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O Complexo Cenário Municipal da Atenção Assistencial Para Crianças e Adolescentes

The Complex Municipal Scenario of Children and Adolescents Welfare Services

El Complejo Escenario Municipal de Atención Asistencial a Niños y Adolescentes

Resumo

Neste artigo, por meio da Análise Institucional (AI) de papel, identificamos quantas são e discutimos criticamente como funcionam as entidades públicas e privadas que atendem crianças e adolescentes considerados em “situação de risco pessoal e social” num município do interior do estado de São Paulo. Fomos indicados como representante da universidade na qual atuamos para participarmos como integrante titular do Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente (CMDCA), o que viabilizou nossa análise documental dos arquivos do CMDCA relativa às entidades assistenciais cadastradas. A revisão da bibliografia permitiu caracterizar as políticas dos direitos da criança e do adolescente na atualidade brasileira, e, com a análise documental, buscamos compreender a estrutura, modo de funcionamento, efetividade, principais problemas e desafios que enfrentam tais entidades. A análise política dos documentos das entidades assistenciais que atendem a crianças e adolescentes revelou que os problemas sociais estão sendo psicologizados e, como resposta, foram criadas pedagogias terapêuticas de base moral e relacional, focalizadas nos comportamentos, valores, atitudes e hábitos dos indivíduos atendidos. Os resultados desta pesquisa oferecem dados para orientar os gestores municipais e demais autoridades na implementação de políticas mais efetivas voltadas para o atendimento dos direitos da infância e da adolescência do município, caso queiram tomá-los em consideração.

Palavras-chave:
Psicologia Social; Análise Institucional de Papel; Entidades Assistenciais; Crianças e Adolescentes; Políticas Públicas

Abstract

Based on an institutional analysis (IA), this study identifies and critically discusses the public and private entities attending children and adolescents at “personal and social risk” from a municipality in the countryside of São Paulo. Representing the University as a member of the Municipal Council for the Rights of Children and Adolescents (MCRCA), a documental analysis was performed in MCRCA’s files to verify registered welfare services, seeking to understand the structure, functioning, effectiveness, and main problems and challenges faced by them. A literature review was also performed for characterizing the policies aimed at the rights of children and adolescents in the current Brazilian scenario. The political analysis revealed that these support entities are psychologizing social problems, which led to the development of therapeutic pedagogies of moral and relational basis focused on the behaviors, values, attitudes, and habits of assisted individuals. This study results provide data to guide municipal managers and other authorities in implementing more effective policies aimed for the rights of children and adolescents within the municipality.

Keywords:
Social Psychology; Institutional Analysis of Paper; Welfare Entities; Children and Adolescents; Public Policies

Resumen

Desde el análisis del rol institucional (IA), en este artículo identificamos cuántas son y cómo funcionan las entidades públicas y privadas que atienden a niños, niñas y adolescentes en “riesgo personal y social” en un municipio del estado de São Paulo. Como miembro del Consejo Municipal de Derechos de Niños y Adolescentes (CMDCA), en representación de la universidad, realizamos un análisis documental en los archivos del CMDCA sobre las entidades asistenciales registradas. La revisión bibliográfica nos permitió caracterizar las políticas de derechos de la niñez y adolescencia en la actualidad brasileña y, con el análisis documental, tratamos de comprender la estructura, la forma de funcionamiento, la efectividad, los principales problemas y los retos que enfrentan estas entidades. El análisis político de los documentos de estas entidades asistenciales reveló que se están psicologizando los problemas sociales y, en respuesta, se crearon pedagogías terapéuticas de base moral y relacional enfocadas en comportamientos, valores, actitudes y hábitos de las personas asistidas. Los resultados de esta investigación brindan datos para orientar a los gestores municipales y a otras autoridades en la implementación de políticas más efectivas dirigidas al cumplimiento de los derechos de la niñez y adolescencia en el municipio.

Palabras clave:
Psicología Social; Análisis del Rol Institucional; Entidades Asistenciales; Niños y Adolescentes; Políticas Públicas

O complexo cenário municipal da atenção assistencial para crianças e adolescentes

O Estatuto dos Direitos da Criança e do Adolescente (ECA) (Lei n. 8.069, 1990Lei n. 8.069, de 13 de julho de 1990. (16 jul. 1990). Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente e dá outras providências. Diário Oficial da União. http:www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8069.htm
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) completou 31 anos em 2021 e o Sistema Único de Assistência Social (SUAS) (Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome [MDS], 2005Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome. (2005). Norma Operacional Básica NOB/SUAS.) tem 16 anos de criação e de processo de implantação no país. Ambos representam importantes conquistas legais e institucionais na direção da construção de uma cultura democrática e cidadã, pautada nos direitos civis, políticos e sociais, e colocam em movimento um conjunto de grandes transformações na realidade brasileira. Passados 31 anos da promulgação do ECA, como está a implantação de políticas públicas sociais para crianças e adolescentes no Brasil? Será que o trabalho social de atendimento assistencial realizado por entidades assistenciais públicas e privadas tem se pautado pelo paradigma da Proteção Integral do ECA, pelo paradigma da Proteção Social do SUAS e pelo respeito à condição de cidadão de direitos que, de acordo com a Constituição Federal, seria própria das crianças e adolescentes brasileiros?

Consideramos que há um lento, conflituoso e contraditório processo histórico de institucionalização e de construção de uma política nacional para crianças e adolescentes, o que se evidencia por meio de um conjunto de documentos oficiais (Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente [Conanda], 2006aConselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente. (2006a). Resolução n. 113, de 19 de abril de 2006. Dispõe sobre os parâmetros para a institucionalização e fortalecimento do Sistema de Garantia dos Direitos da Criança e do Adolescente., 2006bConselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente. (2006b). Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo - SINASE., 2010aConselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente. (2010a). Construindo a Política Nacional dos Direitos Humanos de Crianças e Adolescentes e o Plano Decenal dos Direitos Humanos de Crianças e Adolescentes, 2011 - 2020., 2010bConselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente. (2010b). Princípios da Política Nacional dos Direitos Humanos de crianças e adolescentes no Brasil.; Secretaria Especial de Direitos Humanos, 2010Secretaria Especial de Direitos Humanos. (2010). Direitos humanos de crianças e adolescentes - 20 anos do Estatuto.; Decreto n. 12.594, 2012Decreto n. 12.594, de 18 de janeiro de 2012. (19 jan. 2012). Institui o Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (SINASE). Diário Oficial da União. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2011-2014/2012/Lei/L12594.htm
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; MDS, 2006Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome. (2006). Plano Nacional de Convivência Familiar e Comunitária.) de órgãos públicos que compõem esse campo institucional (Benelli, 2014bBenelli, S. J. (2014b). Entidades assistenciais socioeducativas: a trama institucional. Vozes., 2016Benelli, S. J. (2016). O atendimento socioassistencial para crianças e adolescentes: perspectivas contemporâneas. Unesp Digital.). O Estado brasileiro produziu o Código de Menores (Decreto n. 6.697, 1979Decreto n. 6.697, de 10 de outubro de 1979. (11 out. 1979). Institui o Código de Menores. Diário Oficial da União. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/1970-1979/L6697.htm
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; Decreto n. 17.943-A, 1927Decreto n. 17.943-A, de 12 de outubro de 1927. (12 out. 1927). Consolida as leis de assistencia e protecção a menores. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1910-1929/d17943a.htm
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) e também o ECA (Lei n. 8.069, 1990Lei n. 8.069, de 13 de julho de 1990. (16 jul. 1990). Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente e dá outras providências. Diário Oficial da União. http:www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8069.htm
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), de modo que nos dois primeiros as crianças e os adolescentes pobres eram considerados menores em situação irregular e passíveis de internações supostamente ressocializadoras, segundo uma perspectiva repressiva e correcional que visava proteger a sociedade. Já o novo ordenamento jurídico caracteriza explicitamente todas as crianças e adolescentes como sujeitos cidadãos dotados de direitos, aos quais a sociedade deve oferecer Proteção Integral, mas não oferece uma conceituação clara da Proteção Integral, tampouco uma definição sobre qual modelo institucional deveria implementá-la no contexto da sociedade brasileira.

Não se trata de um campo pacífico. Mendonça (2002Mendonça, M. H. M. (2002). O desafio da política de atendimento à infância e à adolescência na construção de políticas públicas eqüitativas. Cadernos de Saúde Pública, 18(suppl.), 113-120). https://doi.org/10.1590/S0102-311X2002000700012
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) analisou a nova política social que se configurou pela assimilação da noção de proteção social integral com vistas à equidade. Seus pressupostos marcaram a reforma social contida no texto constitucional (1988) e nas leis regulamentadoras dos direitos assegurados - Assistência Social, Saúde e Educação públicas - dos anos 1990. A autora verificou um processo de reordenação da política de assistência pública para a população jovem pobre compatível com alguns avanços dos indicadores sociais de vulnerabilidade nas áreas da saúde, educação e trabalho da década. Contudo, considerou que essa reorientação renovou a tensão entre a focalização nos segmentos mais vulneráveis, com seletividade das ações a serem oferecidas, e a universalização com integralidade da proteção social.

Perez e Passone (2010Perez, J. R. R., & Passone, E. F. (2010). Políticas sociais de atendimento às crianças e aos adolescentes no Brasil. Cadernos de Pesquisa, 40(140), 649-67. https://doi.org/10.1590/S0100-15742010000200017
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) apresentam e analisam criticamente a emergência e o desenvolvimento das políticas sociais de atendimento infanto-juvenil concomitantes ao desenvolvimento do sistema de proteção social nacional, com foco em algumas das principais representações atribuídas à infância, de acordo com o período histórico e político de cada época. Buscam apresentar a noção de infância instituída com a constituição do aparato do Estado de bem-estar brasileiro, de forma a situá-la em um contexto mais amplo de transformações históricas e políticas que envolveram a emergência e consolidação das políticas sociais destinadas ao atendimento à criança e ao adolescente no Brasil ao longo do século XX e no início do século XXI. Silva e Hüning (2017Silva, A. K., & Hüning, S. M. (2017). Propostas de redução da idade penal no Brasil e o Estatuto da Criança e do Adolescente. Estudos de Psicologia, 22(2), 235-246. http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1413-294X2017000200012&lng=pt&nrm=iso
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) problematizam um conjunto de propostas de redução da idade penal no Brasil que tensionam o ECA, apresentando uma série de críticas à suposta ineficácia desta lei. De acordo com as autoras, analisando as propostas de Emenda Constitucional apresentadas pela Câmara de Deputados entre 1993 e 2013, tais críticas não são produzidas no sentido de ampliar a efetivação das atuais políticas, mas de instrumentar o recrudescimento punitivo a partir da desqualificação do Estatuto.

No cenário brasileiro em geral, há numerosas iniciativas, públicas e privadas, inclusive aquelas do chamado “Terceiro Setor” (E. R. N. Barbosa, 2003Barbosa, E. R. N. (2003). A responsabilidade social das empresas e os projetos sociais: filantropia ou emancipação social? [Tese de Doutorado, Universidade Estadual Paulista]. Repositório Institucional Unesp. https://repositorio.unesp.br/handle/11449/106115
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; Montaño, 2007Montaño, C. E. (2007). Terceiro setor e questão social: crítica ao padrão emergente de intervenção social. Cortez., 2014Montaño, C. E. (Org.). (2014). O canto da Sereia: crítica à ideologia e aos projetos do “Terceiro Setor”. Cortez.), cuja finalidade consiste em implantar e operar tanto a política nacional para crianças e adolescentes quanto a política nacional de Assistência Social, de forma que esta é responsável, em boa medida, pela concretização das propostas para crianças e adolescentes, além das áreas da saúde e da educação. Já se encontra disponível certo número de trabalhos que procuram avaliar como estão sendo desenvolvidas essas políticas em diversos lugares do país (Oliveira, Medeiros, & Moreira, 2014Oliveira, I. M., Medeiros, A. A. A., & Moreira, M. R. A. (Orgs.). (2014). Direitos da criança e do adolescente: defesa, controle democrático, políticas de atendimento e formação de conselheiros em debate. EDUFRN.; Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República [SDH/PR], 2013Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República. (2013). Assim caminha o ECA: capacitação de profissionais da rede de atendimento para a promoção, defesa e garantia dos direitos da criança e do adolescente.; Sousa, 2013Sousa, S. M. G. (Org.). (2013). Adolescentes autores de atos infracionais: estudos psicossociais. PUC Goiás.; Ribas Junior, 2011Ribas Junior, F. (org.). (2011). Conhecer para transformar: guia para diagnóstico e planejamento da política municipal de proteção integral das crianças e adolescentes. Fundação Telefônica.; Fischer & Schoenmaker, 2010Fischer, R. M., & Schoenmaker, L. (2010). Retratos dos direitos da criança e do adolescente no Brasil: pesquisa de narrativas sobre a aplicação do ECA. Ceats/FIA.; Assis, Silveira, Barcinski, & Santos, 2009Assis, S. G., Silveira, L. M. B., Barcinski, M., & Santos, B. R. (Orgs.). (2009). Teoria e prática dos conselhos tutelares e conselhos dos direitos da criança e do adolescente. Fundação Oswaldo Cruz; Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca.; Almeida, Soares, Pougy, & Souza Filho, 2008Almeida, S. S., Soares, L. T., Pougy, L. G., & Souza Filho, R. (2008). Da avaliação de programas sociais à constituição de políticas públicas: a área da criança e do adolescente. UFRJ.).

A perspectiva oficial da Psicologia no Brasil sobre a política para crianças e adolescentes

A Psicologia, como ciência e profissão, como campo de saberes, práticas e ética, manifesta grande atenção para o tema das políticas sociais de atendimento à criança e ao adolescente, como se constata pela existência de grupos de trabalhos no âmbito do Sistema Conselhos (Conselho Federal de Psicologia [CFP], 2009Conselho Federal de Psicologia. (2009). Serviço de proteção social a crianças e adolescentes vítimas de violência, abuso e exploração sexual e suas famílias: referências para a atuação do psicólogo., 2010Conselho Federal de Psicologia. (2010). Referências técnicas para atuação de psicólogos no âmbito das medidas socioeducativas em unidades de internação., 2012Conselho Federal de Psicologia. (2012). Referências técnicas para atuação do psicólogo em medidas socioeducativas em meio aberto., 2013Conselho Federal de Psicologia. (2013). Redução da idade penal: socioeducação não se faz com prisão., 2015Conselho Federal de Psicologia. (2015). Mitos e verdades sobre a Justiça Infanto Juvenil Brasileira: por que somos contrários à redução da maioridade penal?, 2016Conselho Federal de Psicologia. (2016). Estatuto da Criança e do Adolescente: refletindo sobre sujeitos, direitos e responsabilidades., 2021Conselho Federal de Psicologia. (2021). Caderno de Artigos ECA: 30 anos. https://site.cfp.org.br/wp-content/uploads/2020/07/Acesse-aqui.pdf
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; Conselho Regional de Psicologia da 6ª Região [CRPSP], 2007Conselho Regional de Psicologia da 6ª Região. (2007). A psicologia promovendo o ECA: reflexões sobre o sistema de garantia de direitos da criança e do adolescente., 2010Conselho Regional de Psicologia da 6ª Região. (2010). A gente tem a ver com isso: a psicologia e sua interface com os direitos das crianças e dos adolescentes.). O CFP conta com a Comissão de Direitos Humanos, a Comissão Nacional de Psicologia na Assistência Social e também com outros grupos específicos dos Conselhos Regionais (CRP) que se ocupam dessa questão. No CRPSP, por exemplo, existe o Núcleo de Defesa de Direitos: Criança e Adolescente, especificamente dedicado ao tema, e ainda o mais amplo Núcleo Setorial de Assistência Social, que também contempla questões relacionadas. A política de Assistência Social constitui um operador primordial de grande parte das políticas sociais, inclusive para crianças e adolescentes. Em 2018, o CFP publicou uma notícia na qual expressa sua perspectiva institucional oficial sobre o aniversário do ECA:

A criança e o adolescente como sujeitos de direitos. A criança e o adolescente como sujeitos de direitos e desenvolvimento com autonomia. Essas são as bases do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), que completa 28 anos nesta sexta-feira (13). A Psicologia sempre defendeu esses princípios na construção de políticas públicas relacionadas à infância e à adolescência. Algumas propostas legislativas, no entanto, têm tentado reduzir direitos ao invés de implementar os já previstos no ECA. A Psicologia defende a proteção integral da criança e do adolescente, porque esse conceito está vinculado às garantias necessárias para a promoção do desenvolvimento integral. Deveríamos estar comemorando muitas conquistas neste 13 de julho, nos 28 anos do ECA, mas ainda precisamos focar na pauta da manutenção e na defesa do ECA como marco legal e referência para as políticas públicas. A Psicologia continua mobilizada e comprometida com a defesa do ECA. A Assembleia Geral da ONU adotou em 1989 a Convenção sobre os Direitos da Criança, ratificada em 1990 pelo Brasil. A Constituição de 1988 já garantia, no artigo 227, a prioridade absoluta da infância e da adolescência (Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 [CF], 1998Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. (5 out. 1988). Diário Oficial da União. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm
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). Em 1990, o país traduziu esses princípios em uma legislação completa e detalhada, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). O estatuto, alterado algumas vezes, reconhece direitos e garante que as crianças e adolescentes brasileiros, então reconhecidos como objetos de intervenção da família e do Estado, passem a ser levados a sério e tratados como prioridade absoluta. Crianças são cidadãos em desenvolvimento que precisam de proteção, ensino, lazer, saúde, políticas públicas de atendimento à infância e juventude, proteção contra a violência e proibição do trabalho infantil (CFP, 2018Conselho Federal de Psicologia. (2018). Estatuto da Criança e do Adolescente aos 28 anos: A criança e o adolescente como sujeitos de direitos. https://site.cfp.org.br/estatuto-da-crianca-e-do-adolescente-aos-28-anos/
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).

A posição oficial do CRPSP (2014Conselho Regional de Psicologia da 6ª Região. (2014). Carta pela não criminalização da infância e da adolescência. https://bit.ly/3DAOhQi
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) sobre os direitos de crianças e adolescentes também foi publicada numa carta oficial que propõe a não criminalização da infância e da adolescência:

Na psicologia, muito se fala da condição das crianças e adolescentes enquanto pessoas em desenvolvimento, o que as coloca em um patamar especial, devendo ser alvo de políticas de proteção e promoção de saúde, educação, lazer entre outros direitos com total prioridade sobre outras demandas sociais. A Constituição Federal de 1988 (CF, 1988Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. (5 out. 1988). Diário Oficial da União. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm
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), em consonância com esta condição da criança e adolescente, classifica como inimputáveis penalmente pessoas com menos de 18 anos de idade. O ECA, Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei Federal nº. 8069, de 13 de julho de 1990), por sua vez, propôs a responsabilização do adolescente (de 12 a 18 anos de idade) autor de ato infracional, prevendo seis diferentes medidas de caráter socioeducativo (Capítulo IV, artigos 112, 113 e 114). Nos casos de maior gravidade é previsto, inclusive, que o adolescente poderá cumprir medida socioeducativa de privação de liberdade. Portanto, o ECA não propõe impunidade. Observa-se grande mobilização da mídia a cada caso de violência cometida por criança e adolescente, trazendo à tona a discussão sobre redução da maioridade penal e penas mais duras aos jovens em conflito com a lei. É alimentada a ideia de que os jovens em conflito com a lei se beneficiariam de uma suposta impunidade, cometendo assim mais crimes ou crimes de natureza mais hedionda. Dentro desta lógica punitiva, o julgamento de adolescentes como adultos ou penas mais duras nos casos de crimes graves evitariam a ocorrência de crimes. No entanto, esta lógica ignora os determinantes sociais e históricos que geram a criminalidade, além de desresponsabilizar o Estado e a sociedade pela promoção de melhores condições ao desenvolvimento de crianças e adolescentes. Sabe-se que, na maioria dos casos, a punição contra atos infracionais recai sobre populações de baixa renda, comumente em situação de vulnerabilidade social, leia-se, portanto: quando o Estado e a sociedade não garantem condições de acesso a direitos básicos. É notória a frequência com que se judicializa e/ou se patologiza o jovem que está inserido em um contexto social de privação de direitos fundamentais. Isso posto, o que temos é a caracterização de um Estado que se engendra violador de direitos na medida em que, como resposta aos atos infracionais, apresenta a institucionalização de adolescentes em locais onde há violações de direitos, sob o pretexto de “reeducá-los” e “reinseri-los”, opera na lógica dos aparelhos de controle e opressão ou, como nos casos de internações compulsórias em instituições de caráter asilar que, por sua vez, amparadas pelo discurso do combate à dependência química, recorrentemente adota procedimentos que alienam o sujeito não apenas de sua própria subjetividade, mas, também de seu direito ao convívio familiar e comunitário bem como de outras tantas violências e violações que destas se somam as anteriores. No tocante aos atos infracionais - mesmo os graves - entendemos que refutar quaisquer proposições que evoquem a redução da maioridade penal não significa alienar as/os adolescentes das medidas de responsabilização já previstas, mas, garantir que em seu cumprimento não lhes sejam aviltados direitos, sobretudo, à dignidade. O CRP SP se posiciona contrário a quaisquer violências e/ou violações de direitos, sobretudo àquelas relacionadas à infância e à juventude e considera a criminalização de crianças e adolescentes uma forma de desresponsabilizar Estado e sociedade do seu papel de proteção e promoção de direitos.

Consideramos que o processo de produção proteção-desproteção-atenção assistencial para crianças e adolescentes no âmbito da Assistência Social deriva de complexos processos psicossociais que, por isso, demandam uma abordagem interdisciplinar, transdisciplinar e intersetorial, de alta complexidade. Há diversos projetos paradigmáticos alternativos e contraditórios que lutam pela hegemonia na área. Postulamos que a ausência de clareza política e ética quanto aos objetivos institucionais da política nacional dos direitos da criança e do adolescente no país (Lei n. 8.069, 1990Lei n. 8.069, de 13 de julho de 1990. (16 jul. 1990). Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente e dá outras providências. Diário Oficial da União. http:www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8069.htm
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) e o desconhecimento sobre a dinâmica histórica da produção social da pobreza em suas variadas formas, da produção da exclusão social dos pobres de todas as idades, bem como das respostas da sociedade e do Estado ao equacionamento da questão social (MDS, 2005Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome. (2005). Norma Operacional Básica NOB/SUAS.), são obstáculos para a compreensão da situação atual e para a escolha dos rumos a seguir. Uma análise crítica que se proponha mapear a complexidade do campo assistencial pode ser uma contribuição útil, longe de qualquer atitude onipotente.

A Análise Institucional (AI) de papel como metodologia de investigação

Por meio da Análise Institucional (AI) de papel, identificamos quantas são e discutimos criticamente como funcionam as entidades públicas e privadas que atendem crianças e adolescentes considerados em “situação de risco pessoal e social” num município do interior do estado de São Paulo. Como integrante titular do Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente (CMDCA) desde 2016, realizamos uma análise documental nos arquivos do CMDCA relativa às entidades assistenciais cadastradas. Por meio da análise da bibliografia, caracterizamos as políticas dos direitos da criança e do adolescente na atualidade brasileira e, com a análise documental, buscamos compreender a estrutura, modo de funcionamento, efetividade, principais problemas e desafios que tais entidades enfrentam.

As entidades assistenciais socioeducativas para crianças e adolescentes do município estão seguindo novos caminhos a partir do ECA (Lei n. 8.069, 1990Lei n. 8.069, de 13 de julho de 1990. (16 jul. 1990). Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente e dá outras providências. Diário Oficial da União. http:www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8069.htm
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) e do SUAS (MDS, 2005Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome. (2005). Norma Operacional Básica NOB/SUAS.) ou ainda trilham antigas veredas? Para responder a essa questão, procedemos a um levantamento de informações relativas às entidades assistenciais públicas e privadas que oferecem atendimento assistencial à criança e ao adolescente, por meio dos arquivos do CMDCA do município. Trata-se de uma pesquisa documental dos arquivos do CMDCA que utiliza a AI de papel. Sua realização foi apreciada e aprovada tanto pelo plenário do CMDCA quanto pelo Comitê de Ética por meio do parecer número 2.424.113, CAAE: 79975117.5.0000.5401, de 08 de dezembro de 2017. A partir da revisão da bibliografia, contextualizamos o caso desse município no cenário nacional da construção de políticas públicas para crianças e adolescentes.

A AI representa uma importante estratégia de pesquisa e de intervenção no âmbito acadêmico brasileiro, conforme a literatura disponível (Altoé, 2004Altoé, S. (Org.). (2004). René Lourau: analista institucional em tempo integral. Hucitec.; Benelli, 2006Benelli, S. J. (2006). Pescadores de homens: estudo psicossocial de um seminário católico. Unesp., 2013Benelli, S. J. (2013). Análise psicossocial da formação do clero católico. Annablume; Fapesp., 2014bBenelli, S. J. (2014b). Entidades assistenciais socioeducativas: a trama institucional. Vozes., 2016Benelli, S. J. (2016). O atendimento socioassistencial para crianças e adolescentes: perspectivas contemporâneas. Unesp Digital.; Baremblitt, 2012Baremblitt, G. F. (2012). Compêndio de análise institucional e outras correntes: teoria e prática. IFG.; L’Abbate, 2002L’Abbate, S. (2002). A análise institucional e a saúde coletiva. Ciência e Saúde Coletiva, 8(1), 265-274. https://doi.org/10.1590/S1413-81232003000100019
https://doi.org/10.1590/S1413-8123200300...
, 2012L’Abbate, S. (2012). Análise Institucional e Intervenção: breve referência à gênese social e histórica de uma articulação e sua aplicação na Saúde Coletiva. Mnemosine, 8(1), 194-219.; L’Abbate, Mourão, & Pezzato, 2014L’Abbate, S., Mourão, L. C., & Pezzato, L. M. (Orgs.). (2014). Análise institucional e saúde coletiva. Hucitec.). Trata-se de um referencial teórico, técnico, ético e político importante que compõe nossa formação enquanto psicólogo psicossocial que atua e pesquisa nas áreas de políticas públicas para crianças e adolescentes e de Assistência Social. A AI de papel é uma possibilidade de investigação que propõe a aplicação de seus conceitos-ferramentas a fim de produzir um conhecimento sobre uma dada instituição. Isso é realizado com base em materiais diversos que podem incluir, por exemplo, textos a respeito de uma instituição e de seus estabelecimentos, seu regimento interno, suas regras, seus cronogramas de trabalho. Alguns exemplos de trabalhos realizados a partir dessa perspectiva seriam os de Benelli (2006Benelli, S. J. (2006). Pescadores de homens: estudo psicossocial de um seminário católico. Unesp., 2013Benelli, S. J. (2013). Análise psicossocial da formação do clero católico. Annablume; Fapesp., 2014bBenelli, S. J. (2014b). Entidades assistenciais socioeducativas: a trama institucional. Vozes., 2015Benelli, S. J. (2015). A lógica da internação: instituições totais e disciplinares (des)educativas. Unesp Digital.; Benelli & Proença, 2017Benelli, S. J., & Proença, F. A. (2017). O processo de institucionalização da criança e do adolescente no contexto brasileiro e português. In O. C. Mattioli & M. F. Araújo (Orgs.), Gênero, violência e Psicologia: um percurso pelas políticas públicas (pp. 71-96). CRV.; Benelli & Silva, 2016Benelli, S. J., & Silva, S. I. M. (2016). Subjetividade na Renovação Carismática Católica: mecanismos de funcionamento e de sua produção. Psicologia: Ciência e Profissão, 36(3), 1-15. https://doi.org/10.1590/1982-3703001432014
https://doi.org/10.1590/1982-37030014320...
, 2017Benelli, S. J., & Silva, S. I. M. (2017). Análise institucional “no papel” do movimento da Renovação Carismática Católica. Revista Eclesiástica Brasileira, 1(305), 94-128. https://doi.org/10.29386/reb.v77i305.117
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).

Segundo Solange L’Abbate (2012L’Abbate, S. (2012). Análise Institucional e Intervenção: breve referência à gênese social e histórica de uma articulação e sua aplicação na Saúde Coletiva. Mnemosine, 8(1), 194-219., p. 198), na AI de papel “há um profissional que assume o papel de perito que fornece um diagnóstico, elucidando problemas da organização. No caso de trabalho acadêmico, um estudioso que realiza uma análise de cunho teórico sobre uma determinada organização”. Consoante esse direcionamento da autora, realizamos uma problematização analítica e crítica do processo institucional que envolve crianças e adolescentes no âmbito da política pública de Assistência Social num município paulista. Com essa finalidade, foram utilizados dois tipos de literatura como material de análise e confronto de informações: documental e bibliográfica.

No âmbito da pesquisa documental, entendemos que a AI permite que formulemos um campo de análise temático específico, que está recortado como políticas públicas de atenção aos direitos da criança e do adolescente, no Brasil e no município pesquisado. Essa abordagem teórico-técnica permite a problematização de saberes, de poderes e de sujeitos, de discursos e de práticas, de modo a possibilitar a captação de um determinado problema em sua complexidade e movimento histórico. Assim, aplicamos o aparelho conceitual da AI a um campo de análise específico, intencionalmente recortado. Trata-se de um exercício denominado “análise institucional de papel”, distinto da Socioanálise (Baremblitt, 2012Baremblitt, G. F. (2012). Compêndio de análise institucional e outras correntes: teoria e prática. IFG.; Lourau, 1996Lourau, R. (1996). A análise institucional. Vozes.). Para esclarecermos a diferença entre uma Socioanálise tradicional, proposta por Baremblitt (2012Baremblitt, G. F. (2012). Compêndio de análise institucional e outras correntes: teoria e prática. IFG.), e nossa pesquisa, denominada AI de papel, pode ser útil uma descrição sumária da Socioanálise standard (padrão), que corresponde a:

. . . um serviço oferecido desde posições mais ou menos clássicas, convencionais, habituais, dentro do panorama social. É o que se dá como serviço oferecido na condição de profissional liberal ou autônomo, na condição de sociedade científica - uma sociedade científica de AI que oferece trabalhos, por exemplo; é o exercício oferecido por um estabelecimento de prestação de serviços privados, um instituto de AI que pode ser uma sociedade anônima de responsabilidade limitada ou uma microempresa; é o que pode ser oferecido por um departamento especial de uma faculdade, um departamento de AI numa universidade (Baremblitt, 2012Baremblitt, G. F. (2012). Compêndio de análise institucional e outras correntes: teoria e prática. IFG., p. 91).

Na Socioanálise, é importante analisar a produção da demanda, a encomenda/pedido e aspectos da gestão antes da intervenção propriamente dita, pois esses são elementos centrais para análise. Na AI de papel, por sua vez, não há uma encomenda por parte da organização, na medida em que a demanda é do pesquisador - embora possa haver interesse e abertura para uma proposta de pesquisa, quando apresentada. O pesquisador vai a campo para colecionar documentos e, em alguns casos, para observar a realidade institucional, mas é na universidade, por meio da pesquisa acadêmica, que objetiva compreender e desvelar um conjunto de fenômenos daquela instituição que não são conhecidos e, eventualmente, nem são problematizados.

Entendemos que a AI, na amplitude e complexidade com que a empregamos, constitui uma ferramenta de análise potente, que pode ser aplicada de modo frutífero a um determinado conjunto de documentos. Tanto Lourau (1996Lourau, R. (1996). A análise institucional. Vozes.) e Baremblitt (2012Baremblitt, G. F. (2012). Compêndio de análise institucional e outras correntes: teoria e prática. IFG.) quanto Benelli (2014bBenelli, S. J. (2014b). Entidades assistenciais socioeducativas: a trama institucional. Vozes., 2016Benelli, S. J. (2016). O atendimento socioassistencial para crianças e adolescentes: perspectivas contemporâneas. Unesp Digital.) trabalharam intensamente com análises da literatura, o que é perfeitamente adequado a partir de suas perspectivas teóricas e metodológicas. É nessa vereda que nos localizamos esta pesquisa, considerando o referencial da AI e incluindo tais autores. A literatura é composta por documentos, que seriam materiais que não receberam tratamento acadêmico. Já a literatura propriamente acadêmica pode ser denominada de bibliografia, pois inclui trabalhos produzidos no âmbito da organização acadêmica universitária, conforme propõem Calado e Ferreira (2006Calado, S. S., & Ferreira, S. C. R. (2006). Análise de documentos: método de recolha e análise de dados [Notas de aula da disciplina Metodologia da Investigação I da Universidade de Lisboa]. http://www.educ.fc.ul.pt/docentes/ichagas/mi1/analisedocumentos.pdf
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), Corsetti (2006Corsetti, B. (2006). A análise documental no contexto da metodologia qualitativa: uma abordagem a partir da experiência de pesquisa do Programa de Pós-Graduação em Educação da Unisinos. Unirevista, 1(1), 32-46.), Lima e Mioto (2007Lima, C. S., & Mioto, R. C. T. (2007). Procedimentos metodológicos na construção do conhecimento científico: a pesquisa bibliográfica. Katálysis, 10(n. esp.), 37-45. https://periodicos.ufsc.br/index.php/katalysis/article/view/S1414-49802007000300004/5742
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) e Palharini (2010Palharini, C. (2010). Investigando a pesquisa documental [Apresentação em slides]. http://cristianopalharini.files.wordpress.com/2010/01/pesquisa-documental.pdf
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).

Sá-Silva, Almeida e Guindani (2009Sá-Silva, J. R., Almeida, C. D., & Guindani, J. F. (2009). Pesquisa documental: pistas teóricas e metodológicas. Revista Brasileira de História & Ciências Sociais, 1(1), 1-11. https://periodicos.furg.br/rbhcs/article/view/10351
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) apresentam uma conceituação da pesquisa com documentos discutindo divergências teóricas no campo das ciências humanas, posto que alguns autores apontam seus aspectos negativos e outros, seus aspectos positivos, bem como alguns a caracterizam como um método, outros, como uma técnica e outros simplesmente a nomeiam como uma análise. Ao discorrerem sobre essas diferenças, os autores concluem de forma plural: “a pesquisa documental é um procedimento que utiliza de métodos e técnicas para a apreensão, compreensão e análise de documentos dos mais variados tipos” (Sá-Silva et al., 2009Sá-Silva, J. R., Almeida, C. D., & Guindani, J. F. (2009). Pesquisa documental: pistas teóricas e metodológicas. Revista Brasileira de História & Ciências Sociais, 1(1), 1-11. https://periodicos.furg.br/rbhcs/article/view/10351
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, p. 5). Sobre a importância desse tipo de pesquisa, afirmam que o documento permite ao pesquisador o acesso a elementos importantes para a contextualização histórica e cultural do tema investigado, bem como “permite acrescentar a dimensão do tempo à compreensão do social. A análise documental favorece a observação do processo de maturação ou de evolução de indivíduos, grupos, conceitos, conhecimentos, comportamentos, mentalidades, práticas, entre outros” (Sá-Silva et al., 2009Sá-Silva, J. R., Almeida, C. D., & Guindani, J. F. (2009). Pesquisa documental: pistas teóricas e metodológicas. Revista Brasileira de História & Ciências Sociais, 1(1), 1-11. https://periodicos.furg.br/rbhcs/article/view/10351
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, p. 2). Também afirmam que toda pesquisa que utiliza documentos - como livros, revistas de divulgação, folhetos, fôlderes, cartazes, atas, relatórios, impressos em geral etc. - pode ser denominada “estratégia documental”. Dessa forma, tanto a pesquisa documental como a bibliográfica utilizam a estratégia documental. Entretanto, de acordo com tais autores, há diferenças entre esses dois tipos de pesquisa, justamente porque o conceito de documento é amplo.

A pesquisa denominada bibliográfica é aquela que trata diretamente de fontes científicas, como livros, teses, artigos científicos e revistas acadêmicas, ou seja, documentos elaborados com finalidade científica e acadêmica. Em contrapartida, a pesquisa denominada documental consiste na análise de documentos que não receberam tratamento ou análise científica, como relatórios e apostilas não publicadas sobre a formação de participantes de alguma instituição, gravações, filmes, cartas, planilhas de eventos, leis, decretos, cartilhas, textos oficiais publicados por órgão do governo etc.; ou seja, uma consiste na busca por fontes secundárias que já foram analisadas por outros autores e a outra, na busca por fontes primárias, que exigem um trabalho sobre materiais que ainda não foram tratados cientificamente (Sá-Silva et al., 2009Sá-Silva, J. R., Almeida, C. D., & Guindani, J. F. (2009). Pesquisa documental: pistas teóricas e metodológicas. Revista Brasileira de História & Ciências Sociais, 1(1), 1-11. https://periodicos.furg.br/rbhcs/article/view/10351
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). Em nossa investigação, portanto, trabalhamos a partir dessa distinção técnica.

Para a realização da análise dos resultados obtidos a partir da literatura documental e da bibliografia acadêmica relativos a nossa investigação, empregamos a teoria e os conceitos que compõem a AI, bem como as perspectivas propostas por Foucault em Vigiar e punir (1999Foucault, M. (1999). Vigiar e punir: nascimento da prisão. Vozes.) quanto às relações entre disciplina, instituições e discursos. Também nos pautamos nos trabalhos realizados por Benelli (2014bBenelli, S. J. (2014b). Entidades assistenciais socioeducativas: a trama institucional. Vozes., 2016Benelli, S. J. (2016). O atendimento socioassistencial para crianças e adolescentes: perspectivas contemporâneas. Unesp Digital.) para discutir aspectos da pesquisa. Esses referenciais teórico-analíticos permitiram a elaboração de categorias que nos possibilitaram organizar o conteúdo dos documentos encontrados, assim como realizar sua análise. Procuramos detectar quais são seus referenciais teórico-metodológicos e, igualmente, avaliar qual a concepção política do projeto socioeducativo das entidades assistenciais do município.

Além do campo de análise, empregamos, quando pertinente, alguns dos operadores da AI para a leitura analítica da literatura colecionada, que serão apresentados de forma progressiva, discutidos e problematizados a fim de apreender o modo de funcionamento da política dos direitos para crianças e adolescentes. Considera-se o discurso como a dimensão naturalizada e implícita de cada formação histórica, de cada prática e também de cada disciplina. A AI (Altoé, 2004Altoé, S. (Org.). (2004). René Lourau: analista institucional em tempo integral. Hucitec.; Baremblitt, 2012Baremblitt, G. F. (2012). Compêndio de análise institucional e outras correntes: teoria e prática. IFG.; Barus-Michel, 2004Barus-Michel, J. (2004). O sujeito social. PUC Minas.; Costa-Rosa, 2000Costa-Rosa, A. (2000). O Modo Psicossocial: um paradigma das práticas substitutivas ao modo asilar. In P. D. C. Amarante (Org.), Ensaios: Subjetividade, saúde mental e sociedade. (pp. 141-168). Fiocruz.; Lourau, 1996Lourau, R. (1996). A análise institucional. Vozes.) permite-nos compreender o lugar e a potência do discurso como enunciado ideológico universalizante. O discurso, nessa perspectiva, é lacunar e aspira à verdade imutável. Suas lacunas remetem à estrutura contraditória e de dominação e, nesse sentido, escondem/revelam o não dito em que se sustenta a formação social institucional a que se refere. Essa característica dos discursos institucionais como enunciados decorre da própria função da ideologia nas sociedades caracterizadas por fortes interesses antagônicos. Ela visa garantir a hegemonia da visão de mundo e dos interesses de uma parcela da sociedade, como se fossem compartilhados por todo o bloco social. Assim, discursos-verdades são produtores de realidade social e de subjetividade.

O discurso pode ser entendido como o que universaliza o particular dos objetos históricos, porque ele, como enunciado, aspira ao estatuto de um dito absolutamente separado do dizer que o produz; ele atravessa diferentes performances verbais e práticas não discursivas e discursivas, de modo que caracteriza determinada época histórica. É possível considerar o discurso em sua materialidade histórica e tomá-lo como uma positividade passível de análise. Uma importante estratégia contra-hegemônica consiste em compreender, explicar e desnaturalizar as formas de dominação, demonstrando como seus discursos são produzidos de modo histórico e contextualizado, o que evidencia que as coisas estão como estão justamente porque foram construídas assim, mas poderiam ser de muitos outros modos.

As entidades assistenciais de atendimento de crianças e adolescentes considerados em “situação de risco” no município

De acordo com os documentos localizados nos arquivos do CMDCA, as entidades assistenciais privadas do município foram criadas em diferentes épocas e por diversas razões. Os documentos revelam que o conjunto dessas entidades assistenciais foi fundado por motivações religiosas e/ou humanitárias de determinados grupos sociais, como se pode verificar comumente na história das práticas assistenciais desenvolvidas no Brasil ao longo do tempo. As entidades assistenciais cujos documentos encontramos nos arquivos do CMDCA totalizam 25: as privadas (19) foram fundadas por grupos de pessoas que pertencem à religião católica (6), espírita (3) e evangélica (3), aos clubes de serviços (Rotary, Lions, Maçonaria) (2), ao empresariado filantrópico (2), à área da educação (1), à área cultural (2) e, bem poucas, ao poder público municipal (6), a saber: Centro de Referência de Assistência Social (CRAS) (4), Centro de Referência Especializado de Assistência Social (CREAS) (1), Casa de Acolhimento Institucional (1).

As entidades assistenciais públicas começaram a ser criadas após a institucionalização do SUAS, quando da formalização dos vínculos do município com o Governo Federal por meio do Plano de Ação para o Cofinanciamento do Governo Federal - Sistema Único de Assistência Social, para operar no nível da gestão básica da política nacional de Assistência Social. Três dessas entidades cujos documentos constam nos arquivos estariam sem certificação do CMDCA no ano de 2018, por várias razões, sobretudo por suas dificuldades em se enquadrar nas exigências legais. De modo geral, de acordo com os documentos, depreende-se que o conjunto composto por essas entidades surgiu para “ajudar os pobres”, “para oferecer apoio social para as pessoas carentes”, “para fazer o bem aos necessitados”, “para prevenir a criminalidade e a delinquência dos menores”, “para ajudar a arrumar o primeiro emprego”, “para formar cidadãos de bem e úteis para a sociedade”, como se costuma enunciar nesse meio institucional.

Pode-se considerar que a maioria das entidades assistenciais privadas, quanto ao regime de atendimento previsto no artigo 90 do ECA (Lei n. 8.069, 1990Lei n. 8.069, de 13 de julho de 1990. (16 jul. 1990). Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente e dá outras providências. Diário Oficial da União. http:www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8069.htm
http:www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/...
), oferece “I - orientação e apoio sóciofamiliar” e “II - apoio socioeducativo em meio aberto”. Há um estabelecimento assistencial privado, de orientação espírita, que, além de cumprir esses incisos, também executa Medidas Socioeducativas (MSE) em meio aberto de Liberdade Assistida (LA) e de Prestação de Serviços à Comunidade (PSC), de modo que oferecem, de acordo com o mesmo artigo do ECA, “V - prestação de serviços à comunidade” e “VI - liberdade assistida”. A Casa de Acolhida, entidade assistencial pública vinculada à Secretaria Municipal de Assistência Social, enquadra-se no regime de atendimento que oferece acolhimento institucional para crianças e adolescentes, no nível da proteção social de alta complexidade. A ausência de entidades assistenciais criadas e mantidas diretamente pelo poder público municipal, que atendam a crianças e adolescentes, é um dado eloquente que revela o pouco interesse das autoridades públicas quanto ao atendimento dos direitos da criança e do adolescente na área da Assistência Social. Nesse contexto, verifica-se um importante movimento de terceirização da responsabilidade do poder público para entidades privadas, que recebem financiamentos insuficientes para realizar seu trabalho.

Aspectos físicos, os funcionários e a clientela atendida

Há um conjunto de entidades assistenciais privadas que foram fundadas no município há várias décadas, algumas das quais foram instituídas ainda na metade do século XX. As entidades mais antigas têm instalações físicas consolidadas, construídas ao longo de décadas de trabalho por meio de esforços e investimentos cumulativos. Seus prédios são amplos, têm salas de administração, salões e salas diversas para a realização de suas atividades, refeitório, cozinha, banheiros, equipamentos de lazer etc.

Quanto aos funcionários, há bastante variação entre as entidades, mas consiste normalmente num aspecto problemático, pois para poder contratar e pagar trabalhadores, é preciso haver dinheiro em caixa de modo contínuo e permanente. Isto é um problema para as entidades assistenciais privadas: como obter financiamento perene e suficiente para realizar seu trabalho de atendimento às crianças e aos adolescentes? Os funcionários que estão presentes e trabalhando nas entidades assistenciais são aqueles que elas conseguem remunerar com seus parcos recursos.

Quanto maior a fragilidade financeira da entidade, mais dificuldades ela tem em contratar formalmente funcionários pelo regime da CLT e passam a depender de trabalhadores autônomos, na figura do Microempreendedor Individual (MEI) (SDH/PR, 2013Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República. (2013). Assim caminha o ECA: capacitação de profissionais da rede de atendimento para a promoção, defesa e garantia dos direitos da criança e do adolescente.) e de voluntários (CF, 1998Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. (5 out. 1988). Diário Oficial da União. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Con...
; Caldana & Figueiredo, 2008Caldana, A. C. F., & Figueiredo, M. A. C. (2008). O voluntariado em questão: a subjetividade permitida. Psicologia: Ciência e Profissão , 28(3), 466-479. http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1414-98932008000300003&lng=pt&nrm=iso
http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?scr...
; Cunha, 2007Cunha, N. M. D. (2007). O trabalho voluntário e a responsabilidade social empresarial: a expropriação do tempo livre como uma estratégia de envolvimento cooptado do trabalhador [Dissertação de Mestrado, Universidade Federal do Maranhão]. Biblioteca Digital de Teses e Dissertações da UFM. https://tedebc.ufma.br/jspui/handle/tede/858
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; Landim & Scalon, 2000Landim, L., & Scalon, M. C. (2000). Doações e trabalho voluntário no Brasil - uma pesquisa. 7 Letras.; Hybels, 2005Hybels, B. (2005). A revolução no voluntariado. Mundo Cristão.) para a execução das atividades. Assim, nas entidades, há funcionários celetistas, bem como profissionais autônomos (MEI), estagiários remunerados e voluntários.

O tipo de funcionário que compõe os quadros das entidades assistenciais varia bastante, conforme os objetivos do estabelecimento institucional. Podem ser profissionais graduados e especialistas, sobretudo naquelas entidades que atendem a indivíduos com deficiências variadas; podem ter menos qualificação em outras que atendem a crianças no contraturno escolar, que se dedicam ao oferecimento de diversas modalidades de atividades socioeducativas no nível da Proteção Social Básica (PSB) do SUAS, particularmente, nas que oferecem Serviço de Convivência e Fortalecimento de Vínculos (SCFV). Por exemplo, há entidades que contam com assistentes sociais, psicólogos e pedagogos, que são trabalhadores graduados, mas também há oficineiros em geral, educadores sociais e monitores que possuem apenas o ensino médio.

Normalmente supõe-se, nessas entidades, que os trabalhadores com algum tipo de graduação teriam recebido qualificação adequada para sua atuação, oferecida pela faculdade ou universidade na qual se formaram. Poucas entidades assistenciais mais consolidadas oferecem algum tipo de formação para seus funcionários, por meio de reuniões formativas ou palestras. As reuniões regulares de equipe parecem raras, pois devem ser realizadas no horário de trabalho e, muitas vezes, não há como atender ao público e reunir-se para estudar, formar-se, discutir os problemas ou avaliar o trabalho realizado. Quanto menos estruturados forem uma entidade e seu modo de funcionamento, é mais comum que os trabalhadores, ao ingressarem, pareçam ter que aprender o que devem fazer em serviço, por meio de muitas tentativas de erro e acerto, em meio à improvisação.

As entidades localizadas na Proteção Social Especial (PSE) de Média e de Alta Complexidade precisariam de profissionais especializados para o atendimento aos usuários, como é o caso das que se dedicam a atender a crianças e adolescentes portadores de deficiências variadas. A Casa de Acolhimento Institucional também demandaria pessoal com alto nível de especialização, dada a situação dos sujeitos atendidos. Mas isso nem sempre se verifica, devido às limitações orçamentárias dos estabelecimentos assistenciais e da própria prefeitura. É clássica a resistência do poder público em custear um atendimento assistencial de qualidade para crianças e adolescentes pobres, ainda que as que apresentam deficiências severas costumam sensibilizar mais as autoridades e a sociedade em geral. A simples pobreza de crianças “normais” - sem maiores problemas físicos ou neurológicos - parece socialmente mais suportável.

Dada nossa presença longitudinal no campo enquanto integrante do CMDCA, notamos que há certa oscilação no quadro de funcionários, que aumenta ou diminui sensivelmente num dado estabelecimento assistencial, por razões financeiras conjunturais. Quando a entidade não dispõe de recursos financeiros, simplesmente costuma demitir funcionários e passa a procurar pela colaboração de voluntários que nem sempre têm maior qualificação para o trabalho de atenção socioassistencial. Esse fenômeno é um indicador de que o atendimento assistencial a crianças e adolescentes pobres nesse município não é tido como direito dos cidadãos e dever do Estado, como propõe a política oficial. Ou seja, estamos, em geral, aquém do nível previsto pelo discurso oficial da Proteção Integral e da Proteção Social.

Principais dificuldades e aspectos positivos dos estabelecimentos assistenciais

A dificuldade financeira das entidades assistenciais é crônica e não conta com dotação orçamentária pública, perene e suficiente, que garanta a permanência do serviço, sua melhoria e seu aprimoramento. Elas atendem no contraturno escolar, a crianças e adolescentes, no nível da PSB, por meio dos projetos assistenciais desenvolvidos por entidades privadas e do SCFV executado em unidades de atendimento do CRAS. Elas prestam ainda um serviço e uma atenção socioassistencial relevante para crianças e adolescentes portadores de deficiências intelectuais severas: ofertam atividades de lazer, de formação humana, de educação pré-profissionalizante, de saúde, de habilitação e reabilitação, além de apoiarem e orientarem suas famílias. Também ofertam o serviço de MSE em meio aberto de LA e PSC para adolescentes que cometeram ato infracional. Apesar de haver instituída no país uma política nacional voltada aos direitos de crianças e adolescentes, o que se observa nesse município é que, sobretudo, dado que o financiamento - quando existe - está no limite da precariedade, o atendimento assistencial permanece mais num plano simbólico, pois na prática se revela focalizado, pontual, fragmentário e insuficiente. Parece difícil considerar que há uma política pública que busca viabilizar direitos para crianças e adolescentes institucionalizada no município, pois cada entidade faz o que pode e como pode. As entidades, apesar de buscarem fazer seu trabalho da melhor maneira possível, ainda não questionaram criticamente nem subsumiram as práticas tradicionais, mas buscam superá-las por meio da implementação de práticas cidadãs democráticas e politizadas. O CMDCA, composto por integrantes das entidades assistenciais e do poder público municipal, não é capaz de se articular para coordenar e auxiliar na reorganização sistemática do atendimento assistencial a crianças e adolescentes no município, pautada na perspectiva da Proteção Social e Integral.

Contextualização institucional e paradigmática das entidades assistenciais no cenário brasileiro

De uma perspectiva institucional, como explicar a criação histórica das diversas instituições e seus estabelecimentos? Elas seriam criadas para resolver certos problemas. Poderíamos supor que o problema da ignorância estaria na base da criação da instituição da educação; já o problema da doença, na base da saúde; o da loucura, na da psiquiatria e do manicômio; o da formação profissional graduada, na da universidade; o do sofrimento e do mal-estar, na da clínica psi (psiquiátrica, psicológica, psicanalítica); e o problema social (a pobreza em suas múltiplas formas e idades) estaria na base da criação da Assistência Social e da política dos direitos da criança e do adolescente.

Em parte isso é verdadeiro, mas essa concepção pode, em alguma medida, se revelar ingênua. É preciso situar a emergência das instituições e de seus dispositivos concretos na história, na política, na economia, na ciência e no contexto de uma sociedade que se organiza a partir do modo de produção capitalista, que inclui suas limitações. As instituições, enquanto lógicas, são criadas para responder às pulsações instituintes da demanda social (necessidades sociais em termos amplos), recortadas pelo imaginário, pela ideologia e por interesses sociais diversos, contraditórios e conflitantes. Desconsiderar esse contexto institucional complexo pode levar facilmente a intensos processos de moralização dos comportamentos sociais individuais; de psicologização das causas sociais produtoras da pobreza; de psiquiatrização - num viés neurológico, patológico, medicalizador e medicamentoso - das ações dos pobres e suas reações às situações insuportáveis de vida às quais estão submetidos; e de sociologização funcionalista ou sistêmica das relações de poder, que as individualizam de modo simplificador.

O advento do ECA (Lei n. 8.069, 1990Lei n. 8.069, de 13 de julho de 1990. (16 jul. 1990). Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente e dá outras providências. Diário Oficial da União. http:www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8069.htm
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) e do SUAS (MDS, 2005Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome. (2005). Norma Operacional Básica NOB/SUAS.) e as alterações contínuas realizadas na política nacional dos direitos de crianças e adolescentes e na de Assistência Social, significaram e exigiram diversas modificações no modo de atuação das entidades assistenciais privadas e públicas. Pensamos que as políticas públicas nacionais funcionam como indutoras de importantes inovações institucionais no cenário municipal, que se mostra tradicional e normalmente avesso às transformações estruturais. De acordo com a documentação compulsada, a lógica da cidadania e dos direitos que estão na base da Proteção Integral (ECA) e da Proteção Social (SUAS) ainda pode ser considerada incipiente nos discursos e práticas das entidades assistenciais registrados nos documentos analisados. Algumas palavras associadas a essa lógica aparecem neles, como “direitos”, “cidadania”, “protagonismo” e “participação”, mas a lógica dominante ainda parece ser a da filantropia mais tradicional.

Constatamos a convivência de diferentes orientações paradigmáticas (Benelli, 2014aBenelli, S. J. (2014a). As éticas nas práticas de atenção psicológica na Assistência Social. Estudos de Psicologia (Campinas), 31(2), 269-278. https://doi.org/10.1590/0103-166X2014000200012
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; Benelli & Costa-Rosa, 2012Benelli, S. J., & Costa-Rosa, A. (2012). Paradigmas diversos no campo da Assistência Social e seus estabelecimentos assistenciais típicos. Psicologia USP, 23(4), 609-660. https://doi.org/10.1590/S0103-65642012000400002
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) no campo social: a) o paradigma da caridade, típico das diversas organizações religiosas católicas, espíritas e evangélicas - que pretende ajudar os pobres e os desvalidos da sorte; b) o paradigma da promoção humana, devido ao qual as entidades de origem confessionais procuram incorporar o discurso dos direitos humanos; c) o paradigma da filantropia, próprio da elite benemerente e de seus clubes de serviço - que busca amenizar a situação precária da infância desvalida por meio da educação para o trabalho, num esforço de profissionalizar adolescentes pobres e inseri-los no mercado de trabalho; d) o paradigma do clientelismo assistencialista, tradicional nas práticas do poder público municipal - que busca capitalizar as promissoras possibilidades eleitorais que representam o atendimento às crianças e aos adolescentes pobres, tanto por meio de programas de execução direta quanto pelo financiamento parcial das entidades privadas.

Independentemente da boa vontade pessoal dos dirigentes e das equipes profissionais das entidades assistenciais - que podem ser compreendidas a partir de tais figuras paradigmáticas -, tanto crianças como adolescentes ainda são considerados objetos de cuidado e tutela, por serem vistos como pobres, carentes, necessitados, em “situação de risco pessoal e social” e também como pessoas potencialmente delinquentes e infratoras que devem ser mantidas sob um cuidado e um olhar vigilante, a fim de se evitar que descambem para a marginalidade e para a criminalidade (Benelli, 2014aBenelli, S. J. (2014a). As éticas nas práticas de atenção psicológica na Assistência Social. Estudos de Psicologia (Campinas), 31(2), 269-278. https://doi.org/10.1590/0103-166X2014000200012
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). Contudo, no cenário brasileiro mais amplo, há também d) o paradigma das políticas públicas oficiais para crianças e adolescentes, segundo o qual eles são considerados sujeitos de direitos, aos quais se deve oferecer Proteção Integral. Esse paradigma poderia ser subvertido pela Educação Popular, enquanto uma proposta potencialmente revolucionária e transformadora, num sentido dialético mais específico que ofereça uma possibilidade concreta de institucionalização dessa perspectiva social cidadã (Benelli, 2014bBenelli, S. J. (2014b). Entidades assistenciais socioeducativas: a trama institucional. Vozes.); trata-se do e) paradigma do cidadão sujeito de direitos.

As contradições paradigmáticas não precisam ser tomadas como disfunções ou sequer desvios, pois elas representam concretamente os conflitos reais entre os grupos diferentes, cujos interesses sociais, ideológicos, políticos e econômicos manifestam-se nos estabelecimentos e dinâmicas assistenciais particulares. Contudo, não encontramos indícios de um maior alinhamento com os interesses da classe social constituída pelos pobres e oprimidos no conjunto dos documentos relativos às entidades assistenciais socioeducativas pesquisadas. Os marcos religiosos (A. R. Souza, 2013Souza, A. R. (2013). Traços e embaraços do trabalho assistencial cristão. Estudos de sociologia, 18(34), 173-192. https://periodicos.fclar.unesp.br/estudos/article/view/5979/4532
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; Benelli, 2014bBenelli, S. J. (2014b). Entidades assistenciais socioeducativas: a trama institucional. Vozes.), filantrópicos (Setton, 1996aSetton, M. G. J. (1996a). Rotary Club: Clubes de serviço ou “clubes de capital social e capital simbólico?” [Tese de doutorado, Universidade de São Paulo]. , 1996bSetton, M. G. J. (1996b). Clubes de serviço ou clubes de capital simbólico. Cadernos CERU, 2(7), 134-148. http://www.revistas.usp.br/ceru/article/view/74906
http://www.revistas.usp.br/ceru/article/...
, 2004Setton, M. G. J. (2004). Rotary Club: habitus, estilo de vida e sociabilidade. Annablume.; Uhle, 1991Uhle, A. B. (1991). Comunhão leiga: o Rotary Club no Brasil [Tese de doutorado, Universidade Estadual de Campinas]. Repositório da Produção Científica e Intelectual da Unicamp. http://repositorio.unicamp.br/handle/REPOSIP/252000?mode=full
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), empresariais (Andrade, 2014Andrade, L. M. (2014). Neoliberalismo e hegemonia burguesa: ação social empresarial através dos Institutos Ethos de Responsabilidade Social Empresarial e Empresas e Gife (Grupos de Institutos, Fundações e Empresas [Dissertação de mestrado,. Universidade Estadual Paulista]. Repositório Institucional Unesp. https://repositorio.unesp.br/handle/11449/110431
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; E. R. N. Barbosa, 2003Barbosa, E. R. N. (2003). A responsabilidade social das empresas e os projetos sociais: filantropia ou emancipação social? [Tese de Doutorado, Universidade Estadual Paulista]. Repositório Institucional Unesp. https://repositorio.unesp.br/handle/11449/106115
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; L. P. Barbosa, 2006Barbosa, L. P. (2006). Significados do Terceiro Setor: de uma nova prática política à despolitização da questão social. Sociedade e Cultura, 9(1), 173-186. https://doi.org/10.5216/sec.v9i1.227
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; Beghin, 2005Beghin, N. (2005). A filantropia empresarial: nem caridade, nem direito. Cortez.; Chahine, 2006Chahine, M. A. (2006). Instituições de Educação Infantil: lugar onde filantropia e direitos se encontram? [Dissertação de Mestrado, Universidade Estadual Paulista]. Repositório Institucional Unesp. https://repositorio.unesp.br/handle/11449/97682
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; França & Zanetti, 2011França, S. M., & Zanetti, F. (2011). A política empresarial: a responsabilidade social como mecanismo de segurança. Fractal: Revista de Psicologia, 23(2), 317-336. http://periodicos.uff.br/fractal/article/view/4850
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; Nora, 2016Nora, L. F. Z. (2016). Responsabilidade social empresarial: estímulos legais e desafios nas relações com o Estado e o terceiro setor [Dissertação de mestrado, Universidade Estadual Paulista]. Repositório Institucional Unesp. https://repositorio.unesp.br/handle/11449/144368
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; Passone, 2007Passone, E. F. (2007). Políticas sociais de atendimento a infância e juventude: o caso da Fundação Abrinq [Dissertação de mestrado, Universidade Estadual de Campinas]. Repositório da Produção Científica e Intelectual da Unicamp. http://repositorio.unicamp.br/jspui/handle/REPOSIP/251496
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; Ribeiro, 2003Ribeiro, R. P. (2003). Terceiro Setor: interesses públicos ou privados? Um estudo de caso comparativo entre duas instituições com atuação na área social [Dissertação de mestrado, Universidade Estadual Paulista]. Repositório Institucional Unesp. https://repositorio.unesp.br/bitstream/handle/11449/97699/ribeiro_rp_me_assis.pdf?sequence=1
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; Zanetti, 2012Zanetti, F. L. (2012). As práticas artísticas como um princípio de governo das condutas humanas [Tese de doutorado, Universidade Estadual Paulista]. Repositório Institucional Unesp. http://hdl.handle.net/11449/105603
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) e clientelistas (Benelli, 2014bBenelli, S. J. (2014b). Entidades assistenciais socioeducativas: a trama institucional. Vozes.) predominantemente detectados na documentação analisada também pressupõem um lugar político que costuma ser bastante tradicional e conservador, interessado na manutenção da ordem social, à qual se procura adaptar e integrar os indivíduos que são atendidos nos estabelecimentos assistenciais. Nesse caso, parece que é muito expressivo o ditado “quem paga a banda, escolhe a música”, na medida em que poderíamos considerar que se trata de uma gestão da caridade, da filantropia empresarial e do clientelismo (Benelli, 2014bBenelli, S. J. (2014b). Entidades assistenciais socioeducativas: a trama institucional. Vozes.; Benelli & Costa-Rosa, 2012Benelli, S. J., & Costa-Rosa, A. (2012). Paradigmas diversos no campo da Assistência Social e seus estabelecimentos assistenciais típicos. Psicologia USP, 23(4), 609-660. https://doi.org/10.1590/S0103-65642012000400002
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, 2013Benelli, S. J., & Costa-Rosa, A. (2013). Dispositivos institucionais filantrópicos e socioeducativos de atenção à infância na Assistência Social. Estudos de Psicologia (Campinas), 30(2), 283-301. https://doi.org/10.1590/S0103-166X2013000200015
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) no campo do atendimento assistencial a crianças e adolescentes nessa realidade municipal.

Conclusão: análise geral dos documentos das entidades assistenciais

De modo geral, por meio da documentação compulsada, notamos que o discurso e o ideário da Proteção Integral previstos no ECA (Lei n. 8.069, 1990Lei n. 8.069, de 13 de julho de 1990. (16 jul. 1990). Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente e dá outras providências. Diário Oficial da União. http:www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8069.htm
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) e o da Proteção Social contidos no SUAS (MDS, 2005Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome. (2005). Norma Operacional Básica NOB/SUAS.) - que possuem aspectos notadamente progressistas, bem como limites e impasses, de acordo com Benelli e Costa-Rosa (2012Benelli, S. J., & Costa-Rosa, A. (2012). Paradigmas diversos no campo da Assistência Social e seus estabelecimentos assistenciais típicos. Psicologia USP, 23(4), 609-660. https://doi.org/10.1590/S0103-65642012000400002
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, 2013Benelli, S. J., & Costa-Rosa, A. (2013). Dispositivos institucionais filantrópicos e socioeducativos de atenção à infância na Assistência Social. Estudos de Psicologia (Campinas), 30(2), 283-301. https://doi.org/10.1590/S0103-166X2013000200015
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) -, embora já figurem nos enunciados formais de várias das entidades assistenciais, ainda não se configuram como os norteadores fundamentais de seus discursos e práticas. Constatamos uma resistência tanto das entidades assistenciais tradicionais - que são anteriores ao novo ordenamento institucional, lógico, técnico, administrativo e político trazido pelas inovações do ECA (Lei n. 8.069, 1990Lei n. 8.069, de 13 de julho de 1990. (16 jul. 1990). Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente e dá outras providências. Diário Oficial da União. http:www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8069.htm
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) e do SUAS (MDS, 2005Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome. (2005). Norma Operacional Básica NOB/SUAS.) - quanto de entidades de fundação mais recente, em aderir a tais perspectivas, em adotá-las em seus discursos e textos institucionais e em efetivá-las nas práticas de atenção assistencial. Poderíamos classificá-las como de caráter predominantemente filantrópico e assistencialista, pouco voltadas para a promoção humana e para as possibilidades de transformação social. Há muitas razões para essa situação, que se expressam nos planos teórico-técnicos, políticos, ideológicos e econômicos.

Seu modo de funcionamento predominante, do ponto de vida socioeducativo, é focado numa pedagogia tradicional, com pinceladas renovadas, mas bem distante de possibilidades dialéticas, críticas e politizadas (Benelli & Costa-Rosa, 2011Benelli, S. J., & Costa-Rosa, A. (2011). Para uma crítica da razão socioeducativa em entidades assistenciais. Estudos de Psicologia, 28(4), 539-563. https://doi.org/10.1590/S0103-166X2011000400014
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). Por meio dos planos de trabalho das entidades, verificamos uma grande preocupação com um conjunto de temas: o comportamento social, o conjunto de hábitos e de costumes, o plano da moral dos indivíduos, o comportamento adequado, o respeito às normas sociais vigentes, a busca da superação do vício em drogas ilícitas e do uso abusivo do álcool, a profissionalização básica, o emprego, o trabalho. Destacamos algumas locuções presentes em tais documentos: “ensino de valores”, “aprendizado de limites”, “formação para o trabalho”, “inserção no mercado de trabalho”. Esses são alguns dos objetivos que aparecem no discurso oficial das entidades assistenciais presente na documentação que encontramos nos arquivos do CMDCA. Podemos considerar que elas visariam, sobretudo, implementar medidas de moralização da sociedade, por meio de uma operação propriamente num plano ideológico alienante.

Não figura, por exemplo, a proposta da universidade como um caminho possível para esses adolescentes e jovens. Como explicar essa lacuna? Como a defasagem escolar dos adolescentes pobres costuma ser bastante grande, os educadores parecem considerar, mesmo que tacitamente, que como esses indivíduos não poderão superá-la facilmente, não haveria qualquer chance de ingresso na universidade. Por isso insistem em trabalhar com a perspectiva da empregabilidade dos jovens pobres, buscada por meio de cursos profissionalizantes e de sua inserção precoce no mercado de trabalho. Os jovens são incitados a valorizar a escola, a educação, os estudos, mas a universidade não é prevista como possibilidade para eles. A perspectiva moralizante que se expressa na intenção declarada de transmitir valores, ensinar limites e mudar comportamentos, sempre com foco no plano individual, parece produzir principalmente efeitos de adaptação social e de promoção de um reconhecimento do próprio lugar na ordem social estabelecida: um lugar de subordinação, de objeto, de mão de obra, de força muscular disponível e submissa, voltada para o trabalho como condição de sobrevivência.

Considera-se que as entidades assistenciais enunciam um discurso geral anterior à pedagogia como campo de conhecimento disciplinar especializado. Trata-se de uma mescla de moral, de psicologização de senso comum e de uma proposta de modelagem do comportamento, manifestada na abordagem do indivíduo num plano racional e consciente, a fim de não reprimi-lo, mas persuadi-lo a aderir ou a adotar outros repertórios de valores e de conduta considerados mais adequados. As práticas discursivas são importantes produtoras de realidade social na medida em que o discurso procura articular saberes e práticas, o que fundamenta uma perspectiva institucionalista crítica. Há uma série de discursos sociais que pretendem promover práticas que visariam o “bem” dos indivíduos, sem propor uma maior problematização crítica e dialética quanto à produção estrutural da “questão social” e dos diversos fenômenos que ela engloba. Algumas entidades procuram transformar os indivíduos em membros produtivos da sociedade, querem fazer deles “cidadãos e pessoas de bem”; outras buscam trabalhar a prevenção, procurando eliminar ou evitar certas tendências antissociais dos indivíduos, supostamente “delinquentes”; outras, ainda, promovem uma psicologização dos problemas sociais, trabalhando no plano das “relações interpessoais”, a fim de tornar os indivíduos mais reflexivos, sensíveis e perceptivos, capazes de amar uma pessoa do sexo oposto e ser feliz com ela. Promover outras práticas discursivas seria um importante trabalho de contra-hegemonia, alinhado com os interesses do polo subordinado.

Quanto ao tipo de efeitos produzidos pelas entidades assistenciais sobre sua clientela e a realidade social do município, podemos considerar que, dada nossa imersão e participação observante ao longo de alguns anos no campo da Assistência Social para crianças e adolescentes nessa localidade, os projetos de atendimento das entidades mudam com frequência, dadas as condições e/ou dificuldades de orçamento. As mudanças na gestão municipal e nos próprios conselhos municipais também produzem efeitos diversos no funcionamento das entidades. Quando não há dinheiro, trabalhadores são demitidos e atividades simplesmente são encerradas. Não há maiores explicações nem queixas; tudo é reduzido ao plano do mundo privado. Quando as coisas mudam e se obtém dinheiro, é possível retomar as atividades assistenciais. Aos poucos, notamos que as entidades estão incorporando o jargão técnico da política de Assistência Social, pelo que se pode depreender de seus documentos, mas consideramos que essa incorporação do discurso da política de Assistência Social e da política para crianças e adolescentes ainda permanece meramente cosmética e acessória, pois a lógica institucional predominante parece ser a filantrópica.

A realidade, em sua dimensão fenomênica, mostra-se múltipla, cheia de conflitos e contradições e em constante movimento. É preciso considerar a dimensão processual da realidade como algo positivo, pois perdem-se ou ganham-se lutas aqui e ali, mas no campo social mais amplo a batalha prossegue com seu “ronco surdo”, como caracterizou Foucault (1999Foucault, M. (1999). Vigiar e punir: nascimento da prisão. Vozes., p. 254). A radicalidade analítica, ao considerar os polos extremos da luta que se desenrola num campo de análise determinado - como o das políticas públicas sociais para crianças e adolescentes - e ao caracterizar duas perspectivas opostas e antagônicas figuradas pelo Paradigma Filantrópico e seu antípoda, o Paradigma do Sujeito Cidadão (Benelli, 2014bBenelli, S. J. (2014b). Entidades assistenciais socioeducativas: a trama institucional. Vozes.), não confunde necessariamente o plano analítico e conceitual do pensamento com a pluralidade da realidade em movimento. Mas a clareza paradigmática permite analisar o sentido produtivo das forças e tendências presentes e atuantes no campo, procurando identificar sua orientação hegemônica. Permanecer apenas no plano da conjuntura mais emergente do fenômeno, considerando seus aspectos pontuais positivos, pode ser uma grande ingenuidade, quando se considera o plano estrutural e essencial do que está em questão. É forçoso admitir que mudanças e alterações podem ser implantadas sem modificar essencialmente aquilo que realmente importa.

No município pesquisado, podemos dizer que a política nacional dos direitos da crianças e do adolescentes revela-se como um campo sitiado pelo “terceiro setor”, por empresas diversas, por ONGs, OSC, OSCIPs, por clubes de serviço e por grupos de diferentes denominações religiosas. O poder público municipal, representado pela SMAS, em grande parte, exime-se de suas responsabilidades, sobretudo orçamentárias, para a implantação de políticas públicas de qualidade para os cidadãos de direito que são as crianças e adolescentes, tanto de acordo com a Constituição Federal (CF, 1998Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. (5 out. 1988). Diário Oficial da União. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm
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) quanto com o ECA (Lei n. 8.069, 1990Lei n. 8.069, de 13 de julho de 1990. (16 jul. 1990). Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente e dá outras providências. Diário Oficial da União. http:www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8069.htm
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). Consideramos que, em geral, esses estabelecimentos institucionais assistenciais se limitam a gerir os problemas sociais, de modo muito incipiente, mas operativo. Parece pouco provável que empresas, clubes de serviço e que grupos religiosos, geralmente também compostos por empresários - cada um situado no campo a partir de coordenadas paradigmáticas específicas e próprias, delineando figuras institucionais diversas de viés francamente filantrópico - sejam capazes de promover direitos de cidadania para crianças e adolescentes, no plano da política pública. “Nas empresas, os fins já estão dados - maximizar o lucro no mercado -, tudo se torna meio e instrumento para esse objetivo” (J. Souza, 2018Souza, J. (2018). A classe média no espelho. Estação Brasil., p. 44).

Se realmente é muito difícil promover políticas públicas cidadãs alinhadas com os interesses do polo subordinado - constituído pelos pobres - no contexto mais comum da sociedade capitalista, considerando que essas instituições/estabelecimentos assistenciais de matiz predominantemente filantrópico estão orientadas pelo horizonte hegemônico em sua produção social, vemos reforçada nossa hipótese. Podemos matizar que elas fazem algum “bem” aos pobres, mas isso não se pauta por uma ética cidadã e realmente transformadora. Logo, o grande desafio consiste em se orientar pela proposta das políticas públicas enquanto garantidoras e propiciadoras de direitos de cidadania. Uma análise política dos documentos das entidades assistenciais que atendem a crianças e a adolescentes - que estão arquivados no CMDCA -permite-nos entender que os problemas sociais estão sendo psicologizados e, como resposta, foram criadas pedagogias terapêuticas de base moral e relacional, focalizadas nos comportamentos, valores, atitudes e hábitos dos indivíduos atendidos. Buscam, assim, “fazer o bem” aos pobres e incluí-los na sociedade como trabalhadores/consumidores, mas não há muito lugar para eles. “A inclusão dos humilhados é sempre uma decisão política e moral, e nunca consequência apenas do desenvolvimento econômico, como se comprova no Brasil” (J. Souza, 2018Souza, J. (2018). A classe média no espelho. Estação Brasil., p. 61). Quando consideramos a condição de cidadãos de crianças e adolescentes pobres, torna-se possível concluir que não há nada mais terapêutico em termos de produção de cidadania do que a política.

Nesse cenário já bastante conflituoso, no governo do presidente Michel Temer, entre 2017 e 2018, a Assistência Social sofreu tentativas de cortes que inviabilizariam todo o sistema, justificados pela Emenda Constitucional 95, que congelou os gastos públicos por 20 anos, e pela diminuição da arrecadação financeira devido à intensificação da crise econômica. Sem o financiamento público perene, recriam-se as condições de retorno a benemerência, ajuda, assistencialismo, caridade e filantropia, um retrocesso que favorece o crescimento do terceiro setor. O presidente eleito que começou a governar o país em 2019 acelerou o desmonte e o desfinanciamento das políticas públicas e mergulhou o país num processo de grave retrocesso social, sobretudo para a classe trabalhadora. A pandemia de Covid-19 que se irradiou sobre o mundo também castigou drasticamente a população brasileira, sobretudo os mais pobres e suas crianças e adolescentes. A suspensão dos atendimentos presenciais pelas entidades assistenciais e pela educação, o isolamento e distanciamento social, o elevado número de mortes, a migração forçada para a modalidade virtual de ensino e as tentativas de atendimento assistencial por meio da internet, representaram aumento na dificuldade de ofertar uma atenção assistencial pautada nos direitos da criança e do adolescente.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    22 Out 2021
  • Data do Fascículo
    2021

Histórico

  • Recebido
    03 Maio 2019
  • Aceito
    03 Ago 2021
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