Parte-se do pressuposto de que um curso de Psicologia é um programa de ensino-aprendizagem, ou seja, um conjunto relativamente organizado de disciplinas técnico-científicas e demais atividades de pesquisa, extensão e estágios, denominado de currículo, orientado por um processo de gestão da atividade docente e de administração do curso, ao longo de um tempo relativamente longo.
Programas de ensino-aprendizagem são orientados por objetivos de ensino, que necessitam ser claros e precisos o suficiente para expressar habilidades e competências essenciais, por vezes, complementares, ao exercício profissional do psicólogo, mas que devem ser desenvolvidas ou aperfeiçoadas ao longo da formação profissional básica (Botomé, & Rizzon, 1997Botomé, S. P., & Rizzon, L. A. (1997). Medida de desempenho ou avaliação da aprendizagem em um processo de ensino: práticas usuais e possibilidades de renovação. Chronos, 30(1), 7-34.; Archer, Serafim, & Cruz, 2016Archer, A. B., Serafim, A. C., & Cruz, R. M. (2016). Evaluación y retroalimentación del rendimiento de estudiantes en la educación a distancia. Avances em Psicología Latino-Americana, 34(2). Recuperado de http://revistas.urosario.edu.co/index.php/apl/article/view/4023
http://revistas.urosario.edu.co/index.ph...
). Habilidades compreendidas como a utilização de funções psicomotoras para responder a estimulações ou exigência do ambiente; e competências, entendidas como comportamentos baseados no uso integrado de determinadas habilidades, reconhecidos social e/ou profissionalmente como de boa qualidade. É o caso, por exemplo, da habilidade de escrever, tendo em vista a necessidade de desenvolver ou aprimorar a competência de redigir documentos técnico-científicos para expressar ideias por escrito ou elaborar documentos psicológicos específicos, para informar sobre as condições clínicas das pessoas; ou, ainda, a competência de se comunicar oralmente, tendo em vista a necessidade do psicólogo de saber se posicionar profissionalmente sobre matéria psicológica ou de esclarecer determinada demanda ou intervenção psicológica, conforme a situação exigir.
De forma ampla, um programa de curso de graduação resulta de um compromisso antecipado do futuro profissional para com a sociedade, indicando que, tal como aponta Freire (1989)Freire, P. (1989). Educação e mudança. Rio de Janeiro, RJ: Paz e Terra., à medida que se promove a qualificação de pessoas para intervir no âmbito das necessidades e demandas de pessoas e instituições, a responsabilidade civil e social desses profissionais e dos programas que as formaram ganham relevância social em função de suas repercussões. Ou, seja, a formação profissional nos cursos de graduação tem por premissa repercutir favoravelmente na busca de soluções para as necessidades humanas.
A formação profissional é parte da formação educacional, tendo em vista a preocupação com a formação do indivíduo como cidadão (Ferretti, 2004Ferretti, C. J. (2004). Considerações sobre a apropriação das noções de qualificação profissional pelos estudos a respeito das relações entre trabalho e educação. Educação & Sociedade, 25(87), 401-422. doi:10.1590/S0101-73302004000200006
https://doi.org/10.1590/S0101-7330200400...
). Assim, é orientadora de programas de cursos de graduação, considerando que todos eles são a implementação de projetos políticos-científicos-éticos-pedagógicos, a construção de processos de ensino-aprendizagem voltados para os possíveis benefícios de uma atividade profissional à sociedade (Botomé, & Kubo, 2002Botomé, S. P., & Kubo, O. M. (2002). Responsabilidade social dos programas de Pós-graduação e formação de novos cientistas e professores de nível superior. Interação em Psicologia, 6(1), 81-110. doi:10.5380/psi.v6i1.3196
https://doi.org/10.5380/psi.v6i1.3196...
). Nesse sentido, a formação superior e a universidade como um todo não podem se colocar à margem das necessidades das pessoas e demandas institucionais. O desenvolvimento e o aperfeiçoamento de habilidades e competências para o exercício de uma profissão estão fortemente associados à qualidade da formação e da atualização técnico-científica (Cruz, 2016aCruz, R. M (2016a). Formação científica e profissional em psicologia. Psicologia: Ciência e Profissão, 36(1), 3-5. doi:10.1590/1982-3703003512016
https://doi.org/10.1590/1982-37030035120...
), que, por sua vez, dependem diretamente da qualidade dos programas de ensino-aprendizagem que são elaborados para esse fim (cursos de graduação, aperfeiçoamento, qualificação e especialização profissional).
Avaliar é uma condição relevante aos processos de ensino-aprendizagem, tendo em vista os objetivos a serem atingidos. Entretanto, na maioria das vezes, os objetivos expressos nos planos de ensino das disciplinas são fragilmente descritos em termos de habilidades ou competências, confundindo-se com expectativas do professor ou procedimentos de ensino, assim como são pouco frequentes avaliações da aprendizagem dos estudantes com base em objetivos (Meneses, & Abbad, 2009Meneses, P. P. M., & Abbad, G. (2009). Proposta para desenvolvimento de modelos de avaliação da efetividade de programas de treinamento. RAC-Eletrônica, 3(1), 105-122. Recuperado de http://www.anpad.org.br/periodicos/arq_pdf/a_816.pdf
http://www.anpad.org.br/periodicos/arq_p...
; Scorsolini-Comin, Inocente, & Miura, 2011Scorsolini-Comin, F., Inocente, D. F., & Miura, I. K. (2011). Avaliação de programas de treinamento, desenvolvimento e educação no contexto organizacional: modelos e perspectivas. Revista Psicologia: Organizações e Trabalho, 11(1), 37-53. Recuperado de https://periodicos.ufsc.br/index.php/rpot/article/view/22245
https://periodicos.ufsc.br/index.php/rpo...
). De fato, esse aspecto acentua a dificuldade de avaliar habilidades e competências desenvolvidas ou aperfeiçoadas para a atuação profissional, qualquer que seja o âmbito em que ela se realize. A elaboração de procedimentos de avaliação de cursos deve estar logicamente orientada para o resultado do processo de ensino-aprendizagem, ou seja, avaliam-se habilidades ou competências expressas nos objetivos em cada disciplina e ao longo do curso.
Avaliar o impacto de uma formação profissional significa identificar as possíveis consequências da atuação dos egressos dos cursos de graduação, considerando o espectro de habilidades e competências esperadas para o exercício profissional. De outra maneira, impacto é a diferença entre o que aconteceria sem a ação e o que aconteceria com a ação (Hughes, 1990Hughes, P. (1990). Evaluating the impact of continual professional education (ENB 941). Nurse Education Today, 10(6), 428-436. doi:10.1016/0260-6917(90)90105-Y
https://doi.org/10.1016/0260-6917(90)901...
). Em termos metodológicos, a avaliação de impacto é um processo de trabalho voltado à análise das consequências de uma intervenção planejada (política, plano, programa, projeto), fornecendo informação às partes interessadas e aos gestores sobre a qualidade da intervenção profissional dos egressos de um curso de formação profissional (Rossi, Freeman, & Lipsey, 1999Rossi, P. H., Freeman, H. E., & Lipsey, M. W. (1999). Evaluation: a systematic approach (6th ed.). Thousand Oaks, CL: Sage.).
Nessa direção, é relevante considerar que egressos de cursos de formação em Psicologia, ao intervir em situações nas quais são demandados, devem demonstrar habilidades e competências essenciais: identificar necessidades, diagnosticar condições específicas, avaliar intervenções, prevenir problemas, aperfeiçoar métodos e recursos, reduzir prejuízos e danos, atenuar sofrimento, transferir aprendizagens, promover soluções e mudanças ou auxiliar pessoas a fazê-las (Botomé, & Rizzon,1997Botomé, S. P., & Rizzon, L. A. (1997). Medida de desempenho ou avaliação da aprendizagem em um processo de ensino: práticas usuais e possibilidades de renovação. Chronos, 30(1), 7-34.; Cruz, 2016bCruz, R. M (2016b), Competências científicas e profissionais e exercício profissional do psicólogo. Psicologia: Ciência e Profissão, 36(2), 251-254. doi:10.1590/1982-3703003522016
https://doi.org/10.1590/1982-37030035220...
). A avaliação de impacto tem decorrências, também, na manutenção e melhoria dos serviços profissionais em diferentes âmbitos da assistência e promoção da saúde. Por meio da avaliação de impacto, é atestada a confiabilidade, efetividade, custo-efetividade, eficiência, segurança, facilidade de acesso a recursos necessários à população viver seu dia a dia (Stufflebeam, & Shinkfield, 2007Stufflebeam, D., & Shinkfield, A. (2007). Evaluation theory, models, and applications. San Francisco, CA: Jossey-Bass.).
Produzir conhecimento acerca da formação profissional de psicólogo na sociedade é uma condição relevante e necessária à afirmação da profissão de psicólogo na sociedade. Por isso, planejar e operacionalizar processos de ensino-aprendizagem nos cursos de Psicologia e nos demais processos de formação continuada, assim como avaliar o impacto social desses processos, aumenta a chance de prover benefícios e atenuar prejuízos relativos ao exercício profissional dos psicólogos na comunidade da qual fazem parte.
Roberto Moraes Cruz
Editor-Chefe
Universidade Federal de Santa Catarina
Referências
- Archer, A. B., Serafim, A. C., & Cruz, R. M. (2016). Evaluación y retroalimentación del rendimiento de estudiantes en la educación a distancia. Avances em Psicología Latino-Americana, 34(2). Recuperado de http://revistas.urosario.edu.co/index.php/apl/article/view/4023
» http://revistas.urosario.edu.co/index.php/apl/article/view/4023 - Botomé, S. P., & Kubo, O. M. (2002). Responsabilidade social dos programas de Pós-graduação e formação de novos cientistas e professores de nível superior. Interação em Psicologia, 6(1), 81-110. doi:10.5380/psi.v6i1.3196
» https://doi.org/10.5380/psi.v6i1.3196 - Botomé, S. P., & Rizzon, L. A. (1997). Medida de desempenho ou avaliação da aprendizagem em um processo de ensino: práticas usuais e possibilidades de renovação. Chronos, 30(1), 7-34.
- Cruz, R. M (2016b), Competências científicas e profissionais e exercício profissional do psicólogo. Psicologia: Ciência e Profissão, 36(2), 251-254. doi:10.1590/1982-3703003522016
» https://doi.org/10.1590/1982-3703003522016 - Cruz, R. M (2016a). Formação científica e profissional em psicologia. Psicologia: Ciência e Profissão, 36(1), 3-5. doi:10.1590/1982-3703003512016
» https://doi.org/10.1590/1982-3703003512016 - Ferretti, C. J. (2004). Considerações sobre a apropriação das noções de qualificação profissional pelos estudos a respeito das relações entre trabalho e educação. Educação & Sociedade, 25(87), 401-422. doi:10.1590/S0101-73302004000200006
» https://doi.org/10.1590/S0101-73302004000200006 - Freire, P. (1989). Educação e mudança Rio de Janeiro, RJ: Paz e Terra.
- Hughes, P. (1990). Evaluating the impact of continual professional education (ENB 941). Nurse Education Today, 10(6), 428-436. doi:10.1016/0260-6917(90)90105-Y
» https://doi.org/10.1016/0260-6917(90)90105-Y - Meneses, P. P. M., & Abbad, G. (2009). Proposta para desenvolvimento de modelos de avaliação da efetividade de programas de treinamento. RAC-Eletrônica, 3(1), 105-122. Recuperado de http://www.anpad.org.br/periodicos/arq_pdf/a_816.pdf
» http://www.anpad.org.br/periodicos/arq_pdf/a_816.pdf - Rossi, P. H., Freeman, H. E., & Lipsey, M. W. (1999). Evaluation: a systematic approach (6th ed.). Thousand Oaks, CL: Sage.
- Scorsolini-Comin, F., Inocente, D. F., & Miura, I. K. (2011). Avaliação de programas de treinamento, desenvolvimento e educação no contexto organizacional: modelos e perspectivas. Revista Psicologia: Organizações e Trabalho, 11(1), 37-53. Recuperado de https://periodicos.ufsc.br/index.php/rpot/article/view/22245
» https://periodicos.ufsc.br/index.php/rpot/article/view/22245 - Stufflebeam, D., & Shinkfield, A. (2007). Evaluation theory, models, and applications San Francisco, CA: Jossey-Bass.
Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
Jul-Sep 2016