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Dores e Delícias em ser Estagiária: o Estágio na Formação em Psicologia

Pains and Gains of Being an Intern: the Internship in the Psychology Training

Dolores y Placeres de ser Practicante: la Práctica Profesional en la Formación en Psicología

Resumo

Objetiva-se discutir os resultados de uma pesquisa que investigou o papel dos estágios, na perspectiva discente, para a formação do psicólogo no curso de Psicologia da Universidade Federal de Alagoas na Unidade de Palmeira dos Índios. Trata-se de uma pesquisa de campo, de caráter qualitativo, com fundamento na Psicologia Sócio-histórica, em que se trabalhou com grupo focal com a participação de seis estudantes de Psicologia, sendo que três delas estavam realizando as práticas de Estágio Básico e as outras três estavam atuando no Estágio Específico. Foram realizados dois encontros desse grupo, na própria Universidade, tendo duração mínima de 50 minutos cada. Nos encontros, foram abordados os temas: trajetória da formação do aluno de Psicologia; apresentação dos estágios; aspectos dos estágios que contribuem para a formação em Psicologia; e relevância dos estágios para a formação em Psicologia. A partir da fala das estudantes, realizou-se análise de conteúdo, encontrando-se três categorias: a) inserção no campo; b) práticas de estágio; e c) frutos do estágio. Os resultados indicam que o estágio exerce um papel relevante por oportunizar experiências que contribuem para a formação em Psicologia e para permitir aproximações com a prática profissional. Através dele, as estagiárias têm a oportunidade de articular a teoria com a prática, pois ao serem inseridas em determinados campos, buscam contextualizar a teoria, as discussões em sala de aula, com a realidade encontrada nas instituições e nas comunidades.

Estágio; Formação do Psicólogo; Psicologia Sócio-Histórica

Abstract

The aim is to discuss the results of a research that investigated the role of internship, from the students’ perspective, in the training of the psychologist in the Psychology course from the Federal University of Alagoas, Educational Unit of Palmeira dos Índios. It is a field survey, based on a qualitative approach and on Socio-Historical Psychology. We conducted a focus group, which involved the participation of six Psychology students: three of them were performing Basic Internship activities and the other three were executing Specific Internship activities. Two meetings, which lasted at least fifty minutes, were held at the University. At the meetings, the topics covered were: history of the professional training of the Psychology students; discussions about trainings; aspects of internships that contribute to professional training in Psychology; and the relevance of internships for professional training in Psychology. Based on the speeches of the students, a content analysis was performed and three categories were identified: a) insertion in the field; b) internship’s practices; and c) the internship’s results. These results indicate that the internship has an important role to create opportunities for experiences that contribute to the training in Psychology and to allow an approach with the professional practice. With the internship, the trainees have the opportunity to link theory with practice, because when inserted in certain fields, they seek to contextualize the theory and the discussions in the classroom with the reality found in institutions and communities.

Internship; Psychologist Professional Training; Socio-Historical Psychology

Resumen

El objetivo es discutir los resultados de un estudio que investiga el papel de las prácticas profesionales, desde la perspectiva del estudiante, en la formación de los psicólogos en el curso de Psicología de la Universidad Federal de Alagoas, Unidad Palmeira dos Indios. Se trata de una investigación de campo, de carácter cualitativo, basada en la psicología socio-histórica. Trabajamos con grupos focales, con la participación de seis estudiantes de Psicología, tres de ellas realizando las prácticas profesionales básicas y las otras tres trabajando en las prácticas especiales. Dos reuniones de este grupo, de mínimo cincuenta minutos cada una, se llevaron a cabo en la propia Universidad. En las reuniones se abordaron los temas: historia de la formación del estudiante de Psicología; presentación de las prácticas profesionales; aspectos de las prácticas profesionales que contribuyen a la formación en Psicología; y relevancia de las prácticas de formación en Psicología. A partir del discurso de las estudiantes, el análisis de contenido se realizó con el hallazgo de tres categorías: a) inserción en el campo; b) prácticas; y c) resultados de las prácticas profesionales. Los resultados indican que las prácticas profesionales tienen un papel importante para crear oportunidades de experiencias que contribuyan a la formación en Psicología y permitan acercamientos con la práctica profesional. A través de ella, los alumnos tienen la oportunidad de vincular la teoría con la práctica, porque cuando se insertan en ciertos campos tratan de contextualizar la teoría y los debates en el aula, con la realidad que se encuentra en las instituciones y las comunidades.

Prácticas Pre-Profesionales; Formación del Psicólogo; Psicología Sociohistórica

Introdução

Configurando-se como integrantes essenciais da formação profissional, os estágios compõem a grade curricular de Psicologia e são um dos momentos mais aguardados pelos discentes. Trata-se de uma atividade obrigatória que integra o currículo do curso de graduação em Psicologia e propõe ao estudante um contato inicial com o exercício da profissão, diminuindo a distância entre o campo de atuação do psicólogo e a sala de aula.

Entretanto, em diversas situações, os estagiários veem-se diante de dificuldades objetivas de realização plena do trabalho, o que remete à ideia de que o estágio é permeado por momentos de “dores e delícias”. É diante dessa organização e dinâmica que se insere o presente trabalho, que objetiva discutir os resultados de uma pesquisa de campo que investigou o papel dos estágios na formação do psicólogo para estudantes do curso de Psicologia da Universidade Federal de Alagoas – UFAL –, na Unidade Educacional Palmeira dos Índios.

Com fundamento em categorias centrais da Psicologia Sócio-histórica, como atividade, mediação, aprendizagem e desenvolvimento e consciência, discute-se que os estágios devem ser considerados para além da mera aplicação da teoria, mas devem ser concebidos como uma oportunidade de atividades que favoreçam a formação profissional por um prisma crítico e reflexivo. Para que tal processo seja eficaz, é importante a participação ativa do estagiário e a observação das condições objetivas em que se desenvolve essa formação. Diante da proposição de enfocar o estágio a partir dessas categorias, registramos que foi realizado um recorte na pesquisa de modo a enfatizar o olhar das discentes sobre o papel dos estágios. No entanto, tal olhar não deve ser isolado de dimensões, como o Projeto Pedagógico do Curso (PPC), a organização da matriz curricular, as políticas institucionais de ensino, as relações na supervisão, as condições do campo de estágio, entre outros.

Inicialmente, retomamos as discussões acerca da formação do psicólogo, em específico, no tocante à elaboração e à implantação das Diretrizes Curriculares Nacionais (DCN) (Brasil, 2011Brasil. (2011, 16 de março). Conselho Nacional de Educação. Câmara de Educação Superior. Resolução Nº 5, de 15 de março de 2011. Institui as Diretrizes Curriculares Nacionais para os cursos de graduação em Psicologia, estabelecendo normas para o projeto pedagógico complementar para a Formação de Professores de Psicologia. Diário Oficial da União.), uma vez que a organização atual dos cursos de graduação em Psicologia e de seus respectivos estágios têm como norteadoras tais diretrizes. Desde a década de 1980, são promovidos debates sobre a formação do psicólogo, conclamando a repensar o modelo proposto com o Currículo Mínimo vigente com a aprovação da Lei nº 4.119, de 1962 (Brasil, 1962Brasil. (1962, 5 de setembro). Lei Nº 4.119, de 27 de agosto de 1962. Dispõe sobre os cursos de formação em psicologia e regulamenta a profissão de psicólogo. Diário Oficial da União.). Tais momentos, permeados por intensos embates, tensionamentos e manifestações políticas de grupos distintos e com interesses diversos, estenderam-se até a década de 1990 e o início do século XXI, culminando com a aprovação do texto da Resolução nº 8, de 7 de maio de 2004 (Barbosa, 2007Barbosa, M. D. L. (2007). Estudo sobre a reestruturação curricular do Curso de Psicologia da Universidade de Brasília: o processo e seus produtos [dissertação de mestrado]. Instituto de Psicologia, Universidade de Brasília, Brasília, DF.; Seixas, 2014Seixas, P. S. (2014). A formação graduada em Psicologia no Brasil: reflexão sobre os principais dilemas em um contexto Pós-DCN (tese de doutorado). Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes, Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal, RN.).

Dentre essas discussões, destacamos os questionamentos ao modelo tecnicista de formação e as dificuldades de interlocução entre teoria e prática em suas relações com a realidade social (Cruces, 2006Cruces, A. V. V. (2006). Egressos de cursos de Psicologia: preferências, especializações, oportunidades de trabalho e atuação na área educacional (tese de doutorado). Instituto de Psicologia, Universidade de São Paulo, São Paulo, SP.; Reis, & Guareschi, 2010Reis, C., & Guareschi, N. M. F. (2010). Encontros e desencontros entre Psicologia e Política: formando, deformando e transformando profissionais de saúde. Psicologia: Ciência e Profissão, 30(4), 854-867. https://doi.org/10.1590/S1414-98932010000400014
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; Seixas, 2014)Seixas, P. S. (2014). A formação graduada em Psicologia no Brasil: reflexão sobre os principais dilemas em um contexto Pós-DCN (tese de doutorado). Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes, Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal, RN.. Em relação ao primeiro tópico, este era um dos principais questionamentos no que tange ao modelo hegemônico que decorre do Currículo Mínimo, visto que os cursos privilegiavam saberes cuja ênfase recaía sobre a técnica em detrimento de discussões centrais a uma formação que compreendesse a profissionalidade não só como domínio técnico, mas como uma reflexão crítica e uma prática política. Seguindo outro caminho, Reis e Guareschi (2010)Reis, C., & Guareschi, N. M. F. (2010). Encontros e desencontros entre Psicologia e Política: formando, deformando e transformando profissionais de saúde. Psicologia: Ciência e Profissão, 30(4), 854-867. https://doi.org/10.1590/S1414-98932010000400014
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atentam para a necessidade de se superar a pretensa neutralidade e assepsia do currículo e enfocar dimensões que subsidiem uma formação crítica e comprometida com a realidade social.

A interlocução entre teoria e prática também foi amplamente debatida, especialmente quando se observou seu distanciamento referente à realidade social brasileira. Mello (2010)Mello, S. L. (2010). Psicologia: características da profissão. In O. H. Yamamoto, & A. L. F Costa (Orgs.), Escritos sobre a profissão de psicólogo no Brasil. Natal, RN: EDUFRN. já alertava que os cursos de Psicologia eram marcados por modelos que dicotomizavam a ciência e a técnica, o que obstaculiza a aproximação entre as reflexões teóricas e acadêmicas e o exercício profissional. Posteriormente, outros estudos também apontaram dificuldades ao longo do processo formativo de promover articulações entre a teoria e a prática (Cruces, 2006Cruces, A. V. V. (2006). Egressos de cursos de Psicologia: preferências, especializações, oportunidades de trabalho e atuação na área educacional (tese de doutorado). Instituto de Psicologia, Universidade de São Paulo, São Paulo, SP.; Seixas, 2014Seixas, P. S. (2014). A formação graduada em Psicologia no Brasil: reflexão sobre os principais dilemas em um contexto Pós-DCN (tese de doutorado). Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes, Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal, RN.), colocando em relevo uma defasagem, nas propostas curriculares, entre a reflexão e a produção do conhecimento e as práticas ofertadas nesse processo.

Essas circunstâncias, dentre outras, foram consideradas nos debates para a formulação das DCNs e se reverteram em mudanças fundamentais quanto ao Currículo Mínimo, em especial, no que diz respeito à organização e à dinâmica do estágio, que agora preconiza a oferta de Estágios Básicos e Específicos. Nas DCNs para os cursos de graduação em Psicologia (Brasil, 2011Brasil. (2011, 16 de março). Conselho Nacional de Educação. Câmara de Educação Superior. Resolução Nº 5, de 15 de março de 2011. Institui as Diretrizes Curriculares Nacionais para os cursos de graduação em Psicologia, estabelecendo normas para o projeto pedagógico complementar para a Formação de Professores de Psicologia. Diário Oficial da União.), o estágio supervisionado está vinculado às práticas integrativas voltadas ao desenvolvimento de habilidades e competências em situações de complexidades diversas relativas ao exercício da profissão. Desse modo, seu objetivo é permitir o contato entre o discente e suas possibilidades de espaços de atuação de modo a desenvolver conhecimentos, habilidades e atitudes necessários ao trabalho do psicólogo.

Não obstante, em seu cotidiano, os discentes apontam a falta de conhecimento com relação à prática profissional, dificuldade para resolução de problemas, dificuldade com o supervisor, entre outros, sinalizando preocupação com sua formação profissional. Neste sentido, Barbosa (2007)Barbosa, M. D. L. (2007). Estudo sobre a reestruturação curricular do Curso de Psicologia da Universidade de Brasília: o processo e seus produtos [dissertação de mestrado]. Instituto de Psicologia, Universidade de Brasília, Brasília, DF. expõe que a problemática de estágio, composta de dificuldades de articulação entre teoria e prática e de problemas com vagas e supervisões, faz com que os estudantes sintam-se despreparados profissionalmente e busquem formação complementar além da universidade.

Acrescentamos ainda Seixas (2014Seixas, P. S. (2014). A formação graduada em Psicologia no Brasil: reflexão sobre os principais dilemas em um contexto Pós-DCN (tese de doutorado). Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes, Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal, RN., p. 234) que, com seu estudo sobre os Projetos Pedagógicos de Cursos de Psicologia, constata que

Apesar da ideia da ênfase ser de uma formação integrando os aspectos de teoria e prática nos currículos, o que se viu nos dados foi uma formação com foco técnico e profissionalizante, tal qual no modelo formativo anterior. Mesmo que no discurso dos fundamentos mais amplos (justificativa do curso, perfil do egresso e processo formativo) a integração teoria e prática seja defendida, ao discorrer sobre as práticas profissionais poucos PPCs preocupam-se em efetivar essa integração. Ao contrário, muitos ressaltam o momento do estágio como sendo eminentemente prático, o que reforça o caráter estritamente técnico que alguns cursos assumem.

Prosseguindo com Seixas (2014)Seixas, P. S. (2014). A formação graduada em Psicologia no Brasil: reflexão sobre os principais dilemas em um contexto Pós-DCN (tese de doutorado). Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes, Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal, RN., vale salientar que as DCNs são produto de uma política educacional mais ampla, na medida em que se inserem nas políticas para o ensino superior em acordo com as necessidades de organismos internacionais na defesa de interesses econômicos do capital. Nessa direção, tem-se currículos com maior flexibilidade, dinamicidade e atentos às demandas do mercado de trabalho, o que não coaduna com os preceitos discutidos pelos profissionais da Psicologia ao longo do processo de reformulação curricular de sua formação, expresso, por exemplo, na Carta de Serra Negra (Conselho Federal de Psicologia, 2011Conselho Federal de Psicologia (2011). Carta de Serra Negra. Recuperado de http://www.abepsi.org.br/portal/wp-content/uploads/2011/07/1992-cartadeserranegra.pdf
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).

Tal documento foi elaborado no I Encontro de Coordenadores de Curso de Formação de Psicólogos, promovido pelo Conselho Federal de Psicologia e realizado em 1992, em Serra Negra/São Paulo. A Carta de Serra Negra abrangia sete princípios que colocavam em relevo a preocupação com uma formação que considerasse as dimensões política, crítica e reflexiva e comprometida com a realidade social e sublinhava a necessidade de revisões do Currículo Mínimo.

Com efeito, as reformulações curriculares são significativas para repensar os modelos de formação do psicólogo, entretanto, elas devem vir acompanhadas de debates que construam um olhar crítico acerca do papel do estágio na formação, alocando-o para além de um mero momento de execução da prática em conformidade com as regras do mercado. Nestes termos, amparadas na perspectiva da Psicologia Sócio-histórica, consideramos que a categoria atividade é relevante para qualificar essas reflexões, na medida em que possibilita a concepção do estágio como uma atividade que preceitua a não dissociação entre a formação científica e a profissionalização, buscando superar o modelo de prática como aplicação de saberes e priorizando a produção do conhecimento e o processo de conscientização.

Para compreender tais considerações, partimos, na perspectiva da Psicologia Sócio-histórica, da categoria trabalho, discutida por Marx e Engels, fundamental na compreensão de ser humano aqui delineada. Segundo Sirgado (1990)Sirgado, A. P. (1990). A corrente sócio-histórica de Psicologia: fundamentos epistemológicos e perspectivas educacionais. Em Aberto, 9(48), 61-67. Recuperado de http://emaberto.inep.gov.br/index.php/emaberto/article/view/1792/1763
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, através do trabalho, o homem relaciona-se com a natureza. Nessa relação, ele age sobre a natureza, transformando-a, sendo, ao mesmo tempo, transformado nessa ação. Tal entendimento explicita o caráter histórico e social da humanidade, uma vez que expõe a relevância da ação do ser humano no mundo objetivo para seu desenvolvimento. Desse modo, adotamos tal perspectiva por perceber o sujeito como histórico e social, que experiencia transformações no seu processo de aprendizagem. A partir dessa abordagem, compreende-se que o processo formativo dos estagiários é afetado pelo estágio, posto que este engendra a aprendizagem na medida em que pressupõe o desenvolvimento de atividades.

Sirgado (1990)Sirgado, A. P. (1990). A corrente sócio-histórica de Psicologia: fundamentos epistemológicos e perspectivas educacionais. Em Aberto, 9(48), 61-67. Recuperado de http://emaberto.inep.gov.br/index.php/emaberto/article/view/1792/1763
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explica que uma das maiores contribuições de Vygotsky e de Leontiev está relacionada com a teoria da atividade humana, inspirada no conceito de trabalho. Para Vygotsky, a atividade humana, mediadora das relações entre homem e mundo, abarca a associação entre sistemas de signos e instrumentos técnicos. O que vai caracterizar a atividade humana, então, é a mediação existente tanto pelos instrumentos técnicos, que regulam ações sobre os objetos, quanto pelos sistemas de signos, que são orientados para regular as ações relacionadas com o psiquismo de si mesmo e dos outros. O instrumento modifica a natureza e a ação do homem sobre a natureza externamente, o signo modifica internamente o sujeito e suas ações no mundo, além de representar a realidade humana.

Nesta perspectiva, o conceito de mediação em Vygotsky (2007)Vygotsky, L. S. (2007). A formação social da mente: o desenvolvimento dos processos psicológicos superiores. São Paulo, SP: Martins Fontes. sinaliza que a relação homem-mundo não é direta, mas mediada, especialmente por sistemas simbólicos, como a linguagem. Molon (2003Molon, S. I. (2003). Subjetividade e constituição do sujeito em Vygotsky. Petrópolis, RJ: Vozes., p. 102) esclarece que: “A mediação é um processo, não é o ato em que alguma coisa se interpõe; mediação não está entre dois termos que estabelece uma relação. Mediação é a própria relação”.

Em Leontiev (1978)Leontiev, A. N. (1978). Actividade, consciência e personalidade. Recuperado de http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/ma000004.pdf
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, a atividade assume um papel central, visto que é por meio dela que se consegue compreender o processo de constituição humana, de seu desenvolvimento cognitivo e de sua personalidade. Na Psicologia Histórico-cultural, a formação humana não está circunscrita somente aos motores biológicos. De fato, ela supera essa visão, na medida em que se defende que a base da formação humana é material. Dessa defesa, depreende-se que o homem torna-se homem na relação com o mundo social, é nessa relação que nos apropriamos das formas humanas de viver no mundo.

Não é possível estudar a atividade de forma linear, isolando seus elementos. Leontiev (1978)Leontiev, A. N. (1978). Actividade, consciência e personalidade. Recuperado de http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/ma000004.pdf
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defende que a atividade subjetiva deve ser considerada como um processo, constituído por contradições e transformações internas e motivadoras que propiciam a emergência da psiquê. Em sua proposta de análise psicológica da atividade, estabelece que não se deve

separar dela seus elementos psicológicos internos para estudo isolado posterior, mas em trazer para a psicologia aquelas unidades de análise que comportam em si o reflexo psicológico em sua inseparabilidade dos momentos que o causam e o mediam na atividade humana (Leontiev, 1978Leontiev, A. N. (1978). Actividade, consciência e personalidade. Recuperado de http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/ma000004.pdf
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, p. 7).

Há que se considerar, portanto, o movimento dialético essencial na relação entre homem e mundo. Segundo Núñez (2009)Núñez, I. B. (2009). Vygostky, Leontiev e Galperin: formação de conceitos e princípios didáticos. Brasília, DF: Liber Livro., atividade é o

Processo que media a relação entre o ser humano (sujeito) e a realidade a ser transformada por ele (objeto da atividade). Essa relação é dialética, uma vez que ela não é só o objeto que transforma, mas, também, o sujeito, ocasião em que se produzem mudanças em sua psique e em sua personalidade (p. 64).

Tais relações não ocorrem em um cenário vazio, em um plano ideal, abstrato, no qual seus atores atuam, apartados de suas condições sócio-históricas e em uma mera relação de causa e efeito. O social implica em uma relação concreta, na presença do outro ou de outros, mas estes nunca estão abstraídos de seus contextos sócio-históricos: “Por trás de todas as funções superiores e suas relações estão relações geneticamente sociais, relações reais das pessoas” (Vygotsky, 2000Vigotski, L. S. (2000). Manuscrito de 1929. Educação & Sociedade, 21(71), 21-44. https://doi.org/10.1590/S0101-73302000000200002
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, p. 26). De fato, estão imersos no contexto, fazem-se e se refazem nesse contexto, pois o que Vygotsky considera como social é pertinente às condições materiais de vida, quer dizer, o processo de humanização ocorre a partir das condições sócio-históricas que envolvem, atravessam e influenciam essa relação. Assim, na constituição daquelas funções tipicamente humanas, necessariamente, deve-se remeter às relações homem-meio social, que são marcadas por determinado tempo histórico e por uma cultura, por modos de vida típicos de determinadas épocas e lugares.

Esses norteadores contribuem na delimitação do que Vygotsky considera como desenvolvimento. Este não ocorre por si, independente das condições sociais, históricas e culturais. Para o estudioso, o desenvolvimento das funções psicológicas superiores é um processo sociogenético, que se dá na confluência dessas condições, assim, a base social é fundante nesse processo.

Para explicar esse desenvolvimento, Vygotsky (2000Vigotski, L. S. (2000). Manuscrito de 1929. Educação & Sociedade, 21(71), 21-44. https://doi.org/10.1590/S0101-73302000000200002
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, p. 26) introduz a lei genética do desenvolvimento cultural: “qualquer função no desenvolvimento cultural da criança aparece em cena duas vezes, em dois planos – primeiro no social, depois no psicológico, primeiro entre as pessoas como categoria interpsicológica, depois – dentro da criança”. Essa lei ratifica a sócio-gênese do desenvolvimento já que ressalta a relação entre a criança e o mundo social como motor para seu desenvolvimento intelectual.

A referida lei permite aprofundar o entendimento da relação entre aprendizagem e desenvolvimento em Vygotsky. Para o estudioso, estamos diante de processos distintos, mas que são interdependentes. Vygotsky (2007)Vygotsky, L. S. (2007). A formação social da mente: o desenvolvimento dos processos psicológicos superiores. São Paulo, SP: Martins Fontes. discordava da ideia de que a aprendizagem segue o desenvolvimento, no sentido de que é preciso aguardar a maturação das estruturas internas para que determinadas aprendizagens possam ocorrer. Defendia, pois, um caminho inverso: a aprendizagem permite o avançar do desenvolvimento. Coerente com a teoria histórico-cultural, a lei genética do desenvolvimento cultural segue, portanto, um caminho que vai do social para o individual, do externo para o interno, ou seja, o caminho vai das funções interpsicológicas para as intrapsicológicas, o que é chamado de processo de internalização.

Aqui, a aprendizagem assume um caráter de atividade social, uma vez que é partir da aprendizagem que o plano interpsicológico é movimentado, não precisando aguardar o desenvolvimento de estruturas internas. Nas palavras de Núñez (2009Núñez, I. B. (2009). Vygostky, Leontiev e Galperin: formação de conceitos e princípios didáticos. Brasília, DF: Liber Livro., p. 29),

a aprendizagem torna-se condição necessária para a transformação qualitativa das funções psicológicas elementares em funções psicológicas superiores e, dessa forma, a aprendizagem estruturada de forma adequada, e de forma dialética interage e impulsiona o desenvolvimento.

Retomando nossas discussões iniciais, não há como negligenciar a relevância de uma formação crítica. Os estagiários precisam desenvolver habilidades que permitam uma análise crítica da realidade, bem como a elaboração de intervenções coerentes com o contexto sociocultural em que atuam. Assim, durante a formação em Psicologia, é relevante que haja um investimento tanto por parte do estudante quanto da universidade para que se formem profissionais qualificados e comprometidos com as condições de vida dos sujeitos. Por isso, a formação em Psicologia não deve visar formar profissionais com um perfil meramente técnico, posto que o profissional deve ter técnicas e também criticidade e, em específico, que desenvolva uma conscientização de seu trabalho e campo de atuação.

Consciência e atividade são categorias pertinentes ao trabalho de Leontiev (1978)Leontiev, A. N. (1978). Actividade, consciência e personalidade. Recuperado de http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/ma000004.pdf
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, que explica que a consciência é a forma superior, especificamente humana da psiquê. Seu desenvolvimento é proveniente da interação social e pressupõe o funcionamento da linguagem. Nesses termos, não é possível dissociar a atividade da consciência, pois “a consciência deve ser considerada, não como um campo contemplado pelo sujeito no qual suas imagens e conceitos são projetados, mas como um movimento interno específico gerado pelo movimento da atividade humana” (p. 7). Atividade e consciência formam uma unidade, visto que a primeira engendra o desenvolvimento da segunda e esta, por seu turno, direciona, controla e reflete os caminhos daquela.

Nesta direção, tem-se que a formação da consciência crítica dos estudantes também está implicada com atividades propiciadas no estágio. Todavia, alerta-se que não é a prática pela prática que proporciona esse processo. Para explicar essas ideias, resgatamos Vygotsky (2007)Vygotsky, L. S. (2007). A formação social da mente: o desenvolvimento dos processos psicológicos superiores. São Paulo, SP: Martins Fontes., que entende que a aprendizagem é, sobretudo, uma atividade mediada pela linguagem. A linguagem possibilita novas amplitudes às relações entre o aprendente e o objeto de conhecimento, uma vez que direciona e permite a produção de sentidos e significados, a apropriação cultural e coloca em relevo o papel ativo do estudante em relação ao conhecimento.

É a mediação simbólica que conduz os caminhos do interpsicológico para o intrapsicológico. Nesse sentido, as relações estabelecidas ao longo do estágio, especialmente os contextos de supervisão, podem ser significativos na promoção dessa mediação. O estagiário aprende nesses contextos, de forma externa, e prossegue internalizando e externalizando esses momentos de aprendizagens, o que possibilita transformações no sujeito e no objeto de conhecimento.

Com a aprendizagem, há o intercruzamento entre pensamento e linguagem e se abrem as oportunidades para a formação de conceitos, uma vez que o outro – o âmbito social – subsidia novas funcionalidades para a fala e para o pensamento, provocando relações interfuncionais e uma maior apropriação conceitual e, ainda, um desenvolvimento mais sofisticado dos processos intelectuais, como a consciência. O contexto da supervisão é um potencial espaço de mediações por proporcionar interlocuções entre os estagiários e uma sólida discussão teórica, favorecendo a articulação com a prática e a aproximação com as condições de trabalho. Nessa direção, o estudante poderá, por meio das atividades do estágio, desenvolver a consciência e processos de reflexão sobre uma boa intervenção.

Método: o espaço para a fala das estagiárias

Esse trabalho foi desenvolvido em uma perspectiva de pesquisa qualitativa (Minayo, 2009Minayo, M. C. S. (2009). O desafio da pesquisa social. In M. C. S. Minayo, S. F. Deslandes, & R. Gomes. (Orgs.), Pesquisa social: teoria, método e criatividade. Petrópolis, RJ: Vozes.), tendo em vista que esta tem como objetivo principal interpretar o fenômeno que observa, que, no caso da pesquisa, trata-se do papel do estágio em Psicologia. Foram realizados dois encontros de grupo focal no primeiro semestre de 2014, dos quais participaram seis discentes do curso de Psicologia. Três delas estavam executando atividades de Estágio Específico e as outras três, o Estágio Básico. Registramos que, além do grupo focal, também realizamos leituras de documentos que norteiam o curso, como as DCNs, o PPC e o regulamento de estágio, porém, diante da proposta desse artigo, enfocaremos primordialmente os dados produzidos no grupo focal.

O lócus da pesquisa foi o curso de Psicologia da Unidade Educacional de Palmeira dos Índios, que é vinculada à UFAL e está localizada na cidade de Palmeira dos Índios. A referida unidade existe desde o ano de 2006, a partir do Programa de Expansão do Sistema Público Federal de Educação Superior 2004/2006 (Brasil, 2004Brasil. (2004). Ministério da Educação. Programa de expansão do sistema público federal de educação superior 2004/2006. Recuperado de http://portal.mec.gov.br/arquivos/pdf/expifes_acs.pdf
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) do governo federal e abriga os cursos de Psicologia e de Serviço Social.

Sendo, atualmente, o único curso de Psicologia no interior alagoano, segundo o PPC, seu funcionamento é no turno diurno, com carga horária total de 4.100 horas, duração mínima de cinco anos e máxima de oito anos e são ofertadas anualmente cinquenta vagas. Ainda conforme o PPC, a formação em Psicologia deve priorizar a formação generalista, crítica, científica, pluralista, interdisciplinar e reflexiva (Universidade Federal de Alagoas, 2009Universidade Federal de Alagoas. (2009). Projeto pedagógico de curso de formação em psicologia. Palmeira dos Índios, AL: o autor.).

No referido curso, os Estágios Básicos 1 e 2 são ofertados nos sétimo e no oitavo períodos, respectivamente, com carga horária total de 160 horas. Já o Estágio Específico possui carga horária de 440 horas, sendo ofertado nos nono e décimo períodos. O PPC prevê estágio em áreas como: saúde mental, clínica, social-comunitária, escolar/educacional, jurídica, organizacional e hospitalar (Universidade Federal de Alagoas, 2009Universidade Federal de Alagoas. (2009). Projeto pedagógico de curso de formação em psicologia. Palmeira dos Índios, AL: o autor.).

Os estágios são atividades muito esperadas pelos estudantes, por se tratar da inserção no campo, do contato com a prática. No entanto, há uma dificuldade para encontrar vagas em alguns campos, ficando tal responsabilidade muitas vezes a cargo do estagiário ou dos professores. O curso conta com uma Coordenação de Estágio, sob a responsabilidade de um professor efetivo, que trabalha para articular a inserção dos estudantes no campo, mas essa é uma tarefa difícil, já que são poucos campos para muitos discentes, além da existência de entraves burocráticos e do pouco apoio da gestão central da universidade. Cada estudante pode escolher onde quer estagiar, porém nem sempre se consegue a vaga, especialmente quando os campos são muito disputados.

É válido situar que o curso desenvolve-se em Palmeira dos Índios, mas, considerando características da própria região e a proveniência dos estudantes, os campos estão distribuídos não só nesse município, como também em outras cidades próximas. Assim, há vários campos em cidades do agreste e do sertão alagoano, como Arapiraca, Santana do Ipanema, Igaci, entre outras. Essa situação, por um lado, é positiva por possibilitar uma articulação entre a universidade e municípios circunvizinhos. Por outro, as dificuldades de comunicação e de locomoção de docentes e discentes, obstaculizam o aprofundamento dessas articulações e a celeridade dos processos burocráticos para o desenvolvimento dos estágios.

Em relação à escolha das participantes do grupo, os critérios foram: estar em estágio, disposição em participar, disponibilidade de horário, além de buscarmos abranger campos de estágio distintos. No Quadro, apresentamos um breve perfil das participantes, cujos nomes são fictícios para preservar o sigilo de suas informações.

Quadro
Perfil das participantes.

Foi utilizado como instrumento de produção dos dados o grupo focal. De acordo com Kind (2004)Kind, L. (2004). Notas para o trabalho com a técnica de grupos focais. Psicologia em Revista, 10(15), 124-136. Recuperado de http://periodicos.pucminas.br/index.php/psicologiaemrevista/article/view/202/213
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, a produção dos dados nos grupos focais ocorre a partir da interação grupal. Dessa forma, deve-se considerar o processo do grupo, que transcende a soma das opiniões, sentimentos e pontos de vista individuais. Backes, Colomé, Erdmann e Lunardi (2011)Backes, D. S., Colomé, J. S., Erdmann, R. H., & Lunardi, V. L. (2011). Grupo focal como técnica de coleta e análise de dados em pesquisas qualitativas. O Mundo da Saúde, 35(4), 438-442. Recuperado de http://bvsms.saude.gov.br/bvs/artigos/grupo_focal_como_tecnica_coleta_analise_dados_pesquisa_qualitativa.pdf
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explicam que o grupo focal desenvolve-se em uma perspectiva dialética, de maneira que o grupo possui objetivos semelhantes e as pessoas que participam procuram desenvolver os trabalhos em equipe. Com isso, há uma sensibilização dos participantes para discutirem a realidade que estão vivendo, fazendo com que os assuntos abordados sejam mais problematizados do que seriam em uma entrevista individual.

Os encontros foram realizados em uma sala da UFAL e tiveram temas específicos, disparadores da discussão, a saber: apresentação da estudante e de sua trajetória no curso; apresentação dos estágios; relevância dos estágios para a formação em Psicologia; aspectos do estágio que contribuem para a formação.

A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética e Pesquisa da UFAL, parecer consubstanciado nº 468.810. Os grupos foram videogravados e foi realizada análise de conteúdo das falas das discentes, que foram fielmente transcritas.

Resultados e discussão: o estágio entre dores e delícias

Fundamentadas em Bardin (2009)Bardin, L. (2009). Análise de conteúdo. Lisboa: Edições 70., realizamos análise temática e, posteriormente, prosseguimos com a categorização dos temas, que foram classificados em três categorias: inserção no campo, práticas de estágio e frutos de estágio. A seguir, discutiremos as três categorias, entretanto, devido ao recorte proposto para esse texto, alertamos que não esgotaremos todos os temas trabalhados em grupo.

A primeira categoria, Inserção no campo, comporta os temas que estão relacionados com a entrada das estagiárias no campo, revelando as condições objetivas para a realização dos estágios, que são marcados pelas dificuldades de ingresso, pela precariedade nos campos de trabalho e pelos limites de funcionamento do próprio estágio.

Não ter espaço para trabalhar configura-se como uma dificuldade significativa na formação das estagiárias, que estão nos seus respectivos campos com o objetivo de realizar atividades que contribuam com as pessoas da instituição. A (im)possibilidade desse espaço de trabalho para a estagiária vai fazer uma grande diferença na avaliação se o estágio é bom, ruim, proveitoso ou não. Já os limites de estágio, correspondem às questões de formulação, organização e condições, como a carga horária, o prazo curto de desenvolvimento do trabalho, a falta de vagas, falta de autonomia, assim como a própria falta de campo, condições que podem dificultar a inserção da estudante. Vejamos algumas falas:

[...] meu estágio foi num projeto de extensão, eu nem queria estagiar lá, mas aí não tinha vaga no campo que eu escolhi e eu fui obrigada a estagiar lá nesse projeto (Marta).

Não tem espaço pra trabalhar com funcionário até quando a gente chegou pra falar essa questão do trabalho com os funcionários, ela já foi tirando de tempo, a diretora dizendo que tipo eles não tinham tempo pra isso, tinha muita coisa pra eles fazerem na instituição e que não tinham possibilidades de ser feito um trabalho com eles, aí é essa questão a dificuldade que a instituição possibilita e a gente não pode se impor porque a gente chegou lá e não tinha profissional lá [...] (Andrea).

Diante dessas dificuldades, as estudantes ficam com poucas possibilidades para desenvolver as ações planejadas, o que dificulta a construção de conhecimentos e a experiência, já que há tantos limites para sua atividade, consequentemente, não se tem tantas oportunidades de experiências.

Observamos que as relações entre as estagiárias e seus campos de atuação são centrais para proporcionar aprendizagens. Dessa forma, entendemos que a relação existente entre sujeito e objeto, entre as estagiárias e o estágio contribui na formação profissional. É por meio da interação existente que a estagiária vai se apropriar do seu estágio, do fazer do psicólogo, aprendendo, colaborando e se apropriando de novos conhecimentos. A estagiária, ao ser inserida no campo, pode auxiliar na promoção de mudanças no contexto, ao tempo que também será modificado por este.

De acordo com Sirgado (1990)Sirgado, A. P. (1990). A corrente sócio-histórica de Psicologia: fundamentos epistemológicos e perspectivas educacionais. Em Aberto, 9(48), 61-67. Recuperado de http://emaberto.inep.gov.br/index.php/emaberto/article/view/1792/1763
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, na relação que existe entre o sujeito e o objeto, há dois processos importantes e interligados que são a apropriação e a objetivação. A primeira ocorre quando o ser humano se apropria dos objetos produzidos; já a objetivação é o objeto produzido por meio da linguagem, das relações sociais, da moral, dentre outros. O objeto que é produzido pelo homem é resultado das relações sociais e das contradições existentes na sociedade.

É, pois, através da relação entre sujeito e objeto que há o desenvolvimento do sujeito. Com relação ao estágio e à estagiária, percebe-se que a relação existente deve colaborar para que exista o desenvolvimento da discente. É uma relação de troca, de apropriações, de desafios, de oportunidade, de crescimento mútuo. Nessa relação, a estudante precisa estar ativa, pois é através do trabalho que o homem vai produzir sua vida material e se desenvolver, percebendo que a realidade material é fundada nas contradições sociais e na história.

Ao mesmo tempo, esse desenvolvimento está atrelado à consideração sobre as condições objetivas do estágio, o que nos conduz a duas observações pertinentes. Sem essas condições, o sujeito não consegue engendrar sozinho tal processo. Em primeiro lugar, é salutar uma revisão do PPC do curso em tela, visando refletir sobre a organização dos estágios (Universidade Federal de Alagoas, 2009Universidade Federal de Alagoas. (2009). Projeto pedagógico de curso de formação em psicologia. Palmeira dos Índios, AL: o autor.). A partir do que é proposto no PPC, com base nos dados produzidos, identificamos que a carga horária e o funcionamento dos Estágios Básicos devem ser repensados, tendo em vista o prazo para realização de o estágio ser curto (80 horas por semestre) para uma experiência mais proveitosa.

Segundo, a organização do estágio, especificamente a falta de campo deve ser discutida. Claro que essa é uma circunstância que não depende apenas da universidade, mas das instituições que desejam abrir vagas para estágio. Entretanto, percebemos que é importante a busca por mais campos de estágio e por parcerias com instituições que possam abrir espaço para a inserção das estagiárias. Diante disso, aventamos a possibilidade de implantação de políticas institucionais que fomentem relações mais próximas entre a universidade e os municípios interioranos, especialmente, pensando a consolidação do processo de expansão da universidade federal para o interior alagoano.

Apesar dos entraves, as práticas em estágio desenvolvem-se e proporcionam a visualização de seu papel na formação. É o que se observa na segunda categoria, Práticas de Estágio, que contém os temas referentes às experiências das estagiárias nos seus campos.

Nas discussões dessa categoria, emergiu a consideração do estágio como uma oportunidade de experiência profissional, que se refere à experiência construída pelas estagiárias a partir do seu fazer. Foi um dos temas mais problematizados durante a realização dos encontros do grupo focal, tendo em vista que o estágio possibilita um contato maior com as demandas que futuramente encontrarão quando se formarem. Daqui, depreende-se que o papel do estágio, para as discentes, é proporcionar espaço para que as atividades se desenvolvam e constituam parte importante da formação do profissional.

A prática nos estágios conduz as estudantes para conhecer um novo mundo, para além da academia, o mundo da prática da profissão. Praticar o que se vem estudando é realizar um sonho, apesar das dificuldades encontradas no local, a satisfação em estagiar é significativa, pois é como se por aqueles instantes em que se está em campo, por aquelas horas, por aqueles dias de estágio, fossem já psicólogas. Isso fica evidente na fala de uma das estagiárias quando diz

Eu realizei triagem, avaliação psicológica, atendimento individual e sala de espera. E pra mim eu acho que um dos maiores desafios foi o atendimento individual, porque vocês imaginem uma pessoa no sexto, sétimo período, que nunca teve experiência e já de cara no primeiro estágio já fazer atendimento individual (Júlia).

Assim, o estágio para mim é o encontro com a prática é muito importante e é lá que vamos ver ao vivo e a cores [...] (Marta).

Com o estágio, vem também a ansiedade por não saber o que fazer em alguns casos. Percebemos, novamente, a importância da oportunidade de experiência profissional, visto que as estagiárias tiram suas dúvidas, realizam ações que irão repetir futuramente e, com isso, apropriam-se de conhecimentos que auxiliarão na resolução de algum caso, de alguma demanda. Exemplificamos com a fala de Maria:

[…] então, assim, pra ser um Estágio Básico foi uma surpresa e tanto e às vezes na supervisão acadêmica eu perguntava à professora: “E aí, professora, o que eu tenho que dizer?”. Em alguns momentos, eu ficava sem saber o que dizer porque no momento assim vem uma multidão de coisas pra você e aí eu dizia: “E agora? Eu tenho que ter uma resposta pra dar pra esse paciente” (Maria).

No trabalho, percebem-se as falhas, as dificuldades, o que precisa melhorar, afinal, essa é considerada a hora do teste para as participantes. O estágio, para elas, é o momento de aprendizado, em que se deve errar e acertar, porque quando de fato forem profissionais, o erro não será tão aceito.

As falas das estudantes desvelam a continuidade da separação entre as dimensões da teoria e da prática, muitas vezes consideradas em polos opostos e isolados. Com efeito, na matriz curricular do PPC (Universidade Federal de Alagoas, 2009Universidade Federal de Alagoas. (2009). Projeto pedagógico de curso de formação em psicologia. Palmeira dos Índios, AL: o autor.), as práticas estão circunscritas aos estágios, que ocorrem a partir do 7º semestre, e à previsão de atividades de extensão e pesquisa, por exemplo. À exceção da disciplina de Psicologia Social-comunitária, oferecida no 6º período, não há menção a atividades práticas nas ementas das demais disciplinas. Sabe-se que há experiências que aliam essas dimensões, contudo, a falta de formalização no PPC torna a experiência pontual e dependente da proposta dos docentes.

Alertamos que se deve ter atenção para não favorecer no estágio o desenvolvimento de profissionais meramente executores, que desvinculem conhecimentos teóricos e práticos. Acompanhamos Seixas (2014)Seixas, P. S. (2014). A formação graduada em Psicologia no Brasil: reflexão sobre os principais dilemas em um contexto Pós-DCN (tese de doutorado). Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes, Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal, RN. em suas observações de que ainda persiste nas graduações em Psicologia uma formação que privilegia o caráter técnico e profissionalizante. Com efeito, compreendemos que, para superar essa situação, o estágio precisa fornecer condições para mediações na formação. Para que tal processo seja significativo, é importante a participação ativa do estagiário e a observação das condições objetivas em que se desenvolve essa formação, considerando todo o contexto, seja o campo de estágio, a universidade e o estagiário. Deve-se buscar uma visão ampla do processo, não isolando o fenômeno, mas percebendo-o em sua totalidade e no movimento dialético.

Essa prática está relacionada ao conceito de atividade na Psicologia Sócio-histórica. Oliveira (2010)Oliveira, B. A. (2010). Fundamentos filosóficos marxistas da obra vigotskiana: a questão da categoria de atividade e algumas implicações para o trabalho educativo. In S. G. L. Mendonça & S. Miller, Vigotstky e a escola atual: fundamentos teóricos e implicações pedagógicas. Araraquara, SP: Junqueira & Marin. explica que através da atividade, o sujeito se apropria do conhecimento já existente e, nesse processo, objetiva-se no produto de seu trabalho. Nesse âmbito, a atividade está vinculada ao processo de internalização. Como vimos, em Vygotsky (2007)Vygotsky, L. S. (2007). A formação social da mente: o desenvolvimento dos processos psicológicos superiores. São Paulo, SP: Martins Fontes., o movimento do desenvolvimento humano acontece em um processo que se dá de fora para dentro, conforme a lei genética do desenvolvimento cultural. O autor entende que as habilidades, linguagem e pensamento desenvolvem-se primeiramente em um nível social, isto é, interpsíquico e só depois irão desenvolver-se em um nível individual, ou seja, intrapsíquico. A partir daí, o homem apropria-se das funções humanas, havendo, então, a reconstrução realizada pelo sujeito.

Desse modo, é preciso ter condições para que as atividades possam desenvolver-se e, a partir destas, as estagiárias possam aprender e se desenvolver como profissionais. Quando as estudantes trabalham, executam as atividades planejadas, estão buscando apropriar-se do que é ser profissional para tornarem-se profissionais qualificadas, respeitadas e comprometidas com a sociedade. Ao mesmo tempo, a realização da atividade permite sua objetivação. O fazer psicológico contribui para a formação das estagiárias e suas atividades colaboram para seu desenvolvimento e formação profissional.

O privilégio às atividades propostas nos estágios objetiva provocar o desenvolvimento da consciência, uma vez que, como discutimos, atividade e consciência configuram-se dialeticamente como uma unidade. Ao explorar a categoria da consciência, Núñez (2009Núñez, I. B. (2009). Vygostky, Leontiev e Galperin: formação de conceitos e princípios didáticos. Brasília, DF: Liber Livro., p. 65) explica que “A consciência é um atributo do cérebro humano. É a unidade dos processos psíquicos que participam ativamente nas relações do sujeito com o mundo exterior e com seu próprio eu”.

O desenvolvimento da consciência está associado a outro tema da segunda categoria, que diz respeito ao acompanhamento profissional. Este tema trata do suporte dos supervisores de campo e acadêmico junto às estagiárias e está contido nessa categoria porque o acompanhamento profissional é mais um elemento fundante para a construção de uma prática pertinente com a realidade do campo.

Quando há a ausência desse acompanhamento, notamos que há uma defasagem nas atividades de estágio, alguns problemas podem surgir, pois as estagiárias têm certa dificuldade no desenvolvimento das atividades. Quando a estagiária é acompanhada pelo profissional, sente-se mais segura de seu trabalho:

[...] com a psicóloga nas orientações foi muito proveitoso, porque assim a cada atendimento que a gente fazia, a gente fazia uma reunião pra discutir como tinha sido os atendimentos, o que fez no atendimento o que não era pra ter feito, o que podia ter falado pra o paciente qual a ênfase que podia ter dado no atendimento (Maria).

O estágio é algo novo para a estudante, então, precisa ter o acompanhamento necessário e, além do mais, é através desse acompanhamento que se pode refletir sobre a atuação e problematizar a prática. Na fala a seguir, isso pode ser exemplificado:

O apoio que o seu orientador de campo vai lhe dar porque eu acho que muitas vezes é ele que vai determinar como vai ser seu estágio, porque o meu me deu toda abertura, o meu me deu todo apoio, entendeu? Então, o meu estágio foi bom, acho que principalmente por conta dele, porque ele me proporcionou abertura e os conhecimentos necessários e assim eu sei que isso acontece de pegar o aluno e jogar aqui e até pra evitar que um aluno por despreparo faça alguma coisa errada e depois não abrir mais as portas pra estagiário, eu prefiro dar as condições certas pra ele pra que ele esteja preparado (Júlia).

Assim como existem experiências positivas de acompanhamento profissional, há também situações de ausência. Isso fica evidente quando uma das estagiárias afirma que

A sensação é muito ruim de tá num campo que não tem orientador e nem na universidade tem orientação e fica tudo estranho. Toda ideia que a gente dava pra o orientador, ele não aceitava e achava inviável [...] É muito ruim não ter orientador (Andrea).

Ter um contexto de supervisão que possibilite aprendizagens necessárias para uma prática qualificada é algo desejado pelas estagiárias, pois sabem que com as orientações poderão aperfeiçoar os trabalhos desenvolvidos no campo, assim como poderão realizar trocas, dividir as dificuldades e as angústias advindas dos estágios.

A supervisão faz-se necessária em uma formação para além da técnica por favorecer condições de mediação, oportunizando um espaço de fala e de ressignificações para as estagiárias. O que caracteriza a atividade do homem é a mediação existente entre o homem e seu objeto (Sirgado, 1990Sirgado, A. P. (1990). A corrente sócio-histórica de Psicologia: fundamentos epistemológicos e perspectivas educacionais. Em Aberto, 9(48), 61-67. Recuperado de http://emaberto.inep.gov.br/index.php/emaberto/article/view/1792/1763
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), sendo assim, a atividade das estagiárias tem no contexto da supervisão elementos para essa mediação. Fica explícita a importância do supervisor no processo formativo das estagiárias, visto que é ele quem dará suporte ao aprendizado, oportunizando mediações entre as estagiárias e seu campo e/ou entre as estagiárias e seus conhecimentos.

A partir disso, entendemos que a mediação simbólica é condição essencial para uma formação que não se restrinja ao treino de habilidades. O contexto de supervisão permitirá mediações das relações concretas dentro do estágio, possibilitando novos aprendizados e a construção de intervenções coerentes com a realidade social.

Retornamos, pois, à categoria da consciência. Conforme Fávero (2005)Fávero, M. H. (2005). Psicologia e conhecimento: subsídios da psicologia do desenvolvimento para a análise de ensinar e aprender. Brasília, DF: Editora Universidade de Brasília., Vygotsky insistiu no estudo dessa categoria, compreendendo-a como uma propriedade essencial do homem e mediada por sua experiência com o mundo. Salienta-se, também, que a consciência possui intencionalidade, o que permite ao sujeito, de modo crítico e reflexivo, planejar, avaliar, corrigir suas ações a cada instante. Essa consideração é fundamental quando se observa os contextos de supervisão: a partir da discussão acerca das atividades das estudantes, deve-se buscar, nas supervisões, reflexões sobre a atuação do psicólogo e demais elementos pertinentes ao campo de estágio, os quais compõem um processo dialético entre as práticas desenvolvidas e as perspectivas teóricas sobre o trabalho em foco. Desse processo, as estagiárias podem tornar-se conscientes de sua atuação e essa conscientização, provoca transformações nas atividades de estágio, em um movimento que se dá em espiral.

Em nossa reflexão, emerge o entendimento de que atividade e aprendizagem são dois processos que devem estar imbricados. É o que nos deparamos com a terceira categoria, Frutos do estágio, que abrange os ganhos do estágio, como as aprendizagens, que estão relacionadas com a apropriação de novos conhecimentos. A partir do estágio, as participantes aprenderam novas formas de relacionamento, estratégias para resolução de problemas, além de elementos para compreender o que é ser psicólogo. Vejamos algumas falas:

Mas foi isso, esse Estágio Básico 1 serviu pra mim perceber que eu sou capaz e pude superar meu medo de falar [...] (Marta).

E o psicólogo disse que aí é que a gente tem que começar a se impor, né, e isso também eu aprendi lá, porque além do conhecimento da minha prática enquanto psicóloga também questões institucionais que tem que ter, né? (risos) Assim, que às vezes a gente acha que só vai precisar da minha prática enquanto psicóloga, mas não, a gente precisa entender todas essas questões institucionais (Júlia).

[...] era pra passar o chapéu pra pessoa que eles gostavam e eles passaram pra mim, e eu achei tão engraçado (risos), aí assim eu fico contente com o resultado [...] aprendi muita coisa (risos) também aprendi o que não fazer (risos) (Ana).

O estágio, sendo uma atividade, provoca possibilidades de aprendizagem. As estudantes veem-se diante de desafios, impasses, tomam consciência de suas limitações e das condições de trabalho. Perante esses movimentos, buscam, em seus grupos de estágio, discutir, refletir sobre suas ações, ressignificar conceitos e práticas, enfim, têm a oportunidade de se apropriar de saberes e fazeres da Psicologia.

Nessa direção, temos que o aprendizado possibilita que processos internos sejam despertados no indivíduo, fazendo com que exista um desenvolvimento da pessoa no seu ambiente sociocultural (Vygotsky, 2007Vygotsky, L. S. (2007). A formação social da mente: o desenvolvimento dos processos psicológicos superiores. São Paulo, SP: Martins Fontes.). Compreende-se, então, que, antes do sujeito se desenvolver, ele aprende e, para que o aprendizado se engendre, é necessário que existam condições concretas, caso contrário, os processos de aprendizagem e de desenvolvimento poderão ser prejudicados.

Segundo Vygotsky (2007)Vygotsky, L. S. (2007). A formação social da mente: o desenvolvimento dos processos psicológicos superiores. São Paulo, SP: Martins Fontes., o desenvolvimento humano acontece em interação com o outro. É através do outro, pelo significado que se vai dando ao mundo social, que há aprendizagens de objetos de nossa cultura. Assim, é por meio da interação que há a apropriação do mundo pelo ser humano, de maneira que o aprendizado vai possibilitar a existência de processos internos que são despertados no sujeito, havendo o desenvolvimento do homem no meio em que está inserido.

Nesse sentido, Núñez (2009)Núñez, I. B. (2009). Vygostky, Leontiev e Galperin: formação de conceitos e princípios didáticos. Brasília, DF: Liber Livro. explica que o aprendizado é uma condição essencial para a transformação qualitativas das funções psicológicas elementares em superiores. Em relação aos estágios, as aprendizagens aí provocadas podem propiciar o desenvolvimento de características profissionais, especialmente no que tange aos processos de conscientização. Para tanto, precisamos refletir como os estágios podem transcender a ideia de um cenário para aplicação prática de conhecimentos, tornando-se um espaço de mediações de sentidos, reflexões e, acima de tudo, exercício e construção de uma formação crítica.

Considerações finais: que papel cabe ao estágio?

Estágio é o momento de encontrar a prática, momento essencial em um processo formativo profissional. Indo além do lugar-comum, perguntávamo-nos qual seu papel na formação em Psicologia, considerando o olhar das próprias estagiárias. O que significaria esse encontro com a prática? E, especialmente, como esse encontro pode ser profícuo em termos de aprendizagens e de uma formação crítica?

A escuta das falas das estagiárias nos proporcionou entender as dores e as delícias do estágio no processo de formação. Por um lado, avaliamos que o estágio é um espaço essencial para a mediação da formação das estudantes, pois as atividades realizadas nos campos proporcionam aprendizagens significativas para a vida pessoal e profissional das alunas. Por outro lado, observamos que as dificuldades enfrentadas pelas estagiárias não são poucas. E podem estar relacionadas tanto com a sua inserção no campo, devido à regulamentação do próprio estágio, isto é, as normas que são estabelecidas como, por exemplo, o prazo para a realização, como podem também estar ligadas à instituição, ao campo, ao trabalho do psicólogo e à falta de espaço para trabalhar, falta de entrosamento com a equipe de trabalho, entre outros.

Essas dificuldades, quando não problematizadas, podem comprometer a atuação das estudantes e, por conseguinte, a dinâmica do processo formativo. Daí, a necessidade de refletir sobre as contradições expostas de modo a tornar o estágio um espaço para atividades significativas e com oportunidades concretas de aprendizagens. Para tanto, é válida uma consistente a revisão do PPC, com o intuito de repensar o lugar do estágio e das práticas na graduação em foco. Além da elaboração de políticas de estágio coerentes com a realidade e as demandas locais, com a finalidade de promover parcerias entre os cursos e instituições concedentes, facilitando o processo de inserção dos discentes em seus campos. Atentamos que essa política não deve ser unicamente de responsabilidade dos professores e estudantes, mas é preciso envolver setores da gestão universitária de modo a estabelecer uma participação coletiva.

O estágio é prática, mas precisamos de cuidado para não recairmos em ativismos. O papel do estágio é proporcionar experiências para as estudantes, nas quais as atividades aí desenvolvidas produzam aprendizagens sobre a Psicologia, seus saberes e fazeres. Na perspectiva aqui assumida, não cabe uma concepção de estágio calcada em um modelo tecnicista que prevê esse momento como de aplicação das teorias aprendidas em sala de aula. Tal modelo isola aspectos centrais do estágio que não podem ser dissociados, como a reflexão crítica sobre as relações entre teoria e a prática. Como vimos, urge, nos dias atuais, superar a cisão entre a reflexão e a produção do conhecimento e as práticas realizadas na formação, uma vez que tais elementos compõem uma unidade que, quando cindida, perde sua força e significado e pode ratificar ações descompromissadas com a realidade social.

Destarte, defendemos o estágio como uma atividade, considerada em um prisma sócio-histórico. Tal categoria propicia a constituição de consciência crítica, ao mesmo tempo, que a consciência reconfigura a atividade, favorecendo outras reflexões e possibilidades de ação. Subsidiadas pelos achados produzidos no grupo focal, sublinhamos a pertinência do estágio para a construção de práticas que engendrem o processo de conscientização, contribuindo para uma formação mais crítica e contextualizada.

Essa possibilidade pode estar vinculada à dinâmica dos estágios, que precisa oportunizar mediações, especialmente no que concerne ao contexto das supervisões. A atividade de estágio, mediada pela palavra, lança luzes à reflexão sobre as ações e os determinantes a ela articulados. Com a mediação, as estudantes podem ressignificar seus saberes e fazeres, sua realidade de trabalho, bem como as relações estabelecidas no espaço de trabalho, subsidiando a constituição de uma prática profissional.

Finalmente, através do estágio, é possível às estagiárias tecer articulações entre teoria e prática, pois, ao serem inseridas em determinados campos, buscam situar a teoria, as discussões em sala de aula, com a realidade encontrada nas instituições, nas comunidades. Compreendemos, portanto, que o estágio, considerado como uma atividade, deve possibilitar uma formação articulada, que supere a neutralidade dos currículos tradicionais, levando as discentes a se conscientizar da realidade e trabalhar de forma contextualizada e comprometida.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Apr-Jun 2017

Histórico

  • Recebido
    23 Set 2015
  • Revisado
    08 Mar 2016
  • Aceito
    10 Fev 2017
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