EDITORIAL
A História é uma arte da fuga, alerta-nos a historiadora Michelle Perrot. A historiadora francesa atenta para as minúsculas práticas do cotidiano, para as anônimas afirmações de singulares formas de vida, para os embates menores desprovidos de heroísmos, e oferece-nos uma versão do que seja esse saber na contramão das comemorações das grandes realizações do passado, ou das lamúrias dos fracassos do presente. Essa arte realiza-se nas práticas humanas tramadas nos embates da cotidianidade, na ultrapassagem de modos intoleráveis de existir. A fuga oferecida pela História lega-nos a possibilidade de pôr à prova verdades perenes, de suspeitar das certezas das datas e da exclusividade dos protagonistas dos grandes feitos, escape turbulento que impede a conclusão do que passou e a confortável esperança no que virá, arte perigosa que nos solicita o desconforto do estar vulnerável às tensões do contemporâneo, aos apelos de um passado inacabado narrados por um agora inusitado. Da História, ganhamos a chance libertária de tornarmos o humano e a subjetividade artefatos, artesanato arriscado, realizado por muitas mãos, chamado política. Comemorar os 50 anos do ofício do psicólogo seria a oportunidade de celebrarmos a força dessa incansável fuga.
Se a ciência pode ser um ponto de fuga por excelência, pode também ser um processo de normalização. Assim, se por um lado a fuga pode pôr a ciência em constante análise e questionamento de suas verdades, por outro, pode ser impedida a favor de uma fixação de conceitos e de teorias que busquem a essência dos fenômenos. Essas tensões se realizam, se encontram e se expressam, produzindo paradoxos fundamentais para uma aposta ético-política da Psicologia como ciência e profissão.
Neste número alusivo aos 50 anos da profissão de psicólogo no Brasil, apresentamos vários caminhos presentes nos artigos desta publicação e que se reportam a questões que consideramos relevantes para a Psicologia. As leituras que foram feitas pelos diversos autores procuram mostrar a diversidade da Psicologia em relação à importância da História para pensar a profissão, na intersecção dessa área do conhecimento com diferentes saberes, suas intervenções e perspectivas no Brasil e na América Latina.
Comissão Editorial
Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
08 Nov 2012 -
Data do Fascículo
2012