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Formação em Avaliação Psicológica: Situação, Desafios e Diretrizes

Training in Psychological Assessment: Situation, Challenges, and Guidelines

Formación en Evaluación Psicológica: Situación, Desafíos y Directrices

Resumo:

Este artigo teve como objetivo conhecer a formação em Avaliação Psicológica no Brasil, considerando pesquisas com estudantes, professores e profissionais, identificando desafios, avanços e diretrizes. A diversidade da área é o aspecto mais evidente, variando nomes de disciplinas, cargas horárias e conteúdos de um curso a outro, inclusive dentro de um mesmo Estado. Embora se suponha competência do psicólogo, seus conhecimentos e suas atitudes não diferem tanto daqueles dos estudantes, e muitos não conhecem dispositivos legais que regulamentam a prática da Avaliação Psicológica. São identificados entraves para a formação (por exemplo, natureza da área, dificuldade na relação professor-aluno), mas também propostas de diretrizes para formação nesta área. Concluiu-se que é necessário diferenciar níveis de formação ou, decidindo-se por uma generalista, focar em conteúdos mínimos, priorizando documentos que regulamentam a prática profissional.

Palavras-chave:
Avaliação Psicológica; Psicometria; Formação; Ensino

Abstract:

This article aimed to know the training in Psychological Assessment in Brazil, considering studies with undergraduate students, teachers, and professionals, identifying challenges, advances and guidelines. The diversity of the area is the most evident aspect, varying names of disciplines, schedules and contents from one course to another, even within the same state. Although the competence of the psychologist is assumed, their knowledge and their attitudes do not differ so much from those of the students, and many do not know the laws that regulate the practice of Psychological Assessment. Some obstacles, but also some guidelines, to training (e.g., nature of the field, difficulty in the teacher-student relationship) have been identified. In conclusion, it is necessary to differentiate levels of training or, deciding for a generalist one, to focus on minimum contents, prioritizing documents that regulate the professional practice.

Keywords:
Psychological Assessment; Psychometry; Formation; Teaching

Resumen:

Este artículo tuvo como objetivo conocer la formación en Evaluación Psicológica en Brasil, considerando investigaciones con estudiantes, profesores y profesionales, identificando desafíos, avances y directrices. La diversidad del área es el aspecto más evidente, variando nombres de disciplinas, cargas horarias y contenidos de un curso a otro, incluso dentro de un mismo Estado. Aunque se suponga competencia del psicólogo, sus conocimientos y sus actitudes no difieren tanto de los de estudiantes, y muchos no conocen dispositivos legales que regulan la práctica de la Evaluación Psicológica. Se identifican obstáculos para la formación (e.g., naturaleza del área, dificultad en la relación profesor-alumno), pero también propuestas de directrices para formación en esta área. Se concluyó que es necesario diferenciar niveles de formación o, decidiendo por una generalista, enfocarse en contenidos mínimos, priorizando documentos que regulan la práctica profesional.

Palabras clave:
Evaluación Psicológica; Psicometría; Formación; Enseñanza

Introdução

Escrever sobre a formação em Avaliação Psicológica é um desafio. Se por um lado a Psicologia enquanto instituição deu passos gigantescos na regulamentação da testagem psicológica, disciplinando a construção, adaptação, comercialização e uso de testes, escalas e questionários, por exemplo, por outro não tem se definido quanto às competências requeridas para os psicólogos que atuam nesta área. Este quadro não parece ser recente (Pasquali, 2001Pasquali, L. (Org.) (2001). Técnicas de exame psicológico – TEP: Manual. São Paulo, SP: Casa do Psicólogo.), embora existam propostas de diretrizes a respeito (Nunes et al., 2012Nunes, M. F. O., Muniz, M., Reppold, C. T., Faiad, C., Bueno, J. M. H., & Noronha, A. P. P. (2012). Diretrizes para o ensino de avaliação psicológica. Avaliação Psicológica, 22(2), 309-316.). Sem ser ou ter a pretensão de um tratado, este artigo se configura como um esforço em contribuir com esta área tão fundamental da Psicologia, permitindo pensar nos desafios enfrentados e avanços esperados. Para começar, é importante ter em conta o que diz a Lei n° 4.119, de 27 de agosto 1962Lei N° 4.119, de 27 de agosto de 1962. Dispõe sobre os cursos de formação em Psicologia e regulamenta a profissão de psicólogo. Diário Oficial da União, 5 set. 1962., que regulamenta o Conselho Federal de Psicologia (CFP) e a profissão de Psicólogo, em seu Art. 13, quando trata da competência privativa deste profissional:

§ 1° Constitui função privativa do Psicólogo a utilização de métodos e técnicas psicológicas com os seguintes objetivos:

  1. diagnóstico psicológico;

  2. orientação e seleção profissional;

  3. orientação psicopedagógica;

  4. solução de problemas de ajustamento.

Dessas atribuições legais decorrem dois entendimentos: (1) a prática da Avaliação Psicológica é prerrogativa do psicólogo, constituindo conduta legalmente punível a sua realização por outro profissional; e (2) o psicólogo está habilitado a fazer uso de métodos e técnicas de avaliação psicológica, visando diagnosticar, orientar (profissional e pedagogicamente) e solucionar problemas de ajustamento. Quanto à primeira parte deste diploma legal, trata-se de norma cogente, que impõe a restrição da prática profissional da Avaliação Psicológica ao psicólogo; porém, a segunda parte é mais uma norma dispositiva, facultando ao psicólogo a realização das atividades indicadas. Portanto, o psicólogo pode realizá-las, mas não está obrigado a fazê-lo. Porém, decidindo realizar tais atividades, estará realmente capacitado para este ato após sua formação?

Este artigo tem por objetivo principal considerar o núcleo desta questão, procurando compreender se a qualificação para realizar Avaliação Psicológica é garantida com a formação de psicólogo. Especificamente, admitindo que existam problemas em nossa formação, pretende identificar os entraves, pensar os desafios e discutir diretrizes para alavancar esta área ou, inclusive, repensar o escopo de atuação do psicólogo. Seguramente, isso envolve questões polêmicas, mas vale a pena pensar sobre, tentando encontrar possibilidades ou ao menos estarmos atentos às nossas limitações.

Avaliação Psicológica: opiniões e competências dos envolvidos

O primeiro a considerar neste ponto é: temos oferecido formação adequada em Avaliação Psicológica a nossos estudantes? Ora, realizar esse ato é exclusivo do psicólogo, então se supõe que estejamos oferecendo os recursos necessários a fim de que o profissional, decidindo proceder a esta avaliação, tenha capacidade e segurança em suas decisões. Mas, o que sabemos a respeito? Uma consulta em qualquer site de busca poderá atestar uma realidade recorrente: o número crescente de cursos de Especialização em Avaliação Psicológica, cobrindo todos os Estados brasileiros. As demandas, quase sempre, têm a ver com formação deficiente na graduação, conforme revelam os estudos a seguir abordados. Não se trata, contudo, de casos isolados, mas de um padrão generalizável na formação do psicólogo em diversas instituições do país, sejam públicas ou privadas, independente de Estado.

Conforme indicam Nunes et al. (2012)Nunes, M. F. O., Muniz, M., Reppold, C. T., Faiad, C., Bueno, J. M. H., & Noronha, A. P. P. (2012). Diretrizes para o ensino de avaliação psicológica. Avaliação Psicológica, 22(2), 309-316., em seu conjunto, as disciplinas de Avaliação Psicológica têm por objetivo desenvolver a compreensão sobre técnicas de coleta de informações, integração de dados provenientes de diferentes fontes, relato de resultados e devolução de informações com vistas ao entendimento de um indivíduo ou grupo, propondo alguma intervenção e/ou tomada de decisão em relação aos avaliandos. Portanto, este é um campo de conhecimento considerado básico na Psicologia, configurando um conjunto de habilidades que se espera do psicólogo. É praticamente impossível pensar em uma área de atuação deste profissional que prescinda de Avaliação Psicológica, entendida, então, como um processo de conhecimento do funcionamento e estado de um ou mais indivíduos.

Parece ponto pacífico entre pesquisadores e profissionais que o ensino da Avaliação Psicológica não deve se restringir a repassar informações sobre o manejo de técnicas isoladas de avaliar, medir e diagnosticar (Noronha, Carvalho, Miguel, Souza, & Santos, 2010Noronha, A. P. P., Carvalho, L. C., Miguel, F. K., Souza, M. S., & Santos, M. A. (2010). Sobre o ensino de avaliação psicológica. Avaliação Psicológica, 9(1), 139-146.; Paula, Pereira, & Nascimento, 2007Paula, A. V., Pereira, A. S., & Nascimento, E. (2007). Opinião de alunos de psicologia sobre o ensino em avaliação psicológica. Psico-USF, 12(1), 33-43. https://doi.org/10.1590/S1413-82712007000100005
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). Também há consenso de que a avaliação não ocorre no vácuo ou pode ser empreendida por profissional que não domine a Psicologia; não se trata de aplicar técnicas como um fim, mas um meio, que deve ser amparado por um marco ou referencial teórico que permita entender o avaliando em um contexto sócio-político concreto, permeado por questões éticas e morais (Caixeta, & Silva, 2014Caixeta, L. V., & Silva, I. I. C. (2014). Avaliação psicológica: Possibilidades e desafios atuais. Perquirere, 11(2), 218-237.; Moura, 2017Moura, D. P. F. (2017). O ensino de avaliação psicológica e as tendências pedagógicas: Possibilidades para um planejamento crítico. Revista Brasileira de Ensino Superior, 3(3), 1-6. https://doi.org/10.18256/2447-3944.2017.v3i3.2047
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). Contudo, apesar de consensos, sobretudo por parte de profissionais e pesquisadores preocupados com a formação em Avaliação Psicológica, a realidade que se apresenta tem sido diversa e adversa. As análises a respeito têm se centrado em matrizes curriculares e ementas de disciplinas, além de opiniões e conhecimentos de estudantes, docentes e profissionais da área. Procura-se a seguir traçar o panorama acerca do que se sabe a respeito.

Diversidade de matrizes curriculares e ementas

Embora a preocupação com a formação em Avaliação Psicológica não seja recente (Hutz, & Bandeira, 2003Hutz, C. S., & Bandeira, D. R. (2003). Avaliação psicológica no Brasil: Situação atual e desafios para o futuro. In O. H. Yamamoto, & V. V. Gouveia (Orgs.), Construindo a psicologia brasileira: Desafios da ciência e prática psicológica (pp. 261-275). São Paulo, SP: Casa do Psicólogo.; Pasquali, 2001Pasquali, L. (Org.) (2001). Técnicas de exame psicológico – TEP: Manual. São Paulo, SP: Casa do Psicólogo.), a maioria dos estudos a respeito começou há pouco mais de uma década. Por exemplo, Noronha (2006)Noronha, A. P. P. (2006). Formação em avaliação psicológica: Uma análise das disciplinas. Interação em Psicologia, 10(2), 245-252. https://doi.org/10.5380/psi.v10i2.7681
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analisou 41 ementas de disciplinas desta área de 38 cursos de Universidades brasileiras, segundo estavam disponíveis em seus sites. Ela observou que a carga horária média dos cursos de Psicologia foi de 4.320 horas, variando de 3.240 a 5.724, sendo ofertadas de uma a sete disciplinas de Avaliação Psicológica (média de 3,29 disciplinas por curso). Os nomes das disciplinas variaram, porém se concentravam do primeiro ao quarto período (78%), abordando principalmente aspectos instrumentais: técnicas de avaliação e aplicação, mensuração psicológica, técnicas projetivas e psicodiagnóstico.

Um novo estudo foi realizado por Noronha e seus colaboradores (Noronha et al., 2008Noronha, A. P. P., Batista, M. A., Carvalho, L., Cobêro, C., Cunha, N. B., Dell'Aglia, B. A. V., Filizatti, R., Zenorini, R. P. C., & Santos, M. M. (2008). Ensino de avaliação psicológica em Instituições de Ensino Superior brasileiras. Universitas Ciências da Saúde, 3(1), 1-14.). Na ocasião, tiveram em conta 39 ementas de disciplinas relacionadas com Avaliação Psicológica em 14 Universidades distribuídas em oito Estados, cobrindo todas as regiões do Brasil. Estes autores criaram 16 categorias de análise, tentando enquadrar os conteúdos das ementas; entre as mais citadas categorias de análise, encontraram-se técnicas projetivas, testes de personalidade, testes psicológicos e testes de inteligência. Provavelmente, este cenário reflete a abordagem mais tradicional da área, focada, sobretudo, em testes de inteligência e questionários de personalidade.

Em estudo mais recente, Finelli, Freitas e Cavalcanti (2015)Finelli, L. A. C. F., Freitas, S. R., & Cavalcanti, R. L. (2015). Docência em avaliação psicológica: A formação no Brasil. Revista de Estudios e Investigación en Psicología y Educación, Extra(12), A12-31. https://doi.org/10.17979/reipe.2015.0.12.567
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analisaram as matrizes curriculares de 767 cursos de Psicologia distribuídos entre os 26 Estados e o Distrito Federal, considerando disciplinas obrigatórias e optativas. Quanto às matrizes gerais, observaram variação de 974 a 9.700 horas (média de 4.257 horas por curso em todo o território nacional). Constataram, ainda, que a carga horária dedicada à Avaliação Psicológica variava de 36 a 640 horas, tendo média de 257 horas por curso. Sua conclusão foi de que tem sido dedicado pouco tempo ao ensino de Avaliação Psicológica, sobretudo em razão de esta ser uma atribuição exclusiva do psicólogo.

Como fizeram Noronha (2006)Noronha, A. P. P. (2006). Formação em avaliação psicológica: Uma análise das disciplinas. Interação em Psicologia, 10(2), 245-252. https://doi.org/10.5380/psi.v10i2.7681
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, Noronha et al. (2008)Noronha, A. P. P., Batista, M. A., Carvalho, L., Cobêro, C., Cunha, N. B., Dell'Aglia, B. A. V., Filizatti, R., Zenorini, R. P. C., & Santos, M. M. (2008). Ensino de avaliação psicológica em Instituições de Ensino Superior brasileiras. Universitas Ciências da Saúde, 3(1), 1-14., Freires, Silva Filho, Pereira, Loureto e Gouveia (2017)Freires, L. A., Silva Filho, J. H., Pereira, R. M., Loureto, G. D. L., & Gouveia, V. V. (2017). Ensino da avaliação psicológica no Norte brasileiro: Analisando as ementas das disciplinas. Avaliação Psicológica, 16(2), 205-214. também consideraram como unidade de análise as ementas das disciplinas. Entretanto, estes autores se concentraram na região Norte, escassamente considerada em estudos prévios, e inovaram o tipo de análise: realizaram análise automatizada de conteúdo (programa Iramuteq). Eles consideraram as ementas de disciplinas de Avaliação Psicológica de 28 dos 36 cursos de Psicologia da Região, observando que, entre disciplinas obrigatórias, optativas e estágios, houve mais de 50 denominações, embora prevalecessem as de Psicodiagnóstico, Técnicas de Avaliação Psicológica, Técnicas de Exame Psicológico, Psicometria e Avaliação Psicológica. A análise de conteúdo dessas ementas permitiu identificar sete classes: construção de medidas, aplicação e interpretação, construtos, entrevista, psicodiagnóstico, planejamento da sessão e ênfase em Avaliação Psicológica. A análise da “nuvem de palavras” teve como centro da distribuição espacial o vocábulo avaliação psicológica, que se atrelou às palavras processo, instrumento, teste, técnica, psicodiagnóstico e aplicação.

Em resumo, estas pesquisas mostram a pluralidade de terminologias e ênfases da Avaliação Psicológica. Não há um padrão, mesmo dentro da mesma Região (Freires et al., 2017Freires, L. A., Silva Filho, J. H., Pereira, R. M., Loureto, G. D. L., & Gouveia, V. V. (2017). Ensino da avaliação psicológica no Norte brasileiro: Analisando as ementas das disciplinas. Avaliação Psicológica, 16(2), 205-214.), variando as nomenclaturas e o número de disciplinas e horas dedicadas à formação, coerente com estudos prévios (Alchieri, & Bandeira, 2002Alchieri, J. C., & Bandeira, D. R. (2002). Ensino da avaliação psicológica no Brasil. In R. Primi (Org.), Temas em avaliação psicológica (pp. 11-22). Campinas, SP: Impressão Digital do Brasil.; Finelli et al., 2015Finelli, L. A. C. F., Freitas, S. R., & Cavalcanti, R. L. (2015). Docência em avaliação psicológica: A formação no Brasil. Revista de Estudios e Investigación en Psicología y Educación, Extra(12), A12-31. https://doi.org/10.17979/reipe.2015.0.12.567
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; Noronha, 2006Noronha, A. P. P. (2006). Formação em avaliação psicológica: Uma análise das disciplinas. Interação em Psicologia, 10(2), 245-252. https://doi.org/10.5380/psi.v10i2.7681
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). Talvez o ponto mais converge diga respeito à ênfase em construtos recorrentes na Avaliação Psicológica, como inteligência e personalidade, quer avaliados por técnicas projetivas ou psicométricas (Alves, Alchieri, & Marques, 2002Alves, I. C. B., Alchieri, J. C., & Marques, K. C. (2002). As técnicas de exame psicológico ensinadas nos cursos de graduação de acordo com os professores.Psico-USF, 7(1), 77-88.; Noronha et al., 2008Noronha, A. P. P., Batista, M. A., Carvalho, L., Cobêro, C., Cunha, N. B., Dell'Aglia, B. A. V., Filizatti, R., Zenorini, R. P. C., & Santos, M. M. (2008). Ensino de avaliação psicológica em Instituições de Ensino Superior brasileiras. Universitas Ciências da Saúde, 3(1), 1-14.).

Opiniões e competências de estudantes universitários

O público estudantil tem interessado a vários pesquisadores. Afinal, serão os futuros psicólogos, sendo importante compreender como pensam a Avaliação Psicológica e o que sabem a respeito, sobretudo os concluintes. Neste sentido, Noronha, Baldo, Bardin e Freitas (2003)Noronha, A. P. P., Baldo, C. R., Bardin, P. F., & Freitas, J. V. (2003). Conhecimento em avaliação psicológica: Um estudo com alunos de Psicologia. Psicologia: Teoria e Prática, 5(2), 37-46. realizaram uma pesquisa com 180 estudantes de 1° a 5° anos de curso de Psicologia de cidade do interior de São Paulo, aplicando um questionário com 45 itens com alternativas de verdadeiro ou falso, objetivando conhecer o conceito de avaliação, o uso de instrumentos e a aprendizagem de testes. No geral, observaram que estudantes do 5° ano obtiveram melhores desempenhos do que os do 1° ano, o que seria esperado; porém, e o que preocupa, em 20% do questionário os estudantes do 1° ano superaram o desempenho daqueles do 5° ano. Destaque-se que os conhecimentos avaliados não requeriam competências elevadas na área, mas básicas, elementares, a exemplo de saber que os instrumentos devem apresentar evidências de validade e precisão.

Noronha e Alchieri (2004)Noronha, A. P. P.,& Alchieri, J. C. (2004). Conhecimento em avaliação psicológica. Estudos de Psicologia (Campinas), 21(1), 43-52. https://doi.org/10.1590/S0103-166X2004000100004
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realizaram uma pesquisa com 342 estudantes de cidades do interior de São Paulo (SP) e Rio Grande do Sul (RS), utilizando o instrumento com 45 itens (acertos vs. erros) do estudo prévio (Noronha et al., 2003Noronha, A. P. P., Baldo, C. R., Bardin, P. F., & Freitas, J. V. (2003). Conhecimento em avaliação psicológica: Um estudo com alunos de Psicologia. Psicologia: Teoria e Prática, 5(2), 37-46.). Pretenderam contemplar os conceitos de avaliação, uso de instrumentos e aprendizagem dos testes, comparando os estudantes por Estado de origem e experiências com disciplinas da área. Eles verificaram que os estudantes do RS tiveram desempenho melhor do que aqueles de SP em 64,5% dos itens, e aqueles que cursaram alguma disciplina de Avaliação Psicológica mostraram melhores desempenhos. Portanto, como era de esperar, ter contato com a área pode fazer a diferença.

Noronha, Nunes e Ambiel (2007)Noronha, A. P. P., Nunes, M. F. O., & Ambiel, R. A. M. (2007). Importância e domínios de avaliação psicológica: Um estudo com alunos de Psicologia. Paidéia, 17(3), 231-244. https://doi.org/10.1590/S0103-863X2007000200007
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consideraram 112 estudantes de Psicologia do Centro-Oeste, usando instrumento de 20 itens baseado na definição de competências da American Psychological Association. Quanto à importância, as competências consideradas mais importantes foram “princípios éticos”, “comunicar resultados”, “psicopatologia” e “usar e interpretar testes”, enquanto que as de menor importância foram “ampla gama de testes”, “noções de estatística”, “construção de instrumentos” e “construtos”. Quanto aos domínios que o profissional deveria ter, os mais pontuados foram “princípios éticos”, “leitura de manuais na íntegra”, “condições adequadas de testagem” e “tabelas dos manuais”, enquanto os menos pontuados foram “ampla gama de testes”, “psicopatologia”, “parecer” e “construtos”. No geral, o tempo de curso conferiu maior domínio em Avaliação Psicológica por parte dos estudantes, porém um resultado “discrepante” foi que aqueles do 3° ano demonstraram maior domínio que os do 5° ano; talvez por aqueles terem os conteúdos das disciplinas mais frescos (Noronha, 2006Noronha, A. P. P. (2006). Formação em avaliação psicológica: Uma análise das disciplinas. Interação em Psicologia, 10(2), 245-252. https://doi.org/10.5380/psi.v10i2.7681
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).

Paula et al. (2007)Paula, A. V., Pereira, A. S., & Nascimento, E. (2007). Opinião de alunos de psicologia sobre o ensino em avaliação psicológica. Psico-USF, 12(1), 33-43. https://doi.org/10.1590/S1413-82712007000100005
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fizeram uma pesquisa com 358 concluintes de Psicologia de faculdades de Belo Horizonte, os quais responderam um questionário com 19 itens que cobriam três eixos: formação acadêmica, articulação entre teoria e prática na graduação e problemas mais frequentes no uso dos testes psicológicos. Tais faculdades ofereciam três ou quatro disciplinas obrigatórias em Avaliação Psicológica, sendo as optativas mais cursadas centradas em testes e/ou técnicas específicos (por exemplo, Rorschach, Técnicas Gráficas, PMK). Alguns dos testes mais conhecidos foram a Escala Weschler de Inteligência (Criança), o Desenho da Figura Humana, a Bateria de Prova de Raciocínio e o Inventário Fatorial de Personalidade. Os aspectos considerados positivos na formação em Avaliação Psicológica foram a capacitação profissional dos alunos, o conhecimento dos testes e técnicas de avaliação e a qualidade dos professores; no caso dos aspectos negativos, destacaram-se as insuficiências de conteúdo, número de disciplinas e material didático. Os instrumentos foram considerados inadequados e/ou não apresentando normatização brasileira, enquanto que os problemas éticos se referiram mais à utilização abusiva e/ou inadequada dos testes. Observou-se que 58,9% não se consideravam aptos a planejar e executar avaliações usando testes psicológicos, sobretudo por formação acadêmica insuficiente. Além disso, 83% indicaram não conhecer a Resolução CFP n° 002/2003Resolução N° 002, de 23 de março de 2003. Define e regulamenta o uso, a elaboração e a comercialização de testes psicológicos e revoga a Resolução CFP n° 025/2001. Brasília, DF: Conselho Federal de Psicologia., que então regulamentava critérios de produção, comercialização e uso de testes psicológicos.

Noronha, Rueda, Barros e Raad (2009)Noronha, A. P. P., Rueda, F. J. M., Barros, M. V.C., & Raad, A. J. (2009). Estudo transversal com estudantes de psicologia sobre conceitos de avaliação psicológica. Psicologia Argumento, 27(56), 77-86. consideraram as respostas de 257 estudantes de Sergipe para uma adaptação do questionário Tests Users Qualification, reunindo 40 itens. Avaliaram as dimensões de importância e domínio de três fatores relacionados com a Avaliação Psicológica: aplicação da avaliação psicológica, utilização de um teste de avaliação psicológica e construção de testes psicológicos. Quanto à importância, seus resultados apontaram que os estudantes do primeiro ano de curso deram menos importância do que os demais à Avaliação Psicológica; portanto, o contato com a disciplina favoreceu o reconhecimento de sua importância. No caso do domínio, suas pontuações aumentaram com o passar dos anos, no sentido de que os alunos concluintes se sentiram mais preparados do que os ingressantes. Portanto, estes resultados já eram esperados.

Em resumo, estas pesquisas corroboram a diversidade de disciplinas em Avaliação Psicológica, que são comumente ofertadas nos primeiros períodos, focadas, sobretudo, em testes específicos, principalmente os que avaliam personalidade e inteligência. Contudo, apesar do conhecimento recebido, diversos concluintes, que logo estarão no mercado, não se sentem capacitados; talvez estejam sendo preparados apenas para realizar tarefas escolares, obtendo bom rendimento quando imediatamente perguntados. Preocupa o desconhecimento de normativa que disciplina o mínimo que se precisa saber sobre os testes.

Realidade de docentes e profissionais

Embora tratemos diferentemente esses grupos, são, em realidade, partícipes do mesmo contexto, refletindo aproximadamente os mesmos problemas, muitos deles de ordem estrutural e alguns resultantes de políticas pedagógicas. A propósito, no início da década passada Pasquali (2001)Pasquali, L. (Org.) (2001). Técnicas de exame psicológico – TEP: Manual. São Paulo, SP: Casa do Psicólogo., acertadamente, queixava-se da inércia do sistema Conselhos de Psicologia no âmbito da formação em Avaliação Psicológica; ele entendia que poderia ser feito algo para alavancar a área, primando por critérios mais objetivos. Respondendo ao Mestre e, também, às demandas cada dia mais perceptíveis, realizaram-se mobilizações contundentes por parte deste sistema, das quais, quiçá, os frutos mais conhecidos sejam suas resoluções que disciplinam a construção, comercialização e uso dos testes, mas também o Sistema de Avaliação de Testes Psicológicos (Satepsi).

Na linha do anteriormente comentado, também têm existido ações menos perceptíveis dos Conselhos, porém com peso importante na Avaliação Psicológica. A Comissão Consultiva de Avaliação Psicológica (CCAP) é um bom exemplo; tem sido a base para a elaboração de resoluções, tomada de decisão sobre adequação psicométrica dos testes, elaboração de cartilhas, discussão com áreas técnicas de editoras e órgãos públicos, inclusive com ações para realizar formação continuada na área. No âmbito dos Regionais têm sido criadas comissões para promover ações, eventos e cursos em Avaliação Psicológica, promovendo-a na comunidade profissional. É preciso, entretanto, resgatar o papel histórico da Câmara Interinstitucional de Avaliação Psicológica, criada pelo CFP, que no final dos anos 1990 contribuiu com informações importantes para área, sendo a base de decisões que a sucederam.

O estudo de Alves et al. (2002)Alves, I. C. B., Alchieri, J. C., & Marques, K. C. (2002). As técnicas de exame psicológico ensinadas nos cursos de graduação de acordo com os professores.Psico-USF, 7(1), 77-88. foi resultado desta Câmara, representando, quiçá, o maior esforço até hoje realizado para conhecer a realidade da formação em avaliação, tendo em conta seus responsáveis diretos: os professores. Relata-se apenas parte do estudo, que considerou inicialmente os Coordenadores dos Cursos de Psicologia no Brasil, solicitando-lhes os programas oficiais das disciplinas de Avaliação Psicológica. Posteriormente, contataram os professores destas disciplinas, solicitando que respondessem a um questionário; foram respondidos 184 questionários preenchidos por 172 professores de 62 cursos, distribuídos em 13 Estados. Os resultados indicaram que o número médio e a variedade de testes ensinados eram maiores do que o que os professores consideravam como conteúdo básico ou mínimo, porém houve semelhança entre as listas de testes mais ensinados e os indicados como básicos. Diversos construtos foram ensinados, indicando-se listas abrangentes de instrumentos. Por exemplo, os a seguir representam dois dos construtos comumente ensinados: inteligência (por exemplo, WISC, Raven, Colúmbia – CMMS, DFH –Goodenough-Harris) e personalidade (PMK, Inventário Personalidade – 16PF, MMPI, Palográfico); alguns dos testes projetivos mais ensinados foram o CAT, o TAT, o Rorschach e o Desenho da Família.

Gouveia et al. (2002)Gouveia, V. V., Silva, D. V., Silva, M. P. V., Andrade, M. W. C. L., Silva Filho, S. B. & Costa, D. M. F. (2002). Atitudes frente à avaliação psicológica para condutores: Perspectivas de técnicos, estudantes de psicologia e usuários.Psicologia: Ciência e Profissão,22(2), 50-59.https://doi.org/10.1590/S1414-98932002000200007
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focaram em uma questão mais específica acerca da Avaliação Psicológica. Concretamente, quiseram conhecer as atitudes frente a essa avaliação no contexto da obtenção da Carteira Nacional de Habilitação (CNH), considerando 196 participantes divididos em quatro grupos: psicólogos avaliadores (n = 54), estudantes do curso de Psicologia de Introdução à Psicologia (n = 34) ou Técnicas de Exame Psicológico (n = 39) e usuários do serviço do Detran/PB (n = 69). Eles observaram que os usuários apresentaram mais atitudes desfavoráveis à avaliação, não havendo diferença entre os outros três grupos (estudantes de Psicologia e psicólogos), isto é, os usuários, talvez por estarem sendo avaliados, consideravam dispensável a avaliação, sugerindo que ela não contribuía para o processo de obtenção da CNH. Por outro lado, quando tratada a eficácia da avaliação, isto é, se os testes eram eficazes e/ou válidos, não houve diferença entre os quatro grupos. Portanto, soa como “a Avaliação Psicológica é eficaz, contando de não me avaliar”. Talvez o mais preocupante tenha sido o fato de os psicólogos não terem atitudes mais positivas que os estudantes, que ainda não conhecem a prática profissional.

O estudo de Mendes, Nakano, Silva e Sampaio (2013)Mendes, L. S., Nakano, T. C., Silva, I. B., & Sampaio, M. H. L. (2013). Conceitos de avaliação psicológica: Conhecimento de estudantes e profissionais. Psicologia: Ciência e Profissão, 33(2), 428-445. comparou 40 estudantes de graduação em Psicologia e 40 psicólogos, os quais responderam ao questionário com seis questões abertas sobre definição de Avaliação Psicológica, métodos que podem ser utilizados durante esse processo, o sistema de avaliação dos testes psicológicos (Satepsi), os requisitos mínimos para aprovação de um instrumento e as definições de validade e precisão. Não foram observadas diferenças entre esses grupos para a maioria dos temas abordados; de modo semelhante, verificaram-se respostas equivocadas ou em branco para ambos, suscitando algum desconhecimento ou não domínio da área. Quanto à definição de Avaliação Psicológica, esteve mais atrelada à coleta de dados, aplicação de testes, entrevista e avaliação da personalidade; os métodos usados mais citados foram testes, entrevistas, observações e questionários; e a função do Satepsi foi considerada validar, avaliar e regulamentar. Neste quesito preocupa o fato de cerca de 12% dos profissionais terem indicado não saber, deixado em branco ou dado respostas inconclusivas.

Um estudo inovador foi realizado por Hazboun e Alchieri (2014)Hazboun, A. M., & Alchieri, J. C. (2014). Dificuldades em avaliação psicológica segundo psicólogos brasileiros. Psico-PUCRS, 45(1), 83-89.. Utilizando questionário online, estes autores realizaram um levantamento com 644 psicólogos que atuavam em diversas áreas da Psicologia (por exemplo, Clínica, Escolar, Jurídica, Trânsito). Especificamente, perguntaram quais as maiores dificuldades de trabalhar com Avaliação Psicológica em seu contexto profissional, sendo as respostas analisadas por meio do programa Alceste. Estes autores identificaram cinco classes: condições tempo-espaço e relacionamento com a equipe, relação custo-benefício, clientes e instrumentos, materiais, estrutura e capacitação e adequação cultural. Portanto, tratando com respostas espontâneas de psicólogos, foram evidentes preocupações com os instrumentos de medida e a formação, isto é, capacitação dos profissionais que atuam no processo de Avaliação Psicológica.

Por fim, Bardagi, Teixeira, Segabinazi, Schelini e Nascimento (2015)Bardagi, M. P., Teixeira, M. A. P., Segabinazi, J. D., Schelini, P. W., & Nascimento, E. (2015). Ensino da avaliação psicológica no Brasil: Levantamento com docentes de diferentes regiões. Avaliação Psicológica, 14(2), 253-260. realizaram um estudo com 93 docentes de 13 Estados, a maioria mestre (44,9%) ou doutora (37%) e com outras atividades profissionais além de ensinar Avaliação Psicológica (68,5%). Pretenderam caracterizar o perfil desses profissionais, considerando seu envolvimento no ensino e na produção de conhecimento. Quanto ao envolvimento destes docentes em atividades científicas, a maioria não respondeu (50,5%); porém, entre os que responderam prevaleceram os que afirmaram participar de sociedade científica e/ou ter publicado artigo, capítulo de livro ou manual de testes psicológicos (76,5%). Como seria de esperar, a maioria não se dedica apenas ao ensino de Avaliação Psicológica, inclusive em instituições públicas, tendo que ministrar também outras disciplinas (74,5%).

Em resumo, a prática e o posicionamento de professores e profissionais que atuam na Avaliação Psicológica refletem o que se conhecia acerca dos estudantes. Especificamente, há uma diversidade de disciplinas, considerando múltiplos instrumentos de avaliação, sobretudo os focados nos construtos inteligência e traços de personalidade. Os profissionais, por outro lado, sabem pouca coisa acerca de quase tudo, não se diferenciando de estudantes, inclusive com atitudes próximas as de leigos. O mais preocupante é muitos não conhecerem resoluções, órgãos ou sistemas que regulam sua prática profissional.

Entraves e desafios da formação em Avaliação Psicológica

Caixeta e Silva (2014)Caixeta, L. V., & Silva, I. I. C. (2014). Avaliação psicológica: Possibilidades e desafios atuais. Perquirere, 11(2), 218-237. entendem que a Avaliação Psicológica teve saltos quantitativo e qualitativo no Brasil a partir dos anos 1980, sobretudo com a criação de grupos de pesquisa e laboratórios. Noronha et al. (2010)Noronha, A. P. P., Carvalho, L. C., Miguel, F. K., Souza, M. S., & Santos, M. A. (2010). Sobre o ensino de avaliação psicológica. Avaliação Psicológica, 9(1), 139-146. reconhecem também tais avanços, mas, principalmente, a partir dos anos 1990. Porém, estimo que ainda estamos com 20 anos de atraso em relação a psicólogos e pesquisadores dos Estados Unidos, que desde os anos 1950 têm se organizado e recebido apoio da American Psychological Association. Porém, não podemos perder de vista, ao menos por parte do sistema Conselhos de Psicologia, a situação vigente é mais alentadora do que o cenário descrito por Pasquali (2001)Pasquali, L. (Org.) (2001). Técnicas de exame psicológico – TEP: Manual. São Paulo, SP: Casa do Psicólogo.. De fato, foram dados passos importantes para garantir a qualidade dos instrumentos nesta área.

Há que reconhecer, ainda, os esforços de diversos colegas, entre os quais Cláudio Hutz, Luis Pasquali e Solange Weschler, que têm empreendido ações individuais e, paralelamente, agregado colegas no sentido de construírem uma organização sólida (Instituto Brasileiro de Avaliação Psicológica, IBAP), cujos membros têm tido papel decisivo na CCAP (Comissão Consultiva de Avaliação Psicológica, CFP). Nesta direção, conforme comenta Gouveia (2009)Gouveia, V. V. (2009). Avaliação psicológica no Brasil: Caminhos, desafios e possibilidades. Psicologia em Foco, 2, 110-119., gerações sucessivas contribuíram para o panorama atual, que é muito promissor, se considerado o período que antecedeu a segunda metade dos anos 1980. Então, o encantamento era com máquinas (lembrando, começavam a ser comercializados os computadores pessoais), diferente dos empreendimentos atuais, consolidados na propositura de novos programas estatísticos, instrumentos para avaliar construtos diversos (por exemplo, raciocínio, assertividade, personalidade) e análises estatísticas sofisticadas.

O panorama atual é promissor! Na última década, nossos pesquisadores e profissionais ocuparam espaços importantes nos cenários nacional e internacional, contando com publicações em revistas de impacto (por exemplo, Intelligence, Psychological Assessment, Personality and Individual Differences). Desdobramento desse movimento, a área está consolidada no CNPq, onde seus pesquisadores têm aprovado diversos projetos e ocupado espaço no Comitê de Assessoramento (CA) de Psicologia; na Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), a situação não é diferente. De fato, dois dos três Programas de Pós-graduação com o conceito 7 (máximo) têm relação com a Avaliação Psicológica, isto é, Universidade Federal do Rio Grande do Sul e Universidade São Francisco. A propósito, esta última oferece Mestrado e Doutorado especificamente nesta área.

Chegado este ponto, você imaginará: devem existir novos desafios. Mas, qual o sentido de falar em entraves da formação em Avaliação Psicológica no Brasil? É possível que estejamos reproduzindo a mesma lógica macrossocial que traduz as relações econômicas e sociais neste país; criamos bolhas, ilhas de excelência, existindo um mundo (uma Psicologia) desenvolvido(a) em meio a incertezas. O problema não é não termos pessoas qualificadas, profissionais competentes; a questão é que suas atuações não chegam nem mesmo nos centros onde atuam, imagine numa cidade do interior de estados das regiões Norte e Nordeste!

Não estamos formando em Avaliação Psicológica, mas qualificando no mais alto nível um grupo seleto. Portanto, precisamos romper, quiçá, o maior entrave, que é não saber o que realmente pretendemos nesta área: desejamos tornar o psicólogo um perito em Avaliação Psicológica ou um usuário de informações produzidas por peritos? Os médicos se convenceram da importância de restringirem suas especialidades; há quem trabalhe com diagnóstico (por exemplo, neuroimagem, ultrassonografia) e os que precisam estar aptos a entender os resultados. Talvez haverá que admitir, com fundamento na lei, que, querendo, o psicólogo poderá realizar Avaliação Psicológica, mas precisará de qualificação específica se desejar atuar como perito. Do contrário, encaminhará para quem seja competente, que deverá emitir laudo, parecer ou atestado, por exemplo, que precisará ser compreendido pelo psicólogo.

Se essa diferenciação de papéis for viável, tratar-se-á de definir um currículo mínimo e universal para todos os estudantes de Psicologia do país, menos focado em um ou outro teste e mais em parâmetros de itens (por exemplo, discriminação, dificuldade) e medidas (por exemplo, validade, precisão), além de capacitar para que entendam as normas diagnósticas (por exemplo, percentílicas, padrões). Ações deste tipo não são uma novidade (Noronha et al., 2003Noronha, A. P. P., Baldo, C. R., Bardin, P. F., & Freitas, J. V. (2003). Conhecimento em avaliação psicológica: Um estudo com alunos de Psicologia. Psicologia: Teoria e Prática, 5(2), 37-46.), mas precisam ser a prioridade, envidando esforços por reunir os agentes formadores (Cursos de Psicologia) e reguladores da profissão (CFP).

Um segundo entrave, igualmente importante, tem lugar nos bancos dos cursos de Psicologia. É preciso que o professor se dê conta de que vivemos momento diferente, onde a palmatória já não tem espaço, e a hierarquia precisa ser um fator em favor do processo ensino-aprendizagem. Defendo a ideia de mentoria, no sentido de o professor ser referência, espelhar seus estudantes, mostrar alternativas para que tomem a decisão que mais se aproxima com seus interesses. O docente não pode se frustrar se o estudante não se agrada de sua disciplina; afinal, são jovens em um mundo tão diverso de oportunidades, que precisam ir construindo sua própria identidade profissional. É preciso, entretanto, mostrar as possibilidades, que não são poucas em Avaliação Psicológica, pois é, simplesmente, uma área transversal; aprendendo esta prática, o psicólogo poderá atuar em qualquer área da Psicologia.

Um terceiro entrave para a formação em Avaliação Psicológica deriva da própria natureza de seus fundamentos, que se pautam em métodos quantitativos, teoria da medida, estatística etc. Ora, o jovem, por vezes, escolhe Psicologia precisamente por não gostar de números, preferindo lidar com pessoas, vem o professor falar de teste t, Anova, Análise Fatorial, alfa de Cronbach, Kuder-Richardson. Tá cum a gota! Sem perceber que isso tem relação com sua atuação profissional, o estudante desanimará; pior pode ser entender técnicas estatísticas quando se começam com fórmulas e letras gregas. Por vezes são ensinadas receitas, mas faltam ponderações, dizer como as coisas realmente funcionam na realidade. A propósito, há múltiplas maneiras, por exemplo, de ensinar estatística, podendo ser tratada de forma menos dura, desmistificando conceitos (Gouveia, Santos, & Milfont, 2009Gouveia, V.V., Santos, W. S., & Milfont, T. L. (2009). O uso da estatística na avaliação psicológica: Comentários e considerações práticas. In: C. S. Hutz (Org.), Avanços e polêmicas em avaliação psicológica: Em homenagem a Jurema Alcides Cunha (pp. 127-155). São Paulo, SP: Casa do Psicólogo.).

Um quarto entrave é o afastamento entre professor e estudantes. Tardei duas décadas para entender isso! Embora alguns colegas repudiem, não tenho nada contra aulas-show, apesar de me faltar habilidade para isso; elas prendem os estudantes, animando-os a seguirem o conteúdo, criando uma simpatia com o professor que facilita o aprendizado. Entretanto, para além disso, vivemos momento de comunicações abertas e diretas; se os de minha geração se espantaram com a bitnet, hoje os meninos nascem se comunicando com avós e familiares do outro lado do mundo. O docente precisa estar aberto às possibilidades das redes sociais, divulgando conteúdos, informando sobre programas, cursos, publicações etc. Claro, mais de um pensará: se eu fizer isso, não terei tempo para nada mais. Tolice! Ninguém está obrigado a estar conectado 24 horas, mas enquanto navega na internet, não custa responder um estudante, divertir-se com uma postagem. De modo semelhante, ocupe e estimule os estudantes com grupos de discussões nas redes sociais; existem no Facebook sobre quase todas as áreas, inclusive Avaliação Psicológica (por exemplo, Laboratórios de Avaliação Psicológica, Psicometristas [Brasil], Avaliação Psicológica: Questões Metodológicas), nos quais é possível que eles aprendam, tirem dúvidas, compartilhem experiências e se atualizem.

Por fim, um quinto entrave diz respeito à exclusão de estudantes de atividades da área, a exemplo de congressos. Muitos discentes não dispõem de recursos; além disso, a maioria ainda é muito jovem (16, 17 e 18 anos), época em que diversos priorizam o namoro e a diversão. É preciso conquistá-los, atraí-los, mostrar que podem se enamorar de sua profissão. Sugiro repensarmos nossos congressos em três direções: (1) precisam ser custeados por patrocinadores e/ou inscrições, mas não podem ser fonte de renda. É absurdo cobrar 200 reais de um estudante! Cobrando 50 reais teríamos mais pessoas, aumentando a exposição da área; (2) as palestras-magnas precisam empolgar; convidar um colega que pode ser muito bom quando escreve, mas difícil não dormir quando fala, é motivo de evasão; e (3) introduzir reconhecimento que agrada qualquer pessoa; por vezes, nem precisa dinheiro, bastando palavras e certificados que façam jus ao esforço de colegas e estudantes.

Em resumo, precisamos pensar nosso papel na Avaliação Psicológica como transitório; somos passageiros desse trem. As gerações precisam ser sucedidas e não há que ter medo dos mais jovens; precisamos formá-los bem para que façam bem melhor do que fomos capazes. Precisamos atrair graduandos para esta área e não deixar que migrem os pós-graduandos. Como fazer? Penso que a CCAP poderá ter um papel importante em definir algumas políticas, mas não menos o IBAP. A seguir são listadas algumas das estratégias possíveis, muitas pensadas por colegas; quiçá meu papel seja agrupá-las e/ou priorizá-las.

Diretrizes da formação em Avaliação Psicológica

Como lembram Noronha et al. (2003)Noronha, A. P. P., Baldo, C. R., Bardin, P. F., & Freitas, J. V. (2003). Conhecimento em avaliação psicológica: Um estudo com alunos de Psicologia. Psicologia: Teoria e Prática, 5(2), 37-46., há muito a formação do profissional de Psicologia vem sendo repensada. No que se refere à Avaliação Psicológica, o CFP, em conjunto com os Conselhos Regionais, organizou uma Comissão com o propósito de estabelecer uma formação mínima para que capacite a atuação nesta área. Entretanto, Caixeta e Silva (2014)Caixeta, L. V., & Silva, I. I. C. (2014). Avaliação psicológica: Possibilidades e desafios atuais. Perquirere, 11(2), 218-237. lembram que esta formação não pode se limitar aos aspectos técnicos; demanda-se atenção ao compromisso social e político da área, evitando perder o referencial humano e coisificar a pessoa. É preciso, ainda, promover a formação continuada, como lembram tais autores. Entendo, porém, que os cursos de Especialização em Avaliação não devem suprir deficiência na Graduação, mas qualificar em áreas específicas de atuação.

O que seria um currículo mínimo em Avaliação Psicológica? É preciso discutir com seriedade este aspecto; considerando a natureza restritiva da prática profissional nesta área, alcançando apenas aos psicólogos, é importante que o CFP possa agir, contando com o apoio do IBAP, chamando para conversar as instituições formadoras de psicólogos. Essa sistematização da área tem sido difícil, como foi regulamentar os testes no Brasil; porém, a experiência nos mostra, é viável. No caso, pode-se partir da ideia de competências demandadas para exercer a profissão neste âmbito (Noronha et al., 2010Noronha, A. P. P., Carvalho, L. C., Miguel, F. K., Souza, M. S., & Santos, M. A. (2010). Sobre o ensino de avaliação psicológica. Avaliação Psicológica, 9(1), 139-146.).

Considerando o que descrevem Moreland, Eyde, Robertson, Primoff e Most (1995)Moreland, K. L., Eyde, L. D., Robertson, G. J., Primoff, E. S., & Most, R. B. (1995). Assessment of test user qualifications: A research-based measurement procedure.American Psychologist,50(1), 14-23. como requisitos para os usuários de instrumentos de Avaliação Psicológica, o Colégio Oficial de Psicólogos, da Espanha, estabeleceu um rol de normas mínimas: (1) evitar erros ao pontuar e registrar os resultados; (2) abster-se de rotular pessoas com termos depreciativos em razão de suas pontuações nos testes; (3) manter material de testagem em segurança; (4) se assegurar que todos os examinandos seguem as mesmas instruções; (5) aplicar os testes em condições que favoreçam o melhor rendimento dos examinandos; (6) não ensinar às pessoas utilizando itens dos testes; (7) disponibilizar-se a interpretar os resultados dos testes e aconselhar os examinandos em sessões destinadas a estas finalidades; (8) não fotocopiar material de testagem; (9) não usar folhas de resposta improvisadas, que podem não se ajustar à planilha utilizada; (10) estabelecer relação adequada com os examinandos; (11) não responder perguntas dos examinandos com detalhes além dos permitidos no manual do teste; e (12) não assumir que as normas para determinada ocupação ou grupo possam ser aplicadas automaticamente a outros.

Como é possível observar, estas normas descrevem recomendações de como proceder no processo de Avaliação Psicológica, não oferecendo informações sobre competências que devem ter os avaliadores. De fato, a maioria das informações consta no manual de cada instrumento; neste sentido, não dizem como precisa ser a formação nesta área. Certamente, demanda-se, no mínimo, conhecer conceitos científicos ou propriamente parâmetros dos instrumentos (por exemplo, validade, precisão), além de normas para interpretar suas pontuações (Pasquali, 2001Pasquali, L. (Org.) (2001). Técnicas de exame psicológico – TEP: Manual. São Paulo, SP: Casa do Psicólogo.). Como alertam Noronha et al. (2010)Noronha, A. P. P., Carvalho, L. C., Miguel, F. K., Souza, M. S., & Santos, M. A. (2010). Sobre o ensino de avaliação psicológica. Avaliação Psicológica, 9(1), 139-146., “os cursos de formação em psicologia não são capazes de abranger todo o conhecimento necessário para os profissionais que trabalham com a avaliação psicológica, e nem se esperava que isto acontecesse” (p. 145). De fato, talvez se esteja esperando muito dos cursos de formação, que pretendem formar o generalista, não o especialista; não é questão de proibir o uso por psicólogos da Avaliação Psicológica, sobretudo em termos de competências gerais para as quais foram treinados. Trata-se, pois, de repensar o escopo desta formação, incluindo definição de competências profissionais, que deverá ser atribuição do CFP.

Diferentemente da visão mais restritiva, que defendemos, há colegas que fazem esforço importante por definir um rol de competências para quem pretende realizar Avaliação Psicológica. Destaque-se a proposta bem articulada de Nunes et al. (2012)Nunes, M. F. O., Muniz, M., Reppold, C. T., Faiad, C., Bueno, J. M. H., & Noronha, A. P. P. (2012). Diretrizes para o ensino de avaliação psicológica. Avaliação Psicológica, 22(2), 309-316., que indicam competências, disciplinas e estratégias de ensino que qualificariam nesta área. Especificamente, sugerem que o futuro profissional reúna quase três dezenas de competências, como ter conhecimento de história, legislação e ética, compreender a avaliação como um processo, entender as funções e a natureza dos testes, conhecer seus parâmetros psicométricos e suas normas, ser capaz de avaliar em âmbitos cognitivo, afetivo e comportamental, saber administrar, corrigir, interpretar, integrar, dar e fundamentar os resultados, dominar teorias sobre entrevistas psicológicas e observação do comportamento, elaborar laudos e realizar encaminhamentos e intervenções. Propõem abarcar essas competências em cinco disciplinas e um estágio supervisionado, inclusive oferecendo recomendações acerca de como poderiam ser ministrados os conteúdos destas disciplinas, como os professores poderiam se qualificar melhor etc.

Neste marco, cabem ainda orientações sobre aspectos pedagógicos, morais e éticos da Avaliação Psicológica. Por exemplo, discutindo as diversas tendências de ensino desta área (por exemplo, progressista sociocrítica, progressista libertária, liberal renovada, liberal tecnicista), Moura (2017)Moura, D. P. F. (2017). O ensino de avaliação psicológica e as tendências pedagógicas: Possibilidades para um planejamento crítico. Revista Brasileira de Ensino Superior, 3(3), 1-6. https://doi.org/10.18256/2447-3944.2017.v3i3.2047
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entende que as perspectivas liberais prevaleceram por anos, sugerindo considerar a pedagogia progressista, que não esbarra no ensino de técnicas, permitindo desenvolver também uma postura reflexiva e crítica, dando importância, por exemplo, a história e a ética na Avaliação Psicológica. Recomenda, também, priorizar a capacidade de elaboração dos estudantes, tendo o docente compromisso com o social e o pedagógico, estimulando a heterogeneidade, a contradição, a criticidade, a criatividade e reflexividade dos estudantes. Os aspectos éticos, morais e sociais decorrentes da Avaliação Psicológica têm sido lembrados por outros autores (Caixeta, & Silva, 2014Caixeta, L. V., & Silva, I. I. C. (2014). Avaliação psicológica: Possibilidades e desafios atuais. Perquirere, 11(2), 218-237.; Nunes et al., 2012Nunes, M. F. O., Muniz, M., Reppold, C. T., Faiad, C., Bueno, J. M. H., & Noronha, A. P. P. (2012). Diretrizes para o ensino de avaliação psicológica. Avaliação Psicológica, 22(2), 309-316.).

Por fim, essa discussão parece proveitosa. De momento, talvez soe estéril, mas a história mostra que tem sido, assim, os avanços na Avaliação Psicológica, como ocorreu com a elaboração de resoluções e normas técnicas do CFP que visaram definir diretrizes e regulamentar a comercialização e o uso dos testes, como também seu sistema de avaliação, hoje albergadas pela Resolução CFP n° 009/2018Resolução N° 009, de 25 de abril de 2018. Estabelece diretrizes para a realização de Avaliação Psicológica no exercício profissional da psicóloga e do psicólogo, regulamenta o Sistema de Avaliação de Testes Psicológicos - SATEPSI e revoga as Resoluções n° 002/2003, n° 006/2004 e n° 005/2012 e Notas Técnicas n° 01/2017 e 02/2017. Brasília, DF: Conselho Federal de Psicologia..

Por fim, penso que nenhuma diretriz será eficaz se não resolvermos o impasse de decidir acerca da abrangência da prática em Avaliação Psicológica. Demandar-se-á decidir entre: (a) uma formação que considere um currículo mínimo que capacite realizar avaliações irrestritamente e (b) uma formação que diferencie níveis de atuação, dispondo um currículo mínimo que qualificaria os psicólogos a usarem resultados de Avaliação Psicológica, e uma formação complementar, especializada, que abriria oportunidade para atuar de forma mais ampla e qualificada, inclusive na elaboração de testes e laudos em diversas áreas.

Conclusão

A formação em Avaliação Psicológica não é um problema do Brasil. No contexto estadunidense a preocupação tem mais de meio século (Anastasi, & Urbina, 2000Anastasi, A., & Urbina, S. (2000). Testagem psicológica. Porto Alegre, RS: Artes Médicas.; Moreland et al., 1995Moreland, K. L., Eyde, L. D., Robertson, G. J., Primoff, E. S., & Most, R. B. (1995). Assessment of test user qualifications: A research-based measurement procedure.American Psychologist,50(1), 14-23.). No contexto europeu, por exemplo, Muñiz et al. (2001)Muñiz, J., Bartran, D., Evers, A., Baben, D., Matesic, K., Glabeke, K., Fernández-Hermida, J. R., & Zaal, J. N. (2001). Testing practices in European countries. European Journal of Psychological Assessment, 17(3), 201-211. realizaram um estudo com 8.690 psicólogos, verificando que, embora a maioria tenha atitude favorável frente ao uso de testes psicológicos, considera que sua formação na graduação foi insuficiente para usá-los adequadamente. No Brasil ainda estamos em estágio anterior; os psicólogos não se diferem substancialmente em suas atitudes em relação a estudantes de Psicologia e mesmo pessoas da população geral (Gouveia et al., 2002Gouveia, V. V., Silva, D. V., Silva, M. P. V., Andrade, M. W. C. L., Silva Filho, S. B. & Costa, D. M. F. (2002). Atitudes frente à avaliação psicológica para condutores: Perspectivas de técnicos, estudantes de psicologia e usuários.Psicologia: Ciência e Profissão,22(2), 50-59.https://doi.org/10.1590/S1414-98932002000200007
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), inclusive tendo desempenho similar ao destes estudantes em competências mínimas na área (Mendes et al., 2013Mendes, L. S., Nakano, T. C., Silva, I. B., & Sampaio, M. H. L. (2013). Conceitos de avaliação psicológica: Conhecimento de estudantes e profissionais. Psicologia: Ciência e Profissão, 33(2), 428-445.).

É importante neste ponto resgatar reflexões do Professor Pasquali há quase duas décadas, que parecem retratar nossa realidade, conforme os achados prévios (Pasquali, 2001Pasquali, L. (Org.) (2001). Técnicas de exame psicológico – TEP: Manual. São Paulo, SP: Casa do Psicólogo.): (a) há número ainda insuficiente de especialistas e pesquisadores qualificados em Avaliação Psicológica, embora esse número esteja crescendo; (b) o currículo universitário tem sido deficiente e pobre, não se ensinando Psicometria, mas testologia (aplicação e correção de testes) como disciplina optativa; e (c) constata-se fuga da área em razão de despreparo com estatística e medidas. Faço uma ponderação neste ponto: mais do que despreparo de quem aprende, talvez falte por parte de quem ensina aprimorar a abordagem didático-pedagógica.

Pasquali (2001)Pasquali, L. (Org.) (2001). Técnicas de exame psicológico – TEP: Manual. São Paulo, SP: Casa do Psicólogo. faz duas outras reflexões, mas parecem superadas. Apontou o apoio tímido do sistema Conselho, embasado no despreparo de seus dirigentes. Felizmente, a criação da CAAP foi uma das decisões mais relevantes; está formada por amigos, pois o Conselheiro Federal que a coordena convida pessoas com quem se sente mais à vontade para trabalhar. Porém, até o presente não tive notícia de uma formação que se limitasse à amizade, pois é notória a competência de seus integrantes. A outra reflexão dizia respeito à falta de integração entre profissionais e pesquisadores, o que entendo ter sido superada, sobretudo com as organizações e articulações da ASBRo e do IBAP. Falta, entretanto, atrair os futuros psicólogos, inserindo os estudantes em ações que possam despertar seu interesse.

Finalizando, Anastasi e Urbina (2000)Anastasi, A., & Urbina, S. (2000). Testagem psicológica. Porto Alegre, RS: Artes Médicas. consideram que a formação adequada em Avaliação Psicológica demanda um período extenso de treinamento intensivo e experiência supervisionada para o uso adequado dos testes. No Brasil, os psicólogos não têm tido essa prática, o que pode explicar seu despreparo ou pouca confiança (Noronha et al., 2007Noronha, A. P. P., Nunes, M. F. O., & Ambiel, R. A. M. (2007). Importância e domínios de avaliação psicológica: Um estudo com alunos de Psicologia. Paidéia, 17(3), 231-244. https://doi.org/10.1590/S0103-863X2007000200007
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; Paula et al., 2007Paula, A. V., Pereira, A. S., & Nascimento, E. (2007). Opinião de alunos de psicologia sobre o ensino em avaliação psicológica. Psico-USF, 12(1), 33-43. https://doi.org/10.1590/S1413-82712007000100005
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). Contudo, insisto que devemos decidir o escopo da formação em Avaliação Psicológica; um recém-graduado não consegue dar conta de tudo com o que aprende na faculdade; porém, implementar as diretrizes sugeridas por Nunes et al. (2012)Nunes, M. F. O., Muniz, M., Reppold, C. T., Faiad, C., Bueno, J. M. H., & Noronha, A. P. P. (2012). Diretrizes para o ensino de avaliação psicológica. Avaliação Psicológica, 22(2), 309-316. quiçá distorça a própria natureza generalista da Psicologia. Neste contexto, se a decisão for manter a formação generalista, talvez seja mais adequado definir duas áreas de avaliação (por exemplo, inteligência, personalidade), cujas teorias seriam tratadas em disciplinas específicas, e um par de disciplinas com propósitos de ensinar as Resoluções CFP n° 010/05 e n° 009/2018. Isso poderá assegurar uma conduta competente e responsável do psicólogo nesta área.

Agradecimentos

Durante a elaboração do presente artigo, o autor estava como Professor Visitante na University of Victoria (Canadá), apoiado pela CAPES com recursos de Estágio Sênior. Registra-se sua gratidão a estas duas Instituições e à Universidade Federal da Paraíba, que permitiu seu afastamento temporário.

Referências

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Oct-Nov 2018

Histórico

  • Recebido
    19 Jul 2018
  • Aceito
    08 Ago 2018
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