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Entre Metamorfoses e Sentidos: a Trajetória de um Professor Universitário Afro-Descendente a Partir dos Pressupostos Teóricos da Psicologia Social

Between Metamorphosis and Senses: Trajectory of a University Professor of an African Descent from the Theoretical Assumptions of Social Psychology

Entre Metamorfosis y los Sentidos: la Trayectoria de un Profesor Universitario Afrodescendiente a través de los Supuestos Teóricos de la Psicología Social

Resumos

A proposta de estudo de caso, buscou analisar, a partir de uma pesquisa em Psicologia Social amparada pelo método de história oral temática, as configurações e contradições dos sentidos do processo identitário do sujeito selecionado: um professor universitário afro-descendente brasileiro. Como muitos afro-descendentes, Hemetério vivencia uma condição de conflito constitutiva em seu processo identitário: ora é alienado pela ideologia do embranquecimento; ora se vê impedido de manifestar-se sobre sua condição racial. Mas quando chamado a se posicionar, ele defende-se diante das discriminações, configurando uma estratégia de resistência ativa e uma atitude racial afirmativa. Esta só se torna possível, quando a ação comunicativa emerge como condição autêntica. Outra questão é a relação estabelecida entre ocultação e revelação dos aspectos raciais de sua identidade e a centralidade do personagem professor, que atua como alicerce de suas elaborações e significações pessoais.

Afro-descendentes; Identidades; Desigualdade racial; Professores


This case study proposal aimed to analyze, from a research perspective in social psychology supported by the method of thematic oral history, the settings and contradictions of the senses while recruiting subjects. The study was conducted a Brazilian university professor of an African descent. As observed in a large number of people of an African descent, Hemetério experiences conflict in his identity process; at times, he is alienated by the ideology of whitening, and at other times, he finds himself restricted from expressing his racial condition. However, when he is asked to make a stand, he defends himself against discrimination with a strategy of active resistance and an affirmative racial attitude that only becomes possible when the communicative action emerges as an authentic condition. Another issue is the association between concealment and revelation of the racial aspects of identity and centrality of the teach character, which acts as the foundation of his thoughts and personal meanings.

Afro-descendants; Identities; Racial inequality; University professors


La propuesta de estudio de casoa buscó analizar, a través de una investigación en psicología social apoyada en el método de la historia oral temática, las configuraciones y contradicciones de los sentidos del proceso de identificación del sujeto seleccionado: un profesor universitario afrodescendiente brasileño. Así como muchos afrodescendientes, Hemetério vive una condición de conflicto constitutiva en su proceso de identidad: a veces alienado por la ideología del blanqueamiento, otras veces se encuentra impedido de expresarse acerca de su condición racial. Sin embargo, cuando se le solicita una posición, él se defiende frente a las discriminaciones, configurando una estrategia de resistencia activa y una actitud racial afirmativa. Esto es posible sólo cuando la acción comunicativa surge como condición autentica. Otro aspecto es la relación que se establece entre el ocultamiento y la revelación de los aspectos raciales de su identidad y la centralidad del carácter docente que actúa como la base de sus significados personales y elaboraciones.

Afrodescendientes; Identidade; Desigualdad racial; Professores


Raça, racismo e a naturalização das diferenças no contexto brasileiro

O século XIX inaugura um tempo em que a ciência passou a acreditar na existência de diferentes raças e a estudá-las. A partir daí, houve uma associação entre características físicas e psicológicas, buscando legitimar e naturalizar as diferenças entre os homens (Munanga, 2004Munanga, K. (2004). Rediscutindo a mestiçagem no Brasil: Identidade nacional versus identidade negra. Belo Horizonte: Autêntica.). Atualmente o termo raça pode ser considerado pseudocientífico, ou seja, a ideia de segmentação das diferenças humanas através dos atributos biológicos/psicológicos não pode ser comprovada pela ciência, mas está profundamente presente em nossa sociedade. Sendo assim, é possível dizermos que o conceito ainda existe em sua forma sociológica, pois está enraizado no imaginário coletivo dos mais diversos atores sociais (Munanga, 2004Munanga, K. (2004). Rediscutindo a mestiçagem no Brasil: Identidade nacional versus identidade negra. Belo Horizonte: Autêntica.).

Ao longo dos tempos, a hierarquização social estabeleceu uma escala de valores entre as chamadas raças definindo os indivíduos da cor branca, como superiores aos de cor negra e amarela, em decorrência de suas características fenotípicas. Estas ideias asseguravam aos brancos a inteligência e honestidade, de forma que eles pudessem dominar as outras raças, sobretudo a negra, mais escura que as outras e, por isto, considerada inferior (Munanga, 2004Munanga, K. (2004). Rediscutindo a mestiçagem no Brasil: Identidade nacional versus identidade negra. Belo Horizonte: Autêntica.).

O processo pós-abolição sedimentou um caminho de exclusão, que não atingiu somente ao escravo negro, mas carrega em seus traços fenotípicos os mais diversos elementos de ação e repressão. Através dos ideais vigentes no final do século XIX, o Brasil se constitui como nação sectária e elitista, gerando um grande abismo entre as classes dominantes e os pobres (constituídos em grande parte por ex-escravos e seus descendentes), com grande agravamento no final do século XX (Munanga, 2004Munanga, K. (2004). Rediscutindo a mestiçagem no Brasil: Identidade nacional versus identidade negra. Belo Horizonte: Autêntica.).

Neste contexto, o ideal de branqueamento, surge como herança das teorias eugenistas de base europeia, estabelecendo que, se houvesse uma mistura de raças com o passar das gerações, o "sangue inferior" seria eliminado. Ao contrário dos EUA, onde uma gota de sangue é determinante para definir a condição racial dos sujeitos, no Brasil encontra-se o mestiço, ou mulato, ou ainda moreno - afinal, as denominações são diversas - e, de fato, criou-se uma raça intermediária na esperança de um dia eliminar aquela considerada inferior (Munanga, 2004Munanga, K. (2004). Rediscutindo a mestiçagem no Brasil: Identidade nacional versus identidade negra. Belo Horizonte: Autêntica.).

De maneira que a questão do mestiço não é tão simples na história. Houve uma necessidade de valorização deste segmento no período pós-república, atendendo à demanda de uma identidade nacional mais coesa. Entretanto, esta valorização logo revelou sua intencionalidade ideológica, pois a perspectiva futura presumia a eliminação progressiva destes sujeitos, através dos sucessivos cruzamentos com indivíduos brancos (Munanga, 2004Munanga, K. (2004). Rediscutindo a mestiçagem no Brasil: Identidade nacional versus identidade negra. Belo Horizonte: Autêntica.).

As ideias racistas autenticaram-se através da disseminação (ainda que velada) da superioridade de uns sobre outros, de forma que os afrodescendentes1 1 Em concordância com Miranda (2011) neste texto, utilizamos termo afrodescendente para designar o segmento de pessoas consideradas tanto negras quanto mestiças. De forma que a hifenização dos termos afrodescendente e afrodescendência evidencia os vínculos destes sujeitos tanto com a herança cultural africana, quanto com a herança cultural do país de origem, demarcando a zona de tensão e as intensas contradições no processo identitário destes sujeitos em relação aos vínculos culturais. tornam-se sujeitos permanentemente desclassificados na sociedade (Munanga, 2004Munanga, K. (2004). Rediscutindo a mestiçagem no Brasil: Identidade nacional versus identidade negra. Belo Horizonte: Autêntica.). E a contínua construção de estereótipos ao longo da história, do ponto de vista moral e intelectual, foi utilizada para justificar a exclusão deste segmento mesmo após a abolição da escravatura.

A condição do mestiço é a maior prova do sistema de ambiguidades identitárias erigido no contexto nacional. Considerado por Oliveira (1974)Oliveira, E. O. (1974). O mulato; um obstáculo epistemológico.Argumento, 1(3), 63-75. um "obstáculo epistemológico", este sujeito emerge tanto como ícone representativo de um povo massacrado pela colonização, quanto na qualidade de categoria sociológica, fator que nos reporta ao "daltonismo" da percepção das relações raciais em solo brasileiro. De forma que a ambiguidade no contexto identitário atinge não só aqueles considerados mestiços ou pardos (e como defini-los?), mas também os fenotipicamente negros - estes, em menor proporção.

Os afro-descendentes brasileiros, convivem, portanto, em meio a uma condição ambígua de representações. Ora são legitimados como sujeitos históricos que contribuíram efetivamente para a formação cultural e construção de uma nação considerada democrática em relação à mistura de raças; ora são simbolizados pela inferioridade atribuída por esta mesma construção histórica difusa.

Caracterizados pelo ser e não ser, pelos crivos sociais do pertencer e não pertencer, estes sujeitos estão permanentemente expostos às distorções identitárias causadas pelas influências da ideologia do branqueamento e do ideal da democracia racial2 2 Para um estudo mais detalhado sobre a conformação da ideologia do branqueamento e do mito da democracia racial, assim como suas consequências aliadas à ideia de mestiçagem no contexto brasileiro, sugerimos a leitura do texto integral deMunanga (2004). , que muitas vezes os impedem à conformação de uma identidade positivamente afirmada em relação aos seus componentes afro-diaspóricos (Miranda, 2011Miranda, S. F. (2011). Identidades de afro-descendentes: Resistência e preconceito como motores de um processo em produção. Recife: Abrapso.).

Defendemos então, "uma condição de conflito constitutiva" (Miranda, 2011Miranda, S. F. (2011). Identidades de afro-descendentes: Resistência e preconceito como motores de um processo em produção. Recife: Abrapso.) no processo identitário destes sujeitos, e passamos a questionar, a partir desta concepção, o sentido dado a estas trajetórias de vida.

Negros na academia: uma discussão emergente

Diante desta breve contextualização, que revela nuances das chagas históricas do racismo em território brasileiro (Miranda, 2011Miranda, S. F. (2011). Identidades de afro-descendentes: Resistência e preconceito como motores de um processo em produção. Recife: Abrapso.), temos, em tempos atuais, o debate sobre o futuro da população negra através de reivindicações do multiculturalismo no sistema educativo formal; do aumento do contingente negro no ensino universitário e superior e pela implantação de políticas compensatórias para minimizar as desigualdades acumuladas por diversos anos de injustiça e desumanização do segmento de afro-descendentes (Munanga, 2007Munanga, K. (2007). Considerações sobre as políticas de ação afirmativa no ensino superior. In: Jairo Queiroz Pacheco, & Maria Niza Silva, (Orgs.), O negro na universidade: O direito à inclusão(7-19). Brasília: Fundação Cultural Palmares.).

De acordo com Henriques (2001Henriques, R. (2001). Desigualdade racial no Brasil: evolução das condições de vida na década de 90 (Texto para Discussão, Vol. 807). Rio de Janeiro: IPEA., p. 1-2), estudos realizados pelas instituições de pesquisa IBGE e IPEA, não deixam dúvidas sobre a gravidade da situação de exclusão dos pretos epardos na sociedade:

(...) no Brasil, a condição racial constitui um fator de privilégio para os brancos e de exclusão e desvantagem para os não-brancos. Algumas cifras assustam quem tem preocupação social aguçada e compromisso com a busca de igualdade e qualidade nas sociedades humanas. (...) Do total dos universitários, 97% são brancos, sobre 2% de negros e 1% de descendentes orientais. Sobre 22 milhões de brasileiros que vivem abaixo da linha de pobreza, 70% deles são negros. Sobre 53 milhões de brasileiros que vivem na pobreza, 63% deles são negros.

Entretanto, esta disparidade no contexto de educação formal não é suficiente para mobilizar a nação em torno da discussão da questão do racismo. Assim, quando questionados, a maioria dos brasileiros afirma não ser racista, embora sempre admitam a existência da discriminação e desigualdades. De tal modo que, em nosso país, o preconceito é considerado como atributo do outro, pois a ideia de democracia racial incutida no imaginário coletivo acaba por encobrir as condições de desigualdade a que são submetidos os afro-descendentes (Ferreira, 2002Ferreira, R. F. (2002). O brasileiro, o racismo silencioso e a emancipação do afro-descendente. Psicologia & Sociedade,14(1), 69-86.).

Por acreditar que a miscigenação trouxe uma harmonia e espírito de igualdade entre representantes de raças distintas, não se discute no país a questão da discriminação e preconceito, de forma que somos condenados a conviver com um racismo silencioso:

(…) o preconceito não é abertamente afirmado, dificultando a elaboração de leis que favoreçam sua reversão. A ideologia de que vivemos num país em que as diferenças são aceitas e valorizadas, 'um verdadeiro exemplo para outras nações', encobre o problema. Em função disto, a população negra encontra-se submetida a um processo em que as condições de existência e o exercício de cidadania tornam-se muito mais precários com relação à população considerada branca. Em decorrência, a construção de uma identidade positivamente afirmada, requisito necessário para as pessoas se engajarem em políticas efetivas voltadas para a melhoria de suas condições sociais, torna-se um processo dificultado (Ferreira, 2002Ferreira, R. F. (2002). O brasileiro, o racismo silencioso e a emancipação do afro-descendente. Psicologia & Sociedade,14(1), 69-86., p. 71, grifos do autor).

Uma vez que não se enxerga o problema com relação à questão racial, não se abre espaço para a discussão e, consequentemente, não há enfrentamento das desigualdades. Nossa sociedade não sabe conviver com o diferente, ela o exclui e ainda determina que tudo aquilo que não se encaixa em determinado padrão deve ser relegado à inexistência no contexto social, mesmo que de maneira implícita.

Professores universitários: afrodescendência e academia em debate

Para Lima (2001)Lima, A. A. (2001). A legitimação do intelectual negro no meio acadêmico brasileiro: negação da inferioridade, confronto ou assimilação intelectual? Afro-Àsia, 25-26, 281-312., outro país possível para o afro-descendente (além daquele simbolizado pela sua indubitável participação no samba e no futebol) é aquele esboçado no meio acadêmico brasileiro. De forma que tornar-se professor universitário pode configurar um meio de status e mobilidade social, embora não signifique que o sujeito irá se livrar das chagas históricas da discriminação (Santos, 2006Santos, T. J. C. (2006). Professores universitários negros: Uma conquista e um desafio a permanecer na posição conquistada. In I. Oliveira (Org,), Cor e magistério (pp. 158-182). RJ: EDUFF.). Isto porque os intelectuais que introjetam o lugar de subalternidade "acabam por invisibilizar-se, apassivar e emudecer sua autoconsciência, seu próprio corpo imiscuído no contexto de pesquisa" (Lima, 2001Lima, A. A. (2001). A legitimação do intelectual negro no meio acadêmico brasileiro: negação da inferioridade, confronto ou assimilação intelectual? Afro-Àsia, 25-26, 281-312., p. 283).

Na condição de objeto de estudos - realizados por uma grande maioria de pesquisadores brancos locais e estrangeiros - afro-descendentes brasileiros têm se constituído como excesso etnográfico. Entretanto, a condição de agentes reflexivos lhes é sistematicamente negada, de forma que o lugar ocupado na academia brasileira acaba circunscrito à ausência e negação (Lima, 2001Lima, A. A. (2001). A legitimação do intelectual negro no meio acadêmico brasileiro: negação da inferioridade, confronto ou assimilação intelectual? Afro-Àsia, 25-26, 281-312.).

Devido ao preconceito, principalmente com relação à capacidade intelectual, torna-se difícil para estes sujeitos galgarem posições de destaque e um desafio manter-se nesta condição - pois ela exige um duplo esforço mediante a experiência de serem acadêmicos e afrodescendentes em uma sociedade branca, de exigências e expectativas brancas. De forma que os questionamentos sobre sua capacidade vêm de toda parte: do pedagógico, do administrativo, dos colegas e dos alunos . Ao mesmo tempo em que reconhecem suas potencialidades, estes professores têm noção da sociedade racista em que vivem, sabem da discriminação que enfrentam. Partindo deste contexto, tais sujeitos irão procurar a melhor forma de lidar com esta realidade: muitas vezes optam por não falar sobre a questão racial, tentam passar despercebidos quanto à cor, ou buscam suprimir sua condição racial com a "boa aparência", dentre outros mecanismos de ação encontrados (Santos, 2006Santos, T. J. C. (2006). Professores universitários negros: Uma conquista e um desafio a permanecer na posição conquistada. In I. Oliveira (Org,), Cor e magistério (pp. 158-182). RJ: EDUFF.).

Por vezes, podem ser capturados por ideologias que proclamam um país igualitário, uma falsa condição de democracia racial. Entretanto, quando resolvem assumir sua condição étnica, se deparam com uma sociedade complexa, de forma que o preconceito se manifesta por atitudes discretas, indiretas e perversas (Ferreira, 2002Ferreira, R. F. (2002). O brasileiro, o racismo silencioso e a emancipação do afro-descendente. Psicologia & Sociedade,14(1), 69-86.). Este argumento revela a urgência do debate da questão racial no país e os contornos silenciosos do racismo acadêmico, de forma que devemos criar instrumentos para que a desigualdade racial na academia possa ser pesquisada e combatida.

Identidades

Na tentativa de percorrer um caminho que dê conta das trajetórias do sujeito da presente pesquisa para além das dicotomias usuais, buscamos compreender os sentidos das suas ações, concebendo a identidade como um processo de construção e desconstrução contínua (Ciampa, 1987Ciampa, A. C. (1987). A estória do Severino e a história da Severina. São Paulo: Brasiliense.), mediante os referenciais pessoais e as estratégias de resistência engendradas frente aos impasses enfrentados durante suas trajetórias (Miranda, 2011Miranda, S. F. (2011). Identidades de afro-descendentes: Resistência e preconceito como motores de um processo em produção. Recife: Abrapso.).

Estamos, portanto, falando de lutas individuais, que entrelaçadas ao atravessamento do racismo constituem os contornos identitários do processo. Para Ciampa (1987Ciampa, A. C. (1987). A estória do Severino e a história da Severina. São Paulo: Brasiliense., p.74), "identidade é movimento, é desenvolvimento do concreto (...) é metamorfose". E neste contexto, ainda sob o ponto de vista do referido autor, pensar na multiplicidade de ações dos sujeitos diante do que lhes é imposto e, também, elaborado nos remete aos conceitos de papel e personagem.

Em relação ao papel, nos referimos àquilo que a sociedade espera do sujeito, aos padrões de personalidade que são oferecidos e/ou atribuídos ao mesmo. Já a ideia de personagem constitui-se pelo modo particular, pelo toque pessoal que cada sujeito investe ao desempenhar seu papel. De forma que:

Cada indivíduo, ao desempenhar diferentes papéis sociais à sua maneira conforma a autoria do próprio processo identitário, dando corpo e significado às várias personagens de maneira peculiar. Desse modo, o processo identitário ocorre através da objetivação de múltiplos personagens, caracterizada na atividade social (Miranda, 2011Miranda, S. F. (2011). Identidades de afro-descendentes: Resistência e preconceito como motores de um processo em produção. Recife: Abrapso., p. 53).

A identidade pode aparentar uma não-metamorfose quando ela conforma a imagem de um produto, devido ao seu aspecto de re-posição. Esta imagem, de aparência estática, oculta a reposição contínua de elementos móveis, em sucessão autônoma de mudanças. Neste contexto, a cada momento de re-posição - que serve para manter uma imagem atemporal - outros significados vão sendo internalizados pelo sujeito para manter o aspecto de estabilidade. Falamos, portanto, das nuances da identidade-mesmice (Ciampa, 1987Ciampa, A. C. (1987). A estória do Severino e a história da Severina. São Paulo: Brasiliense.).

Este trabalho de re-posição ocorre sempre de forma autônoma, ou seja, sem a incidência de coerção, constituindo as nuances da identidade-mesmice. Em trabalhos anteriores, Miranda (2011)Miranda, S. F. (2011). Identidades de afro-descendentes: Resistência e preconceito como motores de um processo em produção. Recife: Abrapso. verificou que a possibilidade desta aparente estabilidade apresenta-se apenas como um momento no processo identitário de sujeitos afrodescendentes, de forma que pode vir a ser re-editado e transformado (Miranda, 2011Miranda, S. F. (2011). Identidades de afro-descendentes: Resistência e preconceito como motores de um processo em produção. Recife: Abrapso.), constituindo, neste processo, os contornos da metamorfose (Ciampa, 1987Ciampa, A. C. (1987). A estória do Severino e a história da Severina. São Paulo: Brasiliense.).

A identidade constitui-se, ao mesmo tempo como diferença e igualdade. Esta última consiste na implicação e na identificação de um indivíduo como pertencente a um todo, confundindo-se com os outros, seus iguais, representados pelos diversos grupos sociais a que se congrega. A diferença ou a singularidade do sujeito está na conquista de seu reconhecimento como sujeito portador de peculiaridades, de forma que ele passa de indefinido e genérico para o definido e singular (Ciampa, 1987Ciampa, A. C. (1987). A estória do Severino e a história da Severina. São Paulo: Brasiliense.).

E também aparece como ocultação e revelação, sendo a revelação condição para a ocultação. O sujeito, em determinadas condições, revela traços de sua história, elementos de seu comportamento e mantêm ocultos outros dados, em função de seus interesses e das demandas sociais (Ciampa, 1987Ciampa, A. C. (1987). A estória do Severino e a história da Severina. São Paulo: Brasiliense.). Indubitavelmente ao discorrermos sobre as metamorfoses das identidades de afro-descendentes, precisamos definir os sentidos deste processo, de forma que o movimento pode ou não ter um caráter emancipatório (Ciampa, 2003Ciampa, A. C. (2003). A identidade social como metamorfose humana em busca de emancipação: articulando pensamento histórico e pensamento utópico. In Anais do XXIX Congresso Interamericano de Psicologia (1-15), Lima, Peru.).

Vale ressaltarmos que essa transformação é permanente, de maneira que a identidade se apresenta, como uma busca constante por emancipação, embora nem sempre ela seja possível. Segundo o Ciampa (2003Ciampa, A. C. (2003). A identidade social como metamorfose humana em busca de emancipação: articulando pensamento histórico e pensamento utópico. In Anais do XXIX Congresso Interamericano de Psicologia (1-15), Lima, Peru., p. 03) "a emancipação, que dá o sentido ético à metamorfose, pode ser impedida ou prejudicada pela violência, pela coerção, invertendo a metamorfose como desumanização." E, para tal, se percebe sempre, ou quase sempre, um conflito político que se estabelece entre "(...) a pretensão de uma identidade social, de um lado como (1) auto-afirmação e hetero-reconhecimento de um projeto emancipatório e de outro, como (2) hetero-afirmação e auto-reconhecimento de um projeto coercitivo ou de dominação" (Ciampa, 2003Ciampa, A. C. (2003). A identidade social como metamorfose humana em busca de emancipação: articulando pensamento histórico e pensamento utópico. In Anais do XXIX Congresso Interamericano de Psicologia (1-15), Lima, Peru., p. 3).

Relações de Poder

Partindo de uma história marcada pelas diferenças que ocorrem no plano das representações e no imaginário social, ao tratarmos a questão da diversidade cultural, de um lado, encontramos o discurso de que somos iguais: produtos de um intenso processo de miscigenação e mestiçagem. Entretanto, por outro lado, presenciamos as diversas práticas preconceituosas e discriminatórias em relação a determinados segmentos da nossa população, como os afrodescendentes aqui tratados. Neste contexto, nos defrontamos com a ideia de diversidade biológica, que surge como um produto da natureza. Entretanto, não podemos dizer o mesmo sobre a diversidade cultural, pois a mesma reflete um processo conduzido pelas relações de poder.

Segundo Foucault (1989)Foucault, M. (1989). Microfísica do poder. Rio de Janeiro: Graal., o poder repousa sobre uma falsa ideia. O discurso sobre o poder ser uma coisa única que a tudo controla, não conduz a um verdadeiro conhecimento sobre tal estrutura. Acerca desta questão, o mesmo autor assevera que o poder não é uma coisa, mas "uma multiplicidade de relações de força" (p. 88). Portanto, o poder não é proveniente de uma fonte específica que o detém, ele é constituído por um conjunto de relações em uma assimetria, que fluem da periferia para o centro, sendo exercido permanentemente. Portanto, quanto mais central na hierarquia de poder, mais periférica a autonomia do indivíduo para modificar as redes de poder na sociedade. Não existe dominação nem hegemonia, e sim efeitos de supremacia, de forma que o indivíduo é um dos primeiros efeitos do poder e simultaneamente, atua como centro de transmissão destas relações (Foucault, 1995Foucault, M. (1995). O sujeito e o poder. In H. Dreyfus, P. Rabinow,Foucault: uma trajetória filosófica (231-249). Rio de Janeiro: Forense Universitária.).

E tais relações são sempre intencionais e não subjetivas. Foucault propõe que sua intencionalidade só pode ser captada a partir da periferia, ou seja, a partir das formas de resistência. Estas, podem ser vistas como respostas ao exercício do poder sobre os corpos, estratégias de confronto que funcionam como formas alternativas de se escapar às "malhas" da rede social. Para Foucault (1995, p. 104-105):

(...) as relações de poder são, ao mesmo tempo, intencionais e não subjetivas. Se, de fato, são inteligíveis, não é porque sejam efeitos, em termos de causalidade, mas porque são atravessadas de fora a fora por um cálculo: não há poder que se exerça sem uma série de miras e objetivos. Mas isso não quer dizer que resulte da escolha ou da decisão de um sujeito, individualmente (...); que lá onde há poder há resistência e, no entanto (ou melhor, por isso mesmo) esta nunca se encontra em posição de exterioridade em relação ao poder.

Como em Foucault (1989)Foucault, M. (1989). Microfísica do poder. Rio de Janeiro: Graal. consideramos que as resistências são intrínsecas às relações de poder e representam respostas às circunstâncias conflitivas; são modos de desestabilizar o contexto hegemônico que inevitavelmente poderão apontar diversas possibilidades de transformação no processo identitário dos indivíduos afro-descendentes, tendo em vista as articulações anteriormente tecidas (Miranda, 2011Miranda, S. F. (2011). Identidades de afro-descendentes: Resistência e preconceito como motores de um processo em produção. Recife: Abrapso.).

O atravessamento da questão racial

Consolidar uma identidade racial, para os afrodescendentes, requer enfrentar dificuldades atreladas à ambiguidade criada pelo ideal de branqueamento e à superposta ideia de democracia racial. Acerca deste último conceito e seus desdobramentos no contexto brasileiro, Nascimento (2002Nascimento, A. (2002). O genocídio do negro brasileiro. Rio de Janeiro: Paz e Terra,1978. In: O Brasil na mira do pan-africanismo. Salvador: Ceao/Edufba., p. 86), esclarece os seguintes contornos ideológicos:

[É] Uma democracia cuja artificialidade se expõe para quem quiser ver; só um dos elementos que a constituíram detém todo o poder em todos os níveis político-econômico: o branco. Os brancos controlam os meios de disseminar as informações; o aparelho educacional; eles formulam os conceitos, as armas e os valores do país. Não está patente que neste exclusivismo se radica o domínio quase absoluto desfrutado por algo tão falso quanto essa espécie de democracia racial.

No Brasil, a construção identitária positiva dos afrodescendentes encontra-se debelada por um sistema de submissão e introjeção de valores e atributos de inferioridade e negação sobre si. Estes constituem-se em barreiras subjetivas aos esforços de mobilidade e ascensão social (Munanga, 2004Munanga, K. (2004). Rediscutindo a mestiçagem no Brasil: Identidade nacional versus identidade negra. Belo Horizonte: Autêntica.). Utilizadas como instrumentos ideológicos e classificatórios, raça e racismo contribuem para a manutenção das dificuldades enfrentadas por este segmento no tocante à valorização dos traços afro-diaspóricos (Munanga, 2004Munanga, K. (2004). Rediscutindo a mestiçagem no Brasil: Identidade nacional versus identidade negra. Belo Horizonte: Autêntica.).

O conceito de raça é uma construção social que engloba uma dimensão biológica, mas cientificamente inoperante para explicar a diversidade humana e para dividi-la em raças estanques (Munanga, 2003Munanga, K. (2003). Uma abordagem conceitual das noções de raça, racismo, identidade e etnia. Cadernos PENESB,5, 17-34.). Tal conceito opera de modo a legitimar o preconceito racial de forma que reproduz a dominação, a hierarquia e estabelece relações de poder e de discriminação entre as diferentes populações.

Um possível mecanismo de ascensão social do referido grupo é o seu ingresso no sistema de educação formal. De forma que a condição de professor universitário inevitavelmente revela-se como forma de acesso a conhecimentos - ou a mecanismos de saber-poder, em acordo com Foucault (1989)Foucault, M. (1989). Microfísica do poder. Rio de Janeiro: Graal. - que por gerações foram destinados à população branca. Este tipo de acesso pode contribuir para a subversão dos mecanismos de dominação historicamente construídos na sociedade.

Metodologia

Originalmente, a proposta da presente pesquisa previa a realização de entrevistas com quatro professores universitários afrodescendentes que lecionam em curso superior, provenientes da região das Vertentes/MG, que foram realizadas no período de 2011, tendo como objetivo compreender o processo vivenciado por eles, desde sua formação escolar até a carreira acadêmica. Entretanto, diante do nível e da quantidade dos dados produzidos, para o presente artigo, optamos pela realização de um recorte para melhor sistematização dos dados coletados, de forma que utilizamos o material de apenas um depoente, pensando em sua pertinência em relação às categorias de análise propostas.

Visando compreender tanto os sentidos do processo identitário de um professor universitário afro-descendente em relação à sua trajetória estudantil e profissional, quanto às situações de conflito enfrentadas e as suas reações diante destes desafios, elegemos o trabalho da história oral temática como metodologia suporte desta pesquisa.

A História Oral é uma ciência e arte do indivíduo. Embora diga respeito - assim como a sociologia e a antropologia - a padrões culturais, estruturas sociais e processos históricos, visa aprofundá-los em essência, por meio de conversas com pessoas sobre a experiência e a memória individuais e ainda por meio do impacto que estas tiveram na vida de cada uma. Portanto, apesar de o trabalho de campo ser importante para todas as ciências sociais, a História Oral é, por definição, impossível sem ele. (...) A essencialidade do indivíduo é salientada pelo fato de a História Oral dizer respeito a versões do passado, ou seja, à memória (Portelli, 1997Portelli, TA. (1997). Tentando aprender um pouquinho: Algumas reflexões sobre a ética na história oral, Projeto História,15, 13-49., p. 15).

Em consonância com o pensamento de Meihy (1996)Meihy, J. C. S. B. (1996). Manual de história oral.São Paulo: Loyola., Portelli (1997)Portelli, TA. (1997). Tentando aprender um pouquinho: Algumas reflexões sobre a ética na história oral, Projeto História,15, 13-49. discute a pertinência da metodologia e seu potencial "catártico", pelo fato dela se apresentar também como maneira de elaboração de experiências do passado através do presente. E considerando os objetivos propostos, a entrevista realizada propiciou o esclarecimento acerca de sua trajetória escolar e profissional, limitando seu discurso àqueles fatos. Neste contexto, atentamo-nos aos relatos da história pessoal desse sujeito à medida que possam aludir a aspectos raciais pertinentes às categorias temáticas selecionadas ao contexto da pesquisa.

Em relação ao colaborador, ele é professor de uma universidade particular, do interior de Minas Gerais, Brasil. Também se faz necessário esclarecer que o termo afro-descendente, neste trabalho, está sendo utilizado como uma categoria genérica que inclui os não brancos, ou seja, os pardos e negros, de acordo com o critério do IBGE. Isso porque o depoente deste trabalho se auto-classificou como negro.

Análise dos resultados

Ao trazermos a questão identitária como eixo temático da pesquisa, compreendemos a partir do depoimento de nosso colaborador, a característica dialética representada pelo encontro entre elementos individuais e suas articulações com a coletividade, em acordo com Ciampa (1987)Ciampa, A. C. (1987). A estória do Severino e a história da Severina. São Paulo: Brasiliense..

Isto porque, Hemetério3 3 Em concordância com os preceitos éticos, utilizamos para o depoente o nome fictício Hemetério, em referência à Hemetério José dos Santos (1858-1939), professor, gramático, filólogo e escritor, natural do Maranhão. Um dos primeiros professores afrodescendentes a ser nomeado como vitalício lecionando na então capital do império - Rio de Janeiro. Vivenciou o processo de abolição da escravatura. , um jovem professor universitário que atua na região das Vertentes/MG, ao relatar sua trajetória acadêmica e profissional, nos mostra claramente o movimento de interdependência entre as aspirações individuais e os elementos normativos oferecidos pelo sistema, apresentando, em diferentes perspectivas, o choque de conformações entre objetividade e subjetividade.

Neste contexto, o papel (Ciampa, 1987Ciampa, A. C. (1987). A estória do Severino e a história da Severina. São Paulo: Brasiliense.) escolhido como categoria analítica é o de professor universitário. Contudo, ao re-viver sua trajetória acadêmica, ele nos apresenta um modo de vivenciar a construção deste papel, configurando diferentes personagens que, tanto em relação às formas de resistência/submissão diante dos conflitos nas relações de poder, quanto na conformação de uma identidade etno-racial, só se edificam através da atividade, como em Ciampa (1987)Ciampa, A. C. (1987). A estória do Severino e a história da Severina. São Paulo: Brasiliense.. Vejamos como esta trajetória pode ser re-construída pela equipe de pesquisa.

Hemetério: o professor e o afro-descendente/configurações identitárias

Hemetério, na ocasião desta pesquisa, tinha 32 anos e trabalhava como professor há um ano no Curso de Psicologia de uma universidade particular do interior de Minas Gerais. Psicólogo de formação, pós-graduado e mestrando, estudou até o ensino médio exclusivamente em instituições públicas. Entretanto, sua graduação foi realizada em universidade particular assim como seu mestrado em curso. É favorável às cotas raciais, mas revela que em toda sua trajetória, nunca teve acesso a bolsas estudantis nem a programas de discriminação positiva. Homem altivo, fenotipicamente negro, cresceu numa comunidade quilombola urbana mineira da qual é um dos primeiros a cursar o ensino superior.

De forma interessante, logo no início de seu depoimento, quando se refere à sua vida escolar, Hemetério revela que, em sua busca por estudar em boas escolas, "precisava" sair de sua comunidade:

O meu tataravô era escravo e eu cresci nessa comunidade quilombola e (...) parte do seu território fazia divisa com um aglomerado urbano. Então as escolas desse lugar não eram escolas interessantes; eu sempre precisava deslocar para estudar numa escola que era tida como referência na região.

Ao falar de sua saída da comunidade quilombola para estudar e da sua convivência com os brancos, relembra os conselhos de seus familiares para não se "misturar, não sair do seu lugar", já que foi educado para seguir sua vida dentro das tradições e limitações do gueto:

(...) porque... eu fui conviver com a adversidade em função do meu percurso, mas eu nunca fui educado para isso, porque o que eu sempre, na minha adolescência e na vida adulta, o que eu sempre escutava era: - Fica no seu lugar, não ande no lugar dos brancos, não ande em grupo. Se você estiver com negros, não andem juntos pra você não ser confundido com bandido, com marginal (…). Fique entre os negros, fique no gueto. Então, romper com isso não é tranquilo, não é fácil.

Aqui, a ideia de Souza (1983)Souza, N. S. (1983). Tornar-se negro ou as vicissitudes da identidade do negro brasileiro em ascensão social. Rio de Janeiro: Graal. torna-se bastante pertinente às análises suscitadas. Para esta autora, "o modelo de identificação normativo-estruturante com o qual ele (o afro-descendente) se defronta é o de um fetiche: o fetiche do branco, da brancura" (p. 04).

Observemos que mesmo quando imerso no "gueto", os aconselhamentos vindos de seus familiares são oriundos de um universo fetichizado, que representa o reverso do ideal de branqueamento. Embora os conselhos sejam para ele ficar entre "negros", o referencial identificatório do discurso diz respeito à postura hegemônica diante de sua condição racial: a representação do afro-descendente associado a características inferiorizantes e negativas: se é negro e anda em grupo pode ser confundido com bandido, marginal.

Assim, o referencial identificatório oferecido pela guetização, acaba suscitando manifestações defensivas, de forma que esta máquina de identidades coletivas torna-se também uma potente disseminadora de conteúdos ideológicos (Wacquant, 2004Wacquant, L. (2004). O que é Gueto? Construindo um conceito sociológico. Revista de Sociologia e Política,23, 155-164.), conteúdos estes que revelam uma atitude de submissão diante de um universo inóspito e discriminatório em relação aos atributos raciais.

Mas Hemetério não cede a esses apelos ideológicos. Ele define-se como umcara de pau e infiltra-se no mundo dosbrancos, numa busca pessoal e profissional. E sua escolha em romper com a tradição de vida adotada pela comunidade quilombola teve o seu preço: conviver diretamente com um universo muito diferente do qual foi educado.

Incrivelmente, no meu ensino, nunca tinha pensado nisso. (...) Eu tenho trinta e dois anos, estudo desde os seis anos de idade e só tive uma professora negra (...) na universidade, e ela não se intitulava como negra, também... Negócio pavoroso...

Ao discutirmos a composição da comunidade intelectual brasileira, nos deparamos com uma óbvia situação de desigualdade racial (Carvalho, 2006Carvalho, J. J. (2006). A luta anti-racista dos acadêmicos deve começar no meio acadêmico (Série Antropologia, Vol. 394). Brasília, DF: Universidade de Brasília.). Esta situação acaba se refletindo no cotidiano destes sujeitos através da falta de referenciais no contexto educacional, com os quais os afrodescendentes possam se identificar. Assim, podemos visualizar a surpresa de Hemetério ao perceber, durante a entrevista, que só teve uma professora negra durante toda sua trajetória estudantil. Mais assustador ainda é o movimento ideológico de naturalização das desigualdades e como ele é capturado, no cotidiano, por este processo. Nosso depoente se surpreende pelo fato de que nunca tinha pensado nisso.

Hemetério ainda revela que, atualmente, a maior parte dos seus amigos sãobrancos e este fator comunga para certa capacidade de circulação por ambientes diferentes, embora este processo não tenha sido fácil:

[...] o lugar que eu fui galgando, não foi necessariamente porque as pessoas foram me acolhendo. Então a dificuldade está exatamente nesse ponto, ser criando para conviver com os negros e a partir de um percurso na minha vida eu passo conviver com os negros, mas não só com negros e entre os negros (...) a delicadeza foi exatamente construir relações possíveis, porque... Eu não encontrava só negros e eu também não poderia agir apenas como se estivesse entre os negros (...) Boa parte das pessoas com as quais eu convivo não tem a mínima noção do que vem a ser a discriminação racial. Então não falam disso, isso não entra na roda de conversa, isso não é pauta do dia a dia. Então isso me permitiu conseguir entrar e sair dos lugares, mas não é algo tranquilo, porque... Eu não fui educado pra isso, eu não fui educado pra conviver com a diferença.

Embora o depoente fale com muita polidez, podemos perceber em seu discurso o peso do racismo com o qual se defronta, quando revela que não foi educado para conviver com as diferenças, como a maioria dos brasileiros. Construir relações interraciais num contexto que prega a homogeneidade e o espelho é eminentemente construir relações possíveis, pois dificilmente elas ocorrem sem conflitos.

E, para conseguir transitar entre todos os ambientes com a mínima destreza, nosso depoente se utiliza do mecanismo de ocultação e revelação (Ciampa, 1987Ciampa, A. C. (1987). A estória do Severino e a história da Severina. São Paulo: Brasiliense.). Ocultação e revelação do aspecto racial de sua identidade. Em meio aos amigos brancos, parece-nos que o Hermetérionegro se oculta, pois nos ambientes em que circula a questão racial não é pauta do dia a dia. De forma que a conquista de novos espaços é marcada pela condição de afastamento do aspecto racial de sua identidade (Souza, 1983Souza, N. S. (1983). Tornar-se negro ou as vicissitudes da identidade do negro brasileiro em ascensão social. Rio de Janeiro: Graal.). Nessa situação, podemos perceber claramente a incidência da ideologia do branqueamento nos contornos de suas atitudes e, para conviver no mundo dos brancos, o Hemetério negro precisa desaparecer:

E como professor negro eu/o que eu vejo é um grande desafio, ainda é preciso avançar muito, porque... Nem sempre o professor negro pode dizer da sua própria condição... Porque às vezes o lugar de professor é um lugar que exige uma não condição.

Porque o lugar de professor exigiria uma não condição, em relação à questão racial, já que Hemetério é fenotipicamente e inegavelmente negro? Porque seria um lugar de neutralidade científica? É possível a neutralidade no ofício de conduzir uma sala de aula? Seria o lugar "correto" de um professor assumir a condição de isenção da subjetividade (se é que isso é possível) e posicionar-se como sujeito neutro em relação aos seus posicionamentos políticos e científicos? Sim, porque a discussão racial é inevitavelmente uma discussão científica e política (Munanga, 2004Munanga, K. (2004). Rediscutindo a mestiçagem no Brasil: Identidade nacional versus identidade negra. Belo Horizonte: Autêntica.).

Compreendemos, que para Hemetério, discutir sobre a questão racial em um ambiente que não proporciona o diálogo, significa um desgaste. Este desgaste a que ele esse refere diz respeito às barreiras sociais impostas, que sonegam e impedem a experiência de ser afrodescendente em uma sociedade erigida sobre o "fetiche da brancura" (Souza, 1983Souza, N. S. (1983). Tornar-se negro ou as vicissitudes da identidade do negro brasileiro em ascensão social. Rio de Janeiro: Graal.).

Eu tendo a não render, eu tendo a não estender, eu não estendo. Eu percebo, se existe um espaço para uma discussão, pra falar, eu falo, mas se não há eu vou reagir? (...) não, não falo (...) e tem uma coisa que eu evito às vezes: é o desgaste. Discutir com alguém que não está interessado eu não topo, não. Então quando há espaço, vamos para o diálogo. Quando eu acho que não há espaço, eu recuo. Porque eu acho que teremos que inventar outros modos de sensibilizar algumas pessoas.

Ele é impelido, por forças coercitivas de ordem objetiva, de realizar seus projetos, ou seja, de representar-se e apresentar-se na condição de sujeito político e afrodescendente, tendo em vista um contexto em que não há espaço para a ação comunicativa. Assim, Hemetério vive a ambiguidade de ser afrodescendente num país que prega a democracia racial, nega o racismo e ao mesmo tempo dissemina, de maneira camuflada, o sistema de atribuição de características de submissão e inferioridade a este mesmo grupo. Consciente desta condição, nosso depoente assume uma posição defensiva, que nos remete a um momento em que assume o sentido desumanizante do processo, ou seja, um momento de inversão da metamorfose, como em Ciampa (2003)Ciampa, A. C. (2003). A identidade social como metamorfose humana em busca de emancipação: articulando pensamento histórico e pensamento utópico. In Anais do XXIX Congresso Interamericano de Psicologia (1-15), Lima, Peru..

Coibido pela violência racista e ao mesmo tempo silenciosa, Hemetério acaba assumindo um não-lugar. Um não-lugar tanto em relação aos seus amigos, que se omitem em relação à discussão racial, quanto em relação aos seus alunos, por achar pertinente, em alguns momentos de seu ofício, assumir umanão-condição. Neste contexto, a ocultação do personagem afrodescendente torna-se uma estratégia de sobrevivência ao massacre do racismo silencioso, postura que se justifica pelo vislumbre da impossibilidade de espaço para a ação comunicativa (Ciampa, 2003Ciampa, A. C. (2003). A identidade social como metamorfose humana em busca de emancipação: articulando pensamento histórico e pensamento utópico. In Anais do XXIX Congresso Interamericano de Psicologia (1-15), Lima, Peru.).

Mas, surpreendentemente, o Hemetério afro-descendente não dá lugar a um sujeito embranquecido; ou seja, ao mesmo tempo, ele não nega sua identidade racial, quando percebe que há espaço para discussão:

É... [risos] um dia desses, ao entrar em uma sala, uma aluna me perguntou se eu era aluno ou se eu era professor, e eu disse a ela: - Você tem toda a razão de me perguntar isso, porque não é comum ver negros na universidade, quem dirá na condição de professor

(...) pode ficar tranquila que eu lido com isso com muita tranquilidade... Você está manifestando o que há de mais original e mais racista.

A profissão de professor já exige do sujeito um esforço sensível frente à complexidade do trabalho exercido, além da compressão do tempo e da competição acirrada, frutos da dinâmica do sistema capitalista, de acordo com Freitas (2007)Freitas, M. E. (2007). A carne e os ossos do ofício acadêmico.Organizações & Sociedade, 14(2), 79-83.. Ao afro-descendente essa exigência ocorre de forma mais contundente; afinal, carrega o peso do racismo: a adjetivação silenciosa de inferioridade, de incapacidade diante dos demais e o fato de estarem ocupando um lugar acima do previsível (Santos, 2006Santos, T. J. C. (2006). Professores universitários negros: Uma conquista e um desafio a permanecer na posição conquistada. In I. Oliveira (Org,), Cor e magistério (pp. 158-182). RJ: EDUFF.).

Assim, estes sujeitos se deparam com mecanismos de bloqueio socialmente construídos, que exigem que diante de muitas situações eles se posicionem em relação à própria identidade racial. De forma que Hemetério, quando convidado a discutir sua posição política, utiliza-se do espaço de sala de aula como uma arena de lutas contra posturas discriminatórias. Entendemos que esta atitude conforma uma estratégia de resistência ativa (Foucault, 1989Foucault, M. (1989). Microfísica do poder. Rio de Janeiro: Graal.), diante de uma manifestação de preconceito evidente.

O lugar de professor universitário não é visto de forma natural como lugar de negros. Esta é uma profissão que exige muito o uso da mente, do argumento, da inteligência, da reflexão. Estes, porém, são atributos colocados como próprios do branco. O negro que galgou essa posição terá que viver em constante estado de alerta, como que a responder a todo o tempo questões, mesmo que não verbalmente, mas até através de gestos, atitudes e sentimentos, como forma de dizer: 'Olha, eu tenho o direito de continuar aqui' (Santos, 2006Santos, T. J. C. (2006). Professores universitários negros: Uma conquista e um desafio a permanecer na posição conquistada. In I. Oliveira (Org,), Cor e magistério (pp. 158-182). RJ: EDUFF., p. 164, grifos do autor).

Dessa forma, mesmo significando um espaço inequívoco de status e ascensão social, o lugar de professor universitário não constitui uma zona de conforto ao afro-descendente: ele precisa ser o tempo todo reafirmado, como que em constante estado de alerta.

Os contornos da entrevista de Hemetério nos trazem estes dados. Durante quase todo seu depoimento, aparece um sujeito seguro, que discursa sobre suas (diversas) titulações e competências e nos mostra todas suas conquistas profissionais, como prova de que tem mérito para ocupar o lugar de professor universitário, apesar de todas as barreiras sociais (e raciais) encontradas em sua trajetória. Entretanto, quando questionado sobre sua pertença racial e as manifestações do preconceito em sua vivência, o colaborador muda seu tom de voz, gagueja durante a fala, bem como manifesta um sorriso apreensivo, em alguns momentos.

Parece-nos que são dois Hemetérios, o personagem professor e o personagem afro-descendente. Personagens que representam a unidade na multiplicidade, na medida em que um se sustenta através do outro, constituindo a busca pessoal de Hemetério, num movimento constante e inquieto, em meio a um contexto de representações ambíguas sobre si mesmo.

É possível percebermos durante todo o depoimento que o afro-descendente se subtrai quando o professor é acessado, destacando mais uma vez, o movimento de ocultação e revelação de sua identidade racial. Quando nosso depoente é questionado sobre aspectos raciais de sua identidade de forma mais direta, na maioria das vezes, o discurso é transferido para a terceira pessoa, de maneira que emerge o Hemetério pesquisador, acadêmico, professor. Quando isto não ocorre, ele acessa um discurso acadêmico para responder às questões, fala sobre suas pesquisas, os textos que estuda, os trabalhos que realiza:

Então foi ver o que eu vi, vendo pessoas morrer, amigos morrerem, pessoas próximas e depois entrando na universidade, com desejo de entender essa realidade, falei: - Vou pesquisar isso. Já pesquisei sobre saúde mental, já acompanhei outras pesquisas e agora pesquiso o tema da violência.

Sabemos que acessar a memória no tempo presente exige que o indivíduo re-elabore as questões do passado, principalmente aquelas mais marcantes (Meihy, 1996Meihy, J. C. S. B. (1996). Manual de história oral.São Paulo: Loyola.). Em determinado trecho da entrevista, quando a pesquisadora questiona o interesse do depoente pela questão racial, o próprio sujeito acaba por nos revelar a forma como elabora seus conflitos pessoais na relação com este tema:

Mas esse tema me interessa como negro, como pesquisador, como uma pessoa que acredita na capacidade de convivência sem que a intolerância seja a única marca. Então não é pra revanche, não é brigar, não é ódio aos europeus, não é ódio aos brancos nada disso. Mas pra querer entender e saber os efeitos disso e ai vou pesquisando, vou falando sobre isso e quando eu falo eu estudo, então uma das formas que eu tenho de estudar é falando. E toda vez que eu falo eu penso no que eu falei e vou organizando meu discurso e aí construindo uma coerência.

Esses elementos nos sugerem que talvez seja o personagem professor, alicerce de seu processo identitário, não só por ser o tema principal desta pesquisa - e, portanto, o elemento central do trabalho de história oral temática - mas pelo fato de que, em todo o discurso de Hemetério, as significações pessoais aparecem como um complemento às vivências profissionais do Professor Hemetério. Além do mais, ousamos enunciar que nosso depoente parece utilizar-se do academicismo como forma de elaboração dos conflitos pessoais.

Conclusões

Como muitos afro-descendentes, Hemetério vivencia uma condição de conflito constitutiva (Miranda, 2011Miranda, S. F. (2011). Identidades de afro-descendentes: Resistência e preconceito como motores de um processo em produção. Recife: Abrapso.) em seu processo identitário: ora alienado pela ideologia do embranquecimento, quando não consegue para pensar que não teve professores negros em toda sua trajetória estudantil; ora impedido pelo sistema de se manifestar sobre sua condição racial, de maneira que o Hemetério negro se oculta para defender-se, assumindo umnão-lugar.

Mas quando chamado a se posicionar, ele apresenta-se como um militante da questão racial, enfrentando e defendendo-se diante das discriminações, configurando uma estratégia de resistência ativa (Foucault, 1989Foucault, M. (1989). Microfísica do poder. Rio de Janeiro: Graal.) e um posicionamento de positividade em relação aos aspectos afrodiaspóricos de sua identidade. Entretanto, esta atitude só se torna possível, quando há o vislumbre de um espaço real de discussão, isto é, quando a ação comunicativa torna-se condição autêntica.

Outra questão interessante a ser demarcada é a relação estabelecida pelo nosso depoente entre ocultação e revelação dos aspectos afrodiaspóricos de sua identidade e a indubitável centralidade do personagem professor, que atua como alicerce de suas elaborações e significações pessoais. O movimento de ocultação e revelação de sua identidade racial é utilizado tanto como mecanismo de defesa quanto como mecanismo de elaboração de seus conflitos.

Assim, há momentos em que ele se vê impelido, por forças coercitivas de ordem objetiva, de representar-se e apresentar-se na condição de sujeito político e afro-descendente, tendo em vista um contexto em que não há espaço discussão, para o diálogo, para a ação comunicativa. É a revelação do sentido desumanizante do processo. Já em outros momentos, Hemetério assume a condição de professor como centro do processo identitário e oculta a condição de negro para elaborar seus conflitos pessoais: nosso depoente parece utilizar-se do academicismo como forma de compreensão da condição racial e elaboração de conflitos, por isso, o professor aparece juntamente com os conflitos e é neste momento que o negro some. Diríamos talvez mais, aquele que aparece é "o preto" e quando o professor emerge, a condição afro-descendente é possivelmente elaborada.

Desta forma, Hemetério é um sujeito em processo: processo de mudanças, processo de auto-afirmação de sua condição de profissional da academia diante de um universo racista e silencioso, processo de descobrir-se, constituir-se e compreender-se na condição de afro-descendente e professor universitário. Este processo inevitavelmente passa por momentos de inversão da metamorfose, embora, de maneira geral, apresente sempre uma pretensão emancipatória.

Referências

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  • Wacquant, L. (2004). O que é Gueto? Construindo um conceito sociológico. Revista de Sociologia e Política,23, 155-164.
  • 1
    Em concordância com Miranda (2011)Miranda, S. F. (2011). Identidades de afro-descendentes: Resistência e preconceito como motores de um processo em produção. Recife: Abrapso. neste texto, utilizamos termo afrodescendente para designar o segmento de pessoas consideradas tanto negras quanto mestiças. De forma que a hifenização dos termos afrodescendente e afrodescendência evidencia os vínculos destes sujeitos tanto com a herança cultural africana, quanto com a herança cultural do país de origem, demarcando a zona de tensão e as intensas contradições no processo identitário destes sujeitos em relação aos vínculos culturais.
  • 2
    Para um estudo mais detalhado sobre a conformação da ideologia do branqueamento e do mito da democracia racial, assim como suas consequências aliadas à ideia de mestiçagem no contexto brasileiro, sugerimos a leitura do texto integral deMunanga (2004)Munanga, K. (2004). Rediscutindo a mestiçagem no Brasil: Identidade nacional versus identidade negra. Belo Horizonte: Autêntica..
  • 3
    Em concordância com os preceitos éticos, utilizamos para o depoente o nome fictício Hemetério, em referência à Hemetério José dos Santos (1858-1939), professor, gramático, filólogo e escritor, natural do Maranhão. Um dos primeiros professores afrodescendentes a ser nomeado como vitalício lecionando na então capital do império - Rio de Janeiro. Vivenciou o processo de abolição da escravatura.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Apr-Jun 2015

Histórico

  • Recebido
    19 Abr 2013
  • Aceito
    08 Abr 2015
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