigindo resposta: "O que é, afinal, que lhe falta, qual é a sua mágoa?#&34; Ele responde que cansou de esperar por uma muito desejada e prometida bicicleta, e também havia os hamburgers que nunca podia comer na volta da escola, que tinha que ser às pressas, porque o irmão menor ficava só em casa e ele sempre ficava com vontade. L. questiona: "Como podem coisas tão pequenas causar problemas tão graves?#&34; Ela pôde entender que o menino talvez tenha localizado na bicicleta e no hamburger o que sentira como falta, como rejeição ligada ao nascimento do irmão. Ele vai ganhar sua bicicleta no Natal e comer todos os hamburgers necessários para matar sua "fome#&34; atrasada. Foi essa a decisão da mãe, apoiada pelo grupo.

A. relata que veio para o grupo por exigência da T.O., com o firme propósito de permanecer somente o tempo do tratamento da criança. Tornou-se uma veterana, não gostava de perder sessão. Muito ansiosa e preocupada com seu desempenho como mãe, com uma criança hiperativa, tinha dificuldades de estabelecer limites. Para essa mãe, foi muito importante ser reconhecida pela doutora e pelo grupo como mãe boa e dedicada, e aí a orientação diretiva com sugestões de estratégias pôde ser bem recebida e promover melhoras no comportamento da criança e na relação mãe-filho.

A experiência de trabalho com grupos de mães em ambulatório, nos moldes de grupos operativos, onde é clara a tarefa de conseguir melhores recursos para lidar com o filho, pôde ser utilizada. Esse modelo de trabalho de grupo, utilizado no atendimento de mães de crianças internadas em enfermaria e UTI, mostrou constituir-se em um importante recurso técnico, contribuindo para melhor aceitação da realidade da situação da criança naquele momento, melhor relacionamento com o filho e com a equipe de saúde (em quem geralmente são projetadas as culpas pelo sofrimento da criança), melhor adesão ao tratamento, e contribuindo também para a humanização do atendimento.

Discussão

A criança, a terapia, a família e a instituição

Se há fatores que influenciam, facilitando ou dificultando o andamento de uma psicoterapia no adulto, quais sejam: o tipo e a intensidade da patologia, os níveis de resistência do paciente, a habilidade técnica do terapeuta e as resistências do terapeuta, no caso das psicoterapias de criança, há que se considerar com especial atenção a questão da família desse paciente.

Quando tratamos de um paciente adulto, a família real, concreta, é considerada como elemento externo, ou seja, ela faz parte do mundo externo e pode influenciar positiva ou negativamente no tratamento de um determinado paciente, assim como os seus amigos, as condições financeiras e circunstâncias outras. Mas o objeto do tratamento é o mundo interno, e vão nos interessar as imagens das figuras parentais, a família que ele carrega dentro dele e como viveu situações ocorridas na infância. E aí não importa muito como tenham efetivamente ocorrido, e sim, como o sujeito as experimentou.

S. Freud, inicialmente, acreditou que suas pacientes histéricas haviam sido seduzidas na infância, para depois se dar conta de que elas falavam de suas fantasias de sedução. "...o paciente criou essas fantasias por si mesmo, e essa circunstância dificilmente terá, para a sua neurose, importância menor do que teria se tivesse realmente experimentado o que contêm suas fantasias#&34; (Freud, 1916- 1917/1976, p. 430). Não se trata de contrapor fantasia e realidade, e sim, de distinguir e apontar uma realidade interna.

Se a família do adulto é considerada um elemento externo, com a criança, as coisas se complicam. Não queremos negar a existência do mundo interno da criança, pois é exatamente esse o nosso objeto de trabalho, mas não podemos negar a realidade de que a criança seja efetivamente dependente de sua família fisicamente, economicamente e emocionalmente. E todos esses "mentes#&34; fazem parte da mente da criança, fazendo parte de sua verdade.

Na história da psicanálise de crianças, observou-se um momento em que essa questão não parecia relevante. A posição da criança na família era levada em conta para efeitos de diagnóstico do caso, mas não se dava importância à atitude dos pais em relação à evolução do tratamento (Klein, 1980). Na literatura sobre o tema, há relatos minuciosos de casos em que há referência somente ao desenrolar das sessões com a criança (Klein, 1975). Os pais pareciam providenciar a ida da criança ao consultório bem como o pagamento dos honorários do profissional (Munro, 1980). Sabemos que, na maioria desses casos, os pais eram pessoas que passavam ou já haviam passado por uma análise; eram, inclusive, pessoas ligadas ao meio psicanalítico.

Com a divulgação e o conseqüente aumento da demanda da psicanálise de crianças, amplia-se a faixa da clientela, e o que se observa hoje, tanto no consultório particular quanto no ambulatório da instituição pública, é que o processo terapêutico da criança é fortemente marcado pela forma como os pais o recebem.

Quando a mãe traz a criança para terapia e fica, de alguma forma, implícito que a psicóloga vai corrigir com seu saber, com sua bondade, o "estrago#&34; que ela, mãe faltosa, fez com o filho, se é vista e se vê vista como má e incompetente, não é difícil supor que terá dificuldade em colaborar com esse tratamento, que representa a concretização disso, da sua falta, da sua incompetência.

Por sabermos hoje que as vivências da infância têm grande influência na saúde mental dos indivíduos, os pais passaram a sentir-se mais assoberbados, pois vêem-se diante de uma responsabilidade tão grande que temem não conseguir corresponder a contento. É por isso que Bettelheim (1977, p. 11) afirma: "Sem dúvida não existe nada de novo quanto ao fato de os pais pretenderem acertar em relação aos filhos. Novo é o fato de terem se tornado muito receosos de errar#&34;.

Produzir um filho com problemas é como construir um prédio ou um viaduto que caiu. Isso se aplica tanto aos problemas emocionais quanto aos defeitos anatômicos congênitos. Os pais se orgulham ou se envergonham porque são os autores. É por isso que devem ter autoridade. Se essa autoridade dos pais não for reconhecida pelas autoridades de saúde, vai ocorrer uma disputa de poder. Se o psicoterapeuta for autoritário estará colaborando para agravar a situação, e uma das formas de mostrar quem pode mais é tirar a criança do tratamento.

A propósito disso, diz Mannoni (1977):

Se, na psicanálise dos adultos, a resistência se manifesta por queixas que constituem um obstáculo à revelação do fantasma, na psicanálise de crianças, é o "eu da mãe#&34; que virá muitas vezes interromper o processo antes que o fantasma se revele. (p. 112)

Filhos que não conseguem ser bons pais estão desagradando seus próprios pais imaginários e tornando-se alvo de críticas ou conselhos dos profissionais. Se esse profissional assume a postura de juiz, do alto do seu poder, estará acusando-os de serem maus e incapazes. É natural irem buscar conselhos em outra parte. Muitas das vezes, lidamos com pais que ainda andam às voltas com sua relação com seus pais autoritários (Lanari, l976).

Estamos falando explicitamente da relação transferencial dos pais com o terapeuta que escolheram para seu filho. A. Aberastury, da escola argentina, que fez análise com M. Klein, sentiu a necessidade de alguma abordagem com os pais. Passou a fazer recomendações do tipo: não bater, não deixar que a criança dormisse com os pais, etc. Verificou que isso mais atrapalhou que ajudou. Ela concluiu que tais atitudes dos pais faziam parte da natureza de suas necessidades neuróticas e não conseguiam mudar as coisas em casa, porque o motivo que os levava a isso não tinha sido tocado. Sentiam-se ainda mais culpados por não conseguirem obedecer à doutora, e isso incrementava a transferência negativa em relação a essa doutora que lhes pedia coisas impossíveis. É evidente que tal fato vinha a se refletir no tratamento da criança. Aberastury desistiu de orientar os pais (Aberastury, 1978).

Até aqui procuramos evidenciar a especificidade desse cliente-criança, pois, a princípio, pode parecer que o trabalho terapêutico com crianças exige tão somente que o terapeuta conheça e domine a técnica do jogo. Queremos sublinhar que não se trata só de modificar a abordagem técnica durante a sessão, e sim, de se situar nesse contexto da dinâmica das relações familiares dessa criança e da dinâmica da relação da família com a terapia da criança.

Tem-se, de um lado, a ferida narcísica dos pais pelo problema, pelo sintoma do filho. E isso se liga à questão da culpa – "Onde foi que eu errei?#&34; É uma frase muito ouvida. Tratar da criança seria uma forma de solucionar o problema, mas é, ao mesmo tempo, uma admissão da culpa, do erro. Se o terapeuta se mantém distante, arrogante, é natural que os pais queiram se convencer de que eles é que estão certos e acabam por sabotar o tratamento que eles mesmos solicitaram.

Além disso, é da maior importância considerar o sentido do sintoma da criança para a família. Admitindo-se que o sintoma da criança responda à necessidade da manutenção de determinada dinâmica familiar, a intervenção terapêutica irá representar, num dado momento, uma ameaça à manutenção desse estado que se deseja conscientemente modificar, mas que tem também a função de evitar o surgimento de confrontos e situações consideradas intoleráveis e, por isso, extremamente ameaçadoras, pois, por paradoxal que seja, um sintoma que incomoda, e que se pede para ser suprimido pode representar o sentido do lugar, da função da criança na família, de tal forma que sem ser daquele jeito ela sente que não será reconhecida.

No caso das mães de crianças cardiopatas, observa-se quase sempre seu sentimento de culpa por ter gerado a criança com defeito anatômico. Quanto maior o sentimento de culpa da mãe, mais difícil a relação com a criança e com os profissionais que cuidam dela, pela projeção da culpa (Finkel, 2000). Por perceberem suas crianças como muito frágeis e também na tentativa de reparação da culpa, a mãe permanece ligada ao filho, para oferecer-lhe toda a proteção e sua própria vida. A relação simbiótica não se desfaz, e a criança permanece fixada num estágio regredido do desenvolvimento psicossocial. É Mannoni (1980) quem vai apontar essas questões e nos dizer ainda: "Cumpre ao terapeuta situar o que representa aquela criança no mundo fantasmático dos pais e compreender também o lugar que estes últimos lhe reservam nas relações que estabelecem com a criança#&34; (p. 74).

As reações dos pais que estão incluídas no sintoma também acompanham todo o percurso do tratamento. A doença da criança se situa num mal-estar familiar em que não é possível tocar na criança sem tocar nos problemas fundamentais de pelo menos um dos pais. É preciso então, no tratamento da criança, saber receber a mensagem dos filhos e a dos pais.

Conclusão

O grupo, espaço de reflexão acerca do relacionamento com o filho, das dificuldades de lidar com ele no dia a dia, vai permitir à mãe perceber sua participação e a dos demais membros da família na doença do filho; constitui um acolhimento à mãe, atua como continente e suporte para sua angústia. Permite identificações. É um espaço de escuta de suas dificuldades, proporcionando a oportunidade de troca com as outras mães. Se a postura da "doutora#&34; não for de condenação, fica mais fácil então aceitar a ajuda que é oferecida.

O acolhimento se dá tanto pela coordenadora como pelos membros mais antigos, identificados com a primeira. Ao desenvolverem a capacidade de acolhimento e compreensão pela identificação com a psicóloga, estão tendo sua auto-estima e auto-confiança realimentadas, tornando-se assim mais bem capacitadas para enfrentar a difícil tarefa de mexer em um certo equilíbrio no qual está incluída a doença da criança. Quando a mãe compreende o que está subjacente ao problema que a outra traz, poderá perceber o mesmo mecanismo em si própria, ainda que sob outro tipo de conteúdo.

Por tratar-se de grupo operativo, cuja tarefa consiste na reflexão e compreensão das dificuldades emocionais do filho e seus sintomas em conexão com a dinâmica familiar, não se fazem interpretações transferenciais (técnica de grupos terapêuticos), trabalhandose no nível da clarificação, que consiste em melhor elucidar conteúdos e mecanismos conscientes. Sabemos, entretanto, que as transferências estão ocorrendo, há sempre transferência da mãe em relação à terapeuta da criança. Atendendo criança e mãe, evitamos que se estabeleça uma transferência negativa que dificulta e por vezes até impede a continuidade do tratamento da criança.

"Ao se receber a mensagem dos pais, não se faz a psicoterapia destes. É colocando-se ao nível do tratamento da criança que essa mensagem não deve escapar ao analista, especialmente nos casos em que filhos e pais formam ainda um só corpo#&34; (Mannoni, 1977, p. 125).

Ao receber as mensagens das mães dentro de uma proposta de ajuda não acusatória, situamo-nos no lugar de mãe que acolhe, que fala de sexo, que limita e frustra também, que, com suas falhas e acertos, pode ser percebida como "suficientemente boa#&34;.

Assim, nós as ajudamos a compreender o sentido do sintoma de seus filhos e sua participação na problemática. São elas mesmas que se dão conta de que suas atitudes como mães se relacionam a suas vivências como filhas. Se exercemos a autoridade de doutora que entende da psicologia das crianças, não o fazemos de forma autoritária, impondo procedimentos sem explicações.

A mãe sai da posição culposa daquela que cometeu o erro e passa a ser uma preciosa colaboradora. A vivência desse tipo de relação com certeza contribui para evitar que um relacionamento neurótico baseado na rejeição ou no autoritarismo vivido na própria infância seja reeditado na geração seguinte.

Recebido 18/01/2008

Reformulado 28/08/2008

Aprovado 30/08/2008

  • Aberastury, A. (1978). Teoria y técnica del psicoanálisis de nińos Buenos Aires: Paydós.
  • Bettelheim, B. (1977). Diálogos com as mães Rio de Janeiro: Agir.
  • Dolto, F. (1977). Psicanálise e pediatria Rio de Janeiro: Zahar.
  • Finkel, L. (2000). A ausculta e a escuta: reflexőes sobre a psicodinâmica da criança cardiopata. Revista SOCERJ, 13(1), 30-33.
  • Foulkes, S. H., & Anthony, E. J. (1972). Psicoterapia de grupo Rio de Janeiro: Civilização Brasileira.
  • Freud, A. (1951). Psicoanálisis del nino Buenos Aires: Imán.
  • Freud, S. (1976). Conferência XXIII: os caminhos da formação dos sintomas. In S. Freud, Edição standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud (Vol. 16, pp. 419- 439). Rio de Janeiro: Imago. (trabalho original publicado em 1916-1917)
  • Klein, M. (1970). Contribuiçőes à psicanálise São Paulo: Mestre Jou.
  • Klein, M. (1975). Psicanálise da criança São Paulo: Mestre Jou.
  • Lanari, M.C. (1976). Reflexőes decorrentes de uma prática no tratamento de crianças e o atendimento paralelo aos pais. Monografia de Especialização em Psicologia Clínica, Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro.
  • Mannoni, M. (1977). A criança atrasada e a mãe Lisboa: Moraes.
  • Mannoni, M. (1980). A criança, sua doença e os outros Rio de Janeiro: Zahar.
  • Munro, L. (1980). Os progressos na integração do ego observados em uma análise através do brinquedo. In M. Klein, P. Heimann, & R. E. Money-Kyrle (Orgs), Novas tendências na psicanálise Rio de Janeiro: Zahar.
  • Pichon-Rivičre, E. (1983). O processo grupal São Paulo: Martins Fontes.
  • Winnicott, D. W. (1978). Da pediatria à psicanálise Rio de Janeiro: Francisco Alves.
  • Endereço para correspondência
    Lenira Akcelrud Finkel
    Rua Conde de Baependi, 23/203
    22231-140 – Rio de Janeiro - RJ -Brasil
    E-mail:
  • *
    Psicóloga do Instituto Nacional de Cardiologia, Ministério da Saúde – RJ; Especialista em Psicologia clínica e Psicologia hospitalar, grupoterapeuta.
  • 1
    Alusão ao conceito de Winnicott de mãe "suficientemente boa#&34; (Winnicott, 1978)
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      19 Jun 2012
    • Data do Fascículo
      2009

    Histórico

    • Aceito
      30 Ago 2008
    • Recebido
      18 Jan 2008
    • Revisado
      28 Ago 2008
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