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Panorama das Atividades Grupais Desenvolvidas em Centros de Atenção Psicossocial (2006–2016)

A Overview about Group Activities Developed in Psychosocial Care Center (2006–2016)

Panorama de las Actividades Grupalesdesarrolladas en el Centro de Atención Psicosocial (2006–2016)

Resumo

As oficinas e grupos terapêuticos se apresentam como um dispositivo fundamental no cotidiano de um Centro de Atenção Psicossocial dada sua importância enquanto atividades grupais que podem assumir diversos formatos e finalidades, além de serem articuladores entre essa instituição e a comunidade. O presente projeto, sendo um requisito para a conclusão do curso de Psicologia, se desenvolve a partir de uma revisão integrativa da literatura com o intuito de fornecer um panorama sobre as atividades grupais direcionadas a adultos no Brasil através dos CAPS. Recuperou-se 30 artigos que foram submetidos a uma análise quantitativa e qualitativa, havendo a categorização das informações referentes ao funcionamento das atividades grupais e a construção de quatro eixos temáticos organizados em: (a) Contribuições das atividades grupais; (b) Dificuldades enfrentadas para o desenvolvimento das atividades grupais; (c) Demandas dos participantes que surgiram nas atividades grupais e (d) Reprodução do modelo manicomial versus Desinstitucionalização. A partir dos resultados encontrados, discutiram-se as transformações que as atividades grupais provocam nos usuários do serviço e em suas famílias; as dificuldades enfrentadas desde as estruturais até aquelas relacionadas à formação dos profissionais responsáveis pelas atividades; e formas de garantir que as atividades grupais corroborem para assegurar a política de desinstitucionalização, a articulação com o território e comunidade e a reinserção social. Conclui-se a importância do alinhamento, tanto da formação acadêmica, quanto da prática nas atividades grupais, com a política da desinstitucionalização e outras diretrizes que norteiam o fazer em Saúde Mental.

Atividades grupais; Oficinas Terapêuticas; Grupos Terapêuticos; CAPS

Abstract

The workshops and therapeutic groups are fundamental devices in the daily life of a Center for Psychosocial Care given their importance as group activities that can assume different formats and purposes, besides being articulators between this institution and the community. The present project, that is a requirement for the conclusion of the Psychology course, develops from an integrative literature review in order to provide an overview of the group activities directed to adults in Brazil through Psychosocial Care Centers. 30 articles that were submitted to a quantitative and qualitative analysis were retrieved, and categorized according to information related to the functioning of group activities into four thematic axes: (a) Contributions of group activities; (B) Difficulties faced for the development of group activities; (C) Demands of the participants that emerged in the group activities and (d) Reproduction of the manicomial model versus Deinstitutionalization. From the results found, some discussions were developed: transformations that the group activities provoke in the users of the service and in their families; difficulties faced, from the structural ones to those related to the training of professionals responsible for the activities; and ways to ensure that group activities corroborate to ensure the policy of deinstitutionalization, articulation with the territory and community and social reintegration. It was possible to conclude the importance of aligning both academic training and practice in group activities, with the policy of deinstitutionalization and other guidelines that lead the practice in Mental Health.

Group activities, Therapeutic workshops; Therapeutic groups, Psychosocial Care Center

Resumen

Los talleres y grupos terapéuticos se presentan como un dispositivo fundamental en la vida diaria de un Centro de Atención Psicosocial dada su importancia como actividades grupales que pueden adoptar diferentes formatos y propósitos, además de ser articuladores entre esta institución y la comunidad. Este proyecto, que es un requisito para completar el curso de Psicología, se desarrolla a partir de una revisión integral de la literatura para proporcionar un panorama general de las actividades grupales dirigidas a adultos en Brasil a través de CAPS. Se recuperaron 30 artículos que fueron sometidos a un análisis cuantitativo y cualitativo, con la categorización de información sobre la operación de actividades grupales y la construcción de cuatro ejes temáticos organizados en: (a) Contribuciones de actividades grupales; (b) Dificultades enfrentadas en el desarrollo de actividades grupales; (c) Demandas de los participantes que surgieron en actividades grupales, y (d) Reproducción del modelo asilar manicomial versus Desinstitucionalización. A partir de los resultados encontrados, se discutieron las transformaciones que las actividades grupales causan en los usuarios del servicio y sus familias; las dificultades enfrentadas desde lo estructural hasta las relacionadas con la capacitación de los profesionales responsables de las actividades; y formas de garantizar que las actividades grupales se corroboren para garantizar la política de desinstitucionalización, articulación con el territorio y la comunidad y la reintegración social. Se concluye la importancia de alinear tanto la capacitación académica como la práctica en actividades grupales con la política de desinstitucionalización y otras pautas que guían la actuación en Salud Mental.

Actividades grupales; Talleres terapéuticos; Grupos terapéuticos; CAPS

Os Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) configuram-se enquanto um serviço substitutivo à lógica manicominal que imperava, no Brasil, na lida para com a loucura até meados da década de 1980. Os movimentos da Reforma Psiquiátrica Brasileira e da Luta Antimanicomial foram impulsionados por uma série de denúncias sobre o tratamento psiquiátrico existente e impulsionaram transformações nas diretrizes que norteavam o cuidado à loucura, fazendo com que a Saúde Mental passasse a se pautar na política da desospitalização e da desinstitucionalização (influência da Reforma Psiquiátrica Italiana) e na lógica do território. O CAPS surge como uma das respostas nesse momento de transformação, e no ano de 2011, torna-se um dos eixos centrais das estratégias da Rede de Atenção Psicossocial ( Cedraz, & Dimeinstein, 2005Cedraz, A., Dimenstein, M. (2005). Oficinas terapêuticas no cenário da reforma psiquiátrica: Modalidades desinstitucionalizantes ou não? Revista Mal-estar e Subjetividade , 5 (2), 300-327. ; Delgado, 1997Delgado, P. G. (1997). A psiquiatria no território: Construindo uma rede de atenção psicossocial. Saúde em Foco: Informe Epidemiológico em Saúde Coletiva , 6 (16), 41-43. ; Figueiredo, & Rodrigues, 2004Figueiredo V. V., Rodrigues M. M. P. (2004). Atuação do psicólogo nos CAPS do estado do Espírito Santo. Psicologia em Estudo , 9 (2), 173-181. https://doi.org/10.1590/S1413-73722004000200004
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; Portaria Nº 3.088, 2011Portaria Nº 3.088, de 23 de março de 2011. Institui a rede de atenção psicossocial para pessoas com sofrimento ou transtorno mental e com necessidades decorrentes do uso de crack, álcool e outras drogas, no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS).. Diário Oficial da União , 24 mar. 2011 ; Tenório, 2002Tenório, F. (2002). A reforma psiquiátrica brasileira, da década de 1980 aos dias atuais: História e conceito. História, Ciências, Saúde: Manguinhos , 9 (1), 25-59. https://doi.org/10.1590/S0104-59702002000100003
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; Yasui, 2006)Yasui, S. (2006). Rupturas e encontros: Desafios da reforma psiquiátrica brasileira (Tese de doutorado). Escola Nacional de Saúde Pública, Fundação Oswaldo Cruz, Rio de Janeiro, RJ, Brasil. .

Em seu funcionamento, o CAPS deve oferecer ações que abarquem o acesso ao trabalho, à educação, à cultura, aos direitos civis e o fortalecimento de vínculos a partir de diversas atividades com caráter terapêutico e de reabilitação psicossocial. Compõem essas atividades a atenção individual, como a psicoterapia e o acolhimento, mas enquanto potência da estratégia de cuidado dos CAPS as atividades em grupo são consideradas uma das principais formas de tratamento. Estas se caracterizam enquanto grupos e oficinas terapêuticas, além de outros delineamentos desse tipo de atividade, como atividades esportivas, atividades de suporte social, grupos de leitura e, ainda, atividades comunitárias, nas quais objetiva-se a integração do serviço e do usuário com a família e a comunidade, realizando importantes trocas sociais ( Brasil, 2004Brasil. Ministério da Saúde. (2004). Saúde mental no SUS: Os centros de atenção psicossocial . Brasília, DF: o autor.Recuperado de http://www.ccs.saude.gov.br/saude_mental/pdf/sm_sus.pdf
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).

Autores como Figueiredo e Costa (2004)Figueiredo, A. C., Costa, C. M. (2004). Oficinas terapêuticas em saúde mental: Sujeito, produção e cidadania. Rio de Janeiro, RJ: Contra Capa. e Valladares, Lappan-Botti, Mello, Kantorski e Scatena (2003)Valladares, A. C. A., Lappann-Botti, N. C., Mello, R., Kantorski, L. P., Scatena, M. C. M. (2003). Reabilitação psicossocial através das oficinas terapêuticas e/ou cooperativas sociais. Revista Eletrônica de Enfermagem , 5 (1). https://doi.org/10.5216/ree.v5i1.768
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relatam que as oficinas, modelo de prática grupal presente desde a assistência psiquiátrica no Brasil há décadas, já foram utilizadas apenas para entreter o internado da monotonia característica de instituições asilares, a fim de mantê-lo no hospital. Dentro do paradigma da desinstitucionalização, de acordo com Cedraz e Dimeinstein (2005)Cedraz, A., Dimenstein, M. (2005). Oficinas terapêuticas no cenário da reforma psiquiátrica: Modalidades desinstitucionalizantes ou não? Revista Mal-estar e Subjetividade , 5 (2), 300-327. , essas atividades grupais passam a assumir um papel importante enquanto catalizadoras da produção psíquica dos participantes, canalizando-a para sustentar a colocação destes perante o social (a família, a cultura, o mercado de trabalho, entre outros). De acordo com Zimerman (2000)Zimerman D. E. (2000). Fundamentos básicos das grupoterapias (2a ed.). Porto Alegre, RS: Artmed. , lançar um olhar ao desenvolvimento de atividades grupais também se torna válido porque se propõem ao manejo de algo com o que o indivíduo constantemente se depara: o fato de que na maior parte do tempo, necessariamente, interage e convive com/em diversos grupos.

Segundo Benevides, Pinto, Cavalcante e Jorge (2010)Benevides, D. S., Pinto, A. G. A., Cavalcante, S. M., Jorge, M. S. B. (2010). Cuidado em saúde mental por meio de grupos terapêuticos de um hospital-dia: Perspectivas dos trabalhadores de saúde. Interface: Comunicação, Saúde, Educação , 14 (32), 127-138. https://doi.org/10.1590/S1414-32832010000100011
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, o grupo terapêutico se coloca enquanto um espaço que possibilita o compartilhamento de experiências e propicia a escuta das necessidades dos sujeitos, o que pode contribuir para orientar a construção dos projetos terapêuticos singulares, ou seja, de acordo com as necessidades de cada um. As trocas realizadas ao longo das práticas grupais auxiliam o sujeito em sua construção de vínculos e de formas de estar diante de uma coletividade.

Outra categoria de atividade grupal presente na literatura sobre os CAPS são as Oficinas. Esse termo é utilizado para se referir a novas experiências terapêuticas de cunho expressivo-criativo, subsidiadas por abordagens diferentes abordagens, tais como psicodinâmicas, estéticas e sociais, e abarcam uma pluralidade de experiências que se diferenciam em suas formas e linguagens, as quais podem envolver atividades artísticas, artesanais, agrícolas e culturais ( Lima, 2004Lima, E. A. (2004). Oficinas, laboratórios, ateliês, grupos de atividades: Dispositivos para uma clínica atravessada pela criação. In C. M. Costa, A. C. Figueiredo, Oficinas terapêuticas em saúde mental: Sujeito, produção e cidadania (pp. 59-81). Rio de Janeiro, RJ: Contra Capa. Recuperado de www.pucsp.br/nucleodesubjetividade/Textos/beth/oficinas.pdf
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). Além dessas oficinas com caráter expressivo, espaços voltados para alfabetização e geração de renda também fazem parte da proposta de oficinas, de acordo com o Ministério da Saúde ( Brasil, 2004Brasil. Ministério da Saúde. (2004). Saúde mental no SUS: Os centros de atenção psicossocial . Brasília, DF: o autor.Recuperado de http://www.ccs.saude.gov.br/saude_mental/pdf/sm_sus.pdf
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).

Dada a importância das oficinas e grupos terapêuticos no funcionamento dos CAPS e a constatação da escassez de revisões bibliográficas acerca do tema a partir de um rápido levantamento nas bases dados on-line Scientific Electronic Library Online (SciELO) e Periódicos Eletrônicos de Psicologia-Biblioteca Virtual em Saúde (PePSIC-BVS), a presente pesquisa pretende, por meio de uma revisão integrativa da literatura, fornecer um panorama sobre as atividades grupais direcionadas a adultos no Brasil e desenvolvidas por CAPS. São, ainda objetivos específicos, identificar: (a) como se caracteriza o processo de desenvolvimento dessas atividades em relação ao tipo e objetivo da atividade, público-alvo, planejamento da atividade e os profissionais responsáveis pelo seu desenvolvimento; (b) se as atividades grupais são desenvolvidas intra ou extra-CAPS; (c) se há articulação intersetorial e comunitária para o desenvolvimento das atividades grupais.

Método

O tipo de pesquisa desenvolvida foi a Revisão Integrativa de Literatura, a qual comporta a inclusão de estudos experimentais, não experimentais, de literatura teórica e qualitativa no processo de revisão, objetivando-se identificar, analisar e sintetizar resultados a partir de uma avaliação crítica dos mesmos, afinando a relação entre a produção dos estudos e o campo de atuação prática. Para tal, esse método compreende as seguintes fases: a) elaboração da pergunta norteadora; b) busca ou amostragem na literatura; c) coleta de dados; d) análise crítica dos estudos incluídos; e) discussão dos resultados; f) apresentação da revisão integrativa ( Souza, Silva, & Carvalho, 2010Souza, M. T., Silva, M. D., Carvalho R. (2010). Revisão integrativa: O que é e como fazer. Einstein (São Paulo) , 8 (1), 102-106. https://doi.org/10.1590/s1679-45082010rw1134
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).

A pergunta norteadora elaborada para esta pesquisa foi: que tipo de atividades grupais tem sido desenvolvidas nos Centros de Atenção Psicossocial para público adulto no Brasil, quais suas características de organização e funcionamento, e capacidade de relação com o território?

Foram critérios para a busca na literatura: estudos publicados no período de 2006 a 2016, em forma de artigo, localizados nas bases de dados on-line SciELO e PePSIC-BVS, com as palavras-chave isoladamente e combinadas: grupo(s) terapêutico(s), oficina(s) terapêutica(s), oficina(s) expressiva(s), oficina(s) de geração de renda, oficina(s) de alfabetização, prática(s) grupal(s), atenção psicossocial, CAPS e centro de atenção psicossocial. Optou-se por esse período (2006–2016) para a localização dos artigos mais recentemente publicados. Foram critérios de exclusão das buscas: publicações no formato de editoriais, resenhas, notícias ou cartas veiculadas em periódicos científicos e teses, monografias, dissertações, capítulos de livros e livros, artigos que não foram redigidos na língua portuguesa e artigos que não respondiam a questão norteadora. Com relação às bases eletrônicas de busca, justifica-se a escolha pela gama de periódicos de diversas áreas do conhecimento indexadas na SciELO e pela reunião de revistas da área de Psicologia no PePSIC-BVS, portanto, bases capazes de permitir identificação da literatura sobre a temática deste estudo.

As buscas foram realizadas no período de março/2016 a maio/2016. Foram encontrados 532 artigos ( Tabela 1 ) nas duas bases a partir das palavras-chave anteriormente listadas. Duas pesquisadoras trabalharam de forma independente para a aplicação dos critérios de inclusão e exclusão, discutindo-se de forma exaustiva quando havia alguma divergência entre as duas classificações, até obtenção de consenso. Após a aplicação dos critérios de inclusão e exclusão, 32 artigos foram selecionados para leitura na íntegra.

Tabela 1
Artigos encontrados, excluídos e recuperados para análise.

O número de artigos eliminados pelos critérios de exclusão em cada base está descrito na Tabela 1 . Após essa leitura na íntegra dos 32 artigos, dois foram excluídos por não responderem à pergunta norteadora, o que não havia ficado evidente apenas pela leitura anterior do resumo. Portanto, compuseram o corpus de análise um total de 30 artigos, sendo 15 recuperados pela base de dados SciELO e 15 pela PePSIC-BVS. A Tabela 1 apresenta os artigos encontrados, excluídos e recuperados para análise detalhadamente.

Após leitura na íntegra dos 30 artigos que compuseram o corpus de análise, foram extraídas informações como autoria, ano de publicação, periódico, objetivo, tipo de estudo, participantes e instrumentos empregados na pesquisa, seguindo-se as sugestões de Broome (2000)Broome, M. E. (2000). Integrative literature reviews in the development of concepts. In B. L. Rodgers, & K. A. Knafl (Eds.), Concept development in nursing: Foundations, techniques and applications (pp.231-250). Philadelphia, PA: Saunder. . Após essa etapa, os principais resultados de cada um dos artigos recuperados foram analisados a partir de suas principais temáticas, conforme Bardin (1977/2009)Bardin, L. (2009). Análise de conteúdo . Lisboa: 70. (Obra original publicada em 1977). . Para a análise de conteúdo temática inicialmente foram realizadas leituras sucessivas do material, na fase que se denomina de pré-análise. Em seguida, na fase de exploração do material, realizou-se os recortes dos principais resultados de cada artigo, e os trechos selecionados foram agrupados a partir da proximidade das temáticas abordadas. Por fim, na última fase de análise, as principais temáticas identificadas na etapa anterior foram agrupadas em categorias ou eixos temáticos, a saber: Contribuições das atividades grupais, Dificuldades enfrentadas para o desenvolvimento das atividades grupais, Demandas dos participantes que surgiram nas atividades grupais e Reprodução do modelo manicomial versus Desinstitucionalização.

Resultados

(A) Caracterização das publicações

Dentre os 30 artigos do corpus de análise ( Tabela 2 ), a maior parte foi publicada de 2009 a 2012 (F = 23). Fora desse intervalo apenas sete (7, 9, 14, 23–25, 27)1 artigos foram publicados nos períodos de 2006–2008 e 2013–2016. Quanto aos periódicos em que as publicações ocorreram, destacaram-se aqueles da área de Psicologia (2, 4, 6, 11, 13, 14, 17–19, 20–22, 24–26, 28-30), com destaque para revistas com configuração predominantemente psicanalítica (6, 17-19, 27). Os demais foram publicados em periódicos de Saúde (3, 7–10, 16, 23) e Enfermagem (1, 5, 12, 15).Quanto ao tipo de estudo, observou-se a predominância de Relados de caso/experiência (3, 6, 11, 13, 15–19, 21–23, 25, 27–30) e a escassez de estudos no formato de Revisão Bibliográfica referentes ao tema, pois apenas um artigo (14) utilizou esse modelo e de forma complementar a uma pesquisa de campo.

Tabela 2
Caracterização dos artigos selecionados quanto à autoria, ano de publicação, nome da revista e tipo de estudo.

(B) Caracterização das práticas grupais

As práticas grupais investigadas/relatadas foram realizadas em CAPS tipo I (18) instalados em municípios menores, CAPS II (3, 4, 7, 10, 13, 16) que funcionam apenas durante o dia e em dias úteis em municípios de porte médio, CAPS III (1, 9, 27) que possuem leitos de hospitalidade noturna e, portanto, encontram-se em funcionamento durante 24 horas e CAPSad (5, 19, 23, 29) voltados à população que faz uso prejudicial de álcool e outras drogas. Apesar dessas especificações, em 14 artigos não foi possível identificar o tipo de CAPS em que a pesquisa foi efetuada (6, 8, 11, 12, 14, 15, 20–22, 24–26, 28, 30).

Sobre o tipo de prática grupal desenvolvida/investigada, predominaram as Oficinas, mencionadas em 13 artigos (3, 6, 11, 13, 14, 17-19, 21, 23, 27, 29, 30), sendo a maior parte caracterizada como expressiva (3, 6, 11, 13, 17-19, 21, 27, 29, 30) e de geração de renda (3, 14), conforme nomenclatura utilizada no Brasil (2004)Brasil. Ministério da Saúde. (2004). Saúde mental no SUS: Os centros de atenção psicossocial . Brasília, DF: o autor.Recuperado de http://www.ccs.saude.gov.br/saude_mental/pdf/sm_sus.pdf
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. Quanto aos Grupos Terapêuticos (3-5, 7, 10, 15, 16, 22, 25, 28), seguindo o referencial de Zimerman (2000)Zimerman D. E. (2000). Fundamentos básicos das grupoterapias (2a ed.). Porto Alegre, RS: Artmed. , houve ramificações em grupos de autoajuda (5, 28) e grupos terapêuticos propriamente ditos, os quais configuraram a prática grupal na maioria dos artigos (3, 4, 7, 10, 15, 16, 22, 25). Também foram citadas outras configurações de atividades grupais, como as Rodas de Terapia Comunitária (1, 3, 9), atividades referentes às práticas integrativas e complementares em saúde (3) e uma prática extramuros representada por uma colônia de férias (8). Além disso, em alguns artigos, as atividades grupais não foram definidas ou delimitadas, impossibilitando sua classificação (2, 12, 20, 24, 26). Um dos artigos classificou como oficina terapêutica uma prática individual, isto é, desenvolvida junto a apenas um usuário (23).

Dentre os artigos que delinearam os participantes das práticas grupais, em cinco houve a participação da família (1,5, 8, 25), sendo que apenas em um deles a prática grupal foi exclusivamente direcionada a esse público (5). Em dois artigos, a atividade grupal não era voltada apenas para os usuários, mas se estendia também à comunidade (3, 11).

Os profissionais de Psicologia ou estagiário dessa área foram os principais condutores das atividades grupais (1, 6, 7, 10, 11, 13, 14, 16, 19, 21, 22), sendo também citados profissionais do campo das artes (1, 4, 15), assistentes sociais (14, 15, 21), profissionais de enfermagem (5, 15) e terapeutas ocupacionais (16).

Em 14 publicações havia relato sobre a frequência com que as atividades grupais eram desenvolvidas (4, 6, 7, 9, 10, 11, 13, 15–17, 19, 23, 29, 30), com predominância de atividades semanais (6, 7, 9, 10, 11, 13, 15, 16, 19, 30). Do total de 30 artigos recuperados, em apenas seis havia informação sobre a realização de planejamento das atividades grupais (3, 11, 14, 18, 19, 30), sendo que em quatro desses artigos (11, 14, 18, 30) ficou explícita a co-construção dos participantes das atividades naquilo que será trabalhado nas mesmas.

Em 23 publicações, os relatos apontaram que as atividades grupais foram majoritariamente realizadas dentro dos CAPS (1, 4–7, 9-11, 13-19, 21–22, 25, 27, 28–30), e em apenas cinco artigos a realização das práticas em espaços extra-CAPS foi mencionada (3, 8, 11, 21, 27). Em três artigos foram citadas tanto atividades grupais intra como extra-CAPS (11, 21, 27) e em apenas seis publicações as atividades eram desenvolvidas mediante articulação intersetorial (3, 8, 11, 17, 21, 27).

Quanto aos objetivos das atividades grupais apresentados nos artigos, foi possível agrupá-los em quatro eixos. O primeiro aborda a reinserção, a autonomia e a cidadania (1, 3, 11, 14, 19) enquanto norteadores das atividades grupais. Foram citadas atividades que tem por objetivo a reinserção social e garantia do direito à saúde, assim como a autonomia e cidadania dos usuários; promoção da movimentação dos papéis que os usuários assumem diante da lógica das instituições e sociedade, possibilitando seu protagonismo e produção de subjetividade e a integração dos usuários com a comunidade em práticas que vão além daquelas comumente propostas no CAPS partindo de uma atuação pautada das dimensões socioculturais da Reforma Psiquiátrica.

O segundo eixo (4, 13, 15, 18) diz respeito à potência das atividades grupais para a produção de subjetividades e expressão de singularidades através da arte e expressão artística. Os objetivos de algumas dessas oficinas foram o contato com o corpo através da produção da dança; a experimentação do fazer e expressão artística dos participantes para encontrar seu caminho de vida, mesmo que distinto dos padrões sociais, e a criação de um espaço de narrativa livre mediante a igualdade entre propositor e usuários.

A transformação pessoal, uma nova compreensão das situações vivenciadas e o enfrentamento de crise foram os tópicos do terceiro eixo referente aos objetivos das atividades grupais (5, 9–11, 16, 17, 23). Nesse campo, as atividades grupais propunham espaços que propiciassem a aproximação do usuário de suas emoções e fantasias num espaço seguro para a emergência desses conteúdos; alívio da carga emocional do sofrimento psíquico; aprendizagem de novos comportamentos e resgate de condições psíquicas favoráveis à reinserção social, prevenção da crise e construção de novas possibilidades para suas histórias de vida.

O último eixo agrupou objetivos referentes à construção de espaços grupais para expressão e acolhimento de usuários e familiares (10, 25, 30), em especial espaço de encontro que possibilitasse o diálogo e a reflexão; produção de vínculos e criação de momentos de acolhimento e de compreensão dos conflitos internos e externos dos usuários. Um único artigo, por tratar de temática muito específica, o cuidado a homens com o histórico de violência sexual e física, não foi incluído em nenhuma categoria.

(C) Contribuições das práticas grupais

As práticas grupais foram classificadas como ferramentas capazes de contribuir com usuários, familiares e equipe. Com relação aos usuários (1, 2, 4, 6, 9, 10, 14–17, 19, 21–23, 26, 30), as contribuições giraram em torno da apropriação de suas histórias de vida (1, 6, 16, 19), possibilitando uma transformação pessoal, de recursos internos e ressignificação da saúde (1, 4, 9, 10, 15–17, 19, 21, 23, 30), ampliando processos emancipatórios que envolviam cidadania, autonomia e inserção social (1, 4, 9, 16, 21, 26, 30), além de proporcionar acolhimento e interação com os demais participantes (1, 2, 16, 17, 19, 21). Ouvir, acolher e opinar sobre o relato de um colega implicava em auxiliar o outro na resolução de suas dificuldades (19), com encorajamento e por despertar no outro o desejo por mais liberdade (9). As histórias pessoais, narradas de forma espontânea, ou pelas lembranças evocadas por uma música, permitiam o compartilhamento entre os usuários (6). Além disso, o que era aprendido no grupo ganhava força com amigos e relacionamentos fora da instituição (4).

Para os familiares (5, 12), as atividades grupais contribuíram para o desenvolvimento de recursos para lidarem melhor com o tratamento proposto ao usuário, por permitirem espaço para o choro, a conversa e o pedido de auxílio sem medo de serem julgados (5), além de se adquirir conhecimento sobre aquilo que envolvia o usuário acompanhado pelo CAPS e formas para lidar com o usuário em casa (12).

Em relação à contribuição dessas atividades para a equipe (13, 28), destaca-se o desenvolvimento do manejo frente às multiplicidades apresentadas pelo grupo. Sustentar o grupo na emergência de situações caóticas e falas heterogêneas (13), assim como a atuação no manejo de questões grupais para o campo individual e vice-versa (28), foram alguns fatores citados.

(D) Dificuldades enfrentadas para o desenvolvimento das atividades grupais

Em 18 publicações, as dificuldades no desenvolvimento das atividades grupais foram abordadas (1, 2, 4, 5, 7, 10–12, 15, 17, 19, 20, 22, 24, 26- 27, 29–30). Apontaram-se aquelas relacionadas à estrutura física e à dinâmica de onde a atividade grupal se inseria, no caso o CAPS (1, 2, 4, 7, 20, 22, 26, 30), como: espaço físico inadequado (1, 26); quantidade de atividades e periodicidade insuficientes em relação à alta demanda (2, 4); sobrecarga de trabalho dos oficineiros (necessidade de cobrir a demanda de dois CAPS, por exemplo) (4);alta rotatividade dos usuários nas atividades grupais (22, 26); baixa adesão (por vezes devido ao desgaste dos usuários em relação ao serviço de saúde) (30); falta de materiais(26); imposição das regras do CAPS sobre a formação da atividade grupal (como a importância demasiada à medicação o que as vezes inviabilizava a participação de usuários do serviço nas atividades propostas) (7, 20, 22, 26); predomínio de atividades que interessavam exclusivamente ao público feminino (26) e uma ausência de reconhecimento da equipe sobre a importância de articulação entre essas atividades grupais e os projetos terapêuticos dos usuários do serviço (26).

Além disso, outra dificuldade salientada referiu-se à impossibilidade de que alguns temas fossem tratados por questões relacionadas à privacidade (2, 26, 29) colocando-se aqui a questão dos limites do alcance da atividade grupal. Quando os usuários não se sentiam à vontade para expressar sentimentos nos grupos era necessário que isso ocorresse em atendimento individual (29).

Outras dificuldades identificadas foram a falta de clareza de alguns profissionais sobre os motivos pelos quais estavam propondo atividades grupais, sendo por vezes uma prática marcada pelo “espontaneísmo” (24), o direcionamento do olhar prioritariamente aos aspectos negativos deixando de lado o enfoque nas potencialidades dos indivíduos/grupo (10) e a falta de formação para condução de grupos específicos, como homens que praticaram violência física/sexual (22).

Do ponto de vista dos usuários, a falta de compreensão da importância das atividades grupais em seu tratamento também foi identificada (7), sendo o grupo visto apenas como mais uma atividade oferecida dentre as várias existentes no CAPS e isso também se estendia à percepção da família (12).

Para os profissionais, foram apontadas dificuldades em relação ao funcionamento e dinâmica interna do grupo, a saber: desafios no manejo de vinculações frágeis (17, 29), receber pessoas novas nos grupos (19) e a lida com indivíduos com diversas características, tais como rigidez da personalidade (10), embriagados, eufóricos ou depressivos (19). Também sob a ótica da equipe, foi assinalado um déficit na formação acadêmica dos profissionais que atuam no CAPS, seja em relação à saúde pública ou ao manejo de grupos (26, 27). Ainda sobre esse ponto, dois artigos discutiram preconceitos do campo da saúde direcionados à determinada abordagem, no caso a Psicanálise (11, 26).

Como formas de enfrentamento dessas dificuldades, sete artigos (4–5, 11–12, 22, 24, 30) levantaram algumas ações, como: a criação de formas de organizar a demanda de cada oficina e prever, minimamente, quantos usuários participariam, mantendo assegurada a possibilidade de entradas e saídas dos participantes (4); capacitação e aperfeiçoamento dos profissionais para a condução das práticas grupais (5, 11);acessar diretamente usuários resistentes ao grupo (30); informação aos familiares sobre sua relevância no tratamento do usuário, reforçando e demonstrando a importância disso (12); fortalecimento do elo entre um engajamento político afinado com os constructos da Reforma Psiquiátrica e a promoção de reflexões no campo teórico no que concerne ao exercício das funções de produção de subjetividades singularizadas, autonomia e reinserção social, às quais as atividades grupais se propõem (11, 24). Também foi citado que linhas de enfrentamento de muitas dificuldades pertencem a um campo mais amplo, situado no nível da gestão, e se relacionavam à necessidade de adequações para o atendimento em rede (22).

(E) Demandas dos participantes nas atividades grupais

As demandas apresentadas nas atividades grupais ocorreram em duas frentes: (a) de acordo com os assuntos que os participantes traziam para serem abordados ou explorados no grupo (1, 7, 10, 17, 19, 25, 29, 30) e (b) as demandas identificadas pelos propositores a partir da observação da dinâmica do grupo (1, 13, 17, 21, 26, 28).

Quanto aos assuntos trazidos pelos usuários para os grupos ou oficinas, nota-se que em quatro artigos (1, 19, 29, 30) foram citadas a presença de demandas familiares para serem manejadas no grupo, como o medo do abandono, insegurança em relação ao ambiente familiar, saudade dos familiares e necessidade de apoio. Os participantes dos grupos também apresentaram questionamentos sobre o lugar de poder e decisão das terapeutas num grupo, no que concerne à abertura para expressar suas subjetividades e realização de comentários sobre as faltas de participantes nas atividades (7); relato de dores, doenças físicas e insônia (1, 17); preconceitos sociais (1) e o sentimento de ser prisioneiro do transtorno mental (17); expressaram ora necessidade de sair da ociosidade, ora cansaço diante da assiduidade frente às atividades do CAPS (25); mas, para além disso, expressaram o desejo de alcançarem a felicidade (10).

Com relação aos propositores das atividades grupais quanto à demanda percebida, em alguns momentos a demanda que o usuário se relacionava à reprodução do discurso familiar e dos estereótipos de “doença mental” (17, 28). Os propositores identificaram também: a questão da insônia, relacionada com as altas doses de medicação que os participantes muitas vezes usavam (1); a presença de discursos autoritários que “sufocavam” o posicionamento de outros participantes a fim de instalar certa homogeneidade de pensamentos (13); dificuldades que alguns tinham em falar de si no grupo (21) e o sentimento de impossibilidade de alguns usuários em participar da atividade grupal, como se essa requisitasse certas habilidades pré-desenvolvidas (26).

Como linhas de ação para o manejo dessas demandas apresentadas/identificadas, em dois artigos (1, 30) os condutores propuseram ao grupo a busca de apoio familiar; o desenvolvimento de atividades que gerassem prazer; busca de formas de garantir a autonomia a partir do trabalho; e aprofundamento dos temas através da discussão das variadas facetas que o envolviam.

(F) Reprodução do modelo manicomial versus desinstitucionalização

O último tema destacado do corpus de análise diz respeito às ações que sustentam a política de desinstitucionalização versus a reprodução do modelo manicomial (2–4, 8, 11–12, 14, 16–17, 20–21, 24–27) e que envolvem usuários, equipe, família e os gestores (8).

Identificou-se nos artigos a importância dos profissionais trabalharem com os usuários a respeito de estigmas e preconceitos presentes na sociedade podendo lançar mão de atividades que se voltassem para a questão do trabalho e inserção em ações culturais a fim de utilizar esses espaços como estratégias de desconstrução do modelo segregador (8). Ressaltou-se que a construção das ações de reinserção social devem ser desenvolvidas em conjunto com o usuário e que é necessário levar em consideração as particularidades de cada um (25). Outro ponto foi a utilização de serviços como o Acompanhamento Terapêutico como meio de colocar em prática a reinserção social, ou mesmo através dos próprios profissionais do CAPS onde estes buscam ocupar outros espaços com os usuários do serviço (entrevistas de emprego, por exemplo) (27).

Como formas de promover a articulação entre o CAPS e a comunidade, três artigos (16–17, 21) compartilharam algumas experiências, como um evento aberto da instituição à comunidade para apresentação de um jornal confeccionado pelos usuários a partir de um grupo de contação de história (16), a produção de um sarau onde os usuários do serviço expunham suas produções e recebiam a visita de poetas reconhecidos no cenário cultural de sua cidade (21) e atividades em grupos mais pontuais como passeios a lugares inseridos na comunidade (17, 21).

As ações do CAPS, quando não se restringiam à instituição, também puderam se articular em práticas para além de seus “muros”. Nos artigos recuperados (8, 14) foi possível encontrar relatos das contribuições, dificuldades e formas de manejo dessas dificuldades das práticas extramuros. Tais práticas contribuíram para vincular o indivíduo/usuário a espaços de sociabilidade, garantir seus direitos sociais e desmistificar para os familiares o processo de ressocialização, mostrando que este é possível (8). As dificuldades de concretização dessas ações giraram em torno do medo dos familiares em ver os usuários circulando em novos ambientes coletivos; o manejo necessário diante do preconceito da sociedade (8) e a falta de apoio das políticas públicas que dificultam a realização de algumas atividades propostas pelo CAPS e outras instituições (14). Diante disso, as formas de enfrentamento dessas dificuldades propostas se direcionavam para a criação de um ambiente de segurança e acolhimento da equipe (8) e a ações em nível de gestão (municipal, estadual ou nacional) para a viabilização de atividades extramuros levando em consideração as diretrizes de território e integralidade das ações em saúde mental (8, 14).

Para a efetivação dessas práticas extramuros por vezes foi necessária a articulação do CAPS com outras instituições, realizando-se ações intersetoriais e parcerias. Como salientado nos artigos, é válido acionar vários equipamentos sociais do município para que seja possível realizar atividades inclusivas de lazer e cultura, dentre outras (8), além de outras esferas do governo como a Assistência Social e a Secretaria de Educação (14). A construção do cuidado na perspectiva da intersetorialidade implica em integrar diferentes visões de mundo e racionalidades, diferentes lógicas institucionais e construção de espaços coletivos extrainstitucionais (3) que permitam a participação de diferentes faixas etárias e diferentes perfis (usuários, familiares, amigos) em atividades de socialização e comunicação (8).

Diante dessas possíveis estratégias, apesar de algumas falhas e dificuldades, há a busca da garantia do funcionamento da política de desinstitucionalização através de atividades grupais intra ou extra-CAPS, portanto faz-se necessário observar posicionamentos e práticas que ainda carreguem resquícios de um modelo de tratamento manicomial (11). Dentre as questões relacionadas a isso, cita-se o entendimento da oficina/ grupo como uma atividade “tarefeira” onde há um “fazer pelo fazer” sem se atentar para o sentido a que essa prática se destina (2); uma atividade que serve ao objetivo de “ocupar a mente” ou que passa a ser um “trabalho obrigatório”, noção já superada, mas que ainda se mantém a partir de exigências disfarçadas por parte dos profissionais (20, 24). Esse entendimento das práticas grupais como tarefa é exemplificado pela forma como estas são denominadas em alguns serviços pelos usuários (20): uma aula (oficina) dada por certo professor (técnico) sendo preciso não “perder o ponto” (faltar). Há também o relato da perda de autonomia dos usuários do serviço durante a atividade grupal (20), seja a partir de uma desconsideração de sua fala ou do engessamento deste no papel daquele que precisa ser ensinado a fim de se adequar à lógica da rede social a qual será inserido.

Outros artigos (4,11,26) também salientaram que as práticas ainda manicomiais, fidedignas ao paradigma hospitalocêntrico e medicalizante são sustentadas por variados atores da dinâmica institucional dos CAPS (oficineiros, técnicos e usuários), perpetuando uma docilização dos corpos (4) e que a congruência entre o saber e a prática é crucial para que isso não ocorra (11). Também há de se atentar para que, apesar de o usuário fazer parte de atividades em grupo e de uma suposta proteção que este tem por ser acompanhado no CAPS, não seja esquecido o principal objetivo da Reforma Psiquiátrica que é o desejo de que esses usuários ocupem a cidade (26).

Um tema que não se constituiu necessariamente enquanto um eixo, mas que permeou a construção dos demais, sendo de caráter transversal, foi a importância da presença da família nas atividades grupais oferecidas pelo CAPS. Encontrou-se em três dos artigos (5,12, 27) que essa aproximação é fundamental dado o desamparo que essas famílias vivenciam. Algumas dificuldades da aproximação são a falta de envolvimento dos familiares no processo terapêutico ou a oferta de grupos para familiares, mas com baixa adesão (27). Considera-se que, ao frequentar as atividades oferecidas pelo CAPS, as famílias incentivam a participação do usuário (5). Além disso, num dos estudos as famílias não identificavam quais membros da equipe eram responsáveis por uma ou outra atividade (12).

Discussão

Os artigos recuperados foram publicados em sua maioria em revistas de Psicologia e a coordenação das atividades grupais envolveu predominantemente profissionais e estagiários de Psicologia, o que indica o interesse da categoria pelo campo da atenção psicossocial. Um levantamento nacional entre psicólogos já apontava esse interesse ou a possibilidade de inserção profissional ( Spink, Bernardes, Santos,& Gamba, 2010Spink, M. J., Bernardes, J. S., Santos, L., Gamba, E. A. C. (2010). A inserção de psicólogos em serviços de saúde vinculados ao SUS: Subsídios para entender os dilemas da prática e os desafios da formação profissional. In M. J. P. Spink (Org.), A psicologia em diálogo com o SUS: prática profissional e produção acadêmica (pp.53-79). São Paulo, SP: Casa do Psicólogo. ), pois quase 16% dos respondentes atuavam em CAPS. Esse percentual era inferior apenas ao número de psicólogos inseridos na Atenção Primária, campo que recebeu psicólogos desde o início da década de 1980, portanto, antecedendo a criação dos CAPS.

As atividades grupais enquanto recurso de transformação para usuários e familiares

As atividades grupais afetam todos aqueles que se envolvem no processo, logo, usuários, familiares e equipe propositora podem se beneficiar daquilo que é produzido dentro do grupo. Nos artigos recuperados, a potência do grupo para promover reflexões a partir das demandas apresentadas pelos usuários do serviço muitas vezes diziam respeito a uma reprodução de discursos da família ou de estereótipos da “doença mental”. Em contraponto, em outras publicações, o compartilhamento de desejos, medos, experiências e sonhos, através do grupo, possibilita que os participantes, na linguagem de Zimerman (2000)Zimerman D. E. (2000). Fundamentos básicos das grupoterapias (2a ed.). Porto Alegre, RS: Artmed. , comecem a pensar por si mesmos, culminando numa forma mais adequada de utilização do pensamento. Nota-se essa transformação a partir das atividades grupais quando, seja através de grupos terapêuticos, oficinas ou outras nomenclaturas, os artigos trouxeram novas apropriações das histórias vivenciadas e geração de novos recursos internos para lidar com o passado e o cotidiano.

As atividades de caráter expressivo estão presentes no dia a dia das práticas grupais desenvolvidas nos CAPS. Lima (2004)Lima, E. A. (2004). Oficinas, laboratórios, ateliês, grupos de atividades: Dispositivos para uma clínica atravessada pela criação. In C. M. Costa, A. C. Figueiredo, Oficinas terapêuticas em saúde mental: Sujeito, produção e cidadania (pp. 59-81). Rio de Janeiro, RJ: Contra Capa. Recuperado de www.pucsp.br/nucleodesubjetividade/Textos/beth/oficinas.pdf
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pontua que, nos casos em que se utiliza da arte enquanto recurso para intervenção, cria-se a possibilidade do novo, pela abertura dos canais criativos, que se estende para muito além das atividades grupais onde se iniciam. Além disso, essa valorização e o despertar da potência criativa pode subsidiar os participantes tanto a se posicionarem dentro do grupo, construindo um ambiente de trocas e novas relações, quanto fora do grupo, na busca por processos emancipatórios.

Quanto à participação dos familiares, apesar de se ter encontrado apenas um relato de grupo terapêutico que seja direcionado apenas para o cuidado à família, o documento “Saúde Mental no SUS: os Centros de Atenção Psicossocial” ( Brasil, 2004Brasil. Ministério da Saúde. (2004). Saúde mental no SUS: Os centros de atenção psicossocial . Brasília, DF: o autor.Recuperado de http://www.ccs.saude.gov.br/saude_mental/pdf/sm_sus.pdf
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) salienta que esse apoio à família é um dos pilares que sustentam a frequência dos usuários no serviço. Além disso, os familiares são, muitas vezes, o elo mais próximo ao usuário, configurando, portanto, um recurso muito importante para o CAPS. Pode-se observar essa relação quando, no levantamento das demandas trazidas pelos usuários às atividades grupais nos artigos recuperados, houve a presença considerável de demandas relacionadas à relação familiar.

O mesmo documento cita que uma das estratégias do CAPS é fornecer espaços onde esses familiares possam discutir os problemas comuns, enfrentar situações difíceis e receber orientação sobre diagnósticos e participação no projeto terapêutico ( Brasil, 2004Brasil. Ministério da Saúde. (2004). Saúde mental no SUS: Os centros de atenção psicossocial . Brasília, DF: o autor.Recuperado de http://www.ccs.saude.gov.br/saude_mental/pdf/sm_sus.pdf
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). Para Rosa (2003)Rosa, L. C. S. (2003). Transtorno mental e cuidado na família. São Paulo, SP: Cortez. , a preocupação das famílias que possuem um de seus integrantes em sofrimento psíquico em serviço de saúde é ser orientada quanto ao conteúdo imediato de suas necessidades do cuidado direto que exercem junto ao usuário, isto é, entender como agir nas situações cotidianamente enfrentadas. Isso foi destacado enquanto contribuições das atividades grupais aos familiares nos relatos de atividades grupais que proporcionaram acolhimento e fornecimento de informações. Se essa participação é tão importante, e se como foi apresentada nos resultados, ela é fundamental para diminuir o desamparo que essas famílias vivenciam. Como a equipe pode se articular para deixar claro aos familiares que há espaços no CAPS próprios para seu acolhimento? A abertura desses espaços está ocorrendo concomitantemente com essa conscientização por parte do serviço? Esses questionamentos ganham força com os relatos das dificuldades de aproximação da família com o CAPS e a baixa adesão apesar da oferta de atividades grupais voltadas a esse público.

Reflexões e possibilidades para um funcionamento efetivo das atividades grupais

Os resultados apontaram alguns empecilhos que dificultavam o funcionamento adequado das atividades grupais nos CAPS, tais como déficits estruturais (por exemplo: falta de equipamentos e espaço físico inadequado), e o recorrente destaque sobre a alta demanda. Isso suscita reflexões sobre como as atividades grupais podem atingir seus objetivos, sendo que, muitas vezes, não possuem estrutura básica para funcionarem. O que pode acarretar esse distanciamento entre o que é ofertado e, de fato, posto em prática? Rasera e Rocha (2010)Rasera, E. F., Rocha, R. M. G. (2010). Sentidos sobre a prática grupal no contexto de saúde pública. Psicologia em Estudo , 15 (1), 35-44. comentam que, no que concerne às atividades grupais, a demanda se sobressai aos recursos dispostos. O fazer grupal é entendido enquanto uma resposta econômica do serviço para suprir demandas, e não enquanto um produto da investigação dos fatores envolvidos que possam possibilitar um bom atendimento e a viabilização adequada dos recursos.Não se afirma aqui que a motivação da prática grupal em CAPS nos artigos recuperados foi suprir demanda por “atender mais”, apenas se destaca que há uma demanda por atendimentos grupais, apontados como a forma predominante de cuidado nos CAPS em detrimento aos atendimentos individuais, e que as atividades grupais são desenvolvidas ainda que os recursos não sejam os desejáveis ou os mais adequados.

Outro ponto a ser destacado é a influência da formação prévia dos profissionais que atuam na proposição de atividades grupais no CAPS. A atuação desses profissionais, segundo os achados dos resultados, perpassa por algumas dificuldades como o manejo frente à questão da privacidade no grupo; a falta de clareza sobre os motivos de propor a atividade grupal; o manejo das especificidades dos grupos dentro do contexto do CAPS (como a entrada e saída frequente dos participantes, usuários em situação de embriaguez ou afetados pela medicação) e um déficit na formação no que diz respeito à Saúde Pública. Como fazer com a entrada e saída de pessoas nos grupos e oficinas se o CAPS é um local de passagem para o cuidado à pessoa em crise, que pode estar agitada, ansiosa, desorganizada, amedrontada? Como permanecer em grupo o tempo todo? Essa provocação faz lembrar uma referência sobre as práticas grupais com psicóticos. Para Lancetti (1993)Lancetti, A. (1993). Clínica grupal com psicóticos: A grupalidade que os especialistas não entendem. In A. Lancetti (Org.), Saúde e loucura: Grupos e coletivos (4a ed., pp.155-171). São Paulo, SP: Hucitec. , o primeiro desafio a ser enfrentado pelos coordenadores é conseguir que esse grupo exista. A expectativa do coordenador muitas vezes, pode ser a de que os usuários se comportem como um grupo monossintomático/neurótico, em que alguém fala, outros escutam. Desagregações e expressões insólitas não seriam esperadas por parte desse público?

Sobre o papel do responsável em propor a atividade grupal, Zimerman (2000)Zimerman D. E. (2000). Fundamentos básicos das grupoterapias (2a ed.). Porto Alegre, RS: Artmed. comenta que sua atuação é fundamental para uma prática coerente. O autor ressalta que, nessa atuação, a teoria e a técnica precisam estar alinhadas para não correr o risco de que, pelo fato de a teoria se sobressair, realizar-se uma prática abstrata norteada por uma “intelectualização acadêmica”, ou a técnica se sobressair e a prática se encerrar em um “agir intuitivo ou passional”.

Para que não haja o risco de atuar em algum dos extremos citados anteriormente, é fundamental que aqueles que estão no papel de manejo de atividades grupais no CAPS se afinem com as propostas que subsidiam a lógica do serviço. Diante disso, questiona-se se os debates sobre a política da desinstitucionalização não deveriam fazer parte do cotidiano daqueles que atuam em Saúde Mental. Figueiredo e Rodrigues (2004)Figueiredo V. V., Rodrigues M. M. P. (2004). Atuação do psicólogo nos CAPS do estado do Espírito Santo. Psicologia em Estudo , 9 (2), 173-181. https://doi.org/10.1590/S1413-73722004000200004
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destacam a presença de uma insuficiência do debate a respeito da perspectiva da desinstitucionalização, norteadora das práticas em Saúde Mental na rede pública, o que abre brechas para que os profissionais, acessando uma compreensão parcial sobre esse tema, reproduzam práticas reduzidas à desospitalização.

O fato da maioria das publicações sobre o tema pesquisado estarem em periódicos de Psicologia, e as atividades grupais resgatadas nessa busca serem predominantemente conduzidas por psicólogos/ estagiários de Psicologia também desperta para a questão de que a falha na apropriação das políticas que norteiam o fazer em Saúde Mental não cabe em uma responsabilização individual, pois envolve aspectos da construção de conhecimentos e antecede a inserção desses profissionais no serviço. Rasera e Rocha (2010)Rasera, E. F., Rocha, R. M. G. (2010). Sentidos sobre a prática grupal no contexto de saúde pública. Psicologia em Estudo , 15 (1), 35-44. elucidam sobre a escassez de estágios e discussões acerca da saúde pública na graduação em Psicologia, onde há o predomínio de uma prática clínica descontextualizada frente à multiplicidade da população atendida e locais de atuação do campo da saúde pública.

Frente ao déficit na formação acadêmica em relação à atuação na saúde pública, aliado à proposição de recursos que possibilitem um trabalho em consonância com o que é preconizado pelo SUS e pela política em saúde mental no tocante à atenção integral, um recurso possível pode ser a Política de Educação Permanente em Saúde. Segundo Ceccim (2005)Ceccim, R. B. (2005). Educação permanente em saúde: Desafio ambicioso e necessário. Inteface: Comunicação, Saúde, Educação , 9 (16), 161-177. , os trabalhadores em saúde mental não podem ser manejados como se fossem recursos financeiros ou materiais. Para que se alcance a qualidade desejada nos serviços não é possível “prescrever” habilidades como se essas fossem facilmente incutidas na equipe. A Educação Permanente em Saúde atua nesse processo a partir da discussão e análise daquilo que afeta a equipe em seu cotidiano, levando em consideração a contextualização do serviço dentro da cultura e espaço social em que este se insere. Assim, há a possibilidade de depois do contato com as situações vividas, haver a produção de alternativas de práticas e conceitos, acarretando transformações. Ainda segundo o autor, essa estratégia traz para o serviço a possibilidade de práticas de formação, gestão, formulação de políticas e controle social, e que quando pensadas também a nível intersetorial, pode alcançar outros núcleos da educação, como a graduação, residências, educação técnica, proporcionando que essas instâncias sejam atravessadas pelas necessidades e direitos de saúde da população.

As atividades grupais enquanto recurso da desinstitucionalização

Cedraz e Dimeinstein (2005)Cedraz, A., Dimenstein, M. (2005). Oficinas terapêuticas no cenário da reforma psiquiátrica: Modalidades desinstitucionalizantes ou não? Revista Mal-estar e Subjetividade , 5 (2), 300-327. pontuam a potencialidade das oficinas em catalisar a produção psíquica dos seus participantes a fim de possibilitar o trânsito social destes na família, na cultura e na reinserção no trabalho produtivo. Quando esse processo é sustentado pela desinstitucionalização, o repensar sobre o papel social do usuário em Saúde Mental se estende para além do CAPS, produzindo reflexões sobre o trabalho, a família, as políticas públicas, de forma a transformar a sociedade. Rasera e Rocha (2010)Rasera, E. F., Rocha, R. M. G. (2010). Sentidos sobre a prática grupal no contexto de saúde pública. Psicologia em Estudo , 15 (1), 35-44. também comentam que, quando dentro da saúde pública, as práticas grupais funcionam segundo a lógica do Sistema Único de Saúde (SUS) sustentadas pelos pilares da universalidade do acesso à saúde, a integralidade da atenção e controle social, trabalhando para uma democratização dos serviços.

A recuperação e análise dos artigos encontrados apontaram para algumas experiências em que as atividades grupais funcionaram como meio de articulação tanto do usuário com a comunidade, quanto do CAPS com outras instituições e setores. Essa articulação se sustentava através do trabalho dos profissionais acerca dos estigmas e preconceitos que circundavam os usuários do serviço e de experiências em que os usuários passavam a ocupar novos espaços sociais. Observa-se esse processo em experiências potentes relatadas nos artigos, com a troca entre usuários e comunidade na realização de oficinas de arte, horta comunitária, cursinho pré-vestibular, cursos profissionalizantes (3) mostrando o alcance que se pode ter as estratégias de reinserção social e articulação territorial.

Apesar das experiências que se nortearam pela desinstitucionalização, pela busca de reinserção social e autonomia dos usuários do CAPS, poucas publicações recuperadas apontaram atividades grupais que envolviam a comunidade, sendo majoritariamente realizadas dentro do CAPS, e com pouca articulação intersetorial. Diante dessas observações, resta a inquietação sobre como práticas grupais, predominantemente intra-CAPS, podem provocar um trabalho que acione o território. Lima (2004)Lima, E. A. (2004). Oficinas, laboratórios, ateliês, grupos de atividades: Dispositivos para uma clínica atravessada pela criação. In C. M. Costa, A. C. Figueiredo, Oficinas terapêuticas em saúde mental: Sujeito, produção e cidadania (pp. 59-81). Rio de Janeiro, RJ: Contra Capa. Recuperado de www.pucsp.br/nucleodesubjetividade/Textos/beth/oficinas.pdf
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ressalta que práticas desenvolvidas dentro de instituições alternativas ao modelo hospitalocêntrico podem adquirir um caráter de transformação institucional e servir como ferramentas à desinstitucionalização. No entanto, o fato das práticas ocorrerem em instituições abertas não garante seu efetivo papel na desinstitucionalização. Essa não garantia pode ser vista através de alguns artigos que relataram a perpetuação de lógicas manicomiais no funcionamento de atividades grupais nos CAPS. Para que isso não ocorra há de se atentar para aspectos já levantados anteriormente, como uma formação profissional aliada aos constructos da Reforma Psiquiátrica, possibilidades de Educação Permanente em Saúde que abra espaço para discussões críticas e posterior atuação condizente com aquilo que é preconizado pelo SUS e atividades sustentadas na articulação entre usuário, família, equipe e comunidade. As atividades grupais se inserem nesse campo fértil de possibilidades, pois como salienta Galletti (2001 citado por Lima 2004Lima, E. A. (2004). Oficinas, laboratórios, ateliês, grupos de atividades: Dispositivos para uma clínica atravessada pela criação. In C. M. Costa, A. C. Figueiredo, Oficinas terapêuticas em saúde mental: Sujeito, produção e cidadania (pp. 59-81). Rio de Janeiro, RJ: Contra Capa. Recuperado de www.pucsp.br/nucleodesubjetividade/Textos/beth/oficinas.pdf
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, p. 25): as oficinas se localizam em um “campo híbrido, móvel e sem identidade fixa, caracterizado por experimentações múltiplas, o que pode garantir a elas um espaço menos restrito como o de especialidade em Saúde Mental e mais efervescente quanto às problematizações e descontinuidades produzidas”. A organização e oferta de atividades grupais devem ter a chance de escapar do modelo terapêutico normatizador.

Dada a concentração de atividades grupais propostas por psicólogos, pontua-se também que esse trabalho pode se enriquecer com a presença de outros profissionais, como músicos, dançarinos, dentre outros, como encontrado em alguns dos artigos. Lima (2004)Lima, E. A. (2004). Oficinas, laboratórios, ateliês, grupos de atividades: Dispositivos para uma clínica atravessada pela criação. In C. M. Costa, A. C. Figueiredo, Oficinas terapêuticas em saúde mental: Sujeito, produção e cidadania (pp. 59-81). Rio de Janeiro, RJ: Contra Capa. Recuperado de www.pucsp.br/nucleodesubjetividade/Textos/beth/oficinas.pdf
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salienta que é importante a construção de um campo interdisciplinar que se beneficia da presença de profissionais tanto do campo da saúde como de outras áreas.

A partir das observações daquilo que se apresenta enquanto entraves à prática das atividades grupais no que concerne à produção de conexões extra-CAPS, articulação intersetorial e efetivação da política de desinstitucionalização, constata-se que essas dificuldades também são perpetuadas por processos que vão além do campo individual do usuário/família /equipe e do contexto do próprio CAPS, pois carecem de investimentos à nível de gestão ( Cristo, 2012Cristo, D. A. (2012). Grupo terapêutico no CAPS: Cuidado a homens com o sofrimento mental e histórico de violência. Revista do NUFEN , 4 (2), 61-70. )seja municipal, estadual ou nacional, a fim de que os serviços disponham dos recursos necessários para efetivar as leis e propostas que os mantém.

Considerações finais

O objetivo deste artigo foi fornecer um panorama sobre as atividades grupais direcionadas a adultos no Brasil através dos CAPS, identificando as características do desenvolvimento dessas atividades e suas formas de articulação com o território. A análise dos 30 artigos recuperados mediante os critérios de exclusão e inclusão expostos permitiu o acessar relatos de atividades grupais e pesquisas que expressaram uma multiplicidade de fazeres próprios desse campo, portanto, considera-se que o objetivo foi atingido. Constatou-se a importância do alinhamento, tanto da formação acadêmica, quanto da prática para a realização de atividades grupais em consonância com a política da desinstitucionalização e outras diretrizes que norteiam o fazer em Saúde Mental.

Destaca-se enquanto limite do estudo o acesso a publicações apenas nacionais, e estende-se o convite a novas pesquisas que possam colaborar para a ampliação da discussão apresentada, com estudos, por exemplo, voltados predominantemente à investigação do olhar dos usuários e famílias sobre as atividades grupais, a fim de dar voz a esses atores essenciais ao desenvolvimento das mesmas; levantamentos de processos criativos e inventivos que assegurem o não enrijecimento das atividades grupais e a potencialização de sua articulação com a comunidade e outros setores. Reitera-se que esses convites são sugestões que, do ponto de vista das autoras, ecoam ao finalizar a presente pesquisa. No mais, apesar das dificuldades em desenvolver e manter propostas aliadas à lógica da desinstitucionalização, das noções de território e reinserção social, que a aposta nas atividades grupais continue reverberando e produzindo experiências potentes no cerne dos CAPS em toda a extensão do território brasileiro.

Referências

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  • 1
    São mencionados entre parênteses ao longo do texto os números dos artigos que constituem o corpus de análise conforme apresentados na Tabela 2 .

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    13 Dez 2019
  • Data do Fascículo
    2019

Histórico

  • Recebido
    13 Dez 2017
  • Aceito
    17 Dez 2018
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