Acessibilidade / Reportar erro

Significações sobre Adolescência e Saúde entre Participantes de um Grupo Educativo de Adolescentes

Meaning of Adolescence and Health among Participants in an Educational Group of Teenagers

Significados sobre la Adolescencia y la Salud entre los Participantes de un Grupo Educativo de Adolescentes

Resumo

As ações voltadas à saúde integral dos adolescentes por vezes assumem um caráter moral e regulador sem levar em conta as visões dos próprios adolescentes sobre seu desenvolvimento. O objetivo foi compreender as significações sobre adolescência e saúde, na perspectiva de 10 adolescentes de ambos os sexos, entre 13 e 19 anos de um programa de atenção integral à saúde do DF. Foram realizados seis grupos temáticos, com periodicidade quinzenal e duração de duas horas por encontro. A metodologia grupal foi baseada no método sociodramático que facilitou a participação, reflexão e compreensão dos temas abordados pelos participantes. A Epistemologia Qualitativa foi adotada para a análise das informações e possibilitou a construção de indicadores de saúde na adolescência, a partir de cinco zonas de sentido: Adolescência é mais do que sexo, drogas erock and roll; Porque a família tem que adolescer com a gente; O projeto de vida começa agora, agora?; Em busca de um ideal de saúde; e Porque sexualidade, antes de tudo, se expressa. Conclui-se que é necessário superar a visão estereotipada da adolescência pelo paradigma do risco e ampliar a reflexão sobre os modos de vida do adolescente considerando os contextos para o desenvolvimento de sua subjetividade.

Adolescência; Promoção da Saúde; Psicodrama; Subjetividade

Abstract

Sometimes, the actions addressing health care of adolescents assume a moral and regulatory character without taking into account the views of adolescents on their own development. The purpose was to understand the meanings of adolescence and health from the perspective of 10 teens of both sexes aged between 13 and 19 years from a comprehensive health attention program located in Distrito Federal. Six thematic group sessions were conducted bimonthly, with two-hour meetings. The group methodology was based on the sociodramatic method, which facilitated participation, reflection, and understanding of the topics discussed by the participants. Qualitative epistemology was adopted for the information analysis, and this enabled the construction of indicators about adolescence and health, emerging from five indicators of meaning costructed by researchers: (1) adolescence is more than sex, drugs, and rock and roll; (2) the family must “grow up” with us; (3) must the life plan begin now?; (4) seeking ideal health; and (5) first of all, sexuality is expressed. It follows that we must overcome the stereotypical views of adolescence present in the paradigm of risk discourse and extend our thinking about adolescents’ way of life by considering the contexts for the development of their subjectivity.

Adolescence; Health Promotion; Psychodrama; Subjectivity

Resumen

Las acciones dirigidas a la salud integral de los adolescentes a veces asumen un carácter moral y regulador, sin tener en cuenta las opiniones de los adolescentes sobre su propio desarrollo. El objetivo fue comprender los significados de la adolescencia y de la salud desde la perspectiva de 10 adolescentes de ambos sexos, entre 13 y 19 años de un programa de atención integral de salud del DF. Se realizaron seis grupos temáticos, cada 15 días y con duración de dos horas por sesión. La metodología de grupo se basó en el método sociodramático que facilitó la participación, la reflexión y la comprensión de los temas tratados por los participantes. Se adoptó la Epistemología Cualitativa para el análisis de las informaciones, que a su vez permitió la construcción de los indicadores de salud en la adolescencia, a partir de cinco zonas de sentido: La adolescencia es más que sexo, drogas y rock and roll; Porque la familia tiene que “adolecer” con nosotros; El proyecto de vida empieza ahora, ¿ahora?; En busca de un ideal de salud; y Porqué la sexualidad, antes que nada, se expresa. Se concluye que hay que superar la visión estereotipada de la adolescencia basada en el paradigma del riesgo y extender la reflexión sobre las formas de vida de los adolescentes, considerando los contextos para el desarrollo de su subjetividad.

Adolescencia; Promoción de la Salud; Psicodrama; Subjetividad

A adolescência tem como principal indicador as transformações biopsicossociais que acontecem num período específico do desenvolvimento humano. Essas mudanças são legitimadas e valorizadas pela cultura, que define os parâmetros e limites demarcadores dos comportamentos que são esperados do adolescente. Para a Organização Mundial de Saúde – OMS (WHO, 1975), a adolescência começa aos 10 anos de idade com a puberdade. Nessa perspectiva, as mudanças biológicas seriam percussoras das experiências e transformações psicossociais. Mesmo quando a OMS se reporta ao caráter psicossocial dessas mudanças, vinculá-las à puberdade como o processo deflagrador das mudanças subsequentes pode ser contraproducente, pois oculta processos importantes de subjetivação. Os adolescentes podem ter visões distintas sobre sua puberdade, construídas a partir de sua própria experiência.

Para Ozella (2002)Ozella, S. (2002). Adolescência: uma perspectiva crítica. In M. de L. J. Contini, & S. H. Koller (Eds.), Adolescência e psicologia: concepções, práticas e reflexões críticas (pp. 16-24). Brasília, DF: Conselho Federal de Psicologia., as transformações da puberdade nada mais são do que marcas que a cultura destaca e valoriza. São características que surgem nas relações sociais e, mesmo as transformações biológicas e fisiológicas, decorrem de significados atribuídos pelos adultos e pela sociedade. De acordo com Peres e Rosenburg (1998)Peres, F., & Rosenburg, C. P. (1998). Desvelando a concepção de adolescência/adolescente presente no discurso da saúde pública. Saúde e Sociedade, 7(1), 53-86. e Aguiar e Ozella (2008)Aguiar, W. M. J., & Ozella, S. (2008). Desmistificando a concepção de adolescência. Cadernos de Pesquisa,38(133), 97-125., generalizar a concepção de adolescência com base num discurso ideológico e naturalizante, ou enfatizar apenas os aspectos biológicos ou psicológicos é excluir grupos diferenciados de adolescentes ignorando que, mesmo as transformações biológicas e psicológicas adquirem um sentido que é circunscrito à cultura. Sem falar no risco de, ao se instituir condutas normativas, acabarmos considerando patológicos, comportamentos não prescritos ou, na direção oposta, ignorarmos processos patológicos, considerando-os apenas elementos da crise da adolescência.

Em suma, a despeito da concepção negativa de adolescência – em termos de instabilidade, da transitoriedade, do não-ser e seus processos naturalizados de socialização –, sugere-se que essa fase seja compreendida dentro de uma perspectiva histórico-social. Não existe uma única verdade sobre esse conceito, e sim aproximações que revelam seu caráter histórico a partir das articulações sociais engendradas no contato do homem com o mundo (Aguiar & Ozella, 2008Aguiar, W. M. J., & Ozella, S. (2008). Desmistificando a concepção de adolescência. Cadernos de Pesquisa,38(133), 97-125.; Bock & Liebesny, 2003Bock, A. M. B., & Liebesny, B. (2003). Quem eu quero ser quando crescer: um estudo sobre o projeto de vida de jovens em São Paulo. In S. Ozella (Ed.), Adolescências construídas: a visão da psicologia sócio-histórica (pp. 203-222). São Paulo, SP: Cortez.; Ozella, 2002)Ozella, S. (2002). Adolescência: uma perspectiva crítica. In M. de L. J. Contini, & S. H. Koller (Eds.), Adolescência e psicologia: concepções, práticas e reflexões críticas (pp. 16-24). Brasília, DF: Conselho Federal de Psicologia..

No Brasil, uma sociedade marcada por grandes desigualdades, talvez seja mais adequado refletir em termos dessa adolescência plural, considerando a diversidade de contextos existentes. O Ministério da Saúde esforça-se nessa direção quando adota o termo “adolescências”. O objetivo é incluir adolescentes e jovens em sua diversidade social, racial, econômica, religiosa, étnica, de gênero e de orientação sexual (Ministério da Saúde, 2010). Essa mudança de paradigma representa uma tentativa de inovar o modo de compreender a adolescência, mostrando que, embora as fronteiras etárias sejam importantes referências para a formulação de políticas, é preciso considerar a diversidade dos grupos populacionais de adolescentes e jovens, que terão experiências diferenciadas e a elas atribuirão distintos significados.

O conceito de saúde tem uma longa trajetória. Desde que foi adotada a noção de ausência de doenças até a inclusão da dimensão psicológica e social pela OMS em 1974, cada vez mais, abriu-se espaço para críticas e reflexões em torno da complexidade do processo saúde-doença. A perspectiva adotada neste estudo compreende a saúde como um processo qualitativo que integra corpo e psique numa relação inseparável e complexa (González Rey, 2004González Rey, F.(2004). Conceito de saúde: seus determinantes psicossociais. In F. González Rey (Ed.), Personalidade, saúde e modo de vida, pp. 1-52. São Paulo, SP: Pioneira Thomson Learning.).

Como todo processo humano, a saúde é um processo cultural e histórico cujas exigências mudam à medida que a sociedade também se transforma. Ou seja, não se trata de um estado estático, mas requer a participação ativa e consciente do indivíduo na qualidade de “sujeito do processo” (González Rey, 2004González Rey, F.(2004). Conceito de saúde: seus determinantes psicossociais. In F. González Rey (Ed.), Personalidade, saúde e modo de vida, pp. 1-52. São Paulo, SP: Pioneira Thomson Learning., p. 2). Este busca permanentemente as forças e recursos necessários para viver. Nessa direção, o conceito de promoção da saúde, que passou por transformações desde a década de 1970, enfatiza a multideterminação tanto dos aspectos individuais quanto dos aspectos sociais e estruturais em sua representação (Ministério da Saúde, 2002, Sícoli & Nascimento, 2003Sícoli, J. L., & Nascimento, P. R. (2003). Promoção de saúde: concepções, princípios e operacionalização. Interface - Comunicação, Saúde, Educação, 7(12), 101-22.). Mesmo assim, ainda é difícil encontrar uma definição conceitual, provavelmente pela própria dificuldade de se conceituar a saúde. “A maior dificuldade reside no fato da saúde ser, antes de mais nada, uma experiência individual” (Traverso-Yépez, 2007, pTraverso-Yépez, M. A. (2007). Dilemas na promoção da saúde no Brasil: reflexões em torno da política nacional. Interface - Comunicação, Saúde, Educação, 11(22), 223-238., p. 225).

Em relação ao atendimento de adolescentes na atenção primária à saúde, embora existam diretrizes e orientações do Ministério da Saúde (2007, 2010), poucas publicações descrevem modelos eficazes de atendimento. Para Murta (2007)Murta, S. G. (2007). Programas de prevenção a problemas emocionais e comportamentais em crianças e adolescentes: lições de três décadas de pesquisa.Psicologia: Reflexão e Crítica, 20(1), 1-8., essas ações ocorrem ainda em contextos isolados e, por falta de um processo contínuo de avaliação, dificilmente são estendidas e divulgadas em maior amplitude. Porém, mostraram-se ausentes descritores precisos nas bases de dados científicas que relatem tais experiências e práticas. Supõem-se que existam iniciativas exitosas, porém, não documentadas, o que mostra como seria proveitosa uma maior aproximação entre a prática profissional e a academia, para que as ações desenvolvidas sejam incluídas e mencionadas em bibliografias específicas (Macedo & Conceição, 2013Macedo, E. O. S., & Conceição, M. I. G. (2013). Ações em grupo voltadas à promoção da saúde de adolescentes. Journal of Human Growth and Development, 23(2), 222-230.).

Em pesquisa documental sobre promoção da saúde dos adolescentes, Macedo e Conceição (2013)Macedo, E. O. S., & Conceição, M. I. G. (2013). Ações em grupo voltadas à promoção da saúde de adolescentes. Journal of Human Growth and Development, 23(2), 222-230. constataram a prevalência de ações pontuais e verticalizadas, baseadas em pesquisas epidemiológicas e no enfoque biomédico da adolescência. As ações descritas nesse estudo focam intervenções grupais para a prevenção de comportamentos de risco em saúde sexual e reprodutiva, em detrimento dos demais fatores relacionados à saúde integral dos adolescentes. Os relatos das intervenções mostram a dificuldade de alcançar os resultados esperados – a mudança de comportamento – provavelmente porque os determinantes afetivos, cognitivos e ideológicos implicados em todo processo de mudança são ignorados.

De acordo com Lyra et al. (2002)Lyra, J., Medrado, B., Nascimento, P., Galindo, D., Moraes, M., & C. Pedrosa (2002). “A gente não pode fazer nada, só podemos decidir o sabor do sorvete”. Adolescentes: de sujeito de necessidades a um sujeito de direitos. Cadernos Cedes, 22(57), 19-21. e Muza e Costa (2002)Muza, G. M., & Costa, M. P. (2002). Elementos para a elaboração de um projeto de promoção à saúde e desenvolvimento dos adolescentes: o olhar dos adolescentes. Cadernos de Saúde Pública,18(1), 321-328., a transitoriedade atribuída à adolescência fortalece a ideia prevalente nos serviços de saúde, associada à crise e rebeldia, geradores dos problemas de ordem social que precisam ser contidos. Pouco se destaca a adolescência numa perspectiva mais positiva ou mais otimista e a ênfase recai sobre o paradigma do risco: risco de gravidez, risco de abuso de álcool e outras drogas, risco de contrair doenças sexualmente transmissíveis. Consequentemente, as ações voltadas à saúde integral dos adolescentes por vezes assumem um caráter moral e regulador, que visa a resgatar adolescentes e jovens de sua inconsequência e ignorância. Exemplo disso são as ações voltadas ao controle da gravidez precoce e prevenção de doenças sexualmente transmissíveis (DSTs), cuja abordagem enfoca o risco e a vulnerabilidade.

Blum, Bastos, Kabiru e Le (2012)Blum, R. W., Bastos, F. I. P. M., Kabiru, C. W., & Le, C. L. (2012). Adolescent health in the 21st century. The Lancet,379(9826), 1567-1568. assinalam que, especialmente nos países subdesenvolvidos e nos países em desenvolvimento, a ausência de uma compreensão mais profunda dos problemas que afetam a saúde do adolescente, compromete a efetividade dessas ações, restritas à saúde sexual e reprodutiva. Segundo os autores, outros dados devem ser incluídos entre as prioridades de ação, como as pesquisas sociais, os estudos longitudinais e uma maior compreensão das aspirações e desafios da população jovem.

Este estudo teve como objetivo compreender as significações sobre adolescência e saúde, na perspectiva dos adolescentes participantes de um programa de atenção integral à saúde, com base no referencial da Psicologia Histórico-Cultural. Ao fazer este recorte, pretendeu-se destacar o lugar do adolescente como protagonista no sistema de saúde, capaz de refletir sobre sua condição e de oferecer contribuições para que as ações de atenção à saúde sejam mais efetivas.

Método

Participaram 10 adolescentes, de ambos os sexos, com idades entre 13 e 19 anos, que eram atendidos nas unidades básicas de saúde de uma das regionais de saúde do Distrito Federal. Os critérios de participação foram: ambos os sexos e disponibilidade para participar em horário contrário ao turno escolar. Adolescentes com diagnóstico prévio de psicopatologias ou transtornos mentais registrados em seus prontuários não foram convidados para participar, pelo fato de a metodologia prevista para este estudo não contemplar esse público. A Tabela 1 mostra a caracterização dos participantes por idade, sexo, escolaridade e configuração familiar.

Tabela 1
Caracterização dos participantes por idade, sexo, escolaridade e configuração familiar.

Foram realizados seis grupos temáticos, com periodicidade quinzenal e duração aproximada de duas horas por encontro. A metodologia grupal baseada no método sociodramático (Nery & Conceição, 2012Nery, M. P., & Conceição, M. I. G. (Eds.) (2012).Intervenções grupais: o psicodrama e seus métodos. São Paulo, SP: Ágora.;Nery, Costa, & Conceição, 2006Nery, M. P., Costa, L. F., & Conceição, M. I. G. (2006). O sociodrama como método de pesquisa qualitativa. Paidéia,16(35), 305-313.; Nery, 2012)Nery, M. P. (2012). Sociodrama. In M. P. Nery, & M. I. G. Conceição (Eds.), Intervenções grupais: o psicodrama e seus métodos(pp. 95-123). São Paulo, SP: Ágora. foi utilizada como proposta para vivenciar e discutir dos temas.

A seleção dos participantes foi feita por meio da leitura dos prontuários dos adolescentes atendidos no semestre em que a coleta de dados aconteceu. O convite foi realizado aleatoriamente a 16 adolescentes por meio de contato telefônico. Na ocasião, foram informados data e local para esclarecimentos sobre a pesquisa e solicitou-se a assinatura do termo de consentimento livre e esclarecido aos que concordaram em participar e seus respectivos familiares.

Por se tratar de adolescentes participantes de um programa de atenção integral à saúde, as discussões contemplaram as Diretrizes do Ministério da Saúde para Atendimento Integral à Saúde de Adolescentes e Jovens (Ministério da Saúde, 2010), em que estão previstos os seguintes temas: participação juvenil, equidade de gêneros, direitos sexuais e reprodutivos, projeto de vida, cultura de paz, ética e cidadania, igualdade racial e étnica. No entanto, de acordo com as informações dos prontuários desses adolescentes, optamos por incluir a temática relações familiares, pelo fato de ser uma queixa recorrente nos atendimentos pela equipe de saúde.

As atividades desenvolvidas consistiram em jogos, brincadeiras, dramatizações e dinâmicas que facilitaram a participação, reflexão e compreensão dos temas abordados pelos participantes, enfatizando-se para a análise, as construções sobre adolescência e saúde. Cada encontro durou aproximadamente duas horas. Foram realizados seis encontros com datas agendadas com os participantes. A Tabela 2 apresenta-se como foram organizados os encontros.

Tabela 2
Planejamento dos grupos temáticos de acordo com tema, objetivos e procedimentos.

O paradigma da Epistemologia Qualitativa (González Rey, 2005aGonzález Rey, F.(2005a). Sujeito e subjetividade: uma aproximação histórico-cultural. São Paulo, SP: Pioneira Thomson Learning. (Original published in 2003)., 2010González Rey, F. (2010). Pesquisa qualitativa e subjetividade: os processos de construção da informação. São Paulo, SP: Cengage Learning. (Original published in 2005)., 2011) foi adotado para a análise das informações e possibilitou construções e interpretações ilustrativas do que podemos considerar indicadores de saúde na adolescência. A produção do conhecimento com base na Epistemologia Qualitativa é um processo construtivo-interpretativo, no qual o pesquisador dialoga com as informações levantadas durante a pesquisa, a partir de suas próprias ideias e subjetividade. Essa inseparabilidade entre as informações e o curso do pensamento do pesquisador é essencial para o modelo teórico que se desenvolve ao longo da pesquisa. Ao definir um indicador, o pesquisador não está impondo uma certeza a ser correlacionada com outras, mas sim abre um caminho hipotético no qual os indicadores se reorganizarão várias vezes, conforme os rumos do processo de construção da informação (González Rey, 2005bGonzález Rey, F.(2005b). O valor heurístico da subjetividade na investigação psicológica. In F. L. González Rey (Ed.), Subjetividade, complexidade e pesquisa em psicologia (pp.27-51). São Paulo, SP: Pioneira Thomson Learning.).

Esta pesquisa foi realizada observando-se tanto as normas de ética em pesquisa com seres humanos da Resolução no 196/96 do Conselho Nacional de Saúde, quanto as normas do Código de Ética Profissional do Psicólogo. Depois de aprovada a pesquisa pelo Comitê de Ética da SES-DF, o TCLE foi apresentado aos participantes e responsáveis e assinado por ambos. O caráter voluntário da participação, o sigilo das informações e a liberdade para deixar de participar da pesquisa a qualquer momento sem penalidades foram explicados e citados no documento.

Por se tratar de uma pesquisa desenvolvida em espaço de prestação de serviço, mediante solicitação dos próprios adolescentes, após o término desses procedimentos foram realizados três encontros mensais para a promoção de um espaço interativo entre eles e continuidade das discussões sobre temas de interesse do grupo.

Resultados e discussão

O objetivo deste estudo foi compreender a concepção de adolescência e saúde por parte de adolescentes participantes de um programa de atenção integral e assim oferecer subsídios para as ações de promoção da saúde dessa população, com destaque para o papel protagonista do adolescente no desenvolvimento dessas ações. As construções decorrentes das produções realizadas durante os grupos possibilitou o desenvolvimento de cinco zonas de sentido, adotadas como eixos para análise das informações: 1) adolescência é mais do que sexo, drogas e rock and roll; 2) porque a família tem que adolescer com a gente; 3) o projeto de vida começa agora, agora? 4) em busca de um ideal de saúde e 5) porque sexualidade, antes de tudo, se expressa.

Zona de sentido 1: Adolescência é mais do que sexo, drogas e rock and roll

Inicialmente, parecia óbvio que discutir a concepção de adolescência seria redundante, haja vista a diversidade de publicações já existente sobre o tema. Mas, na área da saúde, observa-se que a apropriação dessa concepção, deu-se pela via da patologia, da doença, baseada no paradigma da vulnerabilidade e risco. Consequentemente, suas ações visam a extinguir comportamentos considerados desadaptados ou de risco, segundo critérios normatizados pela sociedade.

Os participantes desta pesquisa mostraram um olhar otimista para a adolescência e sua capacidade de superação. Diferentemente do estereótipo de rebelde, eles buscam referências para construir suas relações. Sabem que precisam de orientações em suas escolhas e parecem desejar fazê-las de modo mais acertado possível. Isso mostra que se forem oferecidos espaços de discussão adequados para essas escolhas, torna-se possível construir com eles relações saudáveis, sólidas e benéficas.

Apesar do desejo de viverem novas experiências, eles afirmaram que se sentem pressionados tanto pela família, quanto pelos amigos a corresponderem aos estereótipos criados em torno da figura do adolescente. Os pais esperam que eles sejam dóceis, educados e demonstram a inabilidade para lidar com as rupturas feitas enquanto seus filhos ampliam suas interações sociais:

É porque nós somos pressionados pelos pais e pelos amigos ao mesmo tempo para ser diferente do que a gente é. Os pais querem que a gente seja santo, mas nós não somos santos, os amigos querem que a gente seja ‘da hora’, que faça tudo do jeito que eles querem, mas nem sempre a gente quer fazer as mesmas coisas que eles tão fazendo (Karla, 15 anos).

Que, na adolescência... é, tem mesmo o perigo. Porque hoje em dia tem muitas amizades que atrapalham, assim, atrapalham os estudos. E aí ele precisa saber fazer as escolhas certas para não prejudicar sua vida, porque tem coisas que tem consequências para a vida toda(Rafael, 14 anos).

Eles buscam novas experiências e preocupam-se em identificar os fatores de risco e proteção nas escolhas cotidianas. Mencionaram preocupação com seus relacionamentos sociais e necessidade do apoio sócio-familiar para pensarem criticamente antes de fazerem suas escolhas:

[...] Tipo, a gente precisa de conselho para saber perceber que aquela pessoa não é de confiança, para saber escolher o melhor pra gente em cada situação (Marcos, 14 anos).

Essa zona de sentido permite refletir sobre o estigma muitas vezes adotado pelas políticas de saúde para compreender a adolescência. As ações, que deveriam se ocupar muito mais de promover condições de cuidado e saúde, acabam restritas a “extirpar” os males inerentes, evidenciando a apropriação equivocada por parte da saúde das especificidades da adolescência, como a ideia de crise e transitoriedade (Macedo & Conceição, 2013Macedo, E. O. S., & Conceição, M. I. G. (2013). Ações em grupo voltadas à promoção da saúde de adolescentes. Journal of Human Growth and Development, 23(2), 222-230.; Peres & Rosenburg, 1998)Peres, F., & Rosenburg, C. P. (1998). Desvelando a concepção de adolescência/adolescente presente no discurso da saúde pública. Saúde e Sociedade, 7(1), 53-86..

Como não se pretende estabelecer uma categoria única para compreender esse conceito, mais sim apontar outras possibilidades de se pensar sobre, por ora é possível sugerir que a transitoriedade, os conflitos vivenciados pelos adolescentes podem ser compreendidos à luz do contexto histórico e social e não como categorias em si mesmas, conforme afirmam diversos autores (Aguiar & Ozella, 2008Aguiar, W. M. J., & Ozella, S. (2008). Desmistificando a concepção de adolescência. Cadernos de Pesquisa,38(133), 97-125.; Bock & Liebesny, 2003Bock, A. M. B., & Liebesny, B. (2003). Quem eu quero ser quando crescer: um estudo sobre o projeto de vida de jovens em São Paulo. In S. Ozella (Ed.), Adolescências construídas: a visão da psicologia sócio-histórica (pp. 203-222). São Paulo, SP: Cortez.; Ozella, 2002)Ozella, S. (2002). Adolescência: uma perspectiva crítica. In M. de L. J. Contini, & S. H. Koller (Eds.), Adolescência e psicologia: concepções, práticas e reflexões críticas (pp. 16-24). Brasília, DF: Conselho Federal de Psicologia..

Zona de sentido 2: Porque a família tem que adolescer com a gente

Como cenário principal onde se integram as experiências subjetivas em relação ao processo do adolescer, independentemente de sua configuração, na família, os adolescentes buscam as referências para construir suas crenças, valores e projeto de vida. Os participantes mencionaram o desejo de fazer escolhas coerentes com a orientação de seus pais, e, no segundo plano, a partir de outras referências que façam parte de seu contexto:

Eu acho que, primeiro, os pais têm que ajudar os filhos a fazer as escolhas, os professores, os tios, ou tipo vocês também. Mas os pais não sabem escutar os problemas dos filhos e acham que a gente é só irresponsável e faz coisa errada. Mas a gente não sabe como fazer às vezes (Marcos, 14 anos).

Os adolescentes esperam que os adultos não se eximam do papel de orientar. Mesmo que tenham desentendimentos, consideram que na relação com os pais encontrarão o apoio suficiente para vivenciar as experiências desse processo. Diante de conflitos, dificuldades e situações com as quais eles não sabem lidar, a participação da família é reconhecida como de fundamental importância:

Ah, para mim é muito importante o papel da família na adolescência[...]; saber explicar, estar ao lado, dar apoio, seguir o exemplo de como agir (Noêmia, 15 anos).

O diálogo entre pais é filhos é fundamental para garantir esse espaço de pertencimento e continência aos adolescentes. Mas, a visão estereotipada do adolescente numa perspectiva negativa, distancia os membros do grupo familiar em vez de aproximá-los para a resolução de conflitos:

Eu acho que, primeiro, os pais têm que ajudar os filhos a fazer as escolhas, os professores, os tios, ou tipo vocês também. Mas os pais não sabem escutar os problemas dos filhos e acham que a gente é só irresponsável e faz coisa errada. Mas a gente não sabe como fazer às vezes (Marcos, 14 anos).

Sobre esse aspecto, é importante observar que as relações familiares são marcadas por conflitos de geração e os escassos recursos dos pais para lidar com as demandas que os adolescentes apresentam (Pratta & Santos, 2007Pratta, E. M. M., & Santos, M. A. (2007). Família e adolescência: a influência do contexto familiar no desenvolvimento psicológico de seus membros. Psicologia em Estudo, Maringá,12(2), 247-256.). A família, que poderia ser um espaço de comunicação e trocas de experiências entre gerações, acaba sendo arena de conflitos e isolamento. Viner, Ozer e Denny (2012)Viner, R. M., Ozer, E. M., Denny, S., Marmot, M., Resnick, M., Fatusi, A., & Currie, C. (2012). Adolescence and social determinants of health. The Lancet, 379(9826), 1641-1652. mostram que, assim como ocorre durante a infância, a família é um determinante primordial de saúde durante a adolescência. Adolescentes que têm boas relações afetivas com sua família retardam o início das atividades sexuais, tendem a apresentar baixos índices de uso de álcool, cigarro e incorrem menos em comportamentos violentos.

Dialogando com essa perspectiva, Pratta e Santos (2007)Pratta, E. M. M., & Santos, M. A. (2007). Família e adolescência: a influência do contexto familiar no desenvolvimento psicológico de seus membros. Psicologia em Estudo, Maringá,12(2), 247-256. afirmam que a adolescência afeta todo o grupo familiar e favorece uma série de conflitos que vão requerer a negociação constante entre pais e filhos em busca do equilíbrio para o novo reordenamento das relações que se dão ente eles.

Para que os desdobramentos dessas relações não potencializem os conflitos vivenciados pelas famílias e seus adolescentes, torna-se fundamental que estes encontrem espaços para expressar seus anseios e frustrações sobre as relações com os pais e demais membros do grupo (Rocha, 2002Rocha, M. L. da. (2002). Contexto do adolescente: In M. L. J. Contini, & S. H. Koller (Eds.), Adolescência e Psicologia: concepções, práticas e reflexões críticas (pp. 25-32). Brasília, SF: Conselho Federal de Psicologia.). Uma comunicação pouco efetiva contribui para desentendimentos e distanciamento, enfraquecendo o convívio entre os membros do grupo familiar. O adolescente mantém-se isolado e, por falta de diálogo e comunicação, o discurso dos pais em relação aos adolescentes acaba legitimando a ideia de crise da adolescência.

Nesse aspecto, podemos imaginar que a busca do adolescente pela ampliação das relações sociais para outros grupos expressa essa dificuldade de encontrar na família um espaço continente para seus conflitos, dúvidas e modo de ser. Em lugar do diálogo aberto, da resolução de conflitos, prevalecem os desentendimentos, o isolamento e a desconfiança nos membros do grupo familiar, reforçando a ideia desacreditada no adolescente e o pensamento, para este, de que os pais não são capazes de compreendê-los.

Uma vez que a adolescência afeta todo o grupo familiar, seria importante conhecer também o que significa a adolescência para a família. As ações de promoção da saúde do adolescente precisam contemplar o modo de vida familiar e compreender qual é a ideia que elas têm do adolescente e de si nesse processo.

Zona de sentido 3: O projeto de vida começa agora, agora?

A construção identitária de um sujeito é fruto de seu pertencimento a determinado grupo social e das condições de vida nas quais ele se relaciona e produz-se a si mesmo. Nessa construção, um elemento fundamental é o projeto de vida que, apesar estar voltado para o futuro, se presentifica enquanto projeto, nas aspirações e expectativas criadas e assume um caráter reivindicatório da situação presente, em suas possibilidades de realização (Bock & Liebesny, 2003Bock, A. M. B., & Liebesny, B. (2003). Quem eu quero ser quando crescer: um estudo sobre o projeto de vida de jovens em São Paulo. In S. Ozella (Ed.), Adolescências construídas: a visão da psicologia sócio-histórica (pp. 203-222). São Paulo, SP: Cortez.).

Essas aspirações estão intrinsecamente relacionadas às condições para sua realização. As possibilidades de construções internas são mediadas pelas atividades externas, objetivadas pelas relações sociais. Assim, quando questionamos sobre o projeto de vida dos adolescentes, devemos nos atentar para as condições nas quais esse projeto é construído (Liebesny & Ozella, 2002Liebesny, B., & Ozella, S. (2002). Projeto de vida na promoção da saúde. In M. L. J. Contini, & S. H. Koller (Eds.), Adolescência e psicologia: concepções, práticas e reflexões críticas (pp. 62-69). Brasília, DF: Conselho Federal de Psicologia.).

Os participantes relataram sonhos como: “passar num concurso para ter um bom emprego”, “encontrar uma pessoa legal e ter uma família”, “fazer viagens pelo mundo”, “me formar”, “ter independência financeira para comprar o que eu quiser e não dar satisfação para ninguém”.

A preocupação principal foi baseada em uma perspectiva individual e a atribuição de uma causalidade mágica ao desejo de se obter sucesso na vida, por vezes, desvinculada das possibilidades concretas ou tornadas possíveis por eles mesmos para a realização desses sonhos. Quando foram indagados sobre o que planejavam fazer para que seus sonhos se concretizassem, responderam evasivamente: “ter dedicação”, “acreditar que vai dar certo”, “persistir”, “não desanimar”.

Apesar de estar voltado para o futuro, o projeto de vida está lastreado nas aspirações e expectativas criadas e assume um caráter reivindicatório da situação presente, em suas possibilidades de realização (Bock & Liebesny, 2003Bock, A. M. B., & Liebesny, B. (2003). Quem eu quero ser quando crescer: um estudo sobre o projeto de vida de jovens em São Paulo. In S. Ozella (Ed.), Adolescências construídas: a visão da psicologia sócio-histórica (pp. 203-222). São Paulo, SP: Cortez.). Essas aspirações estão intrinsecamente relacionadas às condições para sua realização. No grupo pesquisado prevaleceu a ideia de uma transição mágica entre passado, presente e futuro, como se acreditar ou ter pensamento positivo fossem suficientes para concretizar o projeto de vida, sem a necessidade de um planejamento e investimento concretos.

Adolescentes de contextos de desigualdades econômicas e sociais, por exemplo, participam da força de trabalho informal ou ficam em desvantagem em relação àqueles que têm acesso a uma educação formal qualificada. Enquanto estes últimos passam por um longo período de escolarização e exploram os recursos para a execução de seus projetos profissionais, aqueles permanecem à margem da produção de riquezas que o trabalho oferece (Blum et al., 2012Blum, R. W., Bastos, F. I. P. M., Kabiru, C. W., & Le, C. L. (2012). Adolescent health in the 21st century. The Lancet,379(9826), 1567-1568.; Liebesny & Ozella, 2002Liebesny, B., & Ozella, S. (2002). Projeto de vida na promoção da saúde. In M. L. J. Contini, & S. H. Koller (Eds.), Adolescência e psicologia: concepções, práticas e reflexões críticas (pp. 62-69). Brasília, DF: Conselho Federal de Psicologia.).

Segundo Liebesny e Ozella (2002)Liebesny, B., & Ozella, S. (2002). Projeto de vida na promoção da saúde. In M. L. J. Contini, & S. H. Koller (Eds.), Adolescência e psicologia: concepções, práticas e reflexões críticas (pp. 62-69). Brasília, DF: Conselho Federal de Psicologia., compete aos profissionais construírem propostas de ação que possibilitem a reflexão sobre a alteridade e os diferentes modos de vida, a conscientização de si no processo de construção da realidade, a reflexão sobre os conteúdos do projeto de vida e o acesso às informações sobre formação e as formas possíveis de trabalho, para que o jovem possa compatibilizá-lo com seu projeto de vida.

Zona de sentido 4: Em busca de um ideal de saúde

Em relação ao conceito de saúde, para os participantes, a ideia de estar saudável significa ser perfeito, não sentir nada, como se passivamente recebessem o estado de completude e bem-estar, sentido no corpo. O que caberia a eles enquanto papel mais ativo seria a adoção de hábitos saudáveis no cotidiano, como alimentação e prática de atividades físicas. O processo saúde-doença estaria relacionado unicamente ao cuidado corporal e mudança de comportamentos.

É importante salientar que, apesar de as práticas de autocuidado serem importantes para a promoção da saúde, trata-se de um processo multideterminado, forjado no contexto social. Assim, para potencializar a participação dos adolescentes em seu processo de produção de saúde, é preciso que essas ações se aproximem de seu cotidiano, de suas condições de vida e reais possibilidades de ação (Traverso-Yépez, 2007Traverso-Yépez, M. A. (2007). Dilemas na promoção da saúde no Brasil: reflexões em torno da política nacional. Interface - Comunicação, Saúde, Educação, 11(22), 223-238.).

Ao falarem sobre promoção da saúde, reproduziram a visão unidirecional do processo saúde-doença:

Acho que saúde é não ter nada, nenhuma doença, ser uma pessoa perfeita. É isso (Daniela, 15 anos).

Eu acho que é não sentir nada, poder fazer tudo. (Amanda, 13 anos).

É... bem-estar [silêncio]. Fazer as coisas para ter uma vida longa (Fábio, 19 anos).

Ou se está saudável, ou se está doente. O caráter dinâmico e contextual do processo saúde-doença não foi mencionado.

Outro aspecto presente nas discussões foi a ênfase no corpo, no aspecto biológico do adoecimento, que pode ser prevenido com hábitos saudáveis:

Bom, eu acho que é importante você se importar com seu corpo e essa importância você dá através da alimentação, de fazer as rotinas de consulta, de fazer atividades físicas, se cuidar mesmo (Rafael, 14 anos).

González Rey (2004)González Rey, F.(2004). Conceito de saúde: seus determinantes psicossociais. In F. González Rey (Ed.), Personalidade, saúde e modo de vida, pp. 1-52. São Paulo, SP: Pioneira Thomson Learning. afirma que mais do que atributos de conteúdo, a saúde é definida por complexos processos do funcionamento geral do organismo. A representação atual dos adolescentes mostra uma visão única e padronizada desses processos, baseada no velho jargão de completo bem-estar físico, mental e social. Essa noção parece utópica, se considerarmos a saúde como uma construção social. Mais do que os fatores individuais, é preciso lembrar que existem fatores estruturais, condições econômicas, sociais e ambientais que precisam ser articuladas ao modo de vida para se alcançar um nível de saúde.

Zona de sentido 5: Porque sexualidade, antes de tudo, se expressa?

A sexualidade na adolescência é um tema que tem despertado a atenção de diversos pesquisadores, tanto na saúde como nas ciências sociais e são o principal alvo das ações governamentais em todo o mundo, devido à sua vulnerabilidade biológica, psicológica e social. No entanto, a maioria dos estudos é motivada a partir dos indicadores epidemiológicos e se limitam à constatação de que os adolescentes são considerados grupos de risco e necessitam de intervenções preventivas (Blum et al., 2012Blum, R. W., Bastos, F. I. P. M., Kabiru, C. W., & Le, C. L. (2012). Adolescent health in the 21st century. The Lancet,379(9826), 1567-1568.).

Neste estudo, os participantes manifestaram interesse em discutir o tema da sexualidade na perspectiva das relações afetivas e amorosas. Mais do que a prevenção das DSTs e gravidez, demonstraram interesse e dúvidas sobre a escolha do parceiro e o momento ideal para iniciar as relações ou como saber a hora certa de viver essa experiência.

Eu acho que todo mundo pensa em encontrar uma pessoa ideal, que vai ser na hora certa (Geisa, 14 anos).

Nem sempre dá para escolher de quem a gente vai gostar, mas dá para gente saber como se prevenir... (Fábio, 19 anos).

Eu acho que não dá para ir se entregando para qualquer pessoa, tem que ter cuidado e responsabilidade, mas principalmente tem que estar afim daquela pessoa, gostando mesmo (Douglas, 19 anos).

A perspectiva de gênero também foi discutida. Para eles, é tarefa da mulher se preocupar com a prevenção das DSTs e principalmente com a prevenção de uma gravidez não planejada:

É da mulher porque a gente tem que pensar depois quem é que vai ficar para segurar, para dar de mamar, não é o homem não [risos] (Marcos, 14 anos).

Pega mais para o lado da menina né... Porque geralmente ela não faz mais o que fazia, porque tem que ficar com o menino (Douglas, 19 anos).

Mas também é só o homem pensar com quem ele tá ficando. Ele tem que pelo menos saber quem é a menina, se proteger (Rafael, 14 anos).

Geralmente é a mulher que tem que pensar nisso, se proteger. Eu não quero engravidar, então... (Daniela, 15 anos).

Ficou evidente que valorizar a vivência afetiva dos adolescentes em relação à sua própria sexualidade pode ser um caminho mais efetivo para se promover saúde, do que adotar práticas educativas limitadas à transmissão de conhecimento sobre saúde sexual e reprodutiva.

De acordo com Taquette, Vilhena e Campos de Paula (2004)Taquette, S. R., Vilhena, M. M., & Paula, M. C. (2004). Fatores associados à iniciação sexual genital: estudo transversal com adolescentes no Rio de Janeiro. Adolescência & Saúde,1(3), 17-21., uma das preocupações dos profissionais de saúde que atendem adolescentes é compreender porque alguns deles têm suas primeiras experiências sexuais em contextos protegidos e outros não, apesar do acesso às informações sobre prevenção de DSTs e gravidez. Segundo as autoras, a permissividade da sociedade atual e as mensagens dúbias veiculadas pelos meios de comunicação são fatores decisivos que contribuem para que o adolescente se engaje em comportamentos de risco, mesmo quando informados sobre práticas de autocuidado. A mídia estimula a iniciação sexual precoce, as comunidades religiosas condenam a atividade sexual fora do casamento e a família participa pouco na orientação dos adolescentes (Taquette et al., 2004Taquette, S. R., Vilhena, M. M., & Paula, M. C. (2004). Fatores associados à iniciação sexual genital: estudo transversal com adolescentes no Rio de Janeiro. Adolescência & Saúde,1(3), 17-21.).

Tal quadro contribui para a iniciação precoce associada a comportamentos como uso de álcool e outras drogas e envolvimento em contextos violentos (Viner et al., 2012Viner, R. M., Ozer, E. M., Denny, S., Marmot, M., Resnick, M., Fatusi, A., & Currie, C. (2012). Adolescence and social determinants of health. The Lancet, 379(9826), 1641-1652.). Outros fatores podem afetar a decisão dos adolescentes de iniciar a vida sexual. Na Inglaterra, por exemplo, o simples acesso a informações sobre o uso de preservativos para prevenção das DSTs e gravidez não é suficiente para garantir que os adolescentes se comportem de forma congruente com a quantidade e a facilidade de acesso às informações (Jones & Haynes, 2006Jones, N. R., & Haynes, R. (2006). The association between Young people’s knowledge of sexually transmitted diseases and their behavior: a mixed methods study. Health, Risk & Society,8(3), 293-303.).

No grupo estudado ficou clara a necessidade de desvincular os aspectos discutidos da reprodução e refletir mais sobre as questões associadas aos papéis sexuais, à dimensão de gênero, afetividade e prazer, elementos essenciais da sexualidade humana.

Considerações finais

Esta investigação buscou subsidiar a produção do conhecimento sobre adolescência e promoção da saúde na ótica de quem a protagoniza e oferecer um espaço de acolhimento e discussão para os participantes de um programa de atenção integral à saúde. Para promover saúde é necessário valorizar a autonomia dos sujeitos em relação ao cuidado consigo mesmo e estimular a participação destes nas decisões que lhes afetam. As atividades realizadas pelo grupo permitiram conhecer as necessidades dos adolescentes e contribuíram, por meio da pesquisa, com a construção de uma concepção de adolescência mais positiva e realista.

As zonas de sentido construídas para compreender o que eles pensam sobre si mesmos reforçam a importância de que as ações de promoção da saúde se aproximem mais do cotidiano por eles vivenciado e busquem menos a adaptação irrestrita de modelos prontos de intervenção com temáticas e estratégias previamente definidas. A revisão de literatura mostrou que falta investir numa política positiva de saúde que enfatize menos os prejuízos e valorize a qualidade de vida dos adolescentes. Se as ações priorizam violência, sexualidade e uso de drogas, correm o risco de reiterar a visão naturalizada do adolescente como irresponsável e imaturo. O problema maior consiste em valorar essa suposta imaturidade como incapacidade de lidar com esse momento da vida.

A adolescência contempla a diversidade da vida humana, assim como outros momentos do dinâmico processo de tornar-se adulto. Por se tratar de um processo crucial no desenvolvimento humano, é necessário superar a visão estereotipada da adolescência pelo paradigma do risco e ampliar a reflexão sobre os modos de vida do adolescente, considerando os contextos e espaços para o desenvolvimento de sua subjetividade.

Considerá-lo como sujeito em condição de desenvolvimento não implica julgá-lo incompetente para desenvolver estratégias de autocuidado, assim como considerá-lo um sujeito autônomo não implica deixá-lo à margem das ações e políticas de proteção. O que deve ser priorizado são ações que levem em consideração as especificidades desse processo e atendam a demandas específicas sem generalizar a adolescência como um processo igual para todos os adolescentes. O mais importante é propiciar a participação dos adolescentes no planejamento e decisões relacionados às estratégias de promoção da saúde. Esses espaços podem ser ampliados para a inclusão da família no processo de reflexão sobre o tema, por meio da realização de grupos familiares, por exemplo.

Os grupos realizados nesta pesquisa cumpriram dois propósitos que foram favorecer um espaço dialógico de troca de saberes e experiências, relacionado ao processo do adolescer e, ao mesmo tempo, subsidiar a produção do conhecimento sobre adolescência e promoção da saúde.

A opção pelas atividades em grupo deu-se em função deste oferecer um espaço privilegiado para os objetivos almejados por esta pesquisa, além dessa ser uma metodologia eficaz no trabalho com adolescentes. Ao figurar como espaço de trocas e diálogos, amparados na confiança e respeito, o grupo beneficia modos criativos de construção do sentimento de adolescência, que vão além das significações reproduzidas sobre a vivência desse processo, muitas vezes apresentando uma adolescência adultocêntrica e estigmatizada.

Outra aspiração deste estudo foi a proposta de superar a visão centrada no indivíduo para outra que procura o conhecimento ampliado da subjetividade individual e social, ao lançar mão da Epistemologia Qualitativa. Esse paradigma parece ser uma via em construção para a produção do conhecimento sobre a subjetividade humana em seus diversos contextos de interação e tem deflagrado questões que são também da ordem do compromisso ético-político do pesquisador com o seu objeto de estudo. Se esse paradigma reafirma a historicidade do sujeito e dos fenômenos subjetivos estudados, instaura-se no pesquisador o desafio de produzir um conhecimento comprometido com a transformação social, que descumpra, muitas vezes, a normativa da ideologia dominante.

Esta pesquisa representa uma contribuição teórico-metodológica para aplicação em outros espaços como escolas, unidades básicas de saúde, centros de convivência, entre outros. A partir da capacitação profissional sobre o tema é possível ampliar a atuação no atendimento a adolescentes dentro de programas específicos como a Estratégia Saúde da Família (ESF) e Programa Saúde na Escola (PSE), para a oferta de serviços que estejam de acordo com as necessidades específicas dos adolescentes e seus contextos. Para isso, é importante pactuar e capacitar as equipes de saúde visando à ampliação desses espaços de reflexão, por meio da educação continuada dos profissionais para a promoção da saúde integral dos adolescentes.

Uma das dificuldades encontradas neste estudo foi a periodicidade dos grupos. Inicialmente estavam previstas atividades semanais, mas o espaço físico do hospital onde foram realizadas as atividades não estava disponível para uso semanal. Se houvesse tido tempo hábil, os grupos poderiam ter sido feitos em outros espaços, como auditório de alguma escola, centro de convivência, salão de igreja etc. A participação social prevista nos princípios do SUS também poderia ter sido valorizada com o planejamento conjunto das atividades e posterior avaliação, de modo que eles pudessem ter uma influência mais ativa em relação aos processos decisórios do planejamento dos grupos, enquanto um serviço que foi prestado para a promoção da saúde.

Referências

  • Aguiar, W. M. J., & Ozella, S. (2008). Desmistificando a concepção de adolescência. Cadernos de Pesquisa,38(133), 97-125.
  • Blum, R. W., Bastos, F. I. P. M., Kabiru, C. W., & Le, C. L. (2012). Adolescent health in the 21st century. The Lancet,379(9826), 1567-1568.
  • Bock, A. M. B., & Liebesny, B. (2003). Quem eu quero ser quando crescer: um estudo sobre o projeto de vida de jovens em São Paulo. In S. Ozella (Ed.), Adolescências construídas: a visão da psicologia sócio-histórica (pp. 203-222). São Paulo, SP: Cortez.
  • Brasil (2010). Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção em Saúde. Departamento de Ações Programáticas Estratégicas. Diretrizes nacionais para a atenção integral à saúde de adolescentes e jovens na promoção, proteção e recuperação da saúde (Série A: Normas e Manuais Técnicos). Brasília, DF: Autor.
  • Brasil.(2007). Ministério da Saúde Marco legal: saúde, um direito de adolescentes Brasília, DF: Autor.
  • Brasil.(2002). Ministério da Saúde. Carta de Otawa. As cartas da promoção da saúde. (pp. 19-27). Brasília, DF: Autor.
  • González Rey, F. (2010). Pesquisa qualitativa e subjetividade: os processos de construção da informação São Paulo, SP: Cengage Learning. (Original published in 2005).
  • González Rey, F.(2005a). Sujeito e subjetividade: uma aproximação histórico-cultural. São Paulo, SP: Pioneira Thomson Learning. (Original published in 2003).
  • González Rey, F.(2005b). O valor heurístico da subjetividade na investigação psicológica. In F. L. González Rey (Ed.), Subjetividade, complexidade e pesquisa em psicologia (pp.27-51). São Paulo, SP: Pioneira Thomson Learning.
  • González Rey, F.(2004). Conceito de saúde: seus determinantes psicossociais. In F. González Rey (Ed.), Personalidade, saúde e modo de vida, pp. 1-52. São Paulo, SP: Pioneira Thomson Learning.
  • Jones, N. R., & Haynes, R. (2006). The association between Young people’s knowledge of sexually transmitted diseases and their behavior: a mixed methods study. Health, Risk & Society,8(3), 293-303.
  • Liebesny, B., & Ozella, S. (2002). Projeto de vida na promoção da saúde. In M. L. J. Contini, & S. H. Koller (Eds.), Adolescência e psicologia: concepções, práticas e reflexões críticas (pp. 62-69). Brasília, DF: Conselho Federal de Psicologia.
  • Lyra, J., Medrado, B., Nascimento, P., Galindo, D., Moraes, M., & C. Pedrosa (2002). “A gente não pode fazer nada, só podemos decidir o sabor do sorvete”. Adolescentes: de sujeito de necessidades a um sujeito de direitos. Cadernos Cedes, 22(57), 19-21.
  • Macedo, E. O. S. (2012). Significações sobre adolescência e promoção da saúde entre os participantes de um grupo educativo Dissertação de mestrado não publicada, Programa de Pós-Graduação em Psicologia Clínica e Cultura, Universidade de Brasília, Brasília, DF.
  • Macedo, E. O. S., & Conceição, M. I. G. (2013). Ações em grupo voltadas à promoção da saúde de adolescentes. Journal of Human Growth and Development, 23(2), 222-230.
  • Murta, S. G. (2007). Programas de prevenção a problemas emocionais e comportamentais em crianças e adolescentes: lições de três décadas de pesquisa.Psicologia: Reflexão e Crítica, 20(1), 1-8.
  • Muza, G. M., & Costa, M. P. (2002). Elementos para a elaboração de um projeto de promoção à saúde e desenvolvimento dos adolescentes: o olhar dos adolescentes. Cadernos de Saúde Pública,18(1), 321-328.
  • Nery, M. P., & Conceição, M. I. G. (Eds.) (2012).Intervenções grupais: o psicodrama e seus métodos São Paulo, SP: Ágora.
  • Nery, M. P., Costa, L. F., & Conceição, M. I. G. (2006). O sociodrama como método de pesquisa qualitativa. Paidéia,16(35), 305-313.
  • Nery, M. P. (2012). Sociodrama. In M. P. Nery, & M. I. G. Conceição (Eds.), Intervenções grupais: o psicodrama e seus métodos(pp. 95-123). São Paulo, SP: Ágora.
  • Ozella, S. (2002). Adolescência: uma perspectiva crítica. In M. de L. J. Contini, & S. H. Koller (Eds.), Adolescência e psicologia: concepções, práticas e reflexões críticas (pp. 16-24). Brasília, DF: Conselho Federal de Psicologia.
  • Pratta, E. M. M., & Santos, M. A. (2007). Família e adolescência: a influência do contexto familiar no desenvolvimento psicológico de seus membros. Psicologia em Estudo, Maringá,12(2), 247-256.
  • Peres, F., & Rosenburg, C. P. (1998). Desvelando a concepção de adolescência/adolescente presente no discurso da saúde pública. Saúde e Sociedade, 7(1), 53-86.
  • Rocha, M. L. da. (2002). Contexto do adolescente: In M. L. J. Contini, & S. H. Koller (Eds.), Adolescência e Psicologia: concepções, práticas e reflexões críticas (pp. 25-32). Brasília, SF: Conselho Federal de Psicologia.
  • Sícoli, J. L., & Nascimento, P. R. (2003). Promoção de saúde: concepções, princípios e operacionalização. Interface - Comunicação, Saúde, Educação, 7(12), 101-22.
  • Taquette, S. R., Vilhena, M. M., & Paula, M. C. (2004). Fatores associados à iniciação sexual genital: estudo transversal com adolescentes no Rio de Janeiro. Adolescência & Saúde,1(3), 17-21.
  • Traverso-Yépez, M. A. (2007). Dilemas na promoção da saúde no Brasil: reflexões em torno da política nacional. Interface - Comunicação, Saúde, Educação, 11(22), 223-238.
  • Viner, R. M., Ozer, E. M., Denny, S., Marmot, M., Resnick, M., Fatusi, A., & Currie, C. (2012). Adolescence and social determinants of health. The Lancet, 379(9826), 1641-1652.
  • Yozo, R. Y. K. (1995). 100 jogos para grupos: uma abordagem psicodramática para empresas, escolas e clínicas São Paulo, SP: Ágora.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Dez 2015

Histórico

  • Recebido
    13 Mar 2014
  • Aceito
    03 Nov 2015
Conselho Federal de Psicologia SAF/SUL, Quadra 2, Bloco B, Edifício Via Office, térreo sala 105, 70070-600 Brasília - DF - Brasil, Tel.: (55 61) 2109-0100 - Brasília - DF - Brazil
E-mail: revista@cfp.org.br