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Trânsito coletivo e comportamento individual:metáfora de antígona: metáfora de antígona

Collective traffic and individual behavior: the metaphor of antigone

Tránsito colectivo y comportamiento individual:

Resumos

Este ensaio aborda reflexões sobre trânsito a partir da tragédia de Antígona, de Sófocles. A riqueza e a profundidade dessa tragédia permitem extrair metáforas para orientar debates sobre as situações de conflito que permeiam o cotidiano do trânsito. O texto está estruturado em quatro tópicos; a) a síntese da tragédia, para que possam ser identificados os elementos que orientam as reflexões; b) considerações sobre quem é o outro na tragédia e no espaço do trânsito; c) discussão sobre a articulação entre espaço público e espaço privado no cotidiano do trânsito; e d) diálogo entre aspectos do comportamento individual que permitem desenvolver um comportamento coletivo, demandado pelas múltiplas interações que emergem no espaço público do trânsito. As reflexões sintetizam metáforas que indicam a importância de orientar as ações no trânsito, destacando a compreensão da rede de consequências de decisões e de ações quando negligenciam a interação com o outro e a repercussão para a própria sobrevivência. São indicadas três dimensões dessas reflexões: o conflito pode gerar morte; há diferentes maneiras de compreender as ações de um e de outro personagem; é a reflexão compartilhada que permite incorporar o ponto de vista do outro.

Risco; Trânsito; Desenvolvimento moral; Metáfora


This paper discusses the traffic based on the tragedy of Antigone, by Sophocles. The richness and the depth of this tragedy allow metaphors to guide discussions on the conflict inside the everyday traffic. The text is structured around four main topics, from the context in which this subject belongs; a) the synthesis of the tragedy, so that the elements that guide our reflections can be identified; b) considerations about who is the “other” in the tragedy and in the traffic environment; c) discussion about the relationship between public space and private space in daily traffic; and d) dialogue among aspects of individual behavior that lead to the development of a collective behavior, demanded by the multiple interactions that emerge in traffic. Finally, from the reflections we have undertaken, some of the teachings could be summarized, indicating the importance of guiding the actions in the traffic network to enhance the understanding of the consequences of decisions and actions that neglect the importance of the “other” for our own survival. There are three dimensions: the conflict can cause death; there are different ways to understand the actions of one and another character; it is the shared reflection that allows the incorporation of the point of view of the other person.

Risk; Traffic; Moral development; Metaphor


Este ensayo aborda reflexiones sobre tránsito a partir de la tragedia de Antígona, de Sófocles. La riqueza y la profundidad de esa tragedia permiten extraer metáforas para orientar debates sobre las situaciones de conflicto que surgen en el cotidiano del tránsito. El texto está estructurado en cuatro tópicos; a) la síntesis de la tragedia, para que puedan ser identificados los elementos que orientan las reflexiones; b) consideraciones sobre quien es el otro en la tragedia y en el espacio del tránsito; c) discusión sobre la articulación entre espacio público y espacio privado en el cotidiano del tránsito; y d) diálogo entre aspectos del comportamiento individual que permiten desarrollar un comportamiento colectivo, demandado por las múltiples interacciones que emergen en el espacio público del tránsito. Las reflexiones sintetizan metáforas que indican la importancia de orientar las acciones en el tránsito, destacando la comprensión de la red de consecuencias de decisiones y de acciones cuando negligencian la interacción con el prójimo y la repercusión para la propia supervivencia. Se indican tres dimensiones de esas reflexiones: el conflicto puede generar muerte; hay diferentes maneras de comprender las acciones de uno y de otro personaje; es la reflexión compartida que permite incorporar el punto de vista del otro.

Riesgl; Tráfico; Desarrollo moral; Metáfora


ARTIGOS

Trânsito coletivo e comportamento individual: metáfora de antígona

Collective traffic and individual behavior: the metaphor of antigone

Tránsito colectivo y comportamiento individual: metáfora de antígona

Diogo Picchioni Soares* * Mestre em Psicologia pela Universidade Federal do Paraná, Especialista em Psicologia do Trabalho pela Universidade Federal do Paraná e doutorando em Psicologia da Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis - SC- Brasil. E-mail: diogopsi@gmail.com ; Jessica Carla de Souza Miolla** ** Mestre em Psicologia na Universidade Federal do Paraná, Curitiba – PR – Brasil. E-mail: je.miolla@gmail.com ; Aristeu Mazuroski Junior*** *** Mestre em Letras pela Universidade Federal do Paraná, Especialista em Psicologia do Trabalho pela Universidade Federal do Paraná e doutorando em Letras pela Universidade Federal do Paraná, Curitiba - PR - Brasil. E-mail: aristeumj@gmail.com ; Iara Picchioni Thielen**** **** Doutora em Ciências Humanas pela Universidade Federal de Santa Catarina, docente da Universidade Federal do Paraná e coordenadora do Núcleo de Psicologia do Trânsito da Universidade Federal do Paraná, Curitiba - PR - Brasil. E-mail: iara.thielen@gmail.com Nota explicativa: Este ensaio é resultado das reflexões sobre os conflitos no trânsito, empreendidas a partir das pesquisas e das discussões suscitadas nas atividades de Extensão (Projeto Transformando o Trânsito) pelos participantes do Núcleo de Psicologia do Trânsito da Universidade Federal do Paraná (NPT-UFPR). Os autores organizaram as equipes, as discussões e a orientação dos integrantes, ao longo desses mais de 10 anos, nas atividades de pesquisa e extensão. Aristeu Mazuroski Junior, desde 2002, Diogo Soares, desde 2003, e Jessica Miolla, desde 2008. Todos os autores participaram igualmente das etapas de elaboração do ensaio, e todos são pesquisadores do grupo de pesquisa do CNPq Psicologia do Trânsito, sediado no NPTUFPR.

Universidade Federal do Paraná

Endereço para correspondência Endereço para correspondência Diogo Picchioni Soares Universidade Federal do Paraná, Setor de Ciências Humanas Letras e Artes, Departamento de Psicologia Praça Santos Andrade, 50, Centro. CEP: 80060-240. Curitiba, PR. E-mail: diogopsi@gmail.com

RESUMO

Este ensaio aborda reflexões sobre trânsito a partir da tragédia de Antígona, de Sófocles. A riqueza e a profundidade dessa tragédia permitem extrair metáforas para orientar debates sobre as situações de conflito que permeiam o cotidiano do trânsito. O texto está estruturado em quatro tópicos; a) a síntese da tragédia, para que possam ser identificados os elementos que orientam as reflexões; b) considerações sobre quem é o outro na tragédia e no espaço do trânsito; c) discussão sobre a articulação entre espaço público e espaço privado no cotidiano do trânsito; e d) diálogo entre aspectos do comportamento individual que permitem desenvolver um comportamento coletivo, demandado pelas múltiplas interações que emergem no espaço público do trânsito. As reflexões sintetizam metáforas que indicam a importância de orientar as ações no trânsito, destacando a compreensão da rede de consequências de decisões e de ações quando negligenciam a interação com o outro e a repercussão para a própria sobrevivência. São indicadas três dimensões dessas reflexões: o conflito pode gerar morte; há diferentes maneiras de compreender as ações de um e de outro personagem; é a reflexão compartilhada que permite incorporar o ponto de vista do outro.

Palavras-chave: Risco, Trânsito, Desenvolvimento moral, Metáfora.

ABSTRACT

This paper discusses the traffic based on the tragedy of Antigone, by Sophocles. The richness and the depth of this tragedy allow metaphors to guide discussions on the conflict inside the everyday traffic. The text is structured around four main topics, from the context in which this subject belongs; a) the synthesis of the tragedy, so that the elements that guide our reflections can be identified; b) considerations about who is the “other” in the tragedy and in the traffic environment; c) discussion about the relationship between public space and private space in daily traffic; and d) dialogue among aspects of individual behavior that lead to the development of a collective behavior, demanded by the multiple interactions that emerge in traffic. Finally, from the reflections we have undertaken, some of the teachings could be summarized, indicating the importance of guiding the actions in the traffic network to enhance the understanding of the consequences of decisions and actions that neglect the importance of the “other” for our own survival. There are three dimensions: the conflict can cause death; there are different ways to understand the actions of one and another character; it is the shared reflection that allows the incorporation of the point of view of the other person.

Keywords: Risk, Traffic, Moral development, Metaphor.

RESUMEN

Este ensayo aborda reflexiones sobre tránsito a partir de la tragedia de Antígona, de Sófocles. La riqueza y la profundidad de esa tragedia permiten extraer metáforas para orientar debates sobre las situaciones de conflicto que surgen en el cotidiano del tránsito. El texto está estructurado en cuatro tópicos; a) la síntesis de la tragedia, para que puedan ser identificados los elementos que orientan las reflexiones; b) consideraciones sobre quien es el otro en la tragedia y en el espacio del tránsito; c) discusión sobre la articulación entre espacio público y espacio privado en el cotidiano del tránsito; y d) diálogo entre aspectos del comportamiento individual que permiten desarrollar un comportamiento colectivo, demandado por las múltiples interacciones que emergen en el espacio público del tránsito. Las reflexiones sintetizan metáforas que indican la importancia de orientar las acciones en el tránsito, destacando la comprensión de la red de consecuencias de decisiones y de acciones cuando negligencian la interacción con el prójimo y la repercusión para la propia supervivencia. Se indican tres dimensiones de esas reflexiones: el conflicto puede generar muerte; hay diferentes maneras de comprender las acciones de uno y de otro personaje; es la reflexión compartida que permite incorporar el punto de vista del otro.

Palavras clave: Tráfico, Desarrollo moral, Metáfora.

O trânsito é um fenômeno público, esfera da vida social caracterizada por interações, onde não há ação individual sem repercussão coletiva. Essa característica impõe limites, restrições e orientações às ações individuais. Orientações e restrições são expressas pela legislação, cuja função básica é assegurar a convivência harmônica entre os participantes do trânsito: motoristas, motociclistas, ciclistas, pedestres, fiscalizadores, transportadores, especialistas e gestores.

A convivência no trânsito é uma relação de disputa por espaço e permanente conflito (Vasconcellos, 2005) entre os integrantes, destacando-se o conflito expresso pela oposição eu e os outros.

Atribuir ao outro a negligência, a imprudência e a imperícia, que se encontram na base da violência no trânsito, é um comportamento corriqueiro aos motoristas (DaMatta, Vasconcellos, & Pandolfi, 2010).

A responsabilidade pelo problema não é assumida pelas pessoas, pois elas atribuem aos outros as práticas de infrações e a realização de manobras arriscadas, e pode ser expressa sinteticamente pela expressão trivial: “terceirização da culpa”. A responsabilidade é, também, comodamente transferida ao Estado, exclusivamente, que deveria fazer algo para controlar o comportamento dos outros. Trata-se de uma racionalidade inerente à manutenção individual da cultura infratora no trânsito, necessária para que o indivíduo atenue seu sofrimento pela transgressão das leis relativas a essa área.

As tensões entre individualismo e coletividade, espaço público e privado que se explicitam no trânsito geram morbimortalidade, expressas nas estatísticas divulgadas pelos órgãos oficiais responsáveis pelo gerenciamento do trânsito e também da saúde, além dos noticiários veiculados todos os dias.

Para fertilizar reflexões sobre os conflitos e as tensões entre o público e o privado no âmbito do trânsito, a tragédia de Antígona pode ser utilizada por expressar um resultado trágico semelhante ao constatado no trânsito, que representa o embate entre diferentes concepções que orientam ações, sobretudo, potencializando a análise dos pontos de vista conflitantes que coexistem no tempo e no espaço. A tragédia de Antígona coloca em debate “a natureza humana, dilacerada entre dois sistemas de valor” (Freitag, 1989, p. 83): de um lado a lei da família, dos deuses, e, de outro, a lei da pólis ou dos homens. A relação entre a ação do indivíduo e a ação da pólis está imbricada nos conflitos que emergem na tragédia de Antígona.

O objetivo deste ensaio é refletir sobre as concepções contraditórias existentes na esfera da coletividade por meio de um diálogo entre os elementos presentes na tragédia grega de Antígona e no âmbito do trânsito.

A natureza do conflito no trânsito não é a mesma, pois a maneira como a lei da família e a lei da pólis se explicitam é diferente. No entanto, é possível utilizar o embate entre a lei da pólis e a lei da família e pontuar algumas reflexões, que estimulam o debate sobre conflitos entre aspectos individuais e coletivos que emergem no contexto do trânsito.

Para iniciar o ensaio, uma síntese da tragédia retoma seus antecedentes, ressaltando os elementos que podem favorecer um diálogo pertinente a situações no trânsito, especialmente, com o foco no confronto entre eu e os outros e alguns aspectos inerentes a essa relação, tais como: público e privado, individual e coletivo; finalmente, algumas metáforas de Antígona surgidas dessas ponderações são destacadas e podem orientar intervenções voltadas para um trânsito mais seguro.

Antígona

Na apresentação de sua tradução de Antígona (Sófocles, 2001), Cegalla afirma que essa tragédia – obra de Sófocles – foi representada em Atenas, no ano 441 a.C., pela primeira vez. Mais de dois milênios e meio depois, ainda pode ser fonte de reflexão, tal é a riqueza de sua teia de relações, tal é a profundidade de seus personagens, tais são os conflitos que suscita.

(...) Sófocles é um artista, não um filósofo. Nunca é demais reiterar que sua obra opera, simultaneamente, em vários níveis e não se apresenta como tese, mas dialoga, pela transfiguração típica da arte, com o seu tempo e os seus valores, e a tensão produzida pelo embate projeta suas sombras e suas luzes sobre os homens dos séculos posteriores. (Alves, 2005, p.337)

Antígona é uma das obras integrantes da Trilogia Tebana, da qual também fazem parte Édipo Rei e Édipo em Colono.

É importante retomar alguns elementos dessa tragédia que permitam dialogar com aspectos que permeiam o cotidiano e que, repetindo a tragédia, resultam em morte e sofrimento em dimensões múltiplas e entrelaçadas, como ocorrem no trânsito.

Antígona é filha da união incestuosa de Édipo e Jocasta, da qual nasceram quatro filhos – as mulheres Antígona e Ismênia e os homens Etéocles e Polinices.

Quando Édipo toma conhecimento de que é filho de Jocasta, ele perfura seus olhos, afasta-se do trono e “seu cruel destino foi errar pelas terras estrangeiras” (Schwab, 1994/1974, p. 279). Édipo “entregou o trono a seu cunhado (Creonte), para que ele reinasse em nome de seus jovens filhos (...), abençoou Creonte por toda aquela bondade não merecida, e invocou, para ele e para todo o povo, a proteção dos deuses” (Schwab, 1994/1974, pp. 278- 279). Após algum tempo afastado de Tebas, Édipo retorna manifestando a vontade de permanecer em casa. E então Édipo “descobriu que o acesso de misericórdia do rei Creonte passara rapidamente (...). Creonte exortou seu infeliz cunhado a seguir sua decisão inicial, e os filhos (homens) afastaram-se dele. Deramlhe o bastão dos mendigos e expulsaram-no do palácio”. (Schwab, 1994/1974, p. 279).

Com o exílio do pai, cabe aos filhos de Édipo o reinado sobre Tebas. No exílio, partilhado com Antígona, que decidiu acompanhá-lo, Édipo recebe de Ismênia a notícia que seus filhos disputavam o trono.

De início, eles tinham a intenção de abdicar do trono em favor de Creonte, pois a maldição de sua família os ameaçava. Mas quanto menos se lembravam de seu pai, mais esqueciam esse pensamento. O desejo de reinar e de ter as honras de um rei despertou neles, e assim começou a rivalidade entre os irmãos. Polinices, o primogênito, foi quem primeiro subiu ao trono. Mas Etéocles, o mais jovem, não estava disposto a revezar-se no trono com seu irmão, conforme propusera. Incitou o povo a revoltar-se e destronou seu irmão. (Schwab, 1994/1974, p.282)

Como Etéocles não cedeu o trono ao irmão, Polinices fez aliança com outros seis chefes de Argos, o que resultou na Guerra dos Sete contra Tebas. Portanto, Etéocles permanece em Tebas e trava a batalha como um defensor de Tebas. Nessa guerra, os dois irmãos se matam (conforme havia sido profetizado) (Schwab, 1994/1974).

Os acontecimentos decorrentes da morte de Polinices estão no centro da tragédia de Antígona. A apresentação da síntese da tragédia destaca aqueles elementos que interessam à nossa análise.

Após a morte dos irmãos, Creonte, que é tio de Antígona e irmão de Jocasta, herda o reinado de Tebas (Schwab, 1994/1974) e declara

.. a Etéocles, que morreu como um forte, em defesa da pátria, seja dada a sepultura com todos os ritos fúnebres que se devem aos mortos ilustres. Ao invés, quanto a seu irmão, Polinices, que, voltando do exílio, quis incendiar completamente a terra e os templos dos deuses pátrios, saciar sua vingança no sangue dos concidadãos e reduzir a escravos os sobreviventes, quanto a esse, repito, mandei proclamar para toda a cidade que ninguém lhe faça honras fúnebres nem o chore, mas que fique insepulto, com o cadáver dilacerado para pasto das aves e dos cães. (Sófocles, 2001, p. 80)

Antígona insurge-se contra a ordem de Creonte, desobedece ao decreto do rei de Tebas e, sozinha, cobre com terra o cadáver de Polinices. Antígona segue o princípio de enterrar seus parentes, pois é essa a lei da família.

O sepultamento é uma exigência dos deuses ínferos (Hades, Erínias, Moiras, Parcas, etc.), os deuses antigos da religião familiar grega, diante dos quais até os deuses olímpicos curvam-se. Não realizálo é atrair sobre si e/ou sobre a cidade a fúria de divindades descritas como violentas, terríveis, implacáveis. São essas as divindades que delimitam, como nenhuma outra, os limites da condição humana: o destino (Moira), a morte (Hades) e a punição pelas ações violentas, desmedidas (Erínias ou Fúrias). Hades é, com toda a propriedade, o deus da palavra final sobre a condição humana. (Alves, 2005, p. 338)

Como decorrência da desobediência ao decreto do rei, Antígona é presa, e declara ao rei:

Eu não creio que teus decretos, escritos pela mão de um mortal, possam ser superiores às leis não escritas e imutáveis dos deuses. Elas não são de hoje nem de ontem, mas são eternas, vigoram em todos os tempos e ninguém sabe quando nasceram. Eu tinha para mim que não devia, por temor da arrogância de um homem, transgredir essas leis e ser castigada pelos deuses. (Sófocles, 2001, p. 47)

Antígona é condenada à morte. Dessa decisão do tirano, resultam: Antígona se enforca; seu noivo Hémon (filho de Creonte), ao vê-la pendurada, perfura com a espada o próprio corpo, Eurídice, esposa de Creonte e mãe de Hémon, “com um punhal afiado, apagou a luz dos olhos” (Schwab, 1994/1974, p.110).

Quem é o outro?

Antígona defende um princípio (a lei da família) e não se dispõe a compreender o ponto de vista de Creonte (o outro, o Estado, a pólis, a lei). Creonte se defronta com a morte do filho e da mulher por não compreender a perspectiva de Antígona, ou seja, cada um defendeu seu ponto de vista, com base em princípios, mas nenhum se dispôs a incorporar o ponto de vista do outro em suas decisões e ações. E ignorar o ponto de vista do outro resultou em tragédia, com muitos mortos.

Antígona é surda para aquilo que o outro diz, para aquilo que pode desviá-la de seu propósito. Antígona e Creonte rejeitam o que melhor representa o espírito do novo homem que a pólis democrática determina: o diálogo. Orientados pelos interesses individuais, cada um dos protagonistas nega ostensivamente o outro, e a tragédia decorre justamente da vontade imposta, da verdade incontestável capaz de destruição alheia e de autodestruição. Nesse sentido, o herói trágico, com sua dor, educa a plateia para o exercício da cidadania, para consolidar espaços e instituições que propiciem a vida em sociedade, o respeito mútuo e a realização dos indivíduos na coletividade (Alves, 2005).

No fundo, a ação de Antígona, aparentemente conforme os interesses maiores da pólis, representa o que há de mais danoso para a sociedade política na concepção clássica: a soberania do indivíduo, sua total independência frente às obrigações requeridas pela vida na pólis. (p. 363)

Aspectos registrados na tragédia de Antígona, sobretudo no conflito relacional, possibilitam uma análise da mortalidade registrada nas estatísticas de trânsito. Ignorar a lei de trânsito faz com que cada um acredite que pode mais que o outro. A compreensão do ponto de vista do outro pode evitar tragédias. A falta de respeito ao ponto de vista do outro (no caso de Antígona) resultou em reafirmar seu próprio ponto de vista, em detrimento de possível conciliação; tal escolha culminou em sua morte, que atingiu outras pessoas.

É possível identificar o outro (no trânsito) a partir de uma perspectiva individualista, mas com diversos enfoques que significam o desprezo pelo direito do outro de ocupar de maneira igualitária os espaços públicos: como empecilho para formas de deslocamento a locais desejados; como fiscalizador que tolhe e obriga o cumprimento de regras externas; como aquele que é responsável por consequências danosas; como responsável por todos os erros; como aquele que induz os demais a erro; como aquele que deve esperar e ceder espaço. O outro é visto como alguém que não deveria estar ali, alguém que não deveria ocupar um espaço que o egoísta ou o individualista deseja ocupar. E, se fosse possível, até mesmo a existência do outro deveria ser negada. Nesses casos, a perspectiva do outro é negada e também o seu direito à ocupação dos espaços públicos, que, por princípio, são de todos, sem privilégio de uns sobre outros.

Contraditoriamente, quanto mais o indivíduo abandona sua responsabilidade pelo que se passa no trânsito, mais deposita no outro (estranho e inimigo) a responsabilidade pela negligência, imprudência e imperícia, e tanto mais atribui ao Estado, ao guarda, a responsabilidade pelas próprias ações que geram danos. O indivíduo consente com a violência quando responsabiliza o outro (Estado, inimigo ou infrator) por ações que são de sua própria responsabilidade.

Espaço público e espaço privado

Que características há no espaço público que demandam forças orientadoras que considerem a coletividade? DaMatta utiliza duas categorias sociológicas para analisar a relação entre o domínio público e o domínio privado: a casa e a rua.

(...) estas palavras não designam simplesmente espaços geográficos ou coisas comensuráveis, mas acima de tudo entidades morais, esferas de ação social, províncias éticas dotadas de positividade, domínios culturais institucionalizados e, por causa disso, capazes de despertar emoções, reações, leis, orações, músicas e imagens esteticamente emolduradas e inspiradas. (1997, p.15)

A casa só faz sentido em oposição à rua, e ambas formam um “par estrutural que é constituído e constituinte na própria dinâmica de sua relação” (DaMatta, 1997, p. 16). E, contraditoriamente, no trânsito, aquilo que é permitido na casa passa a ser considerado possível também na rua, igualando o privilégio de cada um. No entanto, “na rua, a vergonha da desordem não é mais nossa, mas do Estado” (1997, p. 20).

DaMatta, Vasconcellos e Pandolfi utilizam esse referencial para estudar o trânsito.

(...) em todos os níveis e com todos os atores, há uma atitude comum que fala de modo muito preocupante do universo da rua como terra de ninguém, lugar perigoso onde seres humanos (as pessoas, como se diz) são desumanizados e se transformam em pedestres ou vítimas potenciais dos outros atores presentes nesse espaço, no qual as regras foram feitas para serem desobedecidas. (2010, p. 126)

Quando as pessoas agem no trânsito, emprestam, da vida privada, da vida na sua casa, da vida na família, algumas características que pretendem imprimir no espaço que é regulado pela lei da pólis. Podemos identificar algumas características desse espaço público que impõem um olhar coletivo, tais como a presença de vários indivíduos com diferentes formas de inserção (planejadores, usuários, fiscalizadores), Indivíduos que se deslocam de diversas maneiras (automóvel, bicicleta, ônibus, táxi, caminhão, motocicleta), indivíduos que ocupam esses espaços com diferentes objetivos (trabalho, escola, lazer), indivíduos de diferentes idades, credos, escolaridade, gênero e outras tantas categorias que podem ser identificadas. Além dessas características impostas pela multiplicidade de indivíduos e de formas de inserção, há os riscos compartilhados, pois “todos sabem que dirigir um automóvel é uma atividade perigosa, que acarreta o risco de acidentes” emolduradas e inspiradas. (1997, p.15) (Giddens, 1991, pp. 35-36), e as reações das pessoas estão relacionadas à maneira como os riscos são percebidos (Lima, 1998, 2005; Slovic, 1987, 2010), podendo indicar que, se os outros é que são percebidos como tendo comportamentos arriscados, o indivíduo não será capaz de perceber a dimensão do dano que seu próprio comportamento provoca no ambiente.

A interação no espaço público acontece, geralmente, entre pessoas desconhecidas, diferentemente da interação que acontece no interior da casa.

Ser desconhecido nesse espaço significa ser o outro, temido, odiado, rechaçado. Talvez essa seja a principal característica do espaço público que desperta a incômoda e inexorável constatação de que todos são iguais. “A presença num espaço público é anônima, e os que nele se encontram são estranhos uns aos outros” (Bauman, 2009, p. 69).

Para se rebelar contra essa constatação, os indivíduos adotam comportamentos que tentam anular essa igualdade imposta pelo espaço público, fazendo prevalecer aquilo que é próprio do espaço privado. Então, cada um vai considerar-se especial, com amplos poderes, e vai projetar no outro tudo aquilo que é inaceitável: o erro, o descaso, a imprudência, a imperícia e a negligência.

As características coletivas do espaço público demandam decisões e ações que se contrapõem à projeção no outro daquilo que é próprio de cada um. A coexistência de diferentes personagens, objetivos e motivações impõe sua integração às decisões, pois todas as ações terão repercussão coletiva. Essas repercussões têm uma dimensão ampla que envolve desde consequências pessoais até danos econômicos e sociais. Os estudos do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) (2003) e IPEA/Departamento Nacional de Trânsito (DENATRAN) (2006) retratam algumas dessas consequências coletivas de ações no trânsito, denominadas comumente acidentes. O embate entre o privado e o público tem sido noticiado todos os dias, no resultado doloroso expresso na morbimortalidade no trânsito. Os homens jovens constituem o grupo mais vulnerável (DENATRAN, 2008; Departamento de Trânsito do Paraná (DETRAN/PR), 2010).

Lei da família e lei da pólis no trânsito

Que lei orienta a perspectiva individualista dos motoristas? Lei da pólis? Com certeza não! Lei da família? Também não.

Por que não é a lei da pólis? Considerando que nesse caso é o Código de Trânsito Brasileiro (CTB) que exerce o papel de determinar as regras que privilegiam a coletividade, constata-se que em nenhum momento ele ampara posicionamentos individualistas, pelo contrário, ele impõe condutas que respeitam o direito de ocupação dos espaços por todos, ele determina formas de agir que buscam proteger a integridade de todos. Portanto, a lei da pólis (CTB) estaria voltada para benefícios coletivos.

Por que não é a lei da família? As palavras de Antígona podem esclarecer esse aspecto: “as leis não escritas e imutáveis dos deuses (...) não são de hoje nem de ontem, mas são eternas, vigoram em todos os tempos e ninguém sabe quando nasceram” (Sófocles, 2001, p. 47). A lei da família impõe que o irmão seja sepultado: “será belo para mim morrer cumprindo o dever sagrado” (Sófocles, 2001, p. 17). Então, a lei da família impõe lealdade e obediência a princípios imutáveis que revelam o respeito aos laços de sangue. Por que então no trânsito isso não é respeitado? Porque todos os outros que estão no trânsito não são vistos como irmãos de sangue que devem ser respeitados e poupados com atos de benevolência, mas são percebidos como inimigos, que devem ser mortos e permanecer insepultos; são inimigos que pretendem ocupar um espaço que supostamente não deveria ser deles, são inimigos que impedem o ritmo autodeterminado, ou seja, não há complacência para com o outro, não há tolerância com o deslize do outro, não há solidariedade para com a necessidade do outro, não há respeito. Portanto, a lei da família não tem guiado os comportamentos das pessoas no trânsito. Ainda que se considere que a lei da família de Antígona seja aquela da Grécia antiga, e que não tenha as mesmas características da “casa” abordada por DaMatta (1997), ainda assim é possível utilizar a metáfora para fomentar reflexões baseadas nessas polaridades expressas nos personagens principais da trama.

Conforme DaMatta, Vasconcellos e Pandolfi, “todos são favoráveis e reconhecem a necessidade da punição e da lei, mas todos reclamam, muitas vezes com indignação, quando são punidos” (2010, p. 118), há um reconhecimento, portanto, da necessidade de punir severamente os motoristas irresponsáveis, que são sempre os outros. E, contraditoriamente, “tal opinião radical ocorre ao lado da visão (igualmente majoritária) de acordo com a qual não há ninguém que obedeça às regras no Brasil – eis a gravidade do achado” (DaMatta, Vasconcellos & Pandolfi, 2010, p.121).

Essas afirmativas dos motoristas e as questões que suscitam desvelam a necessidade de articular o espaço público nas ações individuais e de compreender a responsabilidade das ações individuais a partir de uma perspectiva coletiva. No trânsito, não há possibilidade de escolhas individuais sem consequências coletivas: as ações sempre irão interferir no outro. É importante refletir sobre as interações necessárias que podem evitar o conflito e a disputa pelos espaços.

Assim, há dois comportamentos que se opõem. De um lado, o comportamento individual: focalizado em desejos particulares, centralizado na obtenção de vantagens pessoais, de orientação sempre individualista e com características de comportamentos que ocorrem nos espaços privados; de outro, o que é denominado comportamento coletivo: de orientação contextualizada a partir do reconhecimento de que as interações ocorrem em um ambiente que é coletivamente compartilhado e que, por isso, demanda a análise das repercussões de quaisquer comportamentos sobre os outros. Somente quando o outro é reconhecido como um ser dotado de direitos iguais e quando sua perspectiva é incorporada nas decisões e ações é que nasce o sentido coletivo.

Quando os indivíduos que circulam nos espaços públicos se confrontam com a autoridade e as regras e adotam comportamentos de disputa por espaço, não apenas vivenciam na plenitude o confronto com o outro como também vivenciam a própria capacidade de gerar caos e estresse. E é desse confronto, que gera sofrimento em uma escala mal conhecida, que pode emergir a demanda por novas formas de organização, de planejamento, de interação, de cooperação e de solidariedade que sejam propulsoras de uma nova maneira de compartilhar os espaços. Mas esse desejo de transformação deve ser viabilizado pela compreensão dos danos resultantes de comportamentos individualistas.

A presença do outro é fundamental para o processo de desenvolvimento e de consolidação da identidade. Para constituirse como sujeito, é necessário compreender e estabelecer os limites entre o eu e o outro. Mas ao mesmo tempo, é a presença do outro que permite que essa relação se fortaleça, permitindo a separação e a constituição daquilo que é próprio do eu.

Assim, o outro representa ao mesmo tempo a possibilidade de reafirmação da própria identidade e a necessidade de confronto para que essa mesma identidade se fortaleça. No trânsito, essa dupla função também se expressa: se, por um lado, permite exorcizar o mal dentro de si, atribuindo ao outro toda a responsabilidade (terceirizando a culpa) pela imprudência, imperícia ou negligência próprias, por outro lado, é o reconhecimento desse outro, como constituinte do espaço público, que permitirá construir o sentido coletivo inerente ao trânsito. Portanto, ao mesmo tempo em que o outro é o fator impeditivo dos desejos individuais por formas e maneiras de se deslocar no espaço público, é sua presença que sinaliza a imposição que a coletividade exerce sobre os comportamentos individuais.

Para Lima (2005), a culpabilização do outro atua como elemento de coesão e de proteção contra ameaças, já que é o outro que se arrisca, que erra e gera caos. A transformação do outro como objeto no qual se deposita tudo aquilo que é inaceitável para o próprio indivíduo representa o momento em que esse outro é alienado do espaço público, impedindo sua visualização como integrante desse mesmo espaço.

A descoberta do outro como condição para mobilidade de todos, e não de cada membro individualmente, enseja uma nova forma de perceber o espaço público. Esse movimento de transformação do sentido individual das ações para um sentido coletivo é propiciado pela reflexão sobre as diversas situações vivenciadas no trânsito, e Thielen, Ricardi Neto, Soares e Hartmann (2005) relatam uma experiência com jovens que propicia o desenvolvimento de novas maneiras de refletir sobre comportamentos e de agir coletivamente.

O que dizem essas pessoas que transitam nesse espaço público? Como justificam suas ações individualizadas, expressas nas infrações? Essas justificativas indicam essa tensão entre o público e o privado? Quais os ensinamentos que Antígona pode propiciar?

Polli, Thielen, Hartmann e Soares (2010) analisam o comportamento de motoristas infratores a partir da identificação que o individualismo é marcante nas percepções de motoristas. Os autores investigaram a relação entre justificativas para exceder a velocidade e a teoria de desenvolvimento moral de Kohlberg (1981), concluindo que 75,56% das respostas dos motoristas são caracterizadas pela orientação para a obediência na tentativa de evitar a punição. Esse achado indica que, se não houvesse fiscalização (o outro fiscalizador), não haveria motivo para obedecer à lei. Também indica que não há compreensão da função social expressa na lei, como organizadora das relações que se estabelecem no espaço público, regulando condutas e evitando conflitos, característica do nível convencional de moralidade.

Talvez o grande conflito no trânsito possa ser compreendido a partir dessas duas forças antagônicas que convivem dentro de cada sujeito e que se expressam em seu comportamento sempre individual: a orientação individualista (eu) ou a orientação para a coletividade (outros). A eterna e necessária polaridade: eu e os outros. Essas duas forças, ao mesmo tempo em que impulsionam o desenvolvimento do ser humano – pois é do confronto com o outro que cada um pode individualizar-se – permitem que o embate possa gerar danos: seja quando o indivíduo não consegue identificar aquilo que é próprio do eu e aquilo que é próprio dos outros, seja quando ele toma decisões a partir de referenciais egoístas, ao agir no espaço público, gerando consequências danosas para si e para o outro. Kohlberg (1981) postula que há uma hierarquia universal no desenvolvimento moral. Isso indica que a vivência do primeiro nível é base para atingir o segundo nível, que pressupõe o confronto com o outro, com a lei e as regras. Para Freitag (1989), segundo a perspectiva de Kohlberg, tanto Antígona quanto Creonte orientaram suas ações conforme normas convencionais (nível dois): Antígona, seguindo a lei da família, e Creonte, a lei da cidade.

DaMatta, Vasconcellos e Pandolfi, embora sem abordar a teoria de Kohlberg , corroboram a conclusão dos níveis básicos de desenvolvimento moral que preponderam nos comportamentos no trânsito ao afirmarem:

como todos estão fartos de saber, a mera presença de um guarda controla mais eficientemente os motoristas (e pedestres) do que os semáforos ou sinais mecânicos e impessoais, que pressupõem usuárioscidadãos dotados de uma consciência de limites mais aguda e sensível. (2010, p.125)

O papel da lei pode ser compreendido como definidor da tomada de decisão em algumas zonas de conflito: a luz vermelha indica quem deve parar, a luz verde indica quem deve seguir. Isso pode significar que as melhores decisões já foram tomadas e que a regulação das ações coletivas nos espaços públicos privilegia modos seguros de deslocamento. Essas decisões estão expressas em lei, mas, como a lei também regula as punições para quem a violar, assim também o conhecimento da lei pode resultar na evitação da punição em vez de ela ser compreendida como um grande acordo social. O foco se desloca do aspecto social (a lei como reguladora do convívio social) para o aspecto individual (evitar a punição).

Alguns indivíduos têm cometido infrações e se comportado no trânsito como se a lei fosse irracional, questionando os motivos das determinações legais (Silcock, Smith, Knox, & Beuret, 1999). O maior número de acidentes nas cidades é registrado em esquinas com semáforos, em plena luz do dia, com asfalto seco (DETRAN/PR, 2010). Por que? Porque alguém desobedeceu à regra básica: deve-se parar frente ao sinal vermelho. Mas também para seguir a lei deve haver decisão. É o homem quem toma decisões. E alguém decidiu não parar. Por que? Que conflitos geraram decisões que resultam em tragédia?

E Antígona? Que ensinamentos podem ser compartilhados?

Em Antígona, o conflito é entre a lei da pólis e a lei da família, entre a lei feita pelos homens (que regula relações de poder) e a lei mais antiga (que regula relações familiares).

Já explicitamos que são conflitos diferentes. Mas o que há de comum? Por que entendemos que o conflito expresso em Antígona pode despertar reflexões sobre os conflitos no trânsito? Antígona trata do conflito que gera decisões opostas: seguir uma lei é infringir a outra. Isso acontece no trânsito?

As estatísticas da morbimortalidade expressam exatamente a opção por alguma outra lei que não é a do Código de Trânsito Brasileiro. Que lei é essa? Quais são as difíceis questões com as quais os integrantes do trânsito se defrontam? Por que a tomada de decisão a respeito dessas questões resulta em uma escala de mortalidade que preocupa a Organização Mundial de Saúde (OMS)? Por que é tão difícil, ao defrontar-se com um semáforo vermelho, simplesmente obedecer ao que determina a lei e parar o veículo? Qual é a complexidade dos fatores que subsidiam essas decisões tão opostas ao que preconiza a lei? Há alguma outra lei, que não a do Código de Trânsito Brasileiro que orienta as ações das pessoas no ambiente do trânsito? Que parâmetros são esses?

Não há respostas definitivas para tantas questões, mas, seria possível indicar que há benefícios pessoais que são norteadores das decisões e das ações ao se infringir a lei. Essas ações desconsideram quaisquer repercussões coletivas e significam estar acima das regras e dos outros. É o individualismo imperando no espaço coletivo.

O conflito moral em Antígona reflete a grandiosidade das dimensões família e pólis. O conflito no trânsito tem uma dimensão mesquinha, pois visa a ganhos pessoais; no confronto, ele produz perdas coletivas expressas nas estatísticas que identificam as mortes no trânsito como a segunda entre as causas externas no Brasil, ficando atrás apenas das agressões (Brasil, 2010).

Metáforas em Antígona

A leitura de Antígona pode fertilizar inúmeras reflexões, com diferentes perspectivas: individual (afetiva, cognitiva), filosófica, política, social, ideológica. Interessa ao ensaio as reflexões pertinentes ao trânsito. Segundo Alves,

ao fim, o gesto de Antígona reveste-se, a um só tempo, com as cores da ação política (ao contestar a arbitrariedade do poder estatal), religiosa (ao ser piedosa), jurídica (ao lutar por justiça), afetiva (ao ser movida por um intenso sentimento) e moral (ao defender os nómima divinos que orientam a ação dos homens). É até mesmo possível apontar outras dimensões evocadas pela ação da heroína (por exemplo, a afirmação do gênero feminino frente ao gênero masculino, da geração mais jovem em relação à mais antiga etc.). De novo, tudo isso testemunha, antes de mais nada, a própria riqueza da obra, aquilo que a torna interessante, valiosa, perene. (2005, p. 339)

Antígona é a tragédia ensinando. A partir dela, muito se debateu sobre a moralidade e suas diversas perspectivas. Quem viveu o conflito maior? Antígona? Creonte? Há argumentos para um e para outro, conforme a referência utilizada. As reflexões postas por Freitag (1989, 1992), considerando o arcabouço filosófico, sociológico ou psicológico de alguns pensadores, indicam a riqueza que pode ser extraída a partir da análise dos personagens da trama, sublinhando a complexidade que envolve qualquer tentativa de compreensão.

Considerando a perspectiva de Aristóteles, foi Creonte quem se defrontou “com um conflito moral duplo: o conflito entre duas leis às quais devia lealdade e o conflito entre a reflexão e ação” (Freitag, 1989, p.86), e Antígona “tem valor moral inferior ao de Creonte, apesar de sua aparente nobreza” (p.87), pois, embora tivesse conhecimento das duas leis, defendeu a lei da família de maneira inflexível, pois não reconhecia a lei da pólis, questionando sua validade, sem conflito.

Para Kant, toda ação humana tem como princípio moral supremo a defesa da vida, e “Creonte foi o primeiro a desrespeitar a vida, condenando Antígona à morte” (Freitag, 1989, p.89) e a opção de Antígona foi ditada “por um princípio moral universal, que independe da experiência e se calca na razão” (p.91) e que foi baseada na justiça.

Na perspectiva hegeliana,

Antígona não é a encarnação da justiça, calcada na razão. (...) Antígona quis fazer o bem, contudo, sua convicção inspirada nos deuses a conduziu ao caminho do mal, à sua própria ruína. Sua pureza é castigada como pecado. No movimento dialético, no desdobramento do personagem, o bem resulta no mal, o inocente vira culpado, o justo se reconhece injusto, o que faz justiça é injustiçado. (Freitag, 1989, p. 93)

Também Creonte, em vez de representar “a temperança e a prudência (...), se desdobra em seu contrário (...). O juiz se transforma em vítima de sua própria justiça, desempossado do poder, homem sem lei e convicção. Onde havia orgulho, sobrou humildade, onde havia certeza, restaram dúvidas” (Freitag, 1989, p. 93). Ambos saem fortalecidos, compreendendo a complexidade e as limitações da lei que cada um defendeu, constatando a articulação entre os dois sistemas de valores.

A tragédia de Antígona e Creonte mostra que essa síntese é impossível para a consciência moral individual, subjetiva. Ela pressupõe o outro. A ‘Sittlichkeit' (sistema de leis que inclui a dimensão da moralidade, materializada na pólis) somente tem condições reais de concretização superando as limitações do sujeito moral isolado, objetivando-se numa sociedade da qual os indivíduos se sintam partes integrantes, atuantes. (Freitag, 1989, p.94)

A partir dessa leitura de Antígona, proposta por Freitag, é possível identificar a riqueza de perspectivas de análise. O resultado das diversas ações empreendidas é a tragédia. No trânsito, constata-se a mesma tragédia, em uma escala gigantesca, registrada em parte nas estatísticas oficiais de mortalidade.

Las lesiones causadas por el tránsito constituyen un importante problema de la salud pública, pero desatendido, cuya prevención eficaz y sostenible exige esfuerzos concertados. De todos los sistemas con los que las personas han de enfrentarse cada día, los del tránsito son los más complejos y peligrosos. Se estima que, cada año, en el mundo mueren 1,2 millones de personas por causa de choques en la vía pública y hasta 50 millones resultan heridas. Las proyecciones indican que, sin un renovado compromiso con la prevención, estas cifras aumentarán en torno al 65% en los próximos 20 años. Sin embargo, la tragedia que se esconde tras estas cifras atrae menos la atención de los medios de comunicación que otras menos frecuentes. (OMS, 2004)

É possível, a partir de diferentes olhares, incorporar os ensinamentos de Antígona para orientar decisões que privilegiem a manutenção da vida no espaço público do trânsito? Sim. Há pelo menos três dimensões importantes: o conflito pode gerar morte, há diferentes maneiras de compreender as ações de um e outro personagem, é a reflexão compartilhada que permite incorporar o ponto de vista do outro.

Essas três dimensões da metáfora de Antígona podem ser integradas em programas de educação para um trânsito mais seguro, visando a desenvolver nova maneira de pensar sobre o trânsito, propiciando momentos de reflexão sobre os conflitos nos ambientes coletivos, perpassando o confronto entre eu e os outros que é constituinte da interação no espaço público.

A primeira dimensão – o conflito pode gerar morte – ressalta a potencialidade trágica do conflito que pode ser gerado a partir de gestos menos carregados de afetividade, como foi o caso de Antígona. A morte dos diversos personagens – Antígona, Hémon e a esposa do Creonte (mãe de Hémon) – indica que o conflito pode gerar danos irreparáveis, e que, diante de impasses, é importante considerar os diversos pontos de vista a fim de evitar a tragédia.

No trânsito, há conflitos advindos de problemas de engenharia e arquitetura que impõem medidas públicas para a adequada solução; as iniciativas de órgãos de fiscalização para investigar soluções imediatas em zonas de conflito são ações que têm se mostrado relevantes, com intervenções pontuais, como a alteração de tempo de semáforo em cruzamentos, a melhoria no traçado ou a colocação de barreiras para delimitar manobras proibidas, entre outras. Alguns dos conflitos no trânsito podem ser resolvidos a partir de definições legais, por exemplo, quando indicam preferência nas vias. Há conflitos decorrentes da legislação que merecem análises específicas aprofundadas e cujas alterações demandam o comprometimento da sociedade, representada em ações nascidas da sociedade civil ou do poder legislativo. Algumas delas podem ser observadas quando a sociedade se mobiliza para propor alterações na legislação ou, a título de exemplo, quando grupos técnicos indicam a necessidade de abolir avisos de fiscalização eletrônica ou de regulamentar a proibição do consumo de álcool. Há inúmeros outros exemplos de conflitos cotidianos que pertencem ao âmbito gerencial do sistema trânsito. Mas há também conflitos gerados pelas pessoas que transitam nesses espaços, tal como foi ressaltado ao longo deste ensaio. Quando as pessoas acreditam que podem, nos espaços coletivos, tomar decisões individuais sem que haja repercussão nos outros, constata-se a presença de conflitos, que emergem da falta de perspectiva coletiva ao agir no espaço público, por isso, pode-se dizer que há conflitos estruturais, decorrentes dos aspectos físicos, legais e gerenciais, e também conflitos decorrentes de concepções individualistas, que, em não sendo adequadamente resolvidos, podem gerar morte e mutilação. No trânsito, as estatísticas indicam que o gerenciamento dos conflitos não tem sido eficiente, sendo responsável pela mortalidade de mais de 40 mil pessoas anualmente e de outras milhares de pessoas mutiladas. Nem a contabilidade dessa tragédia há competência para realizar, ficando por conta das estimativas o número de mutilados e mortos após os acidentes.

A segunda dimensão – há diferentes maneiras de compreender as ações – ensina que a reflexão sobre os diferentes pontos de vista no conflito permite antecipar situações que requerem o olhar coletivo, ponderando as consequências advindas de decisões individualistas, tal como na tragédia de Antígona. Também a compreensão da análise de alguns dos conflitos e as soluções definidas, tal como aparecem nos textos legais, orientando condutas em situações de conflito, definindo preferência e comportamento requerido, podem ser analisadas e debatidas, visando a fortalecer pontos de vista que privilegiem aspectos coletivos e a segurança compartilhada por todos. Também nessa dimensão é possível identificar a participação de gerenciadores e de legisladores, definindo, orientando e incentivando condutas apropriadas, ou seja, os integrantes do sistema trânsito também têm a responsabilidade de criar condições de respeito ao outro, pela configuração espacial das vias que impõe determinado comportamento, pela legislação, pela fiscalização ou pela divulgação, em campanhas, das soluções encontradas.

A terceira dimensão indicada – a reflexão compartilhada permite incorporar o ponto de vista do outro – é talvez a mais complexa, pois depende da criação de um ambiente propício que torne possível compartilhar resultados de ações. A educação em sentido amplo tem uma contribuição especial, já que tem desenvolvido o arcabouço conceitual para fomentar a construção do conhecimento, indicando os caminhos pelos quais esse processo ocorre. A complexidade dessa dimensão pode ser anunciada também a partir das concepções de cidadania que estão nela imbricadas. Mas isso é tema para outro ensaio. O desenvolvimento de atividades que coloquem em xeque as ações de cada indivíduo e a estruturação de momentos que permitam a reflexão sobre esses comportamentos parecem ser o caminho de apropriação possível. Ouvir recomendações científicas e legais – “se bebeu não dirija” – não tem se mostrado eficaz, e um dos motivos é que as pessoas não se sentem parte do grupo ao qual a mensagem é dirigida. Ou seja, a mensagem e a lei, dessa forma, são sempre para os outros. Portanto, a primeira etapa do processo de reflexão é descobrir-se como sujeito do processo para, em seguida, poder analisar as repercussões de seu próprio comportamento nos demais integrantes.

Um dos aspectos centrais na discussão sobre a temática do trânsito é o confronto entre o eu e os outros, e tal conflito não pode ser negligenciado nem camuflado. Sem uma reflexão compartilhada sobre os fatores imbricados, ou na ausência de um debate sobre as consequências advindas de tal confronto, perder-se-á a oportunidade de se desenvolver o comportamento coletivo, que pode ser definido como o comportamento individual que incorpora a dimensão coletiva. Ou seja, para um eu existir, é necessário que o outro esteja presente. Vivo.

Recebido 21/06/2012

Aprovado 11/04/2013

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  • Endereço para correspondência
    Diogo Picchioni Soares
    Universidade Federal do Paraná, Setor de Ciências Humanas Letras e Artes, Departamento de Psicologia
    Praça Santos Andrade, 50, Centro. CEP: 80060-240. Curitiba, PR.
    E-mail:
  • *
    Mestre em Psicologia pela Universidade Federal do Paraná, Especialista em Psicologia do Trabalho pela Universidade Federal do Paraná e doutorando em Psicologia da Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis - SC- Brasil. E-mail:
  • **
    Mestre em Psicologia na Universidade Federal do Paraná, Curitiba – PR – Brasil. E-mail:
  • ***
    Mestre em Letras pela Universidade Federal do Paraná, Especialista em Psicologia do Trabalho pela Universidade Federal do Paraná e doutorando em Letras pela Universidade Federal do Paraná, Curitiba - PR - Brasil. E-mail:
  • ****

    Doutora em Ciências Humanas pela Universidade Federal de Santa Catarina, docente da Universidade Federal do Paraná e coordenadora do Núcleo de Psicologia do Trânsito da Universidade Federal do Paraná, Curitiba - PR - Brasil. E-mail:
    Nota explicativa: Este ensaio é resultado das reflexões sobre os conflitos no trânsito, empreendidas a partir das pesquisas e das discussões suscitadas nas atividades de Extensão (Projeto Transformando o Trânsito) pelos participantes do Núcleo de Psicologia do Trânsito da Universidade Federal do Paraná (NPT-UFPR). Os autores organizaram as equipes, as discussões e a orientação dos integrantes, ao longo desses mais de 10 anos, nas atividades de pesquisa e extensão. Aristeu Mazuroski Junior, desde 2002, Diogo Soares, desde 2003, e Jessica Miolla, desde 2008. Todos os autores participaram igualmente das etapas de elaboração do ensaio, e todos são pesquisadores do grupo de pesquisa do CNPq Psicologia do Trânsito, sediado no NPTUFPR.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      23 Jan 2014
    • Data do Fascículo
      2013

    Histórico

    • Recebido
      21 Jun 2012
    • Aceito
      11 Abr 2013
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