Acessibilidade / Reportar erro

Desvendando o Coaching: uma Revisão sob a Ótica da Psicologia

Unfolding Coaching: a Literature Review from the Perspective of Psychology

Desvendando el Coaching: Una Revisión bajo la Óptica de la Psicología

Resumo

Este estudo teve como objetivo realizar uma revisão de literatura sobre o coaching a partir da ótica da Psicologia, ao contemplar suas principais definições, tipos e abordagens, e analisar o status prático e acadêmico do tema a nível internacional e nacional. Constatou-se a diversidade conceitual dos pressupostos teóricos do coaching, acompanhada de variadas aplicabilidades e uma prática profissional em ascensão, paradoxalmente ao desenvolvimento juvenil da literatura acadêmica sobre o tema, principalmente a nível nacional. O presente estudo contribui para nivelar os conhecimentos dos interessados pelo tema, uma vez que proporciona a compreensão de aspectos básicos do coaching, assim como permite que se enxergue além ao evidenciar as lacunas existentes e propor uma agenda para a pesquisa brasileira. Adicionalmente, diante dos aspectos cognitivos, comportamentais, afetivos e atitudinais do coaching, propõe-se que a Psicologia reforce seu domínio sobre a área, fornecendo subsídios teórico-práticos válidos e confiáveis. Diante da grande disseminação e comercialização do coaching, este artigo ajuda, principalmente, a “desvendar” o aparente quebra-cabeças do coaching, seus elementos, bases teóricas, aplicabilidade e pesquisas.

Coaching; Psicologia; Revisão de Literatura

Abstract

The main goal of this study was to carry out a literature review about coaching from the standpoint of Psychology, addressing its main definitions, types and approaches, as well as analyzing its academic and practical status in both Brazilian and international scope. Conceptual diversity regarding coaching theoretical assumptions was identified, followed by miscellaneous applications and ascending professional practice, oppositely to the juvenile development of its academic literature, especially regarding the Brazilian scope. The present study adds to knowledge leveling for those interested in coaching, as it provides comprehension of coaching basic aspects, going even further when it evidences the existing gaps and proposes a research agenda for Brazilian researchers. Additionally, concerning cognitive, behavioral, affective and attitudinal aspects of coaching, we propose that Psychology as a science can reinforce its domain over the field, providing valid and reliable theoretical-practical basis. Facing the great dissemination and commercialization of coaching in human resources management, this paper contributes to “unfolding” the puzzle of coaching, its elements, theoretical basis, applicability and research.

Coaching; Psychology; Literature Review

Resumen

Este estudio tuvo como objetivo realizar una revisión de literatura sobre el coaching desde la óptica de la Psicología, contemplando sus principales definiciones, tipos y enfoques, así como analizando el status práctico y académico del tema a nivel internacional y nacional. Se constató la diversidad conceptual de los presupuestos teóricos del coaching, acompañada de variadas aplicabilidades y una práctica profesional en ascenso, paradójicamente al desarrollo juvenil de la literatura académica sobre el tema, principalmente a nivel nacional.. El presente estudio contribuye a nivelar los conocimientos de los interesados por el tema, ya que proporciona la comprensión de aspectos básicos del coaching, así como permite que se vea más allá, al evidenciar las carencias existentes y proponer una agenda para la investigación brasileña. Además, ante los aspectos cognitivos, de comportamiento, afectivos y de actitud del coaching, se propone que la Psicología refuerce su dominio sobre el área, proporcionando subsidios teórico-prácticos válidos y confiables. Frente a la amplia difusión y comercialización del coaching en el contexto de la gestión de personas, este artículo ayuda, principalmente, a “desvelar” el aparente rompecabezas del coaching, sus elementos, bases teóricas, aplicabilidad e investigaciones.

Coaching; Psicología; Revisión de Literatura

Introdução

O coaching apresenta-se na atualidade como uma área de atuação diversa, emergente e amplamente difundida. Embora ainda recente no Brasil, essa perspectiva de treinamento e desenvolvimento de competências popularizou-se atingindo uma amplitude de serviços (Karawejczyk, & Cardoso, 2012Karawejczyk, T. C., & Cardoso, A. P. (2012). Atuação profissional em coaching e os desafios presentes e futuros nesta nova carreira. Boletim Técnico do Senac, 38(1), 47-59.). A partir da diversidade e crescimento dos serviços oferecidos pelo coaching, aumentam as indagações a respeito do que consiste essa prática. Em geral, as pessoas conhecem ou já ouviram falar sobre o assunto. Entretanto, pouco se sabe sobre os aspectos relacionados ao seu uso, qual o seu conjunto de pressupostos teóricos, quais são as técnicas utilizadas durante o processo, como os resultados são avaliados, quais os tipos de coaching e os requisitos necessários para aplicá-los (Costa, & Caregnatto, 2013Costa, E. V. B., & Caregnatto, M. I. M. (2013). As percepções das empresas do ramo metalomecânico de Caxias do Sul sobre o desenvolvimento de seus profissionais por meio do coaching. Global Manager Acadêmica, 2(1), 1-19.).

Descrever e analisar criticamente o coaching a partir de uma perspectiva acadêmica são tarefas desafiadoras e necessárias, principalmente pela variedade de conceitos existentes, amplitude de abordagens teóricas e práticas que subsidiam o exercício do coaching, bem como a escassez de estudos empíricos voltados para o tema. Tal desafio é relevante tanto para a análise de perspectivas sistemáticas que visam fundamentar a prática do coaching quanto para o avanço da produção do conhecimento científico na área.

Embora o coaching tenha atingido grande expansão no campo prático, existem aspectos essenciais em relação à fundamentação teórica e definição de conceitos que ainda estão em discussão. Neste artigo, tentaremos abordar alguns destes aspectos, tais como a terminologia, história, fundamentos e objetivos. Outros aspectos a serem discutidos estão ligados à interface do coaching com outros conceitos da Psicologia Organizacional e do Trabalho, tais como: treinamento, mentoring e carreira; a relação entre coaching, metas e autoconceitos; tipos e modelos de coaching.

No âmbito internacional, os estudos sobre coaching se apresentam como relativamente desenvolvidos, havendo inclusive periódicos dedicados exclusivamente ao tema, como: The Coaching Psychologist, International Coaching Psychology Review e International Journal of Evidence-Based Coaching and Mentoring. Entretanto, no panorama brasileiro são escassos os artigos publicados em periódicos indexados, evidenciando-se, inclusive, a necessidade de relatos sobre um panorama do que é o coaching e como ele pode ser analisado a partir de uma perspectiva acadêmica, de modo a se diferenciar das práticas genéricas e comerciais que atualmente costumam representar o coaching no Brasil. Iniciativas como a deste artigo são relevantes, uma vez que o campo do coaching tomou proporções tamanhas a ponto de não poder mais ser ignorado pelos estudiosos brasileiros, principalmente no tocante à Psicologia.

Considerando tal conjectura, este estudo tem como objetivo realizar uma revisão de literatura tanto teórica quanto empírica do coaching, contemplando as principais definições existentes, elementos constituintes, abordagens, modelos e uma breve revisão de estado da arte no Brasil. Um objetivo subjacente a este artigo consiste em auxiliar os pesquisadores que se interessam pelo tema a enxergar um ponto de partida, iniciando pela compreensão de aspectos básicos do coaching e, posteriormente, desencadeando reflexões sobre os construtos teóricos e a natureza dos serviços realizados com base no coaching. Deste modo, espera-se não só reduzir as lacunas apresentadas, como também apontar possíveis direções nas quais futuros estudos sobre o tema devem seguir.

Origens e definições do coaching

Uma das primeiras hipóteses sobre o advento do coaching é que seu surgimento ocorreu em uma cidade da Hungria chamada Kocs, entre os séculos XV e XVI (Cox, Bachkirova & Clutterbuck, 2014Cox, E., Bachkirova, T., & Clutterbuck, D. (2014). The complete handbook of coaching. London: Sage.). A palavra coaching inicialmente esteve relacionada ao transporte, mais precisamente ao tipo de carruagem coberta húngara, sendo posteriormente associada ao esporte. Tanto o transporte como o treinador conduziam as pessoas a um lugar ou objetivo (Cox et al., 2014Cox, E., Bachkirova, T., & Clutterbuck, D. (2014). The complete handbook of coaching. London: Sage.; Milaré, & Yoshida, 2007Milaré, S. A., & Yoshida, E. M. P. (2007). Coaching de executivos: Adaptação e estágio de mudanças. Psicologia: Teoria e Prática, 9(1), 86-99.). Como uma técnica importante para subsidiar o desenvolvimento dos atletas, o coaching foi bem difundido no esporte especialmente porque Tim Gallwey, tenista profissional, é considerado por alguns o precursor da metodologia do coaching (Whitmore, 2010)Whitmore, J. (2010). Coaching for performance. Boston, MA: FourthEdition.. Ao longo dos anos, observa-se que o termo coaching tem sido utilizado principalmente nas áreas esportiva, da educação e do trabalho (Grant, 2001)Grant, A. M. (2001). Towards a psychology of coaching: The impact of coaching on metacognition, mental health and goal attainment (Doctoral Dissertation). Macquarie University, Sydney, Australy.. Ives (2008)Ives, Y. (2008). What is Coaching? An Exploration of Conflicting Paradigms. International Journal of Evidence Based Coaching and Mentoring, 6(2),100-113., por exemplo, analisa o histórico do conceito e observa que, nos seus primórdios, o coaching foi concebido como uma espécie de orientação, ensino ou instrução. Ao surgir como uma disciplina distinta, foi abordado como forma de facilitação ou um estilo de gerenciamento de pessoas, estritamente não diretivo. Ultimamente, de maneira crescente, o coaching tem adotado elementos terapêuticos e de desenvolvimento pessoal. Estas diferentes proposições demonstram a ausência de convergências sobre a etimologia e as origens do coaching (Ferreira, 2008)Ferreira, M. A. A. (2008). Coaching: Um estudo exploratório sobre a percepção dos envolvidos (Dissertação de Mestrado). Instituto de Administração, Universidade de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil..

Além das variadas teorias acerca da origem do coaching, a literatura também apresenta diferentes conceitos sobre o que o coaching de fato representa. Um fator agravante para o desenvolvimento de uma base teórica consistente tem sido a própria prática do coaching, que atualmente é muito mais expressiva do que as teorias e as pesquisas sobre a sua cientificidade (Reis, & Nakata, 2010Reis, G. G., & Nakata, L. E. (2010). Modelo transteórico de mudança: Contribuições para o coaching de executivos. Revista Brasileira de Orientação Profissional, 11(1), 61-72.). A injeção crescente de ideias e técnicas gera confusão acerca da natureza precisa do coaching e do que ele pretende alcançar, contribuindo para a dificuldade em defini-lo (Stober, & Grant, 2006Stober, D. R., & Grant, A. M. (2006). Evidence based coaching handbook: Putting best practices to work for your clients. New Jersey, NJ: Wiley.). De maneira a tentar sistematizar concepções gerais encontradas na literatura, o Quadro 1 ilustra algumas das mais citadas definições de coaching.

Quadro 1
Definições de coaching.

Uma vez que o coaching tem sido utilizado pelas mais diversas áreas de estudo e pesquisa, é possível distinguir algumas perspectivas do coaching em função da abordagem teórica que o subsidia. O Quadro 2 ilustra as diferenças de perspectivas do coaching a partir de diversas abordagens e autores.

Quadro 2
O coaching segundo as diferentes abordagens.

Diante de tal diversidade de definições e abordagens do coaching, geram-se questionamentos acerca do que há de transversal a todas estas perspectivas, de forma a tornar o estudo do coaching viável. Ives (2008)Ives, Y. (2008). What is Coaching? An Exploration of Conflicting Paradigms. International Journal of Evidence Based Coaching and Mentoring, 6(2),100-113. apresenta uma proposta de extração da essência do coaching a partir da análise do que várias perspectivas têm em comum, concluindo que, de forma geral, o coaching está ligado ao desenvolvimento pessoal e desempenho dos indivíduos, além de ter como foco principal o alcance de metas claramente estabelecidas.

Ainda com relação à definição do que é o coaching¸ é relevante mencionar as diferenças encontradas na literatura entre coaching, mentoring e treinamento. O mentoring envolve a transmissão de conhecimentos por parte de um indivíduo com expertise em um domínio específico para um indivíduo com menos experiência; porém, o mentoring em si não exige do mentor habilidades de coaching (Grant, 2001Grant, A. M. (2001). Towards a psychology of coaching: The impact of coaching on metacognition, mental health and goal attainment (Doctoral Dissertation). Macquarie University, Sydney, Australy.). Já o coaching representaria um processo no qual o coach (aquele que conduz o processo) facilitaria o aprendizado do coachee (o aprendiz). Desta forma, o coach não necessariamente precisa ser um expert na área de aprendizado do coachee; ele apenas precisa ter experiência no processo de facilitação de aprendizagem e aprimoramento do desempenho. Com relação ao treinamento, Grant (2001)Grant, A. M. (2001). Towards a psychology of coaching: The impact of coaching on metacognition, mental health and goal attainment (Doctoral Dissertation). Macquarie University, Sydney, Australy. defende que este é um processo mais rígido e externamente determinado que o coaching; neste último, o próprio aprendiz é que organiza a agenda e ele é quem determina quais metas serão atingidas, ao contrário do treinamento, que é, em geral, organizado e executado conforme as necessidades da organização.

Tipos de coaching

Os tipos de coaching envolvem as peculiaridades das diferentes ênfases, principalmente em relação à natureza da atuação e do tipo de demanda no processo de coaching. Deve-se ressaltar, entretanto, a existência de amplas discussões entre pesquisadores e profissionais sobre o que caracteriza cada um dos tipos de coaching e a ausência de consenso sobre tais definições (Krausz, 2007Krausz, R. R. (2007). Coaching executivo: A conquista da liderança. São Paulo, SP: Nobel.). Porém, para a construção do Quadro 3, foram utilizadas as definições mais comumente encontradas na literatura, visando mapear os diferentes tipos de coaching.

Quadro 3
Tipos de coaching.

A partir do Quadro 3, é possível verificar a diversidade de tipos de coaching, o que pode ser justificado pelas inúmeras exigências humanas e mercadológicas, assim como pela maleabilidade do coaching, que permite seus princípios sejam aplicados a diferentes contextos. Porém, tal diversidade contribui para a disseminação de dúvidas e questionamentos acerca da atuação do coaching, principalmente por não haver um consenso entre as definições e metodologias (Ferreira, 2008Ferreira, M. A. A. (2008). Coaching: Um estudo exploratório sobre a percepção dos envolvidos (Dissertação de Mestrado). Instituto de Administração, Universidade de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil.).

Elementos do coaching

Para o desenvolvimento de pessoas através do coaching, são necessários dois atores principais: o coach, profissional que auxilia o seu cliente e conduz o processo, e o coachee, o cliente que será introduzido a um método específico para o alcance de metas e objetivos (Sardinha, 2012Sardinha, A. (2012). Entrevista com Dr. Stephen Palmer: o desenvolvimento do coaching cognitivo comportamental. Revista Brasileira de Terapias Cognitivas, 8(2), 126-130.). A respeito do relacionamento entre coach e coachee, há um consenso sobre a importância do estabelecimento de confiança e vínculo, o que é considerado um dos principais responsáveis pela eficácia do procedimento. Outro fator essencial diz respeito aos requisitos e a formação necessária para se tornar um profissional apto para atuar com o coaching. Em geral, o coaching tem sido exercido por diferentes profissionais de diversas áreas de atuação, não havendo exigências específicas na formação do coach (Joo, 2005Joo, B. (2005). Executive coaching: a conceptual framework from an integrative review of practice and research. Human Resource Development Review, 4(4), 462-488. https://doi.org/10.1177/1534484305280866
https://doi.org/10.1177/1534484305280866...
). Os backgrounds mais comuns incluem formação e/ou experiência em administração, negócios, treinamento, desenvolvimento, educação, aconselhamento, e Psicologia do esporte (Grant, 2005Grant, A. M. (2005). Workplace, executive and life coaching: An annotated bibliography from the behavioural science and business literature. Australia: University of Sydney.). Para alguns autores, os psicólogos possuem habilidades e conhecimentos necessários para direcionar um programa de coaching e, por isso, conseguem oferecer um serviço mais qualificado (Milaré, & Yoshida, 2007Milaré, S. A., & Yoshida, E. M. P. (2007). Coaching de executivos: Adaptação e estágio de mudanças. Psicologia: Teoria e Prática, 9(1), 86-99.). Entretanto, a maioria dos profissionais coach que ofereciam seus serviços às organizações não eram psicólogos ou ligados à área de ciência do comportamento (Grant, & Cavanagh, 2004Grant, A. M., & Cavanagh, M. (2004). Toward a profession of coaching: Sixty-five years of progress and challenges for the future. International Journal of Evidence Based Coaching and Mentoring, 2(1), 1-16.). Em geral, a interdisciplinaridade costuma ser vista como algo positivo; o problema é que tal variedade não é acompanhada por uma comunicação efetiva entre as áreas, de forma que vários grupos alegam autoria da prática e das técnicas de coaching, mas provavelmente nenhum deles possui domínio do campo, seja de forma teórica ou empírica (Grant, 2005)Grant, A. M. (2005). Workplace, executive and life coaching: An annotated bibliography from the behavioural science and business literature. Australia: University of Sydney..

Neste sentido, alguns autores afirmam que não é necessária formação acadêmica específica para aplicar as técnicas do coaching pelo fato de não haver uma regulamentação profissional, o que indica que coaching não é uma profissão (Karawejczyk, & Cardoso, 2012Karawejczyk, T. C., & Cardoso, A. P. (2012). Atuação profissional em coaching e os desafios presentes e futuros nesta nova carreira. Boletim Técnico do Senac, 38(1), 47-59.). A maioria dos profissionais coaches não utilizam uma abordagem teórica coerente, tampouco técnicas cientificamente validadas em suas atuações (Grant, & O’Hara, 2006Grant, A. M., & O’Hara, B. (2006). The self-presentation of Australian life coaching schools: cause for concern? International Coaching Psychology Review, 1(2), 21-33.). Tais constatações são alarmantes principalmente porque, diante da ausência de um padrão de técnicas e de um conselho que regulamente e fiscalize a profissão, podem-se gerar ambiguidades e divergências quanto à atuação do coach, além de pouca confiabilidade nos resultados do processo de coaching.

Apesar da escassez de especificações em relação à formação do coach, é possível encontrar na literatura alguns requisitos para o indivíduo atuar como coach, tais como: a) obtenção de um certificado de formação em desenvolvimento de coaching; b) ter passado por um processo de coaching nomeadamente; c) ter desenvolvido trabalho sobre si mesmo; d) apresentar formação profissional adequada; e) ficar sob supervisão constante de sua atividade como coach (Karawejczyk, & Cardoso, 2012Karawejczyk, T. C., & Cardoso, A. P. (2012). Atuação profissional em coaching e os desafios presentes e futuros nesta nova carreira. Boletim Técnico do Senac, 38(1), 47-59.). Entretanto, quais seriam os critérios para avaliar se há uma “formação profissional adequada”, ou um “trabalho sobre si mesmo”? Faltam delimitações e consenso sobre em que consiste essa prática e o que deve constar no processo de formação para se atuar na área. Logo, surgem diversos questionamentos não apenas em relação às lacunas do processo de formação, mas também acerca das implicações para a atuação dos profissionais.

Prática do coaching

A prática do coaching expandiu-se consideravelmente ao longo dos últimos anos, o que pode ser justificado pelas: (1) mudanças ocorridas no mercado de trabalho que fazem com que as pessoas busquem ter um melhor desempenho e (2) popularidade que o coaching ganhou em decorrência dos resultados positivos gerados através do seu método de desenvolvimento pessoal ou organizacional. Quanto às mudanças ocorridas nos contextos em que os indivíduos buscam se desenvolver, no âmbito organizacional os avanços tecnológicos levaram a uma alta competitividade entre as empresas, o que aumenta a exigência por qualidade e capacidade de produção da organização, e consequentemente, dos funcionários. Adicionalmente, profissionais no mercado de trabalho atual costumam ter maior autonomia sobre a própria carreira. Isto difere de meados dos anos 1970, quando a carreira era desenvolvida em poucas empresas e o desenvolvimento profissional era majoritariamente controlado pela organização. Portanto, é possível que o processo de coaching esteja sendo visto como uma ferramenta capaz de auxiliar as pessoas a lidar com este novo contexto de trabalho.

Com relação à popularidade do coaching, o Relatório Anual de 2013 da International Coach Federation indica que nesse mesmo ano a organização já contava com 22.701 membros associados espalhados pelo mundo (International Coach Federation, 2013International Coach Federation. (2013). O que é a ICF? Recuperado e de http://icfbrasil.org/icf/index.asp?id=1.
http://icfbrasil.org/icf/index.asp?id=1...
). Há também organizações sem fins lucrativos com o objetivo de desenvolver o coaching tanto no âmbito prático quanto no ensino, tais como a International Coach Federation (ICF) nos Estados Unidos, além do European Mentoring and Coaching Council (EMCC), da The Association for Coaching (AC) e da International Coaching Community (ICC), estes últimos na Inglaterra. A IFC é considerado a maior associação global de coaches e oferece uma espécie de selo de qualidade para os requerentes. Tal reconhecimento tem o objetivo de garantir a qualidade e a confiabilidade nos serviços prestados para os usuários que procuram por cursos de treinamento independentes de coaching e profissionais da área (The Association for Coaching, 2015The Association for Coaching (2015). Purpose. Recuperado de http://www.associationforcoaching.com/pages/home
http://www.associationforcoaching.com/pa...
). Em contrapartida, o EMCC foi fundado há mais de 20 anos em decorrência da necessidade de diretrizes comuns de prática e ética para as atividades de mentoring e coaching em expansão. A instituição tem como objetivo promover e definir expectativas de melhores práticas em mentoring e coaching em toda a Europa e além, para o benefício da sociedade. A organização promove eventos e conferências em diversos países, além de atualizar a comunidade científica sobre as práticas e pesquisas em coaching e mentoring (European Mentoring and Coaching Council, 2015European Mentoring and Coaching Council, (2015). About EMCC: Regulation. Recuperado de http://www.emccouncil.org/eu/en/about/regulation.
http://www.emccouncil.org/eu/en/about/re...
).

Ainda na Europa, foi realizada uma parceria entre a ICF e o EMCC em 2011, com o objetivo de criar um documento para melhor subsidiar a profissionalização do coaching e do mentoring, intitulado The Professional Charter for Coaching and Mentoring (European Mentoring, Coaching Council & International Coach Federation, 2011European Mentoring, Coaching Council & International Coach Federation (2011). The professional charter for coaching and mentoring. Recuperado de http://www.eesc.europa.eu/self-and-coregulation/full.asp?w=n&ID=142
http://www.eesc.europa.eu/self-and-coreg...
). O documento foi aprovado pela União Europeia e tem como objetivo ajudar a conduzir boas práticas profissionais e estipular diretrizes éticas, estando disponível para o acesso público no banco de dados European Union Database, o que contribui para ajudar a fortalecer a confiabilidade do coaching.

Com relação à expansão nacional, foi realizado um levantamento pelo jornal Folha de S. Paulo (2011)Folha de São Paulo (2011, 25 de julho). Aumenta o número de ‘coaches’ no país. Recuperado de http://www1.folha.uol.com.br/fsp/empregos/12834-aumenta-o-numero-de-coaches-no-pais.shtml
http://www1.folha.uol.com.br/fsp/emprego...
com as maiores organizações certificadoras de profissionais coaches do país, a saber: Associação Brasileira de Coaching Executivo e Empresarial, Sociedade Brasileira de Coaching e Sociedade Latino-Americana de Coaching. Neste levantamento foi constatado que entre os anos de 2005 e 2011, o número de profissionais certificados cresceu de 752 para 2.310, ou seja, um crescimento de 207%. Esses dados corroboram a premissa de que a prática e comercialização do coaching cresceram consideravelmente também no Brasil.

Apesar de no Brasil o coaching ter tido importantes avanços nos últimos anos, o nível de organização da prática na área não é equiparado ao do cenário internacional. Em entrevista dada à revista Exame, o presidente da ICF (International Coaching Federation, 2013) no Brasil, José Augusto Figueiredo, afirma que na América do Norte e Europa, a proporção de coaches por habitantes é de 40 para cada milhão. Já no Brasil, o número cai para quatro coaches por milhão de habitantes, ficando abaixo da média mundial de sete coaches por milhão. A ICF acredita que há espaço no cenário brasileiro para o crescimento da profissão. No entanto, alerta para o surgimento de profissionais falsamente intitulados como coaches que dizem prestar esse serviço e ludibriam seus clientes. Além disso, a escassez de fontes de informação seguras sobre o coaching dá margens para o surgimento desses falsos profissionais; o cliente teria dificuldades para saber ao certo as atribuições de um coach e como distinguir um profissional capacitado de um não qualificado.

O desenvolvimento da prática do coaching nos Estados Unidos e Europa tem sido acompanhado por uma organização considerável da produção acadêmica, a exemplo dos periódicos especializados no tema mencionados na introdução, o que contribui para o desenvolvimento de práticas de coaching mais confiáveis. Porém, no Brasil, este aspecto é ainda incipiente, uma vez que a prática tem crescido num ritmo mais acelerado do que a teoria, de forma que produções nacionais sobre coaching ainda são extremamente escassas, como será discutido neste artigo.

A Psicologia do coaching

Uma das propostas entre os autores da área do coaching é de que a Psicologia assuma o coaching como um de seus temas de interesse. A “Psicologia do Coaching”, termo cunhado por Grant (2001)Grant, A. M. (2001). Towards a psychology of coaching: The impact of coaching on metacognition, mental health and goal attainment (Doctoral Dissertation). Macquarie University, Sydney, Australy., consistiria na busca de teorias que extrapolassem o campo da mera descrição, analisando mecanismos psicológicos e fornecendo insights sobre como melhor facilitar a adoção de comportamentos específicos. Considerando que o processo de coaching consiste basicamente em ajudar indivíduos a gerenciar seus recursos inter e intrapessoais de forma a atingir suas metas, uma contribuição da Psicologia seria no tocante aos mecanismos de autorregulação e sobre como aspectos emocionais, cognitivos e comportamentais influenciariam o alcance de metas (Grant, 2001Grant, A. M. (2001). Towards a psychology of coaching: The impact of coaching on metacognition, mental health and goal attainment (Doctoral Dissertation). Macquarie University, Sydney, Australy.). No tocante à Psicologia Organizacional e do Trabalho, poder-se-ia analisar de que forma o coaching contribui para formação de lideranças, melhoria do desempenho na função, gestão de carreira e processos de mudança organizacional.

Na mesma direção da “Psicologia do Coaching”, tem-se a proposta do estudo do coaching com “base em evidências” (evidence-based coaching), que visa subsidiar e, principalmente, solidificar a prática do coaching através do uso de teorias e pesquisas acadêmicas, como demonstrado pelo periódico International Journal of Evidence-Based Coaching and Mentoring. Para se considerar o coaching uma prática com base em evidências, seria necessário que ele apresentasse três características fundamentais: 1) o uso do melhor conhecimento disponível; 2) a expertise do profissional vinculado à prática; 3) a consideração das preferências do cliente (Stober, Wildflower & Drake, 2006Stober, D. R., Wildflower, L., & Drake, D. (2006). Evidence-based practice: A potential approach for effective coaching. International Journal of Evidence Based Coaching and Mentoring, 4(1), 1-8.). Com relação ao uso do melhor conhecimento disponível, o objetivo do coaching com base em evidências seria transferir o conhecimento científico disponível para a prática. Neste sentido, autores como Grant (2005)Grant, A. M. (2005). Workplace, executive and life coaching: An annotated bibliography from the behavioural science and business literature. Australia: University of Sydney. defendem que as ciências do comportamento podem contribuir em larga escala para o desenvolvimento de práticas de coaching com base em evidências, principalmente no tocante às teorias e modelos de alcance de metas e motivação, além da relação do coaching com autoconsciência, autorregulação e autoeficácia, por exemplo. Outro arcabouço teórico que seria de grande valia para o desenvolvimento do coaching com base em evidências seria a Psicologia positiva, uma vez que ela foca nos aspectos positivos do humano e o coaching, por sua vez, visaria aprimorar as habilidades e capacidades humanas (Grant, 2005Grant, A. M. (2005). Workplace, executive and life coaching: An annotated bibliography from the behavioural science and business literature. Australia: University of Sydney.; Sperry, 1997)Sperry, L. (1997). Leadership dynamics: Character and character structure in executives. Consulting Psychology Journal: Practice & Research, 49(4), 268-280.. De forma a sintetizar as necessidades de pesquisa do coaching, a Figura 1 aponta as principais demandas teóricas e práticas que deveriam ser investigadas acerca do coaching.

Figura 1
Demandas de pesquisa do coaching (Stober, & Parry, 2005Stober, D. R. & Parry, C. (2005). Current challenges and future directions in coaching research. In M. Cananagh, A. M. Grant, & T. Kemp (Eds.), Evidence based in coaching (Vol. 1, pp 13-36). Queensland: Australian Academic Press.).

Produção acadêmica internacional sobre coaching

Para avaliar o quanto um campo de conhecimento ou área de atuação se desenvolve ao longo do tempo, é imprescindível analisar sua produção científica. Com relação ao coaching, já foi mencionado o aparente descompasso entre a teoria e a prática, porém, tem havido um aumento de iniciativas de pesquisa no âmbito internacional nos últimos anos. Isto pode ser evidenciado por Grant (2010)Grant, A. M. (2010). It takes time: A stages of change perspective on the adoption of workplace coaching skills. Journal of Change Management, 10(1), 61-77. https://doi.org/10.1080/14697010903549440
https://doi.org/10.1080/1469701090354944...
, cujo levantamento constata que entre 2000 e 2009, 425 estudos sobre coaching foram publicados. Já entre 1937 e 1999, apenas 93 estudos foram publicados, o que demonstra um crescimento exponencial da área a partir do início do século XXI. Porém, Grant (2010)Grant, A. M. (2010). It takes time: A stages of change perspective on the adoption of workplace coaching skills. Journal of Change Management, 10(1), 61-77. https://doi.org/10.1080/14697010903549440
https://doi.org/10.1080/1469701090354944...
aponta que, dentre estes estudos, mais da metade são descritivos, baseados em opinião ou discussões teóricas, o que expõe o estágio inicial do coaching enquanto disciplina acadêmica. Os estudos empíricos, por sua vez, geralmente apresentam desenho de pesquisa em formato de survey e tem como objetivo analisar aspectos como as características dos coaches e coachees ou como o coaching é utilizado em diferentes contextos (escolas, organizações etc.). O autor aponta a escassez de estudos que analisem os resultados do coaching, a eficácia do processo e dos métodos e o impacto do coaching a longo prazo. É também evidente na revisão de Grant (2010)Grant, A. M. (2010). It takes time: A stages of change perspective on the adoption of workplace coaching skills. Journal of Change Management, 10(1), 61-77. https://doi.org/10.1080/14697010903549440
https://doi.org/10.1080/1469701090354944...
a carência de modelos explicativos, assim como estudos que utilizem o método experimental.

Produção acadêmica nacional sobre coaching

No cenário nacional, até o ano de 2015 não foram encontrados artigos em periódicos anexados que abordassem uma revisão de literatura ou de estado da arte sobre o coaching, de forma geral, no Brasil. Portanto, foi realizada para este artigo uma busca simplificada, visando analisar brevemente a produção nacional do coaching nos últimos anos. Foram pesquisadas as palavras-chave “coaching”, “coach” e “coachee”, entre os anos 2000 e 2015, nas bases de dados Lilacs, Pepsic, SciELO e no Google acadêmico. As publicações estrangeiras não foram incluídas nesta análise, uma vez que o interesse foi o cenário brasileiro. Além disso, para a seleção dos estudos os autores deveriam ser brasileiros, assim como as pesquisas e os meios de divulgação.

As publicações encontradas foram catalogadas em uma planilha que incluía as seguintes categorias: a) título do estudo; b) quantidade de autores e os seus respectivos nomes; c) ano da pesquisa; d) palavras-chave; e) tipo de trabalho (artigo, dissertação, tese); f) fonte; g) área de avaliação; h) extrato; i) indexador; j) metodologia utilizada (abordagem, natureza, procedimentos e objetivos da metodologia); k) instrumentos; l) quantidade de referências bibliográficas utilizadas (artigos, livros, teses, dissertações, monografias e documentos eletrônicos); e m) idioma das referências bibliográficas.

A busca das palavras-chave nos indexadores mencionados resultou em 48 estudos em cinco indexadores, publicados em 27 periódicos, oito repositórios e 13 bibliotecas digitais. Considerando este material, a Figura 2 apresenta a frequência das publicações encontradas no período mencionado, evidenciando o ritmo da produção no Brasil sobre coaching. Comparativamente ao resultado encontrado por Grant (2010)Grant, A. M. (2010). It takes time: A stages of change perspective on the adoption of workplace coaching skills. Journal of Change Management, 10(1), 61-77. https://doi.org/10.1080/14697010903549440
https://doi.org/10.1080/1469701090354944...
, é possível afirmar que, num período de 15 anos, o Brasil produziu cerca de 11% do que foi produzido nos Estados Unidos e Europa num período de 9 anos. Isto indica uma lacuna considerável de estudos brasileiros sobre um tema que evidentemente está ganhando espaço e mercado tanto no cenário internacional quanto no brasileiro.

Figura 2
Distribuição anual de publicações sobre coaching no período de 2000 a 2015.

Considerando a distribuição anual (Figura 2), há um aumento pouco gradual de produções. De 2000 até 2006, houve apenas uma publicação, no ano de 2004. Entre 2007 e 2010, foram publicados 12 estudos sobre o tema. A partir de 2011, o número de publicações aumenta até alcançar o ápice em 2014, com 12 publicações, e cai para zero no primeiro semestre de 2015. Porém, esta análise considera estudos do tipo monografia, que não passam por corpo editorial ou revisão de pares, sendo imprescindível a análise separada dos artigos, por atenderem a estes requisitos. A frequência de publicações em artigos ocupa mais da metade das publicações sobre coaching (58%). As demais publicações – monografias, dissertações e teses – ocupam, respectivamente, 19%, 17% e 6%. Na Figura 3 observa-se um crescimento relativamente estável da publicação de artigos a partir de 2009, porém ainda tímido, com seu ápice em pouco mais de dez artigos por ano.

Figura 3
Distribuição anual de artigos sobre coaching no período de 2000 a 2015.

Em relação à classificação do Qualis/Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) dos periódicos eletrônicos que publicaram artigos sobre coaching, observa-se na Figura 4 que a maioria (70%) dos artigos sobre coaching foi publicada em periódicos de Qualis B, com uma predominância idêntica nas categorias B2 e B3. Em seguida, com 22%, estão os periódicos de Qualis A. Entretanto, embora existam publicações em revistas com extrato A2, não há nenhuma publicação em extrato A1. Por fim, com 9% das publicações, estão as revistas do extrato C. Diante de tais resultados, considera-se quatro possíveis explicações: (1) os periódicos A1 não estariam interessados em publicar estudos sobre o coaching; (2) os próprios autores estariam optando por submeter seus artigos em periódicos com classificações B pelo Qualis/Capes; (3) os artigos sobre o tema não estão atingindo os requisitos necessários para serem publicados em revistas nível A1 (4) e, por fim, pode-se supor que simplesmente ainda não estejam sendo produzidos artigos suficientes sobre o tema.

Figura 4
Classificação Qualis/Capes dos artigos por extrato de periódicos.

Quando se trata da quantidade de autores em cada produção, verifica-se que 54% das publicações são feitas por apenas um autor, 35% pertencem a dois autores, 6%, a três autores e apenas 4% possuem quatro autores. Este dado pode indicar produções isoladas e/ou pouca colaboração entre pesquisadores no campo. Além disso, demonstra aparente ausência de redes de pesquisas científicas, contribuindo para a fragmentação teórico-conceitual encontrada na literatura, a qual inviabiliza o fortalecimento do conhecimento acadêmico sobre o coaching.

No que diz respeito à área de publicação dos artigos científicos, o campo de Administração apresenta a maioria, com treze. Em segundo lugar encontra-se a Psicologia, com sete, e em terceiro lugar, a Educação, com três artigos. Foi encontrado também um artigo interdisciplinar. Uma explicação possível para tal resultado seria o fato de a atuação do coaching ter se expandido nas organizações empresariais e no business executivo, campos valorizados pelos estudos da Administração. Já a participação da Psicologia, principalmente da Psicologia Organizacional e do Trabalho, embora esteja em segundo lugar, ainda é muito restrita. Tal panorama pode se dever ao fato de que o coaching tem sido objeto de estudo de várias áreas, apresentando abrangência multidisciplinar e ausência de exigência de formação específica.

Em relação às referências bibliográficas utilizadas nos 48 estudos, foram encontradas 1.833. Dessas, 1.181 eram referências em português, 614 em inglês, 32 em espanhol e seis em outros idiomas. Esta proporção de referências em português comparada à de referências em inglês indica um desacordo lógico entre os dados mostrados anteriormente, quando se analisa o estágio de desenvolvimento do coaching no Brasil. Considerando que a América do Norte conta com 425 publicações sobre o tema entre os anos de 2000 e 2005 (Grant, 2010Grant, A. M. (2010). It takes time: A stages of change perspective on the adoption of workplace coaching skills. Journal of Change Management, 10(1), 61-77. https://doi.org/10.1080/14697010903549440
https://doi.org/10.1080/1469701090354944...
), contra 48 no Brasil entre 2000 e 2015, seria de se esperar um número maior de referências em inglês do que em português. Pode-se levantar hipóteses quanto a razão deste dado: o não domínio da língua inglesa pelos pesquisadores brasileiros, o acesso restrito aos periódicos internacionais ou até mesmo uma possível diferença entre o coaching brasileiro e o estrangeiro. Tomar como bases publicações de um país que não o mais desenvolvido na área pode ter impactos negativos no desenvolvimento da teoria e prática do coaching no Brasil, tendo em vista que esta base poderá ser constituída de conhecimento não acurado.

Em suma, é possível afirmar que, diante da escassez de produção científica nacional principalmente em comparação com os Estados Unidos e Europa, no Brasil há indícios de uma discrepância entre o fazer e o saber do coaching. Enquanto o número de profissionais que utilizam o coaching parece estar aumentando, a pesquisa não tem se desenvolvido na mesma proporção, o que indica que o desenvolvimento da prática não tem acompanhado o da teoria.

Considerações finais

A partir da revisão de literatura realizada sobre o coaching, pode-se afirmar que o coaching é uma prática recente não só no Brasil, mas também no mundo como um todo. Por isso, traz consigo os desafios inerentes a um campo considerado emergente. Para crescer com credibilidade, é necessário que o coaching ganhe mais espaço nas produções acadêmicas, com o propósito de produzir e divulgar um conhecimento validado pelo rigor das teorias científicas. Destarte, não se pode negar que a prática precede a teoria, mas também é coerente dizer que a teoria respalda a prática. A lição que se deve aprender é de que teoria e prática são necessárias para que o coaching cresça e se desenvolva como uma área robusta e independente; desta forma, quando um ciclo vigoroso de pesquisa, teoria e prática se firmar, cada parte do ciclo e o campo como um todo se beneficiará (Stober, & Parry, 2005Stober, D. R. & Parry, C. (2005). Current challenges and future directions in coaching research. In M. Cananagh, A. M. Grant, & T. Kemp (Eds.), Evidence based in coaching (Vol. 1, pp 13-36). Queensland: Australian Academic Press.). Pouco se avançará enquanto houver abismo e falta de diálogo entre o mundo da pesquisa acadêmica e a prática conduzida pelos institutos de coaching; sendo assim, este artigo visou, de certa forma, representar um primeiro passo no sentido de diminuir tal lacuna.

Ao descrever e analisar, ainda que brevemente, o estado da produção científica nacional sobre coaching, este estudo contribui tanto para o âmbito acadêmico quanto prático no sentido de apontar a conjuntura embrionária do campo. A escassez de estudos é preocupante em vários aspectos: a diferenciação do coaching de outras práticas, a distinção do profissional qualificado do não qualificado, o comércio de técnicas sem validação científica e a difusão de um conhecimento prático antes de sua teorização e investigação. Neste sentido, considera-se imprescindível que haja esforços na direção da construção de um consenso sobre o que constitui o coaching, seu processo, seus métodos, medidas e padrões aceitáveis de exercício.

Como agenda de pesquisa, para além dos fatores dispostos na Figura 1, Stober e Parry (2005)Stober, D. R. & Parry, C. (2005). Current challenges and future directions in coaching research. In M. Cananagh, A. M. Grant, & T. Kemp (Eds.), Evidence based in coaching (Vol. 1, pp 13-36). Queensland: Australian Academic Press. defendem que estudos de corte transversal seriam úteis como ponto de partida para a resolução de problemas teóricos, porém, posteriormente, desenhos de pesquisa longitudinais poderiam investigar os efeitos a longo prazo do coaching. Desenhos de pesquisa quantitativos e, eventualmente, experimentais também poderiam agregar ao desenvolvimento da área, uma vez que a maior parte da produção no campo ainda é qualitativa e descritiva (Grant, 2010Grant, A. M. (2010). It takes time: A stages of change perspective on the adoption of workplace coaching skills. Journal of Change Management, 10(1), 61-77. https://doi.org/10.1080/14697010903549440
https://doi.org/10.1080/1469701090354944...
). Adicionalmente, a comparação entre os vários tipos de coaching, a combinação de métodos e o desenvolvimento de ferramentas para a comprovação da efetividade do coaching nos diferentes campos de aplicação e nas abordagens seria de grande contribuição.

Ademais, este trabalho evidencia a necessidade de novas pesquisas que investiguem a discrepância entre as informações conceituais existentes nos meios acadêmicos e “profissionais” que envolvem o coaching. Com base no levantamento de literatura apresentado, considera-se a possibilidade de realização de futuros trabalhos sobre a diferenciação entre a concepção profissional de coaching no Brasil e em outros países, como Estados Unidos e Reino Unido; tal trabalho poderia subsidiar uma investigação científica sobre o desenvolvimento do coaching como ferramenta mercadológica no Brasil. A respeito das áreas de divulgação da produção científica, a participação da Psicologia na produção de estudos ainda é modesta, e conforme indicações da literatura internacional, tal cenário precisa ser alterado, reafirmando-se a necessidade de maiores esforços para investigar aspectos do coaching sob a ótica da Psicologia.

Referências

  • Bluckert, P. (2004). The state of play in corporate coaching: Current and future trends. Industrial and Commercial Training, 36 (2), 53-56. https://doi.org/10.1108/00197850410524806
    » https://doi.org/10.1108/00197850410524806
  • Cavanagh, M. (2006). Coaching from a systematic perspective: A complex adaptive conversation. In D. R. Stober, & A. M. Grant (Eds.), Evidence based coaching handbook: Putting best practices to work for your clients (pp. 313-354). New Jersey, NJ: John Wiley & Sons.
  • Clutterbuck, D. (2014). Everyone needs a mentor London: CIPD Publishing.
  • Costa, E. V. B., & Caregnatto, M. I. M. (2013). As percepções das empresas do ramo metalomecânico de Caxias do Sul sobre o desenvolvimento de seus profissionais por meio do coaching. Global Manager Acadêmica, 2(1), 1-19.
  • Cox, E., Bachkirova, T., & Clutterbuck, D. (2014). The complete handbook of coaching London: Sage.
  • European Mentoring and Coaching Council, (2015). About EMCC: Regulation Recuperado de http://www.emccouncil.org/eu/en/about/regulation
    » http://www.emccouncil.org/eu/en/about/regulation
  • European Mentoring, Coaching Council & International Coach Federation (2011). The professional charter for coaching and mentoring Recuperado de http://www.eesc.europa.eu/self-and-coregulation/full.asp?w=n&ID=142
    » http://www.eesc.europa.eu/self-and-coregulation/full.asp?w=n&ID=142
  • Ferreira, M. A. A. (2008). Coaching: Um estudo exploratório sobre a percepção dos envolvidos (Dissertação de Mestrado). Instituto de Administração, Universidade de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil.
  • Folha de São Paulo (2011, 25 de julho). Aumenta o número de ‘coaches’ no país Recuperado de http://www1.folha.uol.com.br/fsp/empregos/12834-aumenta-o-numero-de-coaches-no-pais.shtml
    » http://www1.folha.uol.com.br/fsp/empregos/12834-aumenta-o-numero-de-coaches-no-pais.shtml
  • Grant, A. M. (2006). An interative goal-focused approach to executive coaching. In D. Stober, & A. M. Grant (Eds.), Evidence-based coaching handbook (pp. 153-192). New Jersey, NJ: John Wiley & Sons.
  • Grant, A. M. (2010). It takes time: A stages of change perspective on the adoption of workplace coaching skills. Journal of Change Management, 10(1), 61-77. https://doi.org/10.1080/14697010903549440
    » https://doi.org/10.1080/14697010903549440
  • Grant, A. M. (2001). Towards a psychology of coaching: The impact of coaching on metacognition, mental health and goal attainment (Doctoral Dissertation). Macquarie University, Sydney, Australy.
  • Grant, A. M. (2005). Workplace, executive and life coaching: An annotated bibliography from the behavioural science and business literature Australia: University of Sydney.
  • Grant, A. M., & Cavanagh, M. (2014). Life coaching. In E. Cox, T., Bachkirova, & D. Clutterbuck (Eds.), The complete handbook of coaching (pp. 297-310). London: Sage.
  • Grant, A. M., & Cavanagh, M. (2004). Toward a profession of coaching: Sixty-five years of progress and challenges for the future. International Journal of Evidence Based Coaching and Mentoring, 2(1), 1-16.
  • Grant, A. M., & O’Hara, B. (2006). The self-presentation of Australian life coaching schools: cause for concern? International Coaching Psychology Review, 1(2), 21-33.
  • Grimley, B. (2014). The NLP approach to coaching. In E. Cox, T. Bachkirova, & D. Clutterbuck (Eds.), The complete handbook of coaching (pp. 68-79). London: Sage.
  • International Coach Federation. (2013). O que é a ICF? Recuperado e de http://icfbrasil.org/icf/index.asp?id=1
    » http://icfbrasil.org/icf/index.asp?id=1
  • Ives, Y. (2008). What is Coaching? An Exploration of Conflicting Paradigms. International Journal of Evidence Based Coaching and Mentoring, 6(2),100-113.
  • Joo, B. (2005). Executive coaching: a conceptual framework from an integrative review of practice and research. Human Resource Development Review, 4(4), 462-488. https://doi.org/10.1177/1534484305280866
    » https://doi.org/10.1177/1534484305280866
  • Joseph, S. (2014). The Person-centred approach to coaching. In In E. Cox, T. Bachkirova, & D. Clutterbuck (Eds.), The complete of handbook of coaching (pp. 68-79). London: Sage.
  • Karawejczyk, T. C., & Cardoso, A. P. (2012). Atuação profissional em coaching e os desafios presentes e futuros nesta nova carreira. Boletim Técnico do Senac, 38(1), 47-59.
  • Kauffman, C. (2006). Positive psychology: The science at the heart of coaching. In D. R. Stober, & A. M. Grant (Eds.), Evidence based coaching handbook: Putting best practices to work for your clients (pp. 219-253). New Jersey, NJ: John Wiley
  • Krausz, R. R. (2007). Coaching executivo: A conquista da liderança São Paulo, SP: Nobel.
  • Killburg, R. R. (1996). Toward a conceptual understanding and definition of executive coaching. Consulting Psychology Journal: Practice & Research, 48(2), 134-144.
  • Killburg, R. R. (2000). Executive coaching: Developing managerial wisdom in world of chaos Washington, DC: American Psychological Association.
  • Milaré, S. A., & Yoshida, E. M. P. (2007). Coaching de executivos: Adaptação e estágio de mudanças. Psicologia: Teoria e Prática, 9(1), 86-99.
  • Napper, R. and Newton, T. (2014). Transactional analysis and coaching. In: E. Cox, T. Bachkirova, & D. Clutterbuck (Eds.), The complete handbook of coaching (pp.170-185). London: Sage.
  • Parsloe, E. (1995). Coaching, mentoring and assessing: A practical guide in developing competence London, Nichols Publishing
  • Peterson, D. B. (2006). People are complex and the world is messy: A behavior-based approach to executive coaching. In D. Stober, & A. M. Grant (Eds.), Evidence-based coaching handbook (pp. 51-76). New Jersey, NJ: John Wiley & Sons.
  • Reis, G. G., & Nakata, L. E. (2010). Modelo transteórico de mudança: Contribuições para o coaching de executivos. Revista Brasileira de Orientação Profissional, 11(1), 61-72.
  • Rowan, J. (2014). The transpersonal approach to coaching. In E. Cox, T. Bachkirova, & D. Clutterbuck (Eds.), The complete of handbook of coaching (pp. 145-156). London: Sage.
  • Sardinha, A. (2012). Entrevista com Dr. Stephen Palmer: o desenvolvimento do coaching cognitivo comportamental. Revista Brasileira de Terapias Cognitivas, 8(2), 126-130.
  • Sieler, A. (2014). Ontological coaching. In E. Cox, T. Bachkirova, & D. Clutterbuck (Eds.), The complete of handbook of coaching (pp. 107-119). London: Sage.
  • Sperry, L. (1997). Leadership dynamics: Character and character structure in executives. Consulting Psychology Journal: Practice & Research, 49(4), 268-280.
  • Spinelli, E. (2014). Existencial coaching.In E. Cox, T. Bachkirova & D. Clutterbuck (Eds.), The complete of handbook of coaching (pp. 94 -106). London: Sage.
  • Stober D. R (2006). Coaching from the humanistic perspective. In Stober D. R. & Grant A. M (Eds.), Evidence based coaching handbook: Putting best practices to work for your clients (pp. 17-50). New York, NY: Wiley.
  • Stober, D. R., & Grant, A. M. (2006). Evidence based coaching handbook: Putting best practices to work for your clients New Jersey, NJ: Wiley.
  • Stober, D. R. & Parry, C. (2005). Current challenges and future directions in coaching research. In M. Cananagh, A. M. Grant, & T. Kemp (Eds.), Evidence based in coaching (Vol. 1, pp 13-36). Queensland: Australian Academic Press.
  • Stober, D. R., Wildflower, L., & Drake, D. (2006). Evidence-based practice: A potential approach for effective coaching. International Journal of Evidence Based Coaching and Mentoring, 4(1), 1-8.
  • The Association for Coaching (2015). Purpose Recuperado de http://www.associationforcoaching.com/pages/home
    » http://www.associationforcoaching.com/pages/home
  • Whitmore, J. (1992). Coaching for perfomance: A pratical guide to growing your own skills (people skills for professionals). Wallingford: Fun Meister.
  • Whitmore, J. (2010). Coaching for performance Boston, MA: FourthEdition.
  • Williams, H., Palmer, S., & Edgerton N. (2014). Cognitive behavioural coaching. In E. Cox, T. Bachkirova, & D. Clutterbuck (Eds.), The complete hanadbook of coaching (pp 37-53). London: Sage.
  • Yates, J. (2014). The career coaching handbook. Oxfordshire: Taylor & Francis Group.
  • Worldwide Association of Business Coaches. (2007). Business coaching definition Recuperado de http://www.wabccoaches.com/
    » http://www.wabccoaches.com/
  • Errata

    Na edição 38.2, no artigo “Desvendando o Coaching: uma Revisão sob a Ótica da Psicologia”, http://dx.doi.org/10.1590/1982-3703000942017, na página 363 onde se lê “Pablo Stuart Fernandes Carvalho - Escola Superior de Ciências da Saúde, DF, Brasil; Alex da Costa dos Anjos -Escola Superior de Ciências da Saúde, DF, Brasil e Helena Isabel Martins Brandão - Escola Superior de Ciências da Saúde, DF, Brasil.”, o correto é: “Pablo Stuart Fernandes Carvalho Instituto de Educação Superior de Brasília, DF, Brasil; Alex da Costa dos Anjos -Instituto de Educação Superior de Brasília, DF, Brasil. e Helena Isabel Martins Brandão - Instituto de Educação Superior de Brasília, DF, Brasil.”.
    Já página 377, onde se lê “Pablo Stuart Fernandes Carvalho - Escola Superior de Ciências da Saúde, DF, Brasil. E-mail: pablo-stuart@hotmail.com; Alex da Costa dos Anjos - Escola Superior de Ciências da Saúde, DF, Brasil. E-mail: allex.cst@gmail.com e Helena Isabel Martins Brandão - Escola Superior de Ciências da Saúde, DF, Brasil. E-mail: helenaibrandao@gmail.com, o correto é: “Pablo Stuart Fernandes Carvalho - Instituto de Educação Superior de Brasília, DF, Brasil. E-mail: pablo-stuart@hotmail.com; Alex da Costa dos Anjos - Instituto de Educação Superior de Brasília, DF, Brasil. E-mail: allex.cst@gmail.com e Helena Isabel Martins Brandão - Instituto de Educação Superior de Brasília, DF, Brasil. E-mail helenaibrandao@gmail.com
    Ainda nas páginas 363 e 377 , onde se lê “Cibele Dayana de Souza Werneck Leite”, o correto é: “Cibele Dayana de Souza Werneck-Leite”.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Apr-Jun 2018

Histórico

  • Recebido
    23 Mar 2017
  • Aceito
    14 Mar 2018
Conselho Federal de Psicologia SAF/SUL, Quadra 2, Bloco B, Edifício Via Office, térreo sala 105, 70070-600 Brasília - DF - Brasil, Tel.: (55 61) 2109-0100 - Brasília - DF - Brazil
E-mail: revista@cfp.org.br