Acessibilidade / Reportar erro

Perspectivas em Psicologia do Esporte e Saúde Mental sob a Pandemia de Covid-19

Sports Psychology and Mental Health during the Covid-19 Pandemic

Perspectivas sobre Psicología del Deporte y Salud Mental en el Contexto de la Pandemia de Covid-19

Resumo

Este artigo objetiva compreender as relações entre saúde mental e prática esportiva, de exercício e/ou de atividade física no período afetado pela pandemia da Covid-19, especialmente no Brasil. Ancorado em duas perspectivas epistemologicamente diferentes em Psicologia, articula-se resultados oriundos de instrumentos objetivos de mensuração, bem como de experiências no registro do mundo-da-vida. Discute-se que tais práticas corporais são meios e fins da saúde, tanto pelos efeitos orgânicos benéficos previsíveis, segundo o estado da arte das ciências da atividade física, como pela expressão por excelência do engajamento no mundo com esquecimento de si. A partir do dispêndio de energia, controle da ansiedade e bem-estar delas resultantes, adotar uma regularidade de exercícios físicos no confinamento fornece ao praticante um critério ritual e metabólico auxiliar para o reestabelecimento de parâmetros de tempo e espaço em sua rotina. No entanto, tais atividades também apresentam seus riscos a depender do modo como são realizadas, o que se apresenta como desafio tanto para quem as vivencia quanto para os profissionais em Psicologia do Esporte, seja no âmbito do alto rendimento ou da prática recreativa. Entender as nuances do esporte e as particularidades desses indivíduos é fundamental para endereçar os cuidados adequados. Salienta-se que tal seara não se limita apenas às atividades marcadamente esportivas, envolvendo as mais diversas práticas corporais, culturais e de movimento.

Palavras-chave:
Psicologia do Esporte; Saúde Mental; Covid-19

Abstract

This article analyzes the relation between mental health and sports, exercise and/or physical activity during the COVID-19 pandemic, particularly in Brazil. Based in two epistemologically different perspectives in psychology, results from objective measurement instruments are articulated with world experiences. It is argued that bodily practices are the means and the ends of health, both because of the predictable beneficial organic effects, according to the state of the art in the sciences of physical activity, and because of the possibility of engagement in the world through self-forgetfulness. Based on the resulting energy expenditure, anxiety control and well-being, adopting regular physical exercises in confinement periods provides the practitioner with a ritual and metabolic criteria to restore time and space parameters in a routine. However, such activities also present some risks depending on how they are carried out, which is a challenge both for those who experience them and for professionals in Sport Psychology, whether in the context of high performance or recreational activities. Understanding the nuances of sports practices and the particularities of these individuals is essential to address appropriate care. It should be noted that this field is not limited to notable sporting activities, but involves the most diverse body, cultural and movement practices.

Keywords:
Sports Psychology; Mental Health; Covid-19

Resumen

Este artículo tiene como objetivo comprender la relación entre salud mental y deporte, ejercicio y/o actividad física en el período afectado por la pandemia de covid-19, especialmente en Brasil. Con base en dos perspectivas epistemológicas diferentes de la psicología, se articulan los resultados de los instrumentos de medición objetiva, así como de las experiencias en el registro del mundo de la vida. Se argumenta que las prácticas corporales son el medio y el fin de la salud, tanto por los predecibles efectos orgánicos beneficiosos, según el estado del arte de las ciencias de la actividad física, como por la expresión por excelencia del compromiso en el mundo con el olvido de sí mismo. A partir del gasto energético, el control de la ansiedad y el bienestar que produce, la práctica de ejercicios físicos regulares en el encierro proporciona al practicante un criterio ritual y también metabólico para restaurar los parámetros de tiempo y espacio en su rutina. Sin embargo, esas actividades también presentan sus riesgos en el modo de realización, lo que supone un reto tanto para quien las vive como para los profesionales de la psicología del deporte, ya sea en el contexto de la práctica lúdica o de alto rendimiento. Comprender los matices del deporte y las particularidades de estos individuos es fundamental para proporcionar un cuidado adecuado. Cabe señalar que esta área no se limita solo a actividades marcadamente deportivas, sino que involucra las más diversas prácticas corporales, culturales y de movimiento.

Palabras clave:
Psicología del Deporte; Salud Mental; Covid-19

Introdução

As relações entre esporte e saúde mental são complexas. Junto à urgência das ações no enfrentamento à pandemia de Covid-19, declarada pela OMS em 11 de março de 2020, o interesse pela temática emergiu articuladamente ao confinamento social recomendado pela entidade e adotado por grande número dos países do mundo. Como parte dessa política de proteção, centros esportivos e de lazer, academias, clubes e parques públicos foram fechados ou restringiram seu funcionamento. Sob a condição da pandemia, seja ou não em razão do confinamento, fatores sociais de inúmeras ordens - como a alteração radical de rotina, a crise econômica, o temor pelo adoecimento, a indignação com ações governamentais negligentes quanto à segurança e proteção à vida, a insegurança quanto às condições de trabalho, a expectativa incerta sobre como remediar seus muitos efeitos, não apenas sanitários, a tragédia do montante de mortes e o luto por aqueles conhecidos - concorrem e se entrecruzam ocasionando inauditos sofrimentos, comuns e particulares, com potencial para afetar a saúde mental das pessoas, levando-as aos mais distintos processos de adoecimento e transtornos. Entre as muitas áreas da Psicologia convocadas a se deter na temática, o recorte da Psicologia do Esporte foca nas relações entre saúde mental e movimento corporal, em especial - mesmo se não somente - na complexidade da tessitura sociocultural que é a esportiva.

Como as mudanças de rotina ocasionadas pela pandemia e, com elas, as mudanças das condições para se exercitar e praticar esportes podem afetar a saúde mental das pessoas? Atento à multiplicidade de perspectivas que compõem a área da Psicologia do Esporte no país (Barreira & Conde, 2016Barreira, C. R. A., & Conde, E. (2016). A Psicologia do Esporte na ANPEPP: Um inédito grupo de trabalho inaugura sua participação. Revista Brasileira de Psicologia do Esporte, 6(2), 2-13. http://dx.doi.org/10.31501/rbpe.v6i2.7091
http://dx.doi.org/10.31501/rbpe.v6i2.709...
), o presente artigo lida com essa questão reunindo e articulando resultados oriundos de duas perspectivas epistemologicamente diferentes em Psicologia. Uma levanta e interpreta dados se valendo de instrumentos objetivos de mensuração; a outra regressa às experiências no registro do mundo-da-vida. O diálogo entre essas diferentes perspectivas busca analisar algumas relações entre esporte e saúde mental que emergiram especialmente sob a condição da pandemia iniciada no ano de 2020. A articulação sugere que o diagnóstico possibilitado pela primeira perspectiva encontra na segunda uma descrição de alguns de seus correlatos vivenciais. Assim, as advertências levantadas no primeiro momento são encaminhadas, no segundo, a uma esfera pré-reflexiva de experiências que remonta acometimentos objetivamente detectados à subjetividade desde sua base no registro da corporeidade. Entende-se que o diálogo entre resultados obtidos por perspectivas epistemológicas diametralmente opostas é convergente no que se refere a iluminar a importância da Psicologia do Esporte e de seu conhecimento na atenção à saúde mental. Nesse sentido, ancorados nestas duas perspectivas, objetiva-se sumariamente compreender as relações entre saúde mental e prática esportiva, de exercício e/ou de atividade física no período afetado pela pandemia da Covid-19, especialmente no Brasil.

Os desafios da Psicologia brasileira: uma leitura quantitativa das relações entre saúde mental e esporte

A saúde mental da população carece de cuidados maiores durante períodos de estresse agudo coletivo como tragédias (Durojaye & Agaba, 2018Durojaye, E., & Agaba, D. K. (2018). Contribution of the Health Ombud to accountability: The life Esidimeni tragedy in South Africa. Health and Human Rights, 20(2), 161-168. ), guerras (Ciarleglio et al., 2018Ciarleglio, M. M., Aslan, M., Proctor, S. P., Concato, J., Ko, J., Kaiser, A. P., & Vasterling, J. J. (2018). Associations of stress exposures and social support with long-term mental health outcomes among U.S. Iraq war veterans. Behavior Therapy, 49(5), 653-667. https://doi.org/10.1016/j.beth.2018.01.002
https://doi.org/10.1016/j.beth.2018.01.0...
) e epidemias (Park, Lee, Park, & Choi, 2018Park, J. S., Lee, E. H., Park, N. R., & Choi, Y. H. (2018). Mental health of nurses working at a government-designated hospital during a MERS-CoV outbreak: A cross-sectional study. Archives of Psychiatric Nursing, 32(1), 2-6. https://doi.org/10.1016/j.apnu.2017.09.006
https://doi.org/10.1016/j.apnu.2017.09.0...
). De acordo com as evidências epidemiológicas, esses eventos estressores também são desencadeadores de sintomas de potenciais transtornos mentais, tanto do humor, como depressão e ansiedade (Brooks et al., 2020Brooks, S. K., Webster, R. K., Smith, L. E., Woodland, L., Wessely, S., Greenberg, N., & Rubin, G. J. (2020). The psychological impact of quarantine and how to reduce it: Rapid review of the evidence. The Lancet, 395(10227) 912-920. https://dx.doi.org/10.1016/S0140-6736(20)30460-8
https://dx.doi.org/10.1016/S0140-6736(20...
), quanto de personalidade, como o transtorno de personalidade borderline (Conway, Boudreaux, & Oltmanns, 2018Conway, C. C., Boudreaux, M., & Oltmanns, T. F. (2018). Dynamic associations between borderline personality disorder and stressful life events over five years in older adults. Personality Disorders: Theory, Research, and Treatment, 9(6), 521-529. https://doi.org/10.1037/per0000281
https://doi.org/10.1037/per0000281...
).

A pandemia de 2020 estabelece um conjunto de demandas para todas as pessoas, em especial no Brasil, que não conta com políticas públicas específicas para lidar com a saúde mental em períodos pandêmicos. No entanto, no âmbito da Psicologia brasileira, tem-se notado ações pontuais em prol de políticas públicas a partir de determinadas instituições, inclusive junto ao setor esportivo, dentre elas a Associação Brasileira de Psicologia do Esporte (ABRAPESP) (Perrelli, Telles, Guimarães, & Cristo, 2020Perrelli, M. T., Telles, T. C. B., Guimarães, J. B., & Cristo, F. (2020). Contribuição da Psicologia na gestão integral de riscos e desastres, no esporte, no trânsito e nas relações pessoa-ambiente em um cenário de pandemia. In D. Bentivi (Org.), O trabalho e as medidas de contenção da Covid-19: Contribuições da Psicologia Organizacional e do Trabalho no contexto da pandemia (1a ed., pp. 51-66, v. 3). Artmed.). A despeito da ausência de legislação para atendimento especial à população durante esse evento, pesquisas indicam um aumento significativo da prevalência dos sintomas de ansiedade, depressão e estresse agudo entre os brasileiros (Filgueiras & Stults-Kolehmainen, 2020Filgueiras, A., & Stults-Kolehmainen, M. (2020a). The relationship between behavioural and psychosocial factors among brazilians in quarantine due to Covid-19. http://dx.doi.org/10.2139/ssrn.3566245
http://dx.doi.org/10.2139/ssrn.3566245...
a, 2020b). Segundo os resultados dessas pesquisas, a prevalência dos sintomas de estresse agudo aumentou de 6,9% para 9,7% nos primeiros 30 dias de quarentena no Brasil, ao passo que sintomas de depressão e ansiedade cresceram, respectivamente, de 4,2% para 8,0% e de 8,7% para 14,9% (Filgueiras & Stults-Kolehmainen, 2020Filgueiras, A., & Stults-Kolehmainen, M. (2020b). Factors linked to changes in mental health outcomes among brazilians in quarantine due to COVID-19. medRxiv. https://doi.org/10.1101/2020.05.12.20099374
https://doi.org/10.1101/2020.05.12.20099...
b).

A pesquisa também apontou fatores psicossociais que diminuem o risco para o adoecimento mental, dentre os quais podemos destacar a alimentação saudável, o acompanhamento psicológico, mesmo que em modalidades virtuais ou por teleterapia, e a prática regular de exercícios físicos (Filgueiras & Stults-Kolehmainen, 2020Filgueiras, A., & Stults-Kolehmainen, M. (2020a). The relationship between behavioural and psychosocial factors among brazilians in quarantine due to Covid-19. http://dx.doi.org/10.2139/ssrn.3566245
http://dx.doi.org/10.2139/ssrn.3566245...
a). Há uma vasta literatura, revisada recentemente por Morres et al. (2019Morres, I. D., Hatzigeorgiadis, A., Stathi, A., Comoutos, N., Arpin-Cribbie, C., Krommidas, C., & Theodorakis, Y. (2019). Aerobic exercise for adult patients with major depressive disorder in mental health services: A systematic review and meta-analysis. Depression and Anxiety, 36(1), 39-53. https://doi.org/10.1002/da.22842
https://doi.org/10.1002/da.22842...
), que se alinha com os achados de Filgueiras e Stults-Kolehmainen (2020Filgueiras, A., & Stults-Kolehmainen, M. (2020b). Factors linked to changes in mental health outcomes among brazilians in quarantine due to COVID-19. medRxiv. https://doi.org/10.1101/2020.05.12.20099374
https://doi.org/10.1101/2020.05.12.20099...
a) no sentido de mostrar que o exercício regular gera a homeostase, o equilíbrio hormonal necessário para uma boa saúde mental.

Da associação entre saúde mental e exercícios, temos, ainda, duas grandes questões em tempos pandêmicos: de que maneira o exercício beneficia as pessoas em confinamento? E atletas lidam melhor com o confinamento do que outras profissões? Essas questões aparecem por motivos ora intuitivos, ora científicos. Para responder à primeira pergunta, Abreu, Souza, Viana-Meireles, Landeira-Fernandez e Filgueiras (2020Abreu, J. M., Souza, R. A., Viana-Meireles, L. G., Landeira-Fernandez, J., & Filgueiras, A. (2020). Effects of physical activity and exercise on well-being in the context of the Covid-19 pandemic. medRxiv. https://doi.org/10.1101/2020.06.08.20125575
https://doi.org/10.1101/2020.06.08.20125...
) investigaram entre março e abril de 2020 a relação entre frequência, intensidade e modalidades de prática de esportes e exercícios de pessoas em quarentena por conta da Covid-19 e indicadores de bem-estar subjetivo. Todos os 564 participantes eram pessoas da população em geral, excluídos os atletas profissionais. Os resultados lançaram luz sobre algumas possíveis respostas na relação do exercício com a saúde mental, mensurado nessa pesquisa a partir dos indicadores de bem-estar subjetivo (Abreu et al., 2020Abreu, J. M., Souza, R. A., Viana-Meireles, L. G., Landeira-Fernandez, J., & Filgueiras, A. (2020). Effects of physical activity and exercise on well-being in the context of the Covid-19 pandemic. medRxiv. https://doi.org/10.1101/2020.06.08.20125575
https://doi.org/10.1101/2020.06.08.20125...
).

O primeiro fenômeno interessante foi a mudança drástica das modalidades esportivas e dos tipos de exercícios realizados entre os participantes, com o aumento significativo dos treinamentos funcionais (aqueles realizados sem muito deslocamento, em espaços mais apertados e que usam somente o peso do próprio corpo) em detrimento de modalidades tradicionais como natação, corrida ou ciclismo, que praticamente desapareceram durante o período de pandemia examinado (Abreu et al., 2020Abreu, J. M., Souza, R. A., Viana-Meireles, L. G., Landeira-Fernandez, J., & Filgueiras, A. (2020). Effects of physical activity and exercise on well-being in the context of the Covid-19 pandemic. medRxiv. https://doi.org/10.1101/2020.06.08.20125575
https://doi.org/10.1101/2020.06.08.20125...
). Isso significa que o confinamento mudou as práticas esportivas das pessoas em geral, o que também impacta na relação que a pessoa tem com o movimento.

Outro achado da pesquisa foi a associação do bem-estar subjetivo com a frequência e a intensidade dos treinamentos realizados em casa: os participantes com frequência moderada e intensidade de treinamento de leve a moderado apresentaram os melhores índices de bem-estar subjetivo, ao passo que tanto os sedentários quanto aquelas pessoas que se exercitavam praticamente todos os dias (entre 6 e 7 vezes na semana) tinham maiores índices de mal-estar subjetivo (Abreu et al., 2020Abreu, J. M., Souza, R. A., Viana-Meireles, L. G., Landeira-Fernandez, J., & Filgueiras, A. (2020). Effects of physical activity and exercise on well-being in the context of the Covid-19 pandemic. medRxiv. https://doi.org/10.1101/2020.06.08.20125575
https://doi.org/10.1101/2020.06.08.20125...
). Os extremos da prática de exercícios, tanto para o sedentarismo quanto para exercícios extenuantes todos os dias, parecem causar mal-estar e afetar a saúde mental dos participantes da pesquisa (Abreu et al., 2020Abreu, J. M., Souza, R. A., Viana-Meireles, L. G., Landeira-Fernandez, J., & Filgueiras, A. (2020). Effects of physical activity and exercise on well-being in the context of the Covid-19 pandemic. medRxiv. https://doi.org/10.1101/2020.06.08.20125575
https://doi.org/10.1101/2020.06.08.20125...
). Essas evidências nos proporcionam reflexões importantes como psicólogos. Podemos pensar em como nossas práticas clínicas deveriam incluir a parceria com profissionais de Educação Física na prescrição correta de treinamentos que vão contribuir de fato para a saúde mental e bem-estar de nossos clientes, ao invés de simplesmente prescrever caminhadas ou a matrícula em academias. De outra perspectiva, podemos pensar no quanto o esporte é muito mais do que exercícios ou atividade física: a prática esportiva envolve dimensões psicológicas das mais diversas como a socialização, vivência de emoções e relações consigo e com outros que nenhuma outra atividade humana é capaz de proporcionar, indo muito além do nosso próprio corpo e dos benefícios fisiológicos do exercício (Andersen, Ottesen, & Thing, 2018Andersen, M. H., Ottesen, L., & Thing, L. F. (2018). The social and psychological health outcomes of team sport participation in adults: An integrative review of research. Scandinavian Journal of Public Health, 47(8), 832-850. https://doi.org/10.1177/1403494818791405
https://doi.org/10.1177/1403494818791405...
).

Além disso, os impactos que a quarentena por Covid-19 causam na prática de esportes são muito maiores do que somente a manutenção do corpo ativo pelo exercício, a exemplo dos laços de coleguismo e amizade entre os praticantes de uma mesma modalidade esportiva (Kim, Park, Kim, & Fontes-Comber, 2020Kim, A. C. H., Park, S. H., Kim, S., & Fontes-Comber, A. (2020). Psychological and social outcomes of sport participation for older adults: A systematic review. Ageing & Society, 40(7), 1529-1549. https://doi.org/10.1017/S0144686X19000175
https://doi.org/10.1017/S0144686X1900017...
), do desenvolvimento da regulação emocional de que crianças e adolescentes podem se beneficiar através da prática do esporte (Brière et al., 2020Brière, F. N., Yale-Soulière, G., Gonzalez-Sicilia, D., Harbec, M. J., Morizot, J., Janosz, M., & Pagani, L. S. (2018). Prospective associations between sport participation and psychological adjustment in adolescents. Journal of Epidemiologic Community Health, 72(7), 575-581. http://dx.doi.org/10.1136/jech-2017-209656
http://dx.doi.org/10.1136/jech-2017-2096...
), e ainda da construção de um senso de coletividade que só acontece quando os membros de uma equipe precisam cooperar em harmonia para vencer um adversário (Oh & Gill, 2017Oh, E., & Gill, D. (2017). An examination of the relationship between team cohesion and individual anxiety among recreational soccer players. Journal of Amateur Sport, 3(2), 1-26. https://doi.org/10.17161/jas.v3i2.5883
https://doi.org/10.17161/jas.v3i2.5883...
). Todos esses benefícios psicossociais são distanciados daquelas pessoas que tiveram, pela condição de confinamento, que substituir o seu esporte por exercícios. Essas dimensões que já são tão conhecidas pela Psicologia do Esporte brasileira e consolidadas na obra Psicologia do Esporte e do Exercício: Modelos Teóricos, Pesquisa e Intervenção (Conde, Filgueiras, Angelo, Pereira, & Carvalho, 2019Conde, E., Filgueiras, A., Angelo, L., Pereira, A., & Carvalho, C. (2019). Psicologia do Esporte e Exercício: Modelos teóricos, pesquisa e intervenção (1a ed.). Pasavento. ) são conhecimentos que ainda precisam alcançar as outras áreas da Psicologia. O acesso ao esporte é, portanto, um direito universal que não é somente algo garantido pela Declaração Universal dos Direitos Humanos, mas uma prática de cidadania (Athayde, Mascarenhas, Figueiredo, & Reis, 2016Athayde, P., Mascarenhas, F., Figueiredo, P. O. F. N., & Reis, N. S. (2016). O esporte como direito de cidadania. Revista Pensar a Prática, 19(2), 490-501. ) que deve ser protegida pela Psicologia e pelos psicólogos, independentemente de valoração subjetiva. O crescimento da área da Psicologia do Esporte e suas repercussões na Psicologia e na sociedade são inegáveis e vêm crescendo nas últimas duas décadas (Conde et al., 2019Conde, E., Filgueiras, A., Angelo, L., Pereira, A., & Carvalho, C. (2019). Psicologia do Esporte e Exercício: Modelos teóricos, pesquisa e intervenção (1a ed.). Pasavento. ), outrossim, a aceitação e algum nível de preconcepções equivocadas ainda permeiam o imaginário de muitos psicólogos que rejeitam os benefícios da prática esportiva reduzindo-a à alienação (Beamish, 2008Beamish, R. (2008). Marxism, alienation and Coubertin’s Olympic project. Routledge.). Resta-nos atentar e aviltar para as benesses do esporte na vida das pessoas com as quais nos relacionamos e considerar que, a despeito de nossas moralidades, tais práticas de movimento podem ter um papel fundamental na construção de uma sociedade mais aberta às diferenças e que promova o bem-estar para todos (Barreira, 2016Barreira, C. R. A. (2016). Contribuições da Psicologia do Esporte, um projeto ético político para a formação da subjetividade no sistema esportivo brasileiro. In Conselho Regional de Psicologia de São Paulo (Org.), Psicologia do Esporte: Contribuições para a atuação profissional (1a ed., pp. 56-60). CRP-SP.).

Há, por outro lado, um grupo de desportistas que reside em um dos polos da frequência e intensidade de exercícios encontrados na pesquisa de Abreu et al. (2020Abreu, J. M., Souza, R. A., Viana-Meireles, L. G., Landeira-Fernandez, J., & Filgueiras, A. (2020). Effects of physical activity and exercise on well-being in the context of the Covid-19 pandemic. medRxiv. https://doi.org/10.1101/2020.06.08.20125575
https://doi.org/10.1101/2020.06.08.20125...
) e que ainda não discutimos: os atletas de alto rendimento. Apesar das mais diversas definições de atleta de alto rendimento, a classificação proposta por Swann, Moran e Piggott (2015Swann, C., Moran, A., & Piggott, D. (2015). Defining elite athletes: Issues in the study of expert performance in sport psychology. Psychology of Sport and Exercise, 16, 3-14. https://doi.org/10.1016/j.psychsport.2014.07.004
https://doi.org/10.1016/j.psychsport.201...
) surgiu a partir de uma extensa revisão sistemática da literatura científica, permitindo estabelecer as distinções entre atletas recreacionais, amadores, profissionais e de elite. Com base nas sugestões de Swann et al. (2015Swann, C., Moran, A., & Piggott, D. (2015). Defining elite athletes: Issues in the study of expert performance in sport psychology. Psychology of Sport and Exercise, 16, 3-14. https://doi.org/10.1016/j.psychsport.2014.07.004
https://doi.org/10.1016/j.psychsport.201...
), desenvolvemos uma classificação que dialoga tanto com as reflexões dos autores quanto com as evidências de Abreu et al. (2020Abreu, J. M., Souza, R. A., Viana-Meireles, L. G., Landeira-Fernandez, J., & Filgueiras, A. (2020). Effects of physical activity and exercise on well-being in the context of the Covid-19 pandemic. medRxiv. https://doi.org/10.1101/2020.06.08.20125575
https://doi.org/10.1101/2020.06.08.20125...
), nos permitindo discutir aqui as questões do esporte e da saúde mental. Os atletas recreacionais são aqueles que se engajam em atividades meramente recreativas, sem qualquer objetivo competitivo, e que não ultrapassam a frequência de três dias na semana. Atletas amadores seriam aqueles que participam em competições abertas a todos, sem classificação de nível nacional nas federações - podendo, mesmo assim, ser federado - e que se engajam na prática até cinco dias em uma semana por mais de dois anos. Os atletas profissionais são aqueles que ganham alguma remuneração na prática competitiva do esporte, já sendo classificados no cenário nacional da modalidade, participando dos eventos mais importantes e cujo treinamento ocorre entre seis a sete dias na semana com prática regular há mais de dois anos. Os atletas de elite seriam o topo internacional em termos de competitividade, sendo aqueles que têm o esporte como principal ou única fonte de remuneração, treinam de seis a sete dias na semana com experiência maior que cinco anos na modalidade. A Tabela 1 reúne os requisitos para facilitar a classificação. As duas últimas categorias, atletas profissionais e de elite, podem ser categorizadas juntas como alto rendimento, dadas as demandas competitivas, físicas e psicológicas, ao passo que as duas primeiras seriam classificadas como amadoras.

Tabela 1
Classificação do nível de competitividade de atletas amadores e de alto rendimento segundo os critérios de nível da competição, abrangência nacional do esporte, remuneração pela prática esportiva, frequência semanal e experiência do atleta.

Tendo como referência as evidências apresentadas por Abreu et al. (2020Abreu, J. M., Souza, R. A., Viana-Meireles, L. G., Landeira-Fernandez, J., & Filgueiras, A. (2020). Effects of physical activity and exercise on well-being in the context of the Covid-19 pandemic. medRxiv. https://doi.org/10.1101/2020.06.08.20125575
https://doi.org/10.1101/2020.06.08.20125...
) sobre bem-estar subjetivo e frequência de exercícios, podemos assumir que os atletas pertencentes à categoria de alto rendimento, que treinam entre seis e sete dias por semana, estariam com sua saúde mental e seu bem-estar comprometidos. Ao investigar o que a literatura científica discute sobre o tema, os dois tópicos, saúde mental e bem-estar, raramente aparecem juntos. Na verdade, em relação ao bem-estar, os dados são divergentes: enquanto alguns achados apontam para maior bem-estar entre atletas quando comparados com não-atletas (Bäckmand, Kaprio, Kujala, Sarna, & Fogelholm, 2006Bäckmand, H., Kaprio, J., Kujala, U. M., Sarna, S., & Fogelholm, M. (2006). Physical and psychological functioning of daily living in relation to physical activity: A longitudinal study among former elite male athletes and controls. Aging Clinical and Experimental Research, 18, 40-49. https://doi.org/10.1007/BF03324639
https://doi.org/10.1007/BF03324639...
), outras evidências sugerem que não há diferença entre o bem-estar da população em geral quando comparados com atletas de alto rendimento (Aries, McCarthy, Salovey, & Banaji, 2004Aries, E., McCarthy, D., Salovey, P., & Banaji, M. R. (2004). A comparison of athletes and non-athletes at highly selective colleges: Academic performance and personal development. Research in Higher Education, 45, 577-602. https://doi.org/10.1023/B:RIHE.0000040264.76846.e9
https://doi.org/10.1023/B:RIHE.000004026...
; Ivantchev & Stoyanova, 2019Ivantchev, N., & Stoyanova, S. (2019). Athletes and non-athlete’s life satisfaction. Athens Journal of Sports, 6(1), 45-60. https://doi.org/10.30958/ajspo.6-1-4
https://doi.org/10.30958/ajspo.6-1-4...
). Por outro lado, há bem menos divergência em relação à saúde mental.

Uma revisão sistemática e narrativa foi conduzida por Rice et al. (2016Rice, S. M., Purcell, R., De Silva, S., Mawren, D., McGorry, P. D., & Parker, A. G. (2016). The mental health of elite athletes: A narrative systematic review. Sports Medicine, 46, 1333-1353. https://doi.org/10.1007/s40279-016-0492-2
https://doi.org/10.1007/s40279-016-0492-...
) e revelou indicadores surpreendentes. Contrariando a ideia de que atletas seriam o ápice da saúde, no que tange aos indicadores sintomatológicos atletas de alto rendimento apresentam prevalência de depressão e ansiedade duas vezes maior que em controles, transtornos alimentares até três vezes superior que a população em geral e abuso de álcool e outras drogas até uma vez e meia maior que em controles. Em outras palavras, do ponto de vista da prevalência de problemas da ordem da saúde mental, ser um atleta de alto rendimento aumenta o risco de sintomas que podem se transformar em transtornos, o que é congruente com os resultados de Abreu et al. (2020Abreu, J. M., Souza, R. A., Viana-Meireles, L. G., Landeira-Fernandez, J., & Filgueiras, A. (2020). Effects of physical activity and exercise on well-being in the context of the Covid-19 pandemic. medRxiv. https://doi.org/10.1101/2020.06.08.20125575
https://doi.org/10.1101/2020.06.08.20125...
) sobre frequência de exercícios e bem-estar e parece apontar para uma direção contraintuitiva ao sugerir que atletas desse tipo estão mais suscetíveis às psicopatologias (Rice et al., 2016Rice, S. M., Purcell, R., De Silva, S., Mawren, D., McGorry, P. D., & Parker, A. G. (2016). The mental health of elite athletes: A narrative systematic review. Sports Medicine, 46, 1333-1353. https://doi.org/10.1007/s40279-016-0492-2
https://doi.org/10.1007/s40279-016-0492-...
; Abreu et al., 2020Abreu, J. M., Souza, R. A., Viana-Meireles, L. G., Landeira-Fernandez, J., & Filgueiras, A. (2020). Effects of physical activity and exercise on well-being in the context of the Covid-19 pandemic. medRxiv. https://doi.org/10.1101/2020.06.08.20125575
https://doi.org/10.1101/2020.06.08.20125...
).

Se as estimativas de Rice et al. (2016Rice, S. M., Purcell, R., De Silva, S., Mawren, D., McGorry, P. D., & Parker, A. G. (2016). The mental health of elite athletes: A narrative systematic review. Sports Medicine, 46, 1333-1353. https://doi.org/10.1007/s40279-016-0492-2
https://doi.org/10.1007/s40279-016-0492-...
) e os índices de prevalência sintomatológica de Filgueiras e Stults-Kolehmainen (2020Filgueiras, A., & Stults-Kolehmainen, M. (2020a). The relationship between behavioural and psychosocial factors among brazilians in quarantine due to Covid-19. http://dx.doi.org/10.2139/ssrn.3566245
http://dx.doi.org/10.2139/ssrn.3566245...
b) estiverem corretos, o que se pode ter é uma epidemia silenciosa e não tratada de depressão e ansiedade entre os atletas de alto rendimento. Muitas são as questões concernentes a esse adoecimento mental. Inicialmente, temos o confinamento e o isolamento social que os fizeram ficar longe de suas práticas regulares e de seus companheiros de treino, equipe e comissão técnica. O fator social não pode ser negligenciado. Outro aspecto é a maior suscetibilidade dos atletas de alto rendimento às psicopatologias, o que pode ter sido magnificado durante a quarentena. E ainda há a questão de que nem todas as agremiações esportivas contam com psicólogos do esporte ou indicam seus atletas a psicólogos clínicos (Conde et al., 2019Conde, E., Filgueiras, A., Angelo, L., Pereira, A., & Carvalho, C. (2019). Psicologia do Esporte e Exercício: Modelos teóricos, pesquisa e intervenção (1a ed.). Pasavento. ).

Corpo em (restrição de) movimento e saúde mental na pandemia: excurso fenomenológico

Visando frear o alastramento do contágio, os diferentes graus de restrição social, como a quarentena, o afastamento, o isolamento, e até o chamado lockdown, afetam diretamente os modos usuais com que populações inteiras se movimentam corporalmente. Sob essa condição, o dia a dia mostra a equivalência existente entre restrições sociais e limitações à mobilidade corporal, mobilidade essa que é, por paradoxal que soe, e como se esclarecerá, tão mais sadia quanto mais seu acontecimento seja acompanhado de seu esquecimento. A urgência dos cuidados adotados e a necessária priorização à vida têm ocasionado, seja para os setores financeiro e produtivo, seja para cada indivíduo e família, dramáticos prejuízos econômicos, de qualidade de vida e de saúde mental, cujos números, diferentemente do sofrimento que acarretem em primeira mão e dos projetos pessoais que suspendam, podem ser calculados.

Nessa mesma ótica, se, por um lado, a quantificação da prática esportiva e de exercícios, assim como a sua associação com o bem-estar e a saúde mental durante a pandemia, pode ser estimada quantitativamente, bem menos evidente e pressentido são os prejuízos à qualidade do movimento corporal e suas ressonâncias psíquicas, seja na rotina da população como um todo, seja mais particularmente na de esportistas e praticantes de exercícios. Para os atletas se trata de uma ruptura existencial, motivo pelo qual os números previamente apontados, sugerindo uma endemia de ansiedade entre eles, podem não surpreender. É a própria maneira como os atletas se concebem que é lhes arrancada, a própria maneira como o mundo é vivido por eles, desde a raiz com que se enlaçam ao mundo, que são seus corpos deliberadamente pressionados à excelência que, ao perderem seu lugar de acontecimento, são desalojados de seu sentido. Só os olhos voltados ao futuro retorno esportivo os preserva em suas identidades de atletas, exigindo deles e de suas equipes enorme mobilização - só comparável à mobilização para enfrentamento das interrupções vividas quando ocorrem sérias lesões esportivas (Ottoni, Ranieri & Barreira, 2008Ottoni, G., Ranieri, L. P., & Barreira, C. R. A. (2008). O posicionamento existencial frente à dor: uma aproximação fenomenológica às experiências de atletas lesionados em tratamento. Revista Brasileira de Psicologia do Esporte , 2(2), 1-32. http://dx.doi.org/10.31501/rbpe.v2i2.9282
http://dx.doi.org/10.31501/rbpe.v2i2.928...
) - para reprojetarem seus ciclos e periodizações.

A atenção voltada a um futuro incerto equivale a um modo de descrever elementarmente a estrutura temporal da ansiedade (Minkowski, 2000Minkowski, E. (2000). Breves reflexões a respeito do sofrimento: Aspecto pático da existência. Revista Latinoamericana de Psicopatologia Fundamental, 3(4), 156-164.; Tatossian & Moreira, 2012Tatossian, A., & Moreira, V. (2012). Clínica do Lebenswelt: Psicoterapia e psicopatologia fenomenológica. Escuta.; Barreira, 2012Barreira, C. R. A. (2012). Agressão e ansiedade, o esporte e o corpo contemporâneos: Uma leitura fenomenológica. In Anais do IV Seminário de Psicologia do Esporte e Motricidade e I Congresso Nacional de Psicologia da Motricidade Humana, Esporte, recreação e Dança (pp. 145-154). https://www.lepespe.com/anaisdeeventos
https://www.lepespe.com/anaisdeeventos...
). Mas não é apenas para a condição da pandemia que os dados chamam a atenção. Conforme alertam os levantamentos quantitativos, as prevalências de psicopatologias superiores entre atletas de alto rendimento do que na população em geral (Rice et al. 2016Rice, S. M., Purcell, R., De Silva, S., Mawren, D., McGorry, P. D., & Parker, A. G. (2016). The mental health of elite athletes: A narrative systematic review. Sports Medicine, 46, 1333-1353. https://doi.org/10.1007/s40279-016-0492-2
https://doi.org/10.1007/s40279-016-0492-...
; Abreu et al., 2020Abreu, J. M., Souza, R. A., Viana-Meireles, L. G., Landeira-Fernandez, J., & Filgueiras, A. (2020). Effects of physical activity and exercise on well-being in the context of the Covid-19 pandemic. medRxiv. https://doi.org/10.1101/2020.06.08.20125575
https://doi.org/10.1101/2020.06.08.20125...
), embora surpreendam e sejam até mesmo contraintuitivas, podem ser compreendidas em relação à própria natureza da atividade esportiva que, nessa categoria e levada ao extremo nas condições do esporte contemporâneo, submete quase incessantemente o atleta a condições para melhoria de desempenho equivalentes a um estressor que o incita ao desequilíbrio - fisiológico e psicológico - para extrair dele um novo patamar de equilíbrio. Sem mais delongas, não é difícil supor que essa exposição só não afeta negativamente a saúde mental do atleta quando há uma rede estável de apoio familiar e social que se encontra pouco desenvolvida na realidade institucional e jurídica brasileiras, tanto pela precariedade ou inexistência da mesma em clubes quanto pelos direitos trabalhistas que não garantem segurança aos atletas profissionais.

Já na rotina da população como um todo, trata-se de diagnosticar uma perda de qualidade do movimento que afeta a todos, menos ou mais intensamente, com ressonâncias que merecem reflexão. Seguindo a pista para esse diagnóstico, ainda está para ser ressaltado como os prejuízos à qualidade do movimento têm impactos bem mais ramificados e insuspeitos do que a relação direta com o sedentarismo, o risco de consequência mais imediato do confinamento. A apreensão do impacto das restrições sociais na qualidade do movimento exige recompassar a leitura num breve, ainda que denso, preâmbulo fenomenológico. As fontes que informam esse preâmbulo remetem originalmente às análises de Husserl (2011Husserl, E. (2011). Idee per una fenomenologia pura e per una filosofia fenomenologica, Libro secondo: Ricerche fenomenologiche sopra la costitutzione, Libro terzo: La fenomenologia e i fondamenti delle scienze (E. Filippini, Trad., Vol. 2). Einaudi. (Trabalho original publicado em 1952)), ramificando-se junto a outros filósofos da escola fenomenológica ou por ela influenciados, como Edith Stein (1999Stein, E. (1999). Psicologia e Scienze dello Spirito (A. M. Pezzela, Trad., 2a ed.). Città Nuova. (Trabalho original publicado em 1922)), Maurice Merleau-Ponty (1945Merleau-Ponty, M. (1945). Phénoménologie de la perception. Gallimard.) e, mais contemporaneamente, Drew Leder (1990Leder, D. (1990). The absent body. The University of Chicago Press.), Shaun Gallagher (2005Gallagher, S. (2005). How the body shapes the mind. Oxford University Press.), Angela Ales Bello (2016Ales Bello, A. (2016). Il senso dell’umano: Tra fenomenologia, psicologia e psicopatologia. Castelvecchi. ) e Natalie Depraz (2018Depraz, N. (2018). Le sujet de la surprise: Un sujet cardial. Zeta Books.).

Em sua melhor performance, gestos motores costumam se passar desapercebidamente do sujeito que os realiza, invisibilizado pela intenção da ação (Merleau-Ponty, 1945Merleau-Ponty, M. (1945). Phénoménologie de la perception. Gallimard.; Gallagher, 2005Gallagher, S. (2005). How the body shapes the mind. Oxford University Press.; Leder, 1990Leder, D. (1990). The absent body. The University of Chicago Press.) - o foco atencional é o alvo ou o adversário, não o próprio executor da tarefa. Essa condição da corporeidade na plenitude de sua ação é almejada e conquistada pelos atletas que se empenham, pre-ocupadamente, em exercitar e aperfeiçoar seus movimentos (Barreira & Telles, 2019Barreira, C. R. A., & Telles, T. C. B. (2019). Reflexões sobre a violência no esporte. In K. Rubio & J. Camilo (Orgs.), Psicologia Social do Esporte (1a ed., pp. 79-104). Képos.; Telles, 2018Telles, T. C. B. (2018). Corpo a corpo: Um estudo fenomenológico no karate, na capoeira e no MMA. (Tese de doutorado), Universidade de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil.). E para quê? Para chegarem a realizar o que pretendem sem se preocuparem em como fazer, esquecendo-se inteiramente de si para estarem inteiramente na ação.

Ainda que nem todos realizem os prodígios motores que tornam fascinante assistir às disputas esportivas, todos vivem essa prodigiosa invisibilidade, ou ausência, do corpo próprio em movimento (Leder, 1990Leder, D. (1990). The absent body. The University of Chicago Press.). Ela age nesse mesmo instante, quando cada mínimo deslocamento do globo ocular permite que a leitura persiga, através das palavras, os enredamentos dos sentidos articulados nesse texto. Se isso pode ser chamado transcender o corpo, os fenomenólogos atentos à participação contínua da corporeidade em atos supostamente tão “des-corporificados”, como a leitura, viram agir aí a consciência encarnada, sustentando a materialidade sensível (hilética) que é ontologicamente inerente à consciência intencional. Invisível e esquecido em seu movimento, o olho treinado se move ao ler, dando vida e superfície à disponibilidade engendrada por práticas profundamente sedimentadas, ocultadas pelo esquecimento. Somente com muita atenção, e apenas por pouco tempo, se é capaz de se dar conta dos ligeiríssimos movimentos dos próprios olhos durante a leitura, atenção que concorreria com a necessária para o ato de ler propriamente. Além disso, salvo pelo artifício do equivalente a um espelho, o olho não é capaz de se ver vendo (Husserl, 2011Husserl, E. (2011). Idee per una fenomenologia pura e per una filosofia fenomenologica, Libro secondo: Ricerche fenomenologiche sopra la costitutzione, Libro terzo: La fenomenologia e i fondamenti delle scienze (E. Filippini, Trad., Vol. 2). Einaudi. (Trabalho original publicado em 1952); Merleau-Ponty, 1945Merleau-Ponty, M. (1945). Phénoménologie de la perception. Gallimard.), motivo pelo qual a mencionada invisibilidade da ação corporal ganha literalidade. Mesmo que alguém olhe seu próprio corpo em repouso ou em movimento, só enxerga partes de suas lateralidades anteriores, estando outras, como o dorso, o rosto e a cabeça, inacessíveis aos olhos. Essas limitações da autopercepção são figuras expressivas de como se é opaco a si mesmo (Merleau-Ponty, 1945Merleau-Ponty, M. (1945). Phénoménologie de la perception. Gallimard.). Isto denuncia como, na existência comum, o sujeito mal se dá conta de vastas regiões de si mesmo e isso só pode ser parcialmente suprido reflexivamente, como faz o espelho, a atenção voltada a si próprio ou como se faz numa troca intersubjetiva, campo em que atuam as intervenções psicológicas por empatia iterativa (Barreira, 2014Barreira, C. R. A. (2014). A Bela Adormecida e outras vinhetas: A empatia, do corpo a corpo cotidiano à clínica. In J. S. Filho (Org.), Empatia: Edmund Husserl e Edith Stein: Apresentações didáticas (1a ed., pp. 53-93). Edições Loyola. ). Assim como tudo que alguém sabe acerca de si mesmo, tudo que é aprendido acerca da correção de gestos motores passa pelo ponto de vista alheio, seja por empatia e analogia, ao se ver outros se moverem, seja pela instrução objetiva de outros que têm acesso perceptivo à pessoa de um modo que ela própria não tem. Essa descrição da corporeidade serve como um modelo referencial válido, analogamente, para as demais esferas da estrutura da pessoa humana (Stein, 1999Stein, E. (1999). Psicologia e Scienze dello Spirito (A. M. Pezzela, Trad., 2a ed.). Città Nuova. (Trabalho original publicado em 1922); Ales Bello, 2016Ales Bello, A. (2016). Il senso dell’umano: Tra fenomenologia, psicologia e psicopatologia. Castelvecchi. ), seja a psíquica, com os sentimentos e emoções, ou a espiritual, com a racionalidade e vontade; em outras palavras, a opacidade com que o corpo é vivido no mundo é extensiva à existência pessoal como um todo.

O agir natural, portanto, é pré-reflexivo e, deliberadamente ou não, é voltado intencionalmente ao mundo em que age. É também na esfera pré-reflexiva que se é originária, corporal e continuamente tomado, afetado e atravessado por muito mais elementos, forças e intensidades do meio em que alguém está situado do que esse mesmo alguém consegue ter consciência. Nessa opacidade da existência, age-se respondendo às demandas do mundo, em grande medida consideradas de modo involuntário, isto é, sem que se tomem decisões, orientados por hábitos incorporados, normas de sensibilidade, costumes e sentimentos arraigados ao que tem valor e desvalor para o sujeito (Barreira & Coelho Júnior, 2015Barreira, C. R. A., & Coelho Júnior, A. G. (2015). De uma história oral a uma psicologia do exercício: Lições no cotidiano de uma educação física pública. In T. M. Vizú, C. I. Barbosa & C. R. A. Barreira (Orgs.), CEFER: quatro décadas de história e memória da educação física e esporte na USP Ribeirão (pp. 195-227). Diagrama.). Feito esse preâmbulo, segue-se analisando o impacto das restrições sociais na qualidade do movimento corporal. As considerações à corporeidade abrem uma predisposição a operar uma escuta suspensiva (Barreira, 2017Barreira, C. R. A. (2017). Análise fenomenológica aplicada à Psicologia: Recursos operacionais para pesquisa empírica. In M. Mahfoud & J. S. Filho (Orgs.), Diálogos com Edith Stein: Filosofia, Psicologia e Educação (pp. 317-368). Paulus. ), nos moldes que psicólogos de orientação fenomenológica fazem em diferentes domínios, capaz de apreender esta outra condição estética1 1 Estética aqui vem entendido qualitativamente como o que se refere aos sentidos. com que a materialidade das relações espaço-temporais se apresentam e afetam pré-reflexivamente seus sujeitos.

A permanência prolongada num mesmo ambiente, como impõe o confinamento, faz com que a rotina não se preste mais aos mesmos rituais de antes. A percepção de fronteiras e passagens do tempo - habitualmente delimitadas pelos deslocamentos para o estudo ou trabalho, para as refeições, práticas de lazer e pelo retorno ao local de residência -, tudo isso mediado pelos imprevistos, encontros e trocas pessoais e impessoais que se fazem, são acompanhadas por imperceptíveis alterações fisiológicas, oscilações de frequência cardíaca, expectativas e incontáveis pequenas e grandes surpresas vividas (Depraz, 2018Depraz, N. (2018). Le sujet de la surprise: Un sujet cardial. Zeta Books.), às vezes mal notadas como tais, perfazendo um conjunto de acontecimentos que, a despeito da atenção ao que a desencadeia, envolvem e mobilizam o organismo e seu metabolismo. Ausentes tais deslocamentos espaciais, sem que a apercepção disso seja necessária, borram-se as fronteiras habituais da passagem do tempo. Para muitos, a reserva, intimidade e proteção da exposição ao mundo que faz do lar um espaço privativo são forçadas a se abrir e se conjugar com atividades nada privadas. Posto sob o crivo da produtividade laboral remota, há quem relate que o tempo parece não render. Outros, ao contrário, relatam que o trabalho rende mais e melhor, chegando a se sentirem gratos pelo retiro forçado. Ao redor de quem está confinado, é frequente que os sons cheguem com aspecto de um longo e insistente domingo. É certo que para os que têm acesso à abundância de entretenimentos por televisão e internet, bem como a recursos de estudo, trabalho e interação por redes sociais, há suficiente variedade e razoável mudança no ambiente em que se está - e isso não é pouco significativo. Mas, se há possibilidade de mudança no ambiente, há menos, bem menos, deslocamento e, por isso, uma quase ausência de mudança de ambiente, tornando comum sua prolongada monotonia. Com a tendência acentuada aos comportamentos sedentários, já que não há mais os deslocamentos costumeiros e, sem eles, subtrai-se um fator habitual de regulação emocional, o mal-estar subjetivo detectado no levantamento quantitativo é favorecido (Abreu et al., 2020Abreu, J. M., Souza, R. A., Viana-Meireles, L. G., Landeira-Fernandez, J., & Filgueiras, A. (2020). Effects of physical activity and exercise on well-being in the context of the Covid-19 pandemic. medRxiv. https://doi.org/10.1101/2020.06.08.20125575
https://doi.org/10.1101/2020.06.08.20125...
). Aqueles que se deslocam ao exercerem atividades essenciais, seja em sua ocupação profissional, seja na saída às compras, calculando ou não os movimentos segundo a etiqueta dos protocolos, muito frequentemente encontram a feição estéril de ambientes mudados, desvitalizados.

Por todas essas modificações, a regra do confinamento estendido tem efeitos que não atingem somente a maioria, mas a todos. Entorpecido, o ritmo lentificado do mundo tem sua principal ressonância como uma inércia atmosférica, uma ambiência que pode ser vivida como tristeza, tédio e/ou melancolia (Callieri, 2007Callieri, B. (2007). Corpo esistenze mondi: Per una psicopatologia antropologica. Edizioni Universitarie Romane. ; Dastur & Cabestan, 2015Dastur, F., & Cabestan, P. (2015). Daseinsanálise: Fenomenologia e Psicanálise (A. Carvalho, Trad.). Via Verita.; Tatossian & Moreira, 2012Tatossian, A., & Moreira, V. (2012). Clínica do Lebenswelt: Psicoterapia e psicopatologia fenomenológica. Escuta.). A psicopatologia fenomenológica, procedendo por meio de uma suspensão dos saberes objetivos acerca da sintomatologia, volta-se ao mundo vivido de quem é acometido pelos diversos modos de sofrimento, reconhecendo a correlação constitutiva entre percepção de mundo e acometimento afetivo numa descrição que precede a distinção entre sujeito e objeto, subjetivo e objetivo. Não é, portanto, metaforicamente, mas vivencialmente que se apreende o aspecto do mundo que, precedendo o pensamento e os posicionamentos pessoais, impõem-se como o pano de fundo em que estes se situam e comparecem. Uma vez que lhe falta a concretude usual de um objeto, posto que o mundo é onde o sujeito inapelavelmente está e suas fronteiras não são delineáveis como algo que se tenha colocado adiante (ob-jectum), a descrição desse horizonte, segundo diferentes fenomenólogos, remete a uma ambiência e recorre a terminologias como atmosfera, tonalidade ou humor (stimmung), comuns na psicopatologia fenomenológica (Callieri, 2007Callieri, B. (2007). Corpo esistenze mondi: Per una psicopatologia antropologica. Edizioni Universitarie Romane. ; Dastur & Cabestan, 2015Dastur, F., & Cabestan, P. (2015). Daseinsanálise: Fenomenologia e Psicanálise (A. Carvalho, Trad.). Via Verita.; Tatossian & Moreira, 2012Tatossian, A., & Moreira, V. (2012). Clínica do Lebenswelt: Psicoterapia e psicopatologia fenomenológica. Escuta.), ou disposição de sentimento (Husserl, 2004Husserl, E. (2004). De la synthèse active (J. F. Pestureau & M. Richir, Trads.). Millon. (Trabalho original publicado em 1920-1921)), na fenomenologia clássica, para designar essa dimensão pela qual a inserção da existência no mundo não encontra qualquer distância.

Assim, sob a condição pandêmica, carregado pela lentificação e monotonia ambiente, o ar pesado da inércia pode ser um chamado a acompanhá-lo. Nessa percepção de mudança de padrão do ambiente mundano, vive-se uma ruptura de seu modo de se apresentar e, portanto, dele afetar a todos. Isso o faz diferente, um mundo transformado existencialmente, o que também tem dimensões histórico-políticas partilhadas por populações inteiras (Depraz, 2018Depraz, N. (2018). Le sujet de la surprise: Un sujet cardial. Zeta Books.). Nesse mundo modificado, o movimento corporal tem outra qualidade, árida, mundanamente monótona e relativamente empobrecida porque menos provida daquilo que os lugares e encontros do mundo despertam habitualmente. Se no estudo fenomenológico das psicopatologias constata-se que a ambiência mundana de quem adoece se particulariza em relação ao mundo-da-vida partilhado pelos demais nas dimensões do tempo, espaço e das relações intersubjetivas, na condição pandêmica, por outro lado, constata-se como certos aspectos daquelas particularidades psicopatológicas se generalizam pela objetividade da ruptura de padrões de convívio e partilhamento de tempo e espaço. Certamente, isso não significa que implicações psicopatológicas se desdobrem como um correlato necessário dessa modificação do mundo. Se é “precisamente quando a harmonia atmosférica entre um existente e seu meio se vê perturbada que pode se manifestar uma transformação patológica da existência” (Dastur & Cabestan, 2015Dastur, F., & Cabestan, P. (2015). Daseinsanálise: Fenomenologia e Psicanálise (A. Carvalho, Trad.). Via Verita., p. 156), na pandemia, por outro lado, constata-se como o próprio meio se perturba em relação a sua predominância habitual, modificação essa que guarda correspondências com a ambiência predominantemente vivida em condições de adoecimento mental. As relações entre psicopatologia, mundo e cultura se entrelaçam constantemente e são, sobretudo, dinâmicas (Moreira, Bloc, & Telles, 2019Moreira, V., Bloc, L., & Telles, T. C. B. (2019). Culture and psychopathology: Contributions of the philosophical and clinic phenomenologies. In M. Zangeneh & A. Al-Krenawi (Orgs.). Advances in Mental Health and Addiction (1a ed., pp. 301-312). Springer.).

Logo, há um desencontro entre a disposição pessoal habitual em termos de ritmo, projetos, trânsito espacial e relacionamentos interpessoais e a ambiência disponibilizada no mundo sob a pandemia. Pode-se dizer que, relativamente ao padrão de normalidade anterior, a plena afinação com a ambiência posta pela ruptura pandêmica corresponderia a uma transformação patológica da existência2 2 Pode chegar o momento em que a ruptura deixe de ser tão marcante e a habituação ao contexto, que vem se convencionando denominar como “novo normal”, faça-o o padrão de referência mundana. Assim, deve-se considerar que a modificação é sempre relativa a um padrão partilhado intersubjetivamente e predominante. . Entretanto, junto à ostensividade dessa esfera pré-reflexiva concernente à corporeidade, posto que ela é vivida fundamentalmente sob a condição material do confinamento, age a dimensão voluntária da ação e dos atos de sentimento que motivam as pessoas a se comportarem e se engajarem em quaisquer atividades, o que equivale a uma capacidade de se afetar3 3 Para usar uma expressão cara a fenomenologia de Michel Henry (2012). e, em alguma medida e sempre indiretamente, modular o próprio humor. Não se deve perder de vista, todavia, que essa é uma ambiência objetiva que predispõe quem nela se situa a vivê-la com significativas alterações afetivas, como pode ser o caso da tristeza, tédio, melancolia ou, inversamente, da ansiedade de expectativas que não encontram como se exercerem no mundo. Aqui, a prática de exercício físico, em meio a todo o prejuízo das condições que davam o suporte necessário às qualidades habituais do movimento corporal, é um dos recursos mais frequentemente recomendados para se lidar com os desafios pessoais e as ameaças à saúde durante o confinamento. O processo não se passa sem um novo conhecimento de aspectos de si mesmo que não emergiriam sem as modificações espaço temporais que se impõem numa condição outrora não experimentada pelas atuais gerações.

O borramento dos limites usuais de tempo e espaço que participavam da ritualização de rotinas exige importantes adaptações de comportamento, demandando novos parâmetros para se situar. Nessa condição, o ciclo sono/vigília pode ser afetado e a falta de cansaço, rapidamente, se converter em exaustão. Uma enorme disposição e energia podem não encontrar em que se engrenarem, acumulando-se em ansiedade já que almejam experiências cujo lugar não sabe bem o tempo em que poderá ser. Se há menos mudanças de ambiente provocando oscilações fisiológicas no organismo e se as mudanças no ambiente envolvem menos deslocamento, surpresa e imprevistos, a indução ao movimento corporal no confinamento une-se de maneira capital a quaisquer outros empreendimentos pessoais, como o trabalho e a arte, para reagir à absorção pela inércia ou à ansiedade. É dispensável dizer que estes não são argumentos higienistas, são reflexões e articulações que tiram consequências da natureza cultural do corpo deliberadamente posto em movimento para o autocuidado. Trata-se de tomar em consideração as bases ontológicas do movimento corporal no desafio de revitalizar a qualidade da própria vida.

À guisa de conclusão: desdobramentos de uma Psicologia do Esporte em tempos de pandemia

Investida na performance ou enfocando a saúde, as duas abordagens centrais da Educação Física lidam com o movimento corporal não apenas ambicionando seus efeitos objetivos, mas, antes, mirando a possibilidade do autoesquecimento, um engajamento no mundo em que se viva o corpo como seu sujeito, fomentando a experimentação dos gestos motores com a sua fruição e a do próprio mundo. Note-se que regularmente esse engajamento se vê obstaculizado. Isso se passa quando a ação se emperra chamando a atenção do sujeito para si mesmo como seu próprio objeto, por exemplo pela falta de capacidade física ou da habilidade que o esportista luta por adquirir e aperfeiçoar, assim como pelos adoecimentos que o enfoque na saúde procura remediar e prevenir. Vistas assim, as práticas corporais são meio e fim da saúde, já que tanto têm efeitos orgânicos (corpo-objeto) benéficos previsíveis, segundo o estado da arte das ciências da atividade física, como são uma expressão por excelência do engajamento no mundo com esquecimento de si (corpo-sujeito). Essa fruição do movimento, bem descrita pelos pensadores que se dedicaram à compreensão da experiência lúdica - mas também da experiência erótica, outra figura da fruição corporal do mundo irredutível a parâmetros físicos e psicológicos -, não é fácil de ser articulada verbalmente, parecendo sempre exceder às capturas linguísticas e se lançar às imagens poéticas.

Contrabalançando o entorpecimento, a partir do dispêndio de energia e do controle da ansiedade e bem-estar dela resultantes, adotar uma regularidade de exercícios físicos no confinamento fornece ao praticante um critério ritual e metabólico auxiliar para o restabelecimento de parâmetros de tempo e espaço em sua rotina. Como foi apontado empiricamente pelas análises quantitativas, a frequência da rotina de exercícios tem incidências nesse processo de modulação do humor, para usar um termo genérico que nos reenvia às vivências pré-reflexivas do registro da atmosfera mundana. Há, contudo, uma dose - 6 vezes por semana - que excede os parâmetros de bem-estar, associando-se com indicadores de mal-estar subjetivo. O fato parece guardar correspondências com uma prática que ativa a pessoa e predispõe o organismo a aplicar-se a uma situação de desafio, como a disputa esportiva, mas que não se sabe quando ocorrerá, uma vez que seu lugar na realidade depende de condições sanitárias incertas. Vivencialmente, a atmosfera modulada pelo atleta, favorecedora de sua rotina competitiva, não encontra onde se materializar. Também para quem, sem ser atleta, se exercita intensamente com frequência similar, o mal-estar subjetivo se associa a um tipo de ativação que encontra poucas correspondências com aquele ritmo cotidiano usual antes da pandemia, profundamente perturbado por esta. A considerar pelos dados levantados no Brasil no início da pandemia e do afastamento social, o exercício moderado - até 3 vezes por semana - aparece como a dosagem média melhor associada com indicadores de bem-estar subjetivo, o que, em termos fenomenológicos, corresponderia a uma melhor afinação entre existente e harmonia atmosférica, ou também a uma modulação do humor mais adaptativa às modificações espaço temporais impostas pela pandemia.

Isso abrange uma reapropriação espaço-temporal que requer, fundamentalmente, repetição rotineira dos novos gestos motores. Com relação ao volume e intensidade das atividades físicas praticadas, vale destacar que a dosagem mediana detectada pode não ser a mais adaptativa em virtude de inúmeros fatores singulares das rotinas de cada pessoa, motivo pelo qual o esgarçamento de tais fronteiras precisa ser percebido pelo próprio sujeito no fazer de suas movimentações e em suas ressonâncias. Uma vez salientado o caráter pré-reflexivo das práticas de movimento, acrescenta-se aqui a importância de uma atenção regular e refletida, especialmente após as atividades, de modo a melhor adequá-las às necessidades que se moldam ao praticante e ao contexto em que se encontra.

Estas inesperadas experiências se apresentam como um desafio tanto para quem as vivencia quanto para os profissionais em Psicologia do Esporte. No entanto, seja no âmbito do alto rendimento ou da prática recreativa, quando reúnem-se essas questões, o que podemos pensar é que há uma parcela da população que não tem acesso ao tratamento e ao cuidado da saúde mental, e que não o tem por diversas questões: o medo do estigma, o desconhecimento e o preconceito com a saúde mental, a falta de investimento dos gestores esportivos e o despreparo dos próprios profissionais da Psicologia em lidar com as demandas e questões do esporte (Conde et al., 2019Conde, E., Filgueiras, A., Angelo, L., Pereira, A., & Carvalho, C. (2019). Psicologia do Esporte e Exercício: Modelos teóricos, pesquisa e intervenção (1a ed.). Pasavento. ). Por isso, é de suma importância que a Psicologia do Esporte seja uma disciplina lecionada, estudada e praticada nas universidades, nos congressos e dentro dos Sistema Conselhos. Sem entender as nuances do esporte e as particularidades desses indivíduos, não há como endereçar os cuidados adequados.

Salienta-se que tal seara não se limita apenas às atividades marcadamente esportivas, mas envolve as mais diversas práticas corporais, culturais e de movimento. O campo da Psicologia do Esporte é vasto e se ocupa de olhar cuidadoso em torno das distintas nuances na situação do corpo em movimento (Telles, 2018Telles, T. C. B. (2018). Corpo a corpo: Um estudo fenomenológico no karate, na capoeira e no MMA. (Tese de doutorado), Universidade de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil.). Neste escopo, uma pluralidade de abordagens teórico-metodológicas acompanha tal diversidade. Nota-se neste texto como, pela articulação de perspectivas epistemológicas diferentes, uma quantitativa e outra qualitativa, é possível verificar parâmetros e compreendê-los melhor para que, face ao desafio da pandemia à saúde mental e ao bem-estar no corpo em movimento, se responda a uma mudança existencial e mundana, afetando a cada um de nós reflexiva e pré-reflexivamente - consequentemente naquilo que objetivamente desponta como alterações fisiológicas e psicológicas.

Referências

  • Abreu, J. M., Souza, R. A., Viana-Meireles, L. G., Landeira-Fernandez, J., & Filgueiras, A. (2020). Effects of physical activity and exercise on well-being in the context of the Covid-19 pandemic. medRxiv. https://doi.org/10.1101/2020.06.08.20125575
    » https://doi.org/10.1101/2020.06.08.20125575
  • Ales Bello, A. (2016). Il senso dell’umano: Tra fenomenologia, psicologia e psicopatologia. Castelvecchi.
  • Andersen, M. H., Ottesen, L., & Thing, L. F. (2018). The social and psychological health outcomes of team sport participation in adults: An integrative review of research. Scandinavian Journal of Public Health, 47(8), 832-850. https://doi.org/10.1177/1403494818791405
    » https://doi.org/10.1177/1403494818791405
  • Aries, E., McCarthy, D., Salovey, P., & Banaji, M. R. (2004). A comparison of athletes and non-athletes at highly selective colleges: Academic performance and personal development. Research in Higher Education, 45, 577-602. https://doi.org/10.1023/B:RIHE.0000040264.76846.e9
    » https://doi.org/10.1023/B:RIHE.0000040264.76846.e9
  • Athayde, P., Mascarenhas, F., Figueiredo, P. O. F. N., & Reis, N. S. (2016). O esporte como direito de cidadania. Revista Pensar a Prática, 19(2), 490-501.
  • Bäckmand, H., Kaprio, J., Kujala, U. M., Sarna, S., & Fogelholm, M. (2006). Physical and psychological functioning of daily living in relation to physical activity: A longitudinal study among former elite male athletes and controls. Aging Clinical and Experimental Research, 18, 40-49. https://doi.org/10.1007/BF03324639
    » https://doi.org/10.1007/BF03324639
  • Barreira, C. R. A. (2012). Agressão e ansiedade, o esporte e o corpo contemporâneos: Uma leitura fenomenológica. In Anais do IV Seminário de Psicologia do Esporte e Motricidade e I Congresso Nacional de Psicologia da Motricidade Humana, Esporte, recreação e Dança (pp. 145-154). https://www.lepespe.com/anaisdeeventos
    » https://www.lepespe.com/anaisdeeventos
  • Barreira, C. R. A. (2014). A Bela Adormecida e outras vinhetas: A empatia, do corpo a corpo cotidiano à clínica. In J. S. Filho (Org.), Empatia: Edmund Husserl e Edith Stein: Apresentações didáticas (1a ed., pp. 53-93). Edições Loyola.
  • Barreira, C. R. A. (2016). Contribuições da Psicologia do Esporte, um projeto ético político para a formação da subjetividade no sistema esportivo brasileiro. In Conselho Regional de Psicologia de São Paulo (Org.), Psicologia do Esporte: Contribuições para a atuação profissional (1a ed., pp. 56-60). CRP-SP.
  • Barreira, C. R. A. (2017). Análise fenomenológica aplicada à Psicologia: Recursos operacionais para pesquisa empírica. In M. Mahfoud & J. S. Filho (Orgs.), Diálogos com Edith Stein: Filosofia, Psicologia e Educação (pp. 317-368). Paulus.
  • Barreira, C. R. A., & Coelho Júnior, A. G. (2015). De uma história oral a uma psicologia do exercício: Lições no cotidiano de uma educação física pública. In T. M. Vizú, C. I. Barbosa & C. R. A. Barreira (Orgs.), CEFER: quatro décadas de história e memória da educação física e esporte na USP Ribeirão (pp. 195-227). Diagrama.
  • Barreira, C. R. A., & Conde, E. (2016). A Psicologia do Esporte na ANPEPP: Um inédito grupo de trabalho inaugura sua participação. Revista Brasileira de Psicologia do Esporte, 6(2), 2-13. http://dx.doi.org/10.31501/rbpe.v6i2.7091
    » http://dx.doi.org/10.31501/rbpe.v6i2.7091
  • Barreira, C. R. A., & Telles, T. C. B. (2019). Reflexões sobre a violência no esporte. In K. Rubio & J. Camilo (Orgs.), Psicologia Social do Esporte (1a ed., pp. 79-104). Képos.
  • Beamish, R. (2008). Marxism, alienation and Coubertin’s Olympic project. Routledge.
  • Brière, F. N., Yale-Soulière, G., Gonzalez-Sicilia, D., Harbec, M. J., Morizot, J., Janosz, M., & Pagani, L. S. (2018). Prospective associations between sport participation and psychological adjustment in adolescents. Journal of Epidemiologic Community Health, 72(7), 575-581. http://dx.doi.org/10.1136/jech-2017-209656
    » http://dx.doi.org/10.1136/jech-2017-209656
  • Brooks, S. K., Webster, R. K., Smith, L. E., Woodland, L., Wessely, S., Greenberg, N., & Rubin, G. J. (2020). The psychological impact of quarantine and how to reduce it: Rapid review of the evidence. The Lancet, 395(10227) 912-920. https://dx.doi.org/10.1016/S0140-6736(20)30460-8
    » https://dx.doi.org/10.1016/S0140-6736(20)30460-8
  • Callieri, B. (2007). Corpo esistenze mondi: Per una psicopatologia antropologica. Edizioni Universitarie Romane.
  • Ciarleglio, M. M., Aslan, M., Proctor, S. P., Concato, J., Ko, J., Kaiser, A. P., & Vasterling, J. J. (2018). Associations of stress exposures and social support with long-term mental health outcomes among U.S. Iraq war veterans. Behavior Therapy, 49(5), 653-667. https://doi.org/10.1016/j.beth.2018.01.002
    » https://doi.org/10.1016/j.beth.2018.01.002
  • Conde, E., Filgueiras, A., Angelo, L., Pereira, A., & Carvalho, C. (2019). Psicologia do Esporte e Exercício: Modelos teóricos, pesquisa e intervenção (1a ed.). Pasavento.
  • Conway, C. C., Boudreaux, M., & Oltmanns, T. F. (2018). Dynamic associations between borderline personality disorder and stressful life events over five years in older adults. Personality Disorders: Theory, Research, and Treatment, 9(6), 521-529. https://doi.org/10.1037/per0000281
    » https://doi.org/10.1037/per0000281
  • Dastur, F., & Cabestan, P. (2015). Daseinsanálise: Fenomenologia e Psicanálise (A. Carvalho, Trad.). Via Verita.
  • Depraz, N. (2018). Le sujet de la surprise: Un sujet cardial. Zeta Books.
  • Durojaye, E., & Agaba, D. K. (2018). Contribution of the Health Ombud to accountability: The life Esidimeni tragedy in South Africa. Health and Human Rights, 20(2), 161-168.
  • Filgueiras, A., & Stults-Kolehmainen, M. (2020a). The relationship between behavioural and psychosocial factors among brazilians in quarantine due to Covid-19. http://dx.doi.org/10.2139/ssrn.3566245
    » http://dx.doi.org/10.2139/ssrn.3566245
  • Filgueiras, A., & Stults-Kolehmainen, M. (2020b). Factors linked to changes in mental health outcomes among brazilians in quarantine due to COVID-19. medRxiv. https://doi.org/10.1101/2020.05.12.20099374
    » https://doi.org/10.1101/2020.05.12.20099374
  • Gallagher, S. (2005). How the body shapes the mind. Oxford University Press.
  • Henry, M. (2012). Filosofia e fenomenologia do corpo: Ensaio sobre a ontologia biraniana (L. P. Rouanet, Trad.). É Realizações.
  • Husserl, E. (2004). De la synthèse active (J. F. Pestureau & M. Richir, Trads.). Millon. (Trabalho original publicado em 1920-1921)
  • Husserl, E. (2011). Idee per una fenomenologia pura e per una filosofia fenomenologica, Libro secondo: Ricerche fenomenologiche sopra la costitutzione, Libro terzo: La fenomenologia e i fondamenti delle scienze (E. Filippini, Trad., Vol. 2). Einaudi. (Trabalho original publicado em 1952)
  • Ivantchev, N., & Stoyanova, S. (2019). Athletes and non-athlete’s life satisfaction. Athens Journal of Sports, 6(1), 45-60. https://doi.org/10.30958/ajspo.6-1-4
    » https://doi.org/10.30958/ajspo.6-1-4
  • Kim, A. C. H., Park, S. H., Kim, S., & Fontes-Comber, A. (2020). Psychological and social outcomes of sport participation for older adults: A systematic review. Ageing & Society, 40(7), 1529-1549. https://doi.org/10.1017/S0144686X19000175
    » https://doi.org/10.1017/S0144686X19000175
  • Leder, D. (1990). The absent body. The University of Chicago Press.
  • Merleau-Ponty, M. (1945). Phénoménologie de la perception. Gallimard.
  • Minkowski, E. (2000). Breves reflexões a respeito do sofrimento: Aspecto pático da existência. Revista Latinoamericana de Psicopatologia Fundamental, 3(4), 156-164.
  • Moreira, V., Bloc, L., & Telles, T. C. B. (2019). Culture and psychopathology: Contributions of the philosophical and clinic phenomenologies. In M. Zangeneh & A. Al-Krenawi (Orgs.). Advances in Mental Health and Addiction (1a ed., pp. 301-312). Springer.
  • Morres, I. D., Hatzigeorgiadis, A., Stathi, A., Comoutos, N., Arpin-Cribbie, C., Krommidas, C., & Theodorakis, Y. (2019). Aerobic exercise for adult patients with major depressive disorder in mental health services: A systematic review and meta-analysis. Depression and Anxiety, 36(1), 39-53. https://doi.org/10.1002/da.22842
    » https://doi.org/10.1002/da.22842
  • Oh, E., & Gill, D. (2017). An examination of the relationship between team cohesion and individual anxiety among recreational soccer players. Journal of Amateur Sport, 3(2), 1-26. https://doi.org/10.17161/jas.v3i2.5883
    » https://doi.org/10.17161/jas.v3i2.5883
  • Ottoni, G., Ranieri, L. P., & Barreira, C. R. A. (2008). O posicionamento existencial frente à dor: uma aproximação fenomenológica às experiências de atletas lesionados em tratamento. Revista Brasileira de Psicologia do Esporte , 2(2), 1-32. http://dx.doi.org/10.31501/rbpe.v2i2.9282
    » http://dx.doi.org/10.31501/rbpe.v2i2.9282
  • Park, J. S., Lee, E. H., Park, N. R., & Choi, Y. H. (2018). Mental health of nurses working at a government-designated hospital during a MERS-CoV outbreak: A cross-sectional study. Archives of Psychiatric Nursing, 32(1), 2-6. https://doi.org/10.1016/j.apnu.2017.09.006
    » https://doi.org/10.1016/j.apnu.2017.09.006
  • Perrelli, M. T., Telles, T. C. B., Guimarães, J. B., & Cristo, F. (2020). Contribuição da Psicologia na gestão integral de riscos e desastres, no esporte, no trânsito e nas relações pessoa-ambiente em um cenário de pandemia. In D. Bentivi (Org.), O trabalho e as medidas de contenção da Covid-19: Contribuições da Psicologia Organizacional e do Trabalho no contexto da pandemia (1a ed., pp. 51-66, v. 3). Artmed.
  • Rice, S. M., Purcell, R., De Silva, S., Mawren, D., McGorry, P. D., & Parker, A. G. (2016). The mental health of elite athletes: A narrative systematic review. Sports Medicine, 46, 1333-1353. https://doi.org/10.1007/s40279-016-0492-2
    » https://doi.org/10.1007/s40279-016-0492-2
  • Stein, E. (1999). Psicologia e Scienze dello Spirito (A. M. Pezzela, Trad., 2a ed.). Città Nuova. (Trabalho original publicado em 1922)
  • Swann, C., Moran, A., & Piggott, D. (2015). Defining elite athletes: Issues in the study of expert performance in sport psychology. Psychology of Sport and Exercise, 16, 3-14. https://doi.org/10.1016/j.psychsport.2014.07.004
    » https://doi.org/10.1016/j.psychsport.2014.07.004
  • Tatossian, A., & Moreira, V. (2012). Clínica do Lebenswelt: Psicoterapia e psicopatologia fenomenológica. Escuta.
  • Telles, T. C. B. (2018). Corpo a corpo: Um estudo fenomenológico no karate, na capoeira e no MMA. (Tese de doutorado), Universidade de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil.
  • 1
    Estética aqui vem entendido qualitativamente como o que se refere aos sentidos.
  • 2
    Pode chegar o momento em que a ruptura deixe de ser tão marcante e a habituação ao contexto, que vem se convencionando denominar como “novo normal”, faça-o o padrão de referência mundana. Assim, deve-se considerar que a modificação é sempre relativa a um padrão partilhado intersubjetivamente e predominante.
  • 3
    Para usar uma expressão cara a fenomenologia de Michel Henry (2012Henry, M. (2012). Filosofia e fenomenologia do corpo: Ensaio sobre a ontologia biraniana (L. P. Rouanet, Trad.). É Realizações.).
  • As contribuições de Cristiano Roque Antunes Barreira para redação do artigo resultam de pesquisa financiada pela FAPESP (2019/11527-6).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    11 Dez 2020
  • Data do Fascículo
    2020

Histórico

  • Recebido
    21 Set 2020
  • Aceito
    21 Set 2020
Conselho Federal de Psicologia SAF/SUL, Quadra 2, Bloco B, Edifício Via Office, térreo sala 105, 70070-600 Brasília - DF - Brasil, Tel.: (55 61) 2109-0100 - Brasília - DF - Brazil
E-mail: revista@cfp.org.br