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O Imaginário Materno sobre os Partos Cesáreo e Vaginal

The Maternal Imagery on Cesarean and Vaginal Deliveries

El Imaginario Materno sobre los Partos Cesáreo y Vaginal

Resumo

Este artigo objetivou compreender o imaginário materno sobre os partos cesáreo e vaginal. Para isso, utilizou-se de revisão da literatura e entrevista semi-estruturada com quatro gestantes participantes do Grupo de Gestantes de uma maternidade pública de Goiânia. Os dados foram tratados pela análise de conteúdo e mostraram uma visão mais positiva sobre a via vaginal em contraposição ao cirúrgico, que se relacionou à intercorrência. Além disso, o imaginário das participantes se mostrou em grande parte permeado por sentimentos e ideias negativas como medo, ansiedade e preocupação sobre ambos os partos. As principais informações que baseiam as concepções das gestantes partem das experiências passadas por outras mulheres e não dos conhecimentos médicos, de modo que são constituídas principalmente por histórias de violência, dor e desrespeito. Conclui-se que o imaginário materno, formado a partir do contexto atual de saúde, compreende o parto como um evento temido, que se desejaria evitar. Percebe-se que a assistência em saúde prestada hoje ainda é insuficiente por não orientar corretamente a mulher e dificultar que ela domine a cena do parto, o que a deixa à margem da humanização. Ademais, o cuidado terapêutico voltado à mulher não se pauta na opinião e nos sentimentos da paciente para embasar sua atuação, o que de certa forma contribui para manutenção do imaginário negativo sobre parto e demanda maior empenho em relação às práticas e à educação permanente.

Palavras-chave:
Experiência Materna; Imaginário Materno; Experiência Puerperal; Cultura em Saúde

Abstract

This article sought to understand the maternal imaginary on cesarean and vaginal deliveries. Data were collected by means of a literature review and semi-structured interviews conducted with four pregnant women, participants of the Group of Pregnant Women in a public maternity hospital in Goiânia, and treated by content analysis. The results indicate that mothers tend to have a more positive view of the vaginal route, associating surgical deliveries to pregnancy complications. Being mostly informed by the experiences of other women rather than by medical knowledge, and thus influenced by stories of violence, pain, and disrespect, the imagery of participants proved to be largely permeated by negative feelings and ideas about both types of birth, such as fear, anxiety, and concern. Thus, in the current health context, the maternal imaginary understands childbirth as a feared event, which one would want to avoid. This finding highlights the inappropriate healthcare provided to pregnant women, failing in properly guiding and preventing them from controlling the delivery scene, being left on the margins of humanization. This is because the therapeutic care aimed at women is not based on the patient’s opinion and feelings, thus contributing to the maintenance of this negative imagery about childbirth and demanding greater commitment in relation to practices and permanent education.

Keywords:
Maternal Experience; Maternal Imagery; Puerperal Experience; Health Culture

Resumen

Este artículo tuvo como objetivo comprender el imaginario materno sobre cesáreas y partos vaginales. Para eso, se hace una revisión de la literatura y una entrevista semiestructurada con cuatro mujeres embarazadas, participantes del Grupo de Mujeres Embarazadas en un hospital público de maternidad en Goiânia (Brasil). En los datos obtenidos se aplicaron análisis de contenido en que se reveló una visión más positiva de la ruta vaginal en comparación con la quirúrgica relacionada con la complicación. Además, en el imaginario de las participantes figuran sentimientos e ideas negativas como el miedo, la ansiedad y la preocupación por ambos tipos de parto. La información principal que respalda las concepciones de las mujeres embarazadas proviene de las experiencias transmitidas por otras mujeres, y no del conocimiento médico, que consiste principalmente en historias de violencia, dolor y falta de respeto. Se concluye que el imaginario materno, formado a partir del contexto de salud actual, entiende el parto como un evento temido, que hubieran querido evitar. Está claro que la atención médica brindada hoy en día aún es insuficiente porque no guía correctamente a las mujeres y les impide dominar la escena del parto, dejándolas al margen de la humanización. Se percibe que la atención terapéutica dirigida a las mujeres no se basa en su opinión y sentimiento para respaldar el desempeño, lo que de cierta manera contribuye al mantenimiento de esta imagen negativa sobre el parto y exige un mayor compromiso en relación con las prácticas y la educación permanente.

Palabras clave:
Experiencia Materna; Imágenes Maternas; Experiencia Puerperal; Cultura de Salud

Introdução

O trabalho de parto costuma ser motivo de medo e ansiedade para as mulheres. Essas preocupações se formam sob influência histórica, social, econômica, cultural e física permeadas pela individualidade de cada sujeito. Assim, há maneiras distintas de pensar, agir e sentir sobre a gestação e o parto. As concepções formadas pelas mulheres, a partir de tais influências, podem interferir diretamente no enfrentamento da gestação e do parto contribuindo de maneira benéfica ou não sobre suas condutas (Bezerra & Cardoso, 2005Bezerra, M. G. A., & Cardoso, M. V. L. M. L. (2005). Fatores interferentes no comportamento das parturientes: enfoque na etnoenfermagem. Revista Brasileira de Enfermagem, 58(6), 698-702. https://doi.org/10.1590/S0034-71672005000600013
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).

Este artigo trata-se de uma pesquisa empírica fruto de um trabalho de conclusão de curso que buscou compreender as concepções que permeiam o imaginário materno sobre os partos cesáreo e vaginal.

Breve histórico sobre o parto e as formas de parir

O parto já foi compreendido como um acontecimento fisiológico, sem grande demanda de intervenções e preocupações, e era administrado apenas por mulheres. A parturiente assumia o papel de protagonista e agregava as mulheres próximas a ela, ou seja, trata-se de um evento familiar e natural (Balaskas, 1993Balaskas, J. (1993). Parto ativo: Guia prático para o parto natural. Editora GroundLtda.). O auxílio advindo de outras mulheres, as parteiras, era bem acolhido, pois configurava uma ajuda social e economicamente acessível. A atuação das parteiras se dava dentro da residência da parturiente e, além de auxiliar no momento do parto, participavam da organização do local e substituíam a puérpera em suas atividades domésticas cotidianas cuidando da casa e dos filhos da nova mãe (Martins, 2004Martins, A. P. V. (2004). Visões do feminino: A medicina da mulher nos séculos XIX e XX. Fiocruz.).

A figura masculina presente no parto era a dos maridos, cuja função era solicitar ajuda às parteiras, retirar os filhos menores do ambiente e dar fim à placenta (Cecagno & Almeida, 2004Cecagno, S., & Almeida, F. D. O. (2004). Parto domiciliar assistido por parteiras em meados do século XX numa ótica cultural. Texto & Contexto Enfermagem, 13(3), 409-413. https://doi.org/10.1590/S0104-07072004000300010
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). A presença profissional masculina era ainda mais rara e acontecia quando ocorriam complicações que as parteiras não conseguissem resolver; nesses casos, contavam com a ajuda de um castrador de animais ou um cirurgião, cujo conhecimento sobre partos era precário. As técnicas cirúrgicas e a atuação masculina também eram empregadas em caso de óbito materno (Martins, 2004Martins, A. P. V. (2004). Visões do feminino: A medicina da mulher nos séculos XIX e XX. Fiocruz.; Parente et al., 2010Parente, R. C. M., Moraes, O. B. F., Rezende, J. F ., Bottino, N. G., Piragibe, P., Lima, D. T., & Gomes, D. O. (2010). A história do nascimento (parte 1): Cesariana. Femina, 38(9), 481-486. http://files.bvs.br/upload/S/0100-7254/2010/v38n9/a481-486.pdf
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).

Com o interesse dos cirurgiões em se aprofundar no assunto, surgem na Europa os manuais de parto, por volta dos séculos XVI e XVII. Segundo Martins (2004Martins, A. P. V. (2004). Visões do feminino: A medicina da mulher nos séculos XIX e XX. Fiocruz.), o movimento em questão coloca o médico como assistência principal, em substituição às parteiras, e deu início à dominação masculina e ao desenvolvimento dos instrumentos de parto. Os manuais de partos registram uma prática que se tornava gradualmente mais intervencionista. Por meio da instrumentalização do parto, os médicos alcançam o domínio sobre esse procedimento e sobre o corpo feminino, de modo a resguardar o uso dessas técnicas exclusivamente a sua profissão. A aplicação dessas novas técnicas demandavam da mulher a posição horizontal, motivo pelo qual camas ou mesas adentram a cena do parto nos séculos XIX e XX. De modo desfavorável à gravidade, consolida-se, então, a posição de litotomia para parir a partir dos instrumentais médicos, que priorizam o desempenho médico em detrimento do feminino.

Essa dominação do médico na cena do parto está ligada ao surgimento da obstetrícia por meio da medicalização do corpo feminino como forma de legitimar o controle sobre a mulher, enquanto indivíduo e reprodutora, visando os interesses da sociedade e da religião. O processo histórico de medicalização do corpo feminino passa pela ideia de que existe uma natureza biológica determinante e dominante da condição feminina. É por meio dessa concepção que a medicina passa a se apropriar do corpo das mulheres e a adotar a ideia de que a natureza feminina baseia-se nos fatos biológicos de gestar, parir e amamentar. Essa determinação biológica justifica as questões sociais que envolvem o corpo da mulher e passa a ser dominante como explicação legítima e única sobre esses fenômenos. A partir daí, surgem ideias sobre a maternidade, instinto materno e divisão sexual do trabalho como atributos naturais e essenciais à divisão de gênero na sociedade (Vieira, 1999Vieira, E. M. (1999). História, política, conceitos - a medicalização do corpo feminino. In K. Giffin & S. H. Costa (Orgs.), Questões da saúde reprodutiva (pp. 67-78). Fiocruz.).

Segundo Parente et al. (2010Parente, R. C. M., Moraes, O. B. F., Rezende, J. F ., Bottino, N. G., Piragibe, P., Lima, D. T., & Gomes, D. O. (2010). A história do nascimento (parte 1): Cesariana. Femina, 38(9), 481-486. http://files.bvs.br/upload/S/0100-7254/2010/v38n9/a481-486.pdf
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), Rousset, em 1581, foi o primeiro a estabelecer indicações e riscos associados à cesariana para salvar a vida da mãe. De 1700 a 1849, houve diversos acontecimentos que influenciaram a forma de nascer; dentre eles, destaca-se a criação dos hospitais, os estudos sobre anatomia e fisiologia e a mudança nos estilos de vida e de alimentação, o que favoreceu a necessidade de cesarianas. No Brasil, a primeira cesariana realizada com mãe sobrevivente ocorreu no Hospital Militar do Recife, em 1817, o que propiciou a criação das faculdades de Medicina da Bahia com ênfase em Obstetrícia. Desde então, os avanços da técnica na cesárea têm diminuído a mortalidade materna e neonatal por meio, por exemplo, da sutura uterina, da assepsia, da incisão transversa e do uso de ocitocina sintética (Parente et al., 2010Parente, R. C. M., Moraes, O. B. F., Rezende, J. F ., Bottino, N. G., Piragibe, P., Lima, D. T., & Gomes, D. O. (2010). A história do nascimento (parte 1): Cesariana. Femina, 38(9), 481-486. http://files.bvs.br/upload/S/0100-7254/2010/v38n9/a481-486.pdf
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).

A consolidação da assistência médica foi lenta e gradual devido à estranheza causada tanto na mulher quanto no marido e na religião. Com a construção da imagem salvadora e confiável do médico e a desvalorização do trabalho das parteiras, a medicina obstétrica ganhou abertura na sociedade e os médicos tornaram-se especialistas do parto, da gravidez, do puerpério, da saúde e da doença dos recém-nascidos (Martins, 2004Martins, A. P. V. (2004). Visões do feminino: A medicina da mulher nos séculos XIX e XX. Fiocruz.).

Gomes et al. (2018Gomes, S. C., Teodoro, L. P. P., Pinto, A. G. A., Oliveira, D. R., Quirino, G. S., & Pinheiro, A. K. B. (2018). Renascimento do parto: reflexões sobre a medicalização da atenção obstétrica no Brasil. Revista Brasileira de Enfermagem , 71(5), 2594-2598. https://doi.org/10.1590/0034-7167-2017-0564
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) apontam que a medicalização do parto resultou na perda da autonomia da mulher no processo de parir, pois acarretou que esse acontecimento fisiológico fosse marcado pela figura masculina e pelo uso abusivo de práticas invasivas, por vezes desnecessárias e iatrogênicas.

No Brasil, a transição do parto domiciliar para o hospitalar enfrentou resistência por parte das mulheres - que negavam se ausentar de suas casas e afazeres - e pela precariedade das políticas públicas. Nesse contexto, os médicos, professores universitários, por volta do século XIX, denunciaram a escassez de maternidades e atendimento, além de reivindicarem a estruturação do serviço de saúde. O assunto do nascimento só começou a ser tratado quando visto como problema de saúde pública, cuja deficiência interferia na criação e desenvolvimento de novos trabalhadores e fortalecimento da raça nacional (Mott, 2002Mott, M. L. (2002). Assistência ao parto: Do domicílio ao hospital (1830-1960). Projeto História, 25, 197-219. https://revistas.pucsp.br/revph/article/view/10588/7878
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).

O nascimento em hospitais torna-se rotineiro por volta da década de 1960, concomitantemente à mudança progressiva de comportamento feminino, que buscava mais por consultas obstétricas e pediátricas, medicamentos e melhor alimentação, por exemplo (Martins, 2004Martins, A. P. V. (2004). Visões do feminino: A medicina da mulher nos séculos XIX e XX. Fiocruz.). Além disso, a criação do Instituto Nacional de Previdência Social (INPS), em 1967, impulsiona o aumento de atendimentos hospitalares. Já no primeiro ano de funcionamento do INPS, em São Paulo, a taxa de partos hospitalares cresce 22% (Mott, 2004 apud Leister & Riesco, 2013Leister, N., & Riesco, M. L. G. (2013). Assistência ao parto: História oral de mulheres que deram à luz nas décadas de 1940 a 1980. Texto & Contexto Enfermagem , 22(1), 166-174. https://doi.org/10.1590/S0104-07072013000100020
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). Nesse período, havia ainda remuneração superior para o parto cirúrgico em detrimento do vaginal. Esse fato contribuiu para o aumento desenfreado do parto cesáreo em anos posteriores e, mesmo após o pagamento igualitário entre partos, em 1980, esses números não reduziram (Leister & Riesco, 2013Leister, N., & Riesco, M. L. G. (2013). Assistência ao parto: História oral de mulheres que deram à luz nas décadas de 1940 a 1980. Texto & Contexto Enfermagem , 22(1), 166-174. https://doi.org/10.1590/S0104-07072013000100020
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).

A partir da criação do SUS, no fim da década de 1980, e da alteração do conceito de saúde, diversas políticas e direitos surgem para beneficiar a mulher tanto na gestação quanto no puerpério. Exemplo disso é a lei do planejamento familiar (Lei nº 9.263, 1996Lei nº 9.263, de 12 de Janeiro de 1996. (1996). Regula o § 7º do art. 226 da Constituição Federal, que trata do planejamento familiar, estabelece penalidades e dá outras providências. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L9263.htm
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), que resguarda a saúde e integridade física da mulher, garante acesso à contracepção, ao atendimento de pré-natal e puerpério e ao controle de infecções sexualmente transmissíveis, e orienta-se por acesso igualitário de informações, meios e técnicas para regulação da fecundidade.

Em 2000, o Ministério da Saúde (MS) lança o Assistência do pré-natal: Manual técnico (MS, 2000Ministério da Saúde. (2000). Assistência pré-natal: Manual técnico. https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/cd04_11.pdf
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), material que orienta cuidados humanizados direcionados à gestante, à família e ao bebê. Essa atenção tem como finalidade estabelecer bom vínculo entre o recém-nascido e sua família, favorecendo a amamentação e o desenvolvimento infantil saudável. O atendimento humanizado ao parto preconiza as condutas que valorizam: a compreensão desse momento como natural, fisiológico; o respeito aos valores e sentimentos; a redução do medo, ansiedade e dor; a promoção do bem-estar físico e emocional; a informação e orientação sobre a evolução do parto; e o direito da presença de um acompanhante de escolha da mulher. Em sentido contrário, condena intervenções que sejam desnecessárias e agressivas.

Em 2001 é lançado o manual Parto, aborto e puerpério: Assistência humanizada à mulher, que esclarece a importância da presença de uma figura de afeto e segurança nesse momento, a fim de oferecer apoio tanto físico quanto emocional. Além do acompanhante, a parturiente tem o direito de ter consigo no momento do parto uma doula. A presença da doula reforça o cuidado afetivo e o contato físico entre mulher e companheiro, oferece apoio técnico e liberdade de escolhas a partir da troca de informações (MS, 2001Ministério da Saúde. (2001). Parto, aborto e puerpério: Assistência humanizada à mulher. https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/cd04_13.pdf
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).

Existe hoje um movimento de retorno ao parto domiciliar com a intenção de humanizar a assistência ao parto. Medeiros, Santos e Silva (2008Medeiros, R. M. K., Santos, I. M. M., & Silva, L. R. (2008). A escolha pelo parto domiciliar: história de vida de mulheres que vivenciaram. Escola Anna Nery Revista de Enfermagem, 12(4), 765-772. https://doi.org/10.1590/S1414-81452008000400022
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) demonstram que dentre os motivos para o parto domiciliar, tem-se um histórico de parto hospitalar traumático e a influência de histórias de outras mulheres com sucesso no parto vaginal. Além disso, estar em casa representa um lugar acolhedor que não demanda adaptação por parte da mulher, propicia privacidade e a presença da família, o que faz com que o parto não seja um evento desestabilizador.

O parto domiciliar planejado não possui financiamento do SUS ou dos planos de saúde. Geralmente, o acompanhamento é feito com doulas e enfermeiras obstétricas, que permanecem presentes também no pós-parto e no hospital caso a transferência seja necessária e a equipe hospitalar permita. O nascimento em casa é feito sem intervenções e promove conforto por meio de técnicas de massagem e relaxamento, além de apoio técnico sobre posições e condutas. As mulheres que optam por parir em casa possuem, na maioria dos casos, ensino superior e autonomia financeira (Colacioppo, Koiffman, Riesco, Schneck, & Osava, 2010Colacioppo, P. M., Koiffman, M. D., Riesco, M. L. G., Schneck, C. A., & Osava, R. H. (2010). Parto domiciliar planejado: Resultados maternos e neonatais. Revista de Enfermagem Referência, 3(2), 81-90. http://www.scielo.mec.pt/pdf/ref/vserIIIn2/serIIIn2a09.pdf
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).

Segundo Sanfelice e Shim (2015Sanfelice, C. F. O., & Shim, A. K. K. (2015). Representações sociais sobre o parto domiciliar. Escola Anna Nery Revista de Enfermagem , 19(4), 606-613. https://doi.org/10.5935/1414-8145.20150081
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), as mulheres que optam pelo parto domiciliar planejado buscam por autonomia e domínio de seu corpo, pelo resgate da força feminina, e vivem esse momento de maneira individualizada. Há necessidade de confiança no profissional de saúde e a corresponsabilização entre ele e a mulher sobre as decisões no nascimento da criança, o que representa uma fuga da rigidez imposta na rotina e nos procedimentos hospitalares. A determinação final sobre o modo de parir é de responsabilidade médica, pois deriva de sua avaliação sobre o quadro clínico da mãe e do bebê. Considera-se também a opinião da mulher, seus sentimentos e crenças, assim como é desejável que ela desempenhe uma participação ativa, expressando seus desejos e dúvidas, e que os médicos apresentem informações atualizadas, baseadas em evidências, e compreendam a mulher nesse momento. É necessário que durante o pré-natal haja informação sobre os riscos e benefícios de cada parto.

O movimento de retorno ao parto domiciliar é uma tentativa de resgate da assistência humanizada e do protagonismo da mulher na cena de parto, como forma de evitar a incidência de violência obstétrica. A fim de compreendermos o que aqui chamamos de violência obstétrica, utilizamos a definição de Nascimento, Santos, Andrade, Costa e Brito (2017Nascimento, L. C., Santos, K. F. O., Andrade, C. G., Costa, I. C. P., & Brito, F. M. (2017). Relato de puérperas acerca da violência obstétrica nos serviços públicos. Revista de Enfermagem UFPE, 11(5), 2014-2023. https://doi.org/10.5205/reuol.9302-81402-1-RV.1105sup201706
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): corresponde a qualquer ato voltado à mulher gestante, parturiente e puérpera dentro das instituições de saúde, infligido por qualquer membro da equipe e instituição, que a fira física ou psicologicamente ou que viole seu corpo, sua intimidade e seus direitos. Esses atos podem ser de violência verbal, sexual, física, psicológica e institucional durante o atendimento.

A violência obstétrica de caráter físico, considera qualquer ato que viole o corpo da mulher e sua integridade, que possa causar dor ou dano físico, tais como a manobra de Kristeller, o uso excessivo de ocitocina, o não uso de medicação analgésica, imposição sobre a posição, cesariana sem o consentimento da mulher, entre outros (Nascimento et al., 2017Nascimento, L. C., Santos, K. F. O., Andrade, C. G., Costa, I. C. P., & Brito, F. M. (2017). Relato de puérperas acerca da violência obstétrica nos serviços públicos. Revista de Enfermagem UFPE, 11(5), 2014-2023. https://doi.org/10.5205/reuol.9302-81402-1-RV.1105sup201706
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).

A violência obstétrica de caráter verbal e psicológico se apresenta na imposição de práticas e condutas que desvalorizam, desrespeitam e não escutam a paciente. Acrescenta-se comunicação rude, pouco informativa, depreciativa e culpabilizadora utilizada pela equipe de saúde e a recriminação de comportamentos como o de gritar, que é uma resposta natural à sensação de dor. A violência obstétrica está presente também na mudança do protagonismo da mulher para a equipe de saúde e no distanciamento entre mãe e recém-nascido, na falta de contato pele a pele nas cesarianas, sem motivos que justifiquem, o que causa sofrimento desnecessário, tanto físico quanto psíquico (Pedroso & López, 2017Pedroso, C. N. L. S., & López, L. C. (2017). À margem da humanização? Experiências de parto de usuárias de uma maternidade pública de Porto Alegre-RS. Physis: Revista de Saúde Coletiva , 27(4), 1163-1184. https://doi.org/10.1590/s0103-73312017000400016
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).

Já a violência obstétrica de caráter sexual, segundo Nascimento et al. (2017Nascimento, L. C., Santos, K. F. O., Andrade, C. G., Costa, I. C. P., & Brito, F. M. (2017). Relato de puérperas acerca da violência obstétrica nos serviços públicos. Revista de Enfermagem UFPE, 11(5), 2014-2023. https://doi.org/10.5205/reuol.9302-81402-1-RV.1105sup201706
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), é aquela que viola a intimidade da mulher de maneira física, expondo seu corpo a intervenções desnecessárias como a episiotomia, toques excessivos, exames invasivos e desnecessários, ou situações que exponham sua intimidade ou violem seu pudor.

Os autores ainda acrescentam mais duas categorias de violência obstétrica: a violência institucional, quando a instituição por meio dos trabalhadores ou regimentos internos adota ações para dificultar o acesso da mulher ao atendimento; e a violência midiática, que se define pelas ações praticadas por profissionais através de meios de comunicação, dirigidas a violar psicologicamente mulheres em processos reprodutivos, bem como usurpar seus direitos mediante mensagens, imagens ou outros signos difundidos publicamente, como a apologia às práticas cientificamente contraindicadas, com fins sociais, econômicos ou de dominação.

As ações violentas durante o trabalho de parto elevam o nível de estresse, além de aumentarem a dor e contribuírem para avaliação negativa do parto e de si mesma, de modo que a mulher percebe-se como incapaz de parir e compreende a dor do parto como insuportável. Esses sentimentos são ligados ao desejo de realizar cesariana na próxima gestação, na esperança de experimentar uma nova vivência. A posição hierárquica entre paciente e equipe de saúde legitima as condutas de violência contra a mulher, pois estabelece a sensação de que por mais agressivas e dolorosas que sejam as ações, elas serão vistas pela mulher como necessárias, “feitas para o bem” (Pedroso & López, 2017Pedroso, C. N. L. S., & López, L. C. (2017). À margem da humanização? Experiências de parto de usuárias de uma maternidade pública de Porto Alegre-RS. Physis: Revista de Saúde Coletiva , 27(4), 1163-1184. https://doi.org/10.1590/s0103-73312017000400016
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). Não se pode negar a importância das técnicas obstétricas quando há impedimentos no trabalho de parto, mas é preciso sempre ponderar os riscos, tanto maternos quanto neonatais, para aplicar a técnica com crítica, pois é um acontecimento fisiológico capaz de se desenrolar naturalmente, de forma que as complicações são exceção e não regra (Balaskas, 2003Balaskas, J. (1993). Parto ativo: Guia prático para o parto natural. Editora GroundLtda.; Martins, 2004Martins, A. P. V. (2004). Visões do feminino: A medicina da mulher nos séculos XIX e XX. Fiocruz.).

O imaginário materno frente o parto

A primeira gestação e parto são fontes de ansiedade, angústia e medo, devido à ausência da experiência real. Tudo que se sabe sobre ambos se localiza no imaginário e sofre influências da mídia e dos relatos de outras mulheres para essa construção (Bezerra & Cardoso, 2005Bezerra, M. G. A., & Cardoso, M. V. L. M. L. (2005). Fatores interferentes no comportamento das parturientes: enfoque na etnoenfermagem. Revista Brasileira de Enfermagem, 58(6), 698-702. https://doi.org/10.1590/S0034-71672005000600013
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). Nesse contexto, a mulher forma em sua imaginação seu conceito particular de parto e, a partir dele, define o desejo sobre o modo de parir e sua conduta enquanto gestante e puérpera (Martins, 2004Martins, A. P. V. (2004). Visões do feminino: A medicina da mulher nos séculos XIX e XX. Fiocruz.).

O imaginário atribuído ao parto varia sob influência da história, da cultura e da tecnologia de assistência empregada nesse evento. Por exemplo, nas décadas de 1940 a 1960, era comum o medo do parto hospitalar, por se relacionar com o adoecimento e a precariedade da assistência (Leister & Riesco, 2013Leister, N., & Riesco, M. L. G. (2013). Assistência ao parto: História oral de mulheres que deram à luz nas décadas de 1940 a 1980. Texto & Contexto Enfermagem , 22(1), 166-174. https://doi.org/10.1590/S0104-07072013000100020
https://doi.org/10.1590/S0104-0707201300...
). Essa concepção frequentemente se apresenta, ainda hoje, com relação ao parto vaginal e a histórias de mortes e de desfechos indesejados que havia no passado (Nakano, Bonan, & Teixeira, 2015Nakano, A. R., Bonan, C., & Teixeira, L. A. (2015). A normalização da cesárea como modo de nascer: Cultura material do parto em maternidades privadas no Sudeste do Brasil. Physis: Revista de Saúde Coletiva , 25(3), 885-904. https://doi.org/10.1590/S0103-73312015000300011
https://doi.org/10.1590/S0103-7331201500...
).

Na atualidade, a principal ideia relacionada ao trabalho de parto é a de dor e sofrimento. Tais ideias são transferidas através das gerações com base na vivência feminina, cujos relatos conferem grande peso ao ideal de dor e sofrimento, pois são opiniões de pessoas que passaram por essa situação e normalmente surgem de mulheres próximas e de confiança da futura mãe (Bezerra & Cardoso, 2005Bezerra, M. G. A., & Cardoso, M. V. L. M. L. (2005). Fatores interferentes no comportamento das parturientes: enfoque na etnoenfermagem. Revista Brasileira de Enfermagem, 58(6), 698-702. https://doi.org/10.1590/S0034-71672005000600013
https://doi.org/10.1590/S0034-7167200500...
; Pereira, Franco, & Baldin, 2011aPereira, R. R., Franco, S. C., & Baldin, N. (2011a). A dor e o protagonismo da mulher na parturição. Revista Brasileira de Anestesiologia, 61(3), 376-388. https://doi.org/10.1590/S0034-70942011000300014
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).

Segundo Pereira, Franco e Baldin (2011aPereira, R. R., Franco, S. C., & Baldin, N. (2011a). A dor e o protagonismo da mulher na parturição. Revista Brasileira de Anestesiologia, 61(3), 376-388. https://doi.org/10.1590/S0034-70942011000300014
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; 2011b), com a aproximação da realização do parto, além do medo da dor, surge o medo de prejudicar a saúde fetal, medo da anestesia, do desconhecido, dos riscos e da recuperação de uma cesárea. A equipe de saúde, que acompanha o pré-natal, também contribui para confirmação dessas impressões maternas. Segundo as autoras, muitas vezes o médico evita o assunto do parto, oferece poucas informações, e a grande maioria se posiciona de maneira hierárquica, não consultando a opinião da mulher.

A contribuição histórica que associa a dor e o sofrimento ao parto exerce outras influências e também se apresenta na idealização do exercício da maternidade. A construção de maternidade funda-se nas concepções de teóricos dos séculos passados que buscavam postular regras para o exercício materno. O papel de mãe era compreendido como uma obrigação feminina a ser cumprida por todas as mulheres e, para o realizar, a mulher deveria enfrentar restrições em relação a seu corpo e seus desejos, viver em sofrimento e sacrifício com dedicação total a sua família e casa. A equivalência entre padecimento e maternidade recebe grande influência dos dizeres cristãos que culpabilizam a figura feminina pelas dores do parto, que seriam o preço a se pagar pelo pecado original (Badinter, 1985Badinter, E. (1985). Um amor conquistado: O mito do amor materno. Nova Fronteira.).

Somada a isso, a mídia, principalmente televisiva, estimula a imagem do parto cirúrgico como evoluído, limpo, sem sofrimento, enquanto o parto vaginal seria sujo, primitivo e desnecessariamente sofrido. Por fim, a mulher se vê na dúvida entre: enfrentar o parto vaginal e fracassar, o que influenciaria negativamente seu autoconceito de mãe e/ou faria mal a seu filho; ou delegar ao médico, detentor do saber e da capacidade de decisão correta, a escolha pela via de parto, “terceirizando o parto” e a culpa (Pereira et al., 2011aPereira, R. R., Franco, S. C., & Baldin, N. (2011a). A dor e o protagonismo da mulher na parturição. Revista Brasileira de Anestesiologia, 61(3), 376-388. https://doi.org/10.1590/S0034-70942011000300014
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).

Sobre o processo de decisão de parto, é comum entre as mulheres brasileiras não se basear nas informações médicas e científicas, mas na própria experiência ou na de mulheres próximas. Tal fato difere dos dados internacionais que relacionam a decisão pela via de parto a um maior número de informações médicas. Diante disso, as brasileiras consideram menos os riscos a serem enfrentados em cada um dos procedimentos e conduzem suas decisões pautadas em grande parte no medo, evitando dor e violência, e na possibilidade de realização de laqueadura durante o parto (Domingues et al., 2014Domingues, R. M. S. M., Dias, M. A. B., Nakamura-Pereira, M., Torres, J. A., d’Orsi, E., Pereira, A. P. E., Schilithz, A. O. C., & Leal, M. C. (2014). Processo de decisão pelo tipo de parto no Brasil: Da preferência inicial das mulheres à via de parto final. Caderno de Saúde Pública , 30(Supl. 1), 101-116. https://doi.org/10.1590/0102-311X00105113
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).

A visão sobre a cesariana pode variar de acordo com o atendimento prestado à mulher, isto é, privado ou público. No primeiro, essa via de parto é percebida positivamente, enquanto no segundo é relacionado a intercorrências. Além disso, no setor público, geralmente, a paciente dispõe de menos recursos financeiros e de apoio, então, o parto vaginal é tido como mais interessante pela rápida recuperação. As pesquisas mostram que, no início da gestação, a preferência das mulheres é pelo parto vaginal, mas no decorrer do pré-natal há pouco ou nenhum estímulo do médico em relação à permanência desse desejo. Observa-se um elevado número de cesarianas, com condução médica tendenciosa e assistência desumanizada no parto vaginal, o que cria uma “demanda” para futura cesariana a partir do trauma (Domingues et al., 2014Domingues, R. M. S. M., Dias, M. A. B., Nakamura-Pereira, M., Torres, J. A., d’Orsi, E., Pereira, A. P. E., Schilithz, A. O. C., & Leal, M. C. (2014). Processo de decisão pelo tipo de parto no Brasil: Da preferência inicial das mulheres à via de parto final. Caderno de Saúde Pública , 30(Supl. 1), 101-116. https://doi.org/10.1590/0102-311X00105113
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).

Nakano et al. (2015Nakano, A. R., Bonan, C., & Teixeira, L. A. (2015). A normalização da cesárea como modo de nascer: Cultura material do parto em maternidades privadas no Sudeste do Brasil. Physis: Revista de Saúde Coletiva , 25(3), 885-904. https://doi.org/10.1590/S0103-73312015000300011
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) relatam que, na atualidade, o parto considerado normal nas maternidades privadas é o cirúrgico. Isso se justifica devido à alta frequência de cesarianas e pela visão feminina que caracteriza o parto vaginal como anormal e “degradante”. Especificamente as mulheres com maior grau de instrução e poder aquisitivo recorrem à cesárea como fuga dos desconfortos da via vaginal e para encaixar o parto em sua rotina e na de seu médico, de modo que se evite imprevistos de trânsito, feriados ou falta de vaga. Há ainda relatos sobre a falta de controle, tanto da mulher quanto do médico, sobre o desenrolar de um parto vaginal e sua agressão ao corpo e à sexualidade, enquanto a cesárea seria salvadora e totalmente “prevista”, além de garantir a recuperação funcional e estética melhor ou mais rápida.

Já nas maternidades públicas brasileiras essa lógica se inverte: em 2017, 59,8% dos partos foram vaginais. Nesse mesmo ano, surgem as Diretrizes nacionais de assistência ao parto normal, visando atendimento humanizado e redução do número de cesarianas, que pela primeira vez não apresentou crescimento na rede pública e privada desde 2010 (Valadares, 2017Valadares, C. (2017). Pela primeira vez o número de cesarianas não cresce no país. Ministério da Saúde. https://bit.ly/3jRN67i
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). Dentre as recomendações feitas aos profissionais, destaca-se a comunicação e a troca de informações com a paciente em todo processo de acompanhamento e o direito dela de participar sobre as decisões e saber sobre condutas a serem tomadas, riscos e benefícios. A negativa dessa conduta se caracteriza como violência obstétrica, por privar a mulher de conhecer e exercer seus direitos, calar sua voz diante de seus medos e desejos, e por favorecer a desumanização da assistência (MS, 2017Ministério da Saúde. (2017). Diretrizes nacionais de assistência ao parto normal. https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/diretrizes_nacionais_assistencia_parto_normal.pdf
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).

Benincasa et al. (2017Benincasa, M., Romagnolo, A. N., Costa, A. O., Lazarini, N., Marques, T. F. P., & Rezende, M. M. (2017). Parto humanizado e violência obstétrica: Aspectos da realidade brasileira. In A. L. Oliveira & P. F. Castro (Orgs.), Psicologia: Diversos olhares (pp. 185-201). Edunitau.) citam que as mulheres com maior poder econômico geralmente são assistidas em maternidades privadas e têm cerca de 70% de chances de passarem por uma cesariana, desnecessariamente precedida de inúmeras intervenções ineficientes. As mulheres com menor renda estão expostas a 50% de risco de serem submetidas a intervenções rotineiramente desumanas para condução de seu parto, em grande parte vaginal. Esse panorama demonstra que a violência obstétrica se faz presente na vida das gestantes de maneira geral, de modo que pode ser explícita ou velada e disfarçada ou não de privilégio. Medidas de enfrentamento a essas transgressões exigem pouco investimento e podem ser facilmente alcançadas tanto pelo setor público quanto privado, pois o tratamento respeitoso da paciente pela equipe, o controle da dor sem fármacos e o apoio emocional à mulher são ganhos alcançados sem grandes complexidades.

Com relação à dor vivida na cesárea, não recebe tanta ênfase como no parto vaginal e é percebida como “normal”, semelhante a uma cirurgia qualquer. Aliás, é comum usar a expressão “operar” em substituição a “parir”. Não há apenas o desejo pelo parto cirúrgico, mas uma certeza, pois não se cogita a negativa médica. Muitas vezes justifica-se esse desejo culpando o corpo, julgando-o incapaz e inapropriado para parir. Essas mulheres manifestam interesses específicos sobre o ambiente em que seu filho irá nascer, como a presença de equipe de filmagem, acesso à internet ou uma internação semelhante a uma hospedagem em hotel. Ou seja, os desejos acompanham as exigências sociais de suas vidas (Nakano et al., 2015Nakano, A. R., Bonan, C., & Teixeira, L. A. (2015). A normalização da cesárea como modo de nascer: Cultura material do parto em maternidades privadas no Sudeste do Brasil. Physis: Revista de Saúde Coletiva , 25(3), 885-904. https://doi.org/10.1590/S0103-73312015000300011
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).

Apesar de o parto cirúrgico ser compreendido de maneira positiva, rápida e cômoda, não costuma ser ligado a sentimentos positivos como é o vaginal. Este último é visto como um momento de superação para a mulher, por culminar na felicidade da chegada do bebê por meio do sofrimento, além de propiciar o protagonismo feminino e a possibilidade de um contato mais íntimo entre mãe e filho, que facilita o vínculo. Essa visão é associada à possibilidade de um parto mais saudável e espontâneo, com menos intervenção (Velho, Santos, & Collaço, 2014Velho, M. B., Santos, E. K. A., & Collaço, V. S. (2014). Parto normal e cesárea: representações sociais de mulheres que os vivenciaram. Revista Brasileira de Enfermagem , 67(2), 282-289. https://doi.org/10.5935/0034-7167.20140038
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).

Há mulheres que possuem maior nível econômico e de instrução e que desejam o parto domiciliar. Buscam por um atendimento que permita o nascimento em um local de acolhimento para ambos. Essas gestantes têm uma visão mais positiva do parto vaginal, confiam mais em seu potencial fisiológico para dar à luz de forma natural e acreditam em uma hereditariedade sobre a facilidade ou não de parir. Comumente, quando se prefere um parto domiciliar planejado, o médico é substituído por uma enfermeira obstetra, pois normalmente a figura médica não costuma estimular ou permitir a autonomia da mulher (Medeiros et al., 2008Medeiros, R. M. K., Santos, I. M. M., & Silva, L. R. (2008). A escolha pelo parto domiciliar: história de vida de mulheres que vivenciaram. Escola Anna Nery Revista de Enfermagem, 12(4), 765-772. https://doi.org/10.1590/S1414-81452008000400022
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).

Enquanto isso, nos pré-natais realizados na rede pública, o parto vaginal é mais desejado pelas mulheres que dizem não sentir que sua escolha seja influenciada pelo médico. Porém, grande parte dos médicos opina negativamente sobre o direito de autonomia da mulher em participar da escolha do parto na rede pública (Leguizamon, Steffani, & Bonamigo, 2013Leguizamon, T. L. Jr., Steffani, J. A., & Bonamigo, E. L. (2013). Escolhas da via de parto: Expectativa de gestantes e obstetras. Revista Bioética, 21(3), 509-517. https://doi.org/10.1590/S1983-80422013000300015
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). Em consonância a essas afirmações, Weidle, Medeiros, Grave e Bosco (2014Weidle, W. G., Medeiros, C. R. G., Grave, M. T. Q., & Bosco, S. M. D. (2014). Escolha da via de parto pela mulher: Autonomia ou indução? Caderno de Saúde Coletiva, 22(1), 46-53. https://doi.org/10.1590/1414-462X201400010008
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) evidenciam que apesar do desejo materno pelo parto vaginal, a realização pela via cirúrgica é crescente. As mulheres que preferem o parto abdominal têm como característica comum um parto anterior traumático, seja abdominal ou vaginal. Segundo esses autores, as mulheres que experimentam a via vaginal se baseiam principalmente nos fatores culturais, familiares e na experiência anterior dessa via de parto, enquanto as mulheres que vivenciam o parto abdominal se pautam na indicação do médico e no medo do sofrimento pela via vaginal.

O medo pelo qual passam essas mulheres e a escassez de informações sobre o parto vaginal não permitem que tenham uma clareza sobre seus benefícios, assim, citam como vantagem apenas a rápida recuperação e conhecem equivocadamente as indicações para cesárea. Diante disso, é de importância ímpar a experiência do primeiro parto, pois ela pode influenciar diretamente na execução do segundo, de modo que fica a cargo do profissional de saúde fazer boas escolhas sobre suas condutas e praticar a política de humanização ao parto. Essas mulheres que são levadas a “escolher o parto cesáreo” têm sua autonomia comprometida, uma vez que não possuem conhecimentos para decidir (Weidle et al., 2014Weidle, W. G., Medeiros, C. R. G., Grave, M. T. Q., & Bosco, S. M. D. (2014). Escolha da via de parto pela mulher: Autonomia ou indução? Caderno de Saúde Coletiva, 22(1), 46-53. https://doi.org/10.1590/1414-462X201400010008
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).

Os profissionais de saúde muitas vezes usam o argumento de que o nascimento cirúrgico foi feito a pedido da paciente, mas isso parece mais um artifício para manter uma “cultura do parto cesário” do que verdadeiramente a realização do desejo da mulher. Outra maneira de perpetuar essa cultura é não sanar as dúvidas sobre a indicação médica da cirurgia, os riscos e o pós-operatório, o que causa medo e ansiedade. A grande maioria das mulheres deseja o parto vaginal, mas o mau atendimento favorece a cesariana a fim de diminuir seu sofrimento. Somente com um atendimento bem feito pela equipe nos momentos de pré-natal, pré-parto e parto, a mulher pode se sentir apoiada e esclarecida para encarar os medos e ansiedades que surgirão (Barbosa et al., 2003Barbosa, G. P., Giffin, K., Angulo-Tuesta, A., Gama, A. S., Chor, D., D’orsi, E., & Reis, A. C. G. V. (2003). Parto cesáreo: Quem o deseja? Em quais circunstâncias? Caderno de Saúde Pública, 19(6), 1611-1620. https://doi.org/10.1590/S0102-311X2003000600006
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).

Cardoso e Barbosa (2012Cardoso, J. E., & Barbosa, R. H. S. (2012). O desencontro entre desejo e realidade: a “indústria”da cesariana entre mulheres de camadas médias no Rio de Janeiro, Brasil. Physis: Revista de Saúde Coletiva, 22(1), 35-52. https://doi.org/10.1590/S0103-73312012000100003
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) afirmam que as pacientes percebem a relação com o obstetra como uma “arapuca”, pois no início ele garante o parto vaginal, mas no momento do parto realiza, sem explicação plausível, uma cesariana. Além disso, os profissionais de saúde pressionam usando a disponibilidade de vagas e justificativas duvidosas, aproveitam o medo da mulher para lhe impor a responsabilidade pelos riscos e medicalizam o medo materno para a indicação de cesariana com a “permissão” da mulher.

A questão do conhecimento sobre a parturição exerce grande influência na saúde física e emocional da mulher mesmo que não seja a primeira gestação, já que cada gravidez tem suas particularidades. O momento do pré-natal seria o mais propício para obter essas informações, mas não se restringe somente a ele. Porém, muitas vezes as estratégias adotadas são ineficazes, por falta de tempo, recurso ou interesse. É importante considerar os conhecimentos populares e a relevância deles para a mulher e sua família, a fim de estimular a autonomia e atividade nas decisões (Guerreiro, Rodrigues, Queiros, & Ferreira, 2014Guerreiro, E. M., Rodrigues, D. P., Queiros, A. B. A., & Ferreira, M. A. (2014). Educação em saúde no ciclo gravídico-puerperal: Sentidos atribuídos por puérperas. Revista Brasileira de Enfermagem , 67(1), 13-21. https://doi.org/10.5935/0034-7167.20140001
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).

As ações realizadas em grupo costumam obter bons resultados e satisfação das mulheres, por valorizarem a cultura e possibilitarem trocas de experiência entre os participantes e diálogo igualitário entre paciente e equipe da saúde. As mulheres participantes de grupos de gestantes o avaliam de maneira positiva e o consideram um importante recurso (Pereira et al., 2011bPereira, R. R., Franco, S. C., & Baldin, N. (2011b). Representações sociais e decisões das gestantes sobre a parturição: Protagonismo das mulheres. Saúde e Sociedade, 20(3), 579-589. https://doi.org/10.1590/S0104-12902011000300005
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). Sendo assim, a educação sobre a parturição pode também se estender a outros serviços de saúde e associações comunitárias (Guerreiro et al., 2014Guerreiro, E. M., Rodrigues, D. P., Queiros, A. B. A., & Ferreira, M. A. (2014). Educação em saúde no ciclo gravídico-puerperal: Sentidos atribuídos por puérperas. Revista Brasileira de Enfermagem , 67(1), 13-21. https://doi.org/10.5935/0034-7167.20140001
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).

Método

Foi realizada uma pesquisa descritiva, qualitativa, com participantes do Grupo de Gestantes de uma maternidade pública de Goiânia. Trata-se de um hospital municipal que realiza 100% dos atendimentos pelo SUS e é referência em todo o estado em assistência ao parto e nascimento humanizados. Os sujeitos do estudo foram quatro gestantes, de acordo com os critérios de inclusão: a) ser gestante; b) ser primigesta; e c) ser participante do Grupo de Gestantes oferecido pela maternidade. O critério de exclusão foi a gestação de alto risco, por essa característica poder definir a via de parto. O grupo de gestantes é coordenado pelo Serviço de Psicologia, mas com participação de toda equipe multiprofissional, com foco informativo e aberto à participação de qualquer gestante e seu acompanhante. O grupo ocorre semanalmente e é composto por 13 encontros, com cerca de duas horas de duração.

A coleta de dados se deu a partir de entrevistas semiestruturadas, realizadas individualmente em um único encontro na própria maternidade, após a aprovação pelo Comitê de Ética em Pesquisa. As entrevistas foram gravadas e transcritas na íntegra.

Para preservar a identidade das participantes, seus nomes foram substituídos pelas flores que nomeiam os setores da maternidade: Girassol, Rosa, Jasmim e Margarida. Os dados foram tratados pela análise de conteúdo, que consiste em descobrir os temas emergentes no material cuja presença seja significativa para o objeto analítico (Minayo, 2009Minayo, M. C. S. (2009). Trabalho de campo: contexto de observação, interação e descoberta. In M. C. S. Minayo (Org.), Pesquisa social: Teoria, método e criatividade (pp. 61-67). Vozes.). Os temas emergentes foram divididos em cinco categorias: percepção sobre cada via de parto; atenção à saúde; medos e ansiedades sobre o parto; contribuição da família e de amigas; e expectativas sobre o curso.

Resultados e discussão

Tabela 1
Dados sociodemográficos.

De acordo com os dados da Tabela 1, as mulheres tinham entre 18 e 22 anos, uma era solteira e as outras três estavam em união estável. Com relação ao grau de instrução, duas cursaram o ensino médio, uma cursa o ensino superior e outra possui ensino fundamental incompleto. Todas referem desejo pelo parto vaginal e receberam, até o momento da entrevista, nenhuma ou pouca informação sobre o parto. Apenas uma mulher planejou a gravidez.

Percepção sobre cada via de parto

Sobre os tipos de parto, três participantes relacionaram o parto vaginal à recuperação rápida, um ponto positivo, já que possibilita à mulher retomar a rotina e exercer melhor os cuidados com o bebê, como pode ser visto nos trechos a seguir: “Pra explicar eu não sei de muita coisa, eu sei de recuperação né que o parto normal é… Tem menos de como que fala é… É melhor pra se recuperar, leva menos tempo” (Girassol); “. . . vai ser bem mais fácil me recuperar, cuidar da minha filha” (Jasmim).

Tais informações corroboram com o exposto por Weidle et al. (2014Weidle, W. G., Medeiros, C. R. G., Grave, M. T. Q., & Bosco, S. M. D. (2014). Escolha da via de parto pela mulher: Autonomia ou indução? Caderno de Saúde Coletiva, 22(1), 46-53. https://doi.org/10.1590/1414-462X201400010008
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), que apontaram a recuperação rápida do parto vaginal como a vantagem mais difundida e, às vezes, a única conhecida. Domingues et al. (2014Domingues, R. M. S. M., Dias, M. A. B., Nakamura-Pereira, M., Torres, J. A., d’Orsi, E., Pereira, A. P. E., Schilithz, A. O. C., & Leal, M. C. (2014). Processo de decisão pelo tipo de parto no Brasil: Da preferência inicial das mulheres à via de parto final. Caderno de Saúde Pública , 30(Supl. 1), 101-116. https://doi.org/10.1590/0102-311X00105113
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) citam o interesse das mulheres no setor público de saúde para retomar sua rotina devido à escassez de auxílio em casa. Além disso, o parto vaginal foi considerado como mais saudável, natural, e, por isso, seguro, apesar de doloroso.

Eu acabo preferindo que seja o normal mesmo porque diz que a dor maior é só naquele momento, aí depois que passa fica mais tranquilo . . . e eu acho que é uma coisa mais natural, mais humanizado, eu acho que é assim (Rosa).

O entendimento trazido pelas entrevistadas se relaciona com a conclusão de Pereira et al. (2011aPereira, R. R., Franco, S. C., & Baldin, N. (2011a). A dor e o protagonismo da mulher na parturição. Revista Brasileira de Anestesiologia, 61(3), 376-388. https://doi.org/10.1590/S0034-70942011000300014
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) de que o parto vaginal é principalmente ligado à dor e ao sofrimento. As outras concepções demonstradas se aproximam do entendimento de naturalidade e confiança no corpo feminino para parir, segundo as quais o parto vaginal é mais seguro devido à fisiologia (Balaskas, 1993Balaskas, J. (1993). Parto ativo: Guia prático para o parto natural. Editora GroundLtda.) e proporciona superação da dor logo após o nascimento do bebê (Velho et al., 2014Velho, M. B., Santos, E. K. A., & Collaço, V. S. (2014). Parto normal e cesárea: representações sociais de mulheres que os vivenciaram. Revista Brasileira de Enfermagem , 67(2), 282-289. https://doi.org/10.5935/0034-7167.20140038
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).

Também foi estabelecida por Margarida a oposição entre humanização e animalização, uma vez que o parto é componente do humano social ao mesmo tempo em que ressalta nossas características animais.

É humano engravidar, ter um filho, mas ao mesmo tempo isso é animal, desumano, esquisito, então são as duas linhas de pensamento que eu tenho. Ao mesmo tempo que isso me dá um pouco de tranquilidade por ser algo normal e natural me dá um pouco de pavor por ser um pouco animal . . . (Margarida).

Essa relação estabelecida demonstra o distanciamento da naturalidade do processo de parir (Balaskas, 1993Balaskas, J. (1993). Parto ativo: Guia prático para o parto natural. Editora GroundLtda.), o que acarreta grande busca por intervenções para fugir dos desgastes do trabalho de parto. Essa concepção contribui para visão negativa em relação ao parto vaginal ao interpretá-lo como animalesco (Nakano et al., 2015Nakano, A. R., Bonan, C., & Teixeira, L. A. (2015). A normalização da cesárea como modo de nascer: Cultura material do parto em maternidades privadas no Sudeste do Brasil. Physis: Revista de Saúde Coletiva , 25(3), 885-904. https://doi.org/10.1590/S0103-73312015000300011
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), o que pode tornar a cesariana um procedimento mais evoluído por destinar o trabalho à equipe de saúde. Esse imaginário em torno do parto vaginal carrega consigo a influência principalmente da mídia que exalta a cesariana como mais evoluída, mais limpa e menos sofrida (Pereira et al., 2011aPereira, R. R., Franco, S. C., & Baldin, N. (2011a). A dor e o protagonismo da mulher na parturição. Revista Brasileira de Anestesiologia, 61(3), 376-388. https://doi.org/10.1590/S0034-70942011000300014
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).

Em relação às cesáreas, todas as participantes mencionaram a recuperação lenta e as complicações, tanto no processo de parto quanto no pós-parto, como Rosa exemplifica:

Eu acho que eu ficaria mais nervosa sabendo que não daria de ser o parto normal, acho que eu ficaria com um pouco de medo, não sei por que, acho que porque eu nunca fiz uma cirurgia nem nada e também porque já que não foi normal será que tem alguma complicação com o bebê alguma coisa (Rosa).

As mulheres participantes desta pesquisa compreendem de maneira mais crítica a recuperação lenta e a ligação entre a cesariana e as intercorrências no parto/gestação - dado que a intercorrência é uma indicação para realização de cesariana (MS, 2001Ministério da Saúde. (2001). Parto, aborto e puerpério: Assistência humanizada à mulher. https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/cd04_13.pdf
https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicaco...
) -, o que confirma o exposto por Domingues et al. (2014Domingues, R. M. S. M., Dias, M. A. B., Nakamura-Pereira, M., Torres, J. A., d’Orsi, E., Pereira, A. P. E., Schilithz, A. O. C., & Leal, M. C. (2014). Processo de decisão pelo tipo de parto no Brasil: Da preferência inicial das mulheres à via de parto final. Caderno de Saúde Pública , 30(Supl. 1), 101-116. https://doi.org/10.1590/0102-311X00105113
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), segundo quem as cesarianas, no setor público, costumam ser realizadas sem indicação médica real. Essas concepções se contrapõem à ideia positiva de que o parto abdominal seria um processo livre da dor e dos sofrimentos pelos quais a mulher pode passar, de recuperação melhor e mais rápida (Nakano et al., 2015Nakano, A. R., Bonan, C., & Teixeira, L. A. (2015). A normalização da cesárea como modo de nascer: Cultura material do parto em maternidades privadas no Sudeste do Brasil. Physis: Revista de Saúde Coletiva , 25(3), 885-904. https://doi.org/10.1590/S0103-73312015000300011
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).

Sobre a possibilidade de vivenciar a cesariana, apenas uma relatou tranquilidade frente ao fato, enquanto três participantes relataram sentimentos de medo e preocupação, por compreenderem essa via de parto como um procedimento cirúrgico assim como qualquer outro. Pode-se entender que essa via de parto retira do nascimento a essência de parir e que a visão cirúrgica sobre a cesariana substitui o “parir” por “operar” (Nakano et al., 2015Nakano, A. R., Bonan, C., & Teixeira, L. A. (2015). A normalização da cesárea como modo de nascer: Cultura material do parto em maternidades privadas no Sudeste do Brasil. Physis: Revista de Saúde Coletiva , 25(3), 885-904. https://doi.org/10.1590/S0103-73312015000300011
https://doi.org/10.1590/S0103-7331201500...
).

Atenção à saúde

Segundo metade das participantes, até o momento da entrevista, não havia sido ofertado durante o pré-natal nenhuma informação ou orientação sobre o trabalho de parto; a outra metade relatou ter recebido apenas poucas informações sobre o parto. Quando se discutiu sobre as vias de parto durante o pré-natal, a conversa se deu em direção única - a do médico -, sem questionamentos por parte da paciente, como ilustrado na fala a seguir:

A única coisa que me falaram é que o meu parto ia ser aqui na maternidade, disseram nada só que ia ser aqui, aí eu: “ai capaz que qualquer hora dessa vão me falar o porquê e pra que”. Não, não perguntei [o porquê] (Margarida).

A atenção dada a essas pacientes não condiz com a conduta de humanização na assistência ao pré-natal, em que as informações sobre a evolução da gestação e o parto, assim como riscos e benefícios de cada intervenção, devem ser repassadas a todo o momento (MS, 2000Ministério da Saúde. (2000). Assistência pré-natal: Manual técnico. https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/cd04_11.pdf
https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicaco...
; 2017Ministério da Saúde. (2017). Diretrizes nacionais de assistência ao parto normal. https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/diretrizes_nacionais_assistencia_parto_normal.pdf
https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicaco...
). A relação desigual entre profissional de saúde e paciente pode ser caracterizada como violência obstétrica, pois, para Pedroso e López (2017Pedroso, C. N. L. S., & López, L. C. (2017). À margem da humanização? Experiências de parto de usuárias de uma maternidade pública de Porto Alegre-RS. Physis: Revista de Saúde Coletiva , 27(4), 1163-1184. https://doi.org/10.1590/s0103-73312017000400016
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), esta também se manifesta nas falhas de comunicação, no desrespeito à opinião da mulher e na tomada do protagonismo pela equipe de saúde.

As mulheres que acompanham o pré-natal no serviço público de saúde, como as entrevistadas, desejam mais o parto vaginal e, assim como as brasileiras, norteiam-se mais pelas experiências femininas do que pelos dados médicos ou científicos (Domingues et al., 2014Domingues, R. M. S. M., Dias, M. A. B., Nakamura-Pereira, M., Torres, J. A., d’Orsi, E., Pereira, A. P. E., Schilithz, A. O. C., & Leal, M. C. (2014). Processo de decisão pelo tipo de parto no Brasil: Da preferência inicial das mulheres à via de parto final. Caderno de Saúde Pública , 30(Supl. 1), 101-116. https://doi.org/10.1590/0102-311X00105113
https://doi.org/10.1590/0102-311X0010511...
; Leguizamon et al., 2013Leguizamon, T. L. Jr., Steffani, J. A., & Bonamigo, E. L. (2013). Escolhas da via de parto: Expectativa de gestantes e obstetras. Revista Bioética, 21(3), 509-517. https://doi.org/10.1590/S1983-80422013000300015
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). As gestantes vítimas da falta de informação podem ter sua autonomia prejudicada e ser induzidas a “ansiar” por intervenções, como a cesariana, sem uma base para formar sua opinião (Weidle et al., 2014Weidle, W. G., Medeiros, C. R. G., Grave, M. T. Q., & Bosco, S. M. D. (2014). Escolha da via de parto pela mulher: Autonomia ou indução? Caderno de Saúde Coletiva, 22(1), 46-53. https://doi.org/10.1590/1414-462X201400010008
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), o que cede espaço para intervenções desnecessárias. Pode-se supor que as mulheres se utilizam mais de dados populares como compensação à falta médica sobre o parto, e não que desconsideram o que o médico tem a oferecer.

Ao abster-se de informar a paciente, o profissional de saúde contribui desestimulando o parto vaginal, desejado pelas gestantes, pois o bloqueio na troca de informações mantém as dúvidas e medos. Apesar disso, as participantes, até o momento da entrevista, ainda persistiam no desejo pelo parto vaginal, o que possivelmente constitui um viés desta pesquisa na medida em que as gestantes são instruídas sobre os benefícios e riscos de cada procedimento e incentivadas sobre o parto vaginal ao longo do grupo.

Dados colhidos por Leguizamon et al. (2013Leguizamon, T. L. Jr., Steffani, J. A., & Bonamigo, E. L. (2013). Escolhas da via de parto: Expectativa de gestantes e obstetras. Revista Bioética, 21(3), 509-517. https://doi.org/10.1590/S1983-80422013000300015
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) indicam que os profissionais de saúde no setor público acreditam que as usuárias desse sistema de saúde não deveriam ter autonomia e participação sobre o assunto de parto e, por isso, impedem que as pacientes alcancem meios de opinar, subjugando-as passivamente à ação da equipe. O pouco conhecimento e a falta de informação relatados nas entrevistas não se apresentam apenas no acompanhamento pré-natal, mas na saúde da mulher como um todo. Duas mulheres entrevistadas se mostraram pouco conscientes sobre contracepção e educação sexual, como exemplificado abaixo:

Foi uma surpresa, estava fazendo tratamento com antibiótico e no dia da relação estava ovulando e não sabia da interação com o remédio. Eu tomei pílula do dia seguinte e não funcionou, a camisinha estourou e aí eu tomei a pílula (Girassol).

Essa situação se mostra em desacordo com o estabelecido na Lei nº 9.263, que garante o acesso a informações, meios e técnicas de controle de natalidade e planejamento familiar igualmente a todos (Lei n. 9.263, 1996Lei nº 9.263, de 12 de Janeiro de 1996. (1996). Regula o § 7º do art. 226 da Constituição Federal, que trata do planejamento familiar, estabelece penalidades e dá outras providências. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L9263.htm
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Lei...
). A instrução incompleta sobre os métodos anticoncepcionais pode se constituir, na atenção ao pré-natal como citada por Guerreiro et al. (2014Guerreiro, E. M., Rodrigues, D. P., Queiros, A. B. A., & Ferreira, M. A. (2014). Educação em saúde no ciclo gravídico-puerperal: Sentidos atribuídos por puérperas. Revista Brasileira de Enfermagem , 67(1), 13-21. https://doi.org/10.5935/0034-7167.20140001
https://doi.org/10.5935/0034-7167.201400...
), na transferência vertical e ineficiente, marcada pelo relacionamento hierárquico entre profissional de saúde e paciente, devido à falta de tempo, recurso ou interesse de quem repassa.

Medos e ansiedades sobre o parto

As principais preocupações relatadas pelas entrevistadas diziam respeito à saúde de seu bebê, ao pós-parto e à vivência do parir, sem uniformidade em relação a esses sentimentos. O que elas mais temiam quanto ao momento do parto eram as possíveis intercorrências com seu filho que pudesse levar à realização de cesariana, o que retoma a ideia de que, caso o parto cirúrgico viesse a ocorrer, algo estaria fora do normal (Domingues et al., 2014Domingues, R. M. S. M., Dias, M. A. B., Nakamura-Pereira, M., Torres, J. A., d’Orsi, E., Pereira, A. P. E., Schilithz, A. O. C., & Leal, M. C. (2014). Processo de decisão pelo tipo de parto no Brasil: Da preferência inicial das mulheres à via de parto final. Caderno de Saúde Pública , 30(Supl. 1), 101-116. https://doi.org/10.1590/0102-311X00105113
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). O medo relativo ao pós-parto foi relatado por uma participante, por meio da possibilidade do surgimento da depressão pós-parto. Sobre a vivência da parturição, são referidos o medo de não perceber o início do trabalho de parto e o de estar fora de casa ou sozinha nesse momento.

O trabalho de parto também desperta ansiedade no sentido da curiosidade para ela mesma perceber se tudo o que lhe foi passado condiz com a realidade. “Acho que a hora do parto mesmo, pra saber assim como é, se é muita dor, se não, ou se é assim como elas falam [família e amigas] mesmo que vai ter muita complicação e tal” (Rosa).

As participantes relataram também o medo sobre o processo de parto, o medo da dor em ambas as vias de parto, medo da cesariana por nunca terem sido submetidas a algum procedimento cirúrgico, medo da anestesia, da episiotomia, da cicatrização com possíveis complicações, de maus tratos durante o atendimento e o medo de repetir em seu parto as ocorrências anteriores de sua família, como exemplificam os relatos de Jasmim e Rosa:

Ter que cortar, nossa. Não gosto nem de falar que eu passo mal. Não sei, tenho medo de doer, nossa tenho muito medo desse negócio de dar o pique lá [episiotomia]. A única coisa que eu tenho medo é disso. Da agulha nas costas também eu tenho muito medo e de eu sentir dor quando tiver cortando (Jasmim).

O medo em relação ao processo de nascimento também remete às experiências trazidas por outras mulheres, medo de que as histórias, principalmente da família, se repitam. Essa concepção remete à crença em um componente hereditário da dificuldade ou da facilidade em parir, como descrevem Medeiros et al. (2008Medeiros, R. M. K., Santos, I. M. M., & Silva, L. R. (2008). A escolha pelo parto domiciliar: história de vida de mulheres que vivenciaram. Escola Anna Nery Revista de Enfermagem, 12(4), 765-772. https://doi.org/10.1590/S1414-81452008000400022
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).

Os dados desta pesquisa corroboram com os de Pereira et al. (2011aPereira, R. R., Franco, S. C., & Baldin, N. (2011a). A dor e o protagonismo da mulher na parturição. Revista Brasileira de Anestesiologia, 61(3), 376-388. https://doi.org/10.1590/S0034-70942011000300014
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; 2011b) e Bezerra e Cardoso (2005Bezerra, M. G. A., & Cardoso, M. V. L. M. L. (2005). Fatores interferentes no comportamento das parturientes: enfoque na etnoenfermagem. Revista Brasileira de Enfermagem, 58(6), 698-702. https://doi.org/10.1590/S0034-71672005000600013
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), que afirmam que os sentimentos de medo, ansiedade e preocupação e seus objetos de destino são extremamente comuns em mães primigestas, uma vez que jamais passaram por essa experiência. Porém, a desinformação possibilita que esses afetos negativos ligados ao parto se perpetuem e aumentem a insegurança e a sensação de medo, facilitando que as mulheres desistam de sua participação ativa no trabalho de parto por acreditarem cegamente nas intervenções e decisões médicas a fim de livrar-se da dor e da incerteza, ou seja, abre-se espaço para a cultura de cesarianas (Barbosa et al., 2003Barbosa, G. P., Giffin, K., Angulo-Tuesta, A., Gama, A. S., Chor, D., D’orsi, E., & Reis, A. C. G. V. (2003). Parto cesáreo: Quem o deseja? Em quais circunstâncias? Caderno de Saúde Pública, 19(6), 1611-1620. https://doi.org/10.1590/S0102-311X2003000600006
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).

Contribuição da família e de amigas

Sobre as informações obtidas por meio da família e de mulheres próximas, três das entrevistadas relataram experiências traumáticas de terceiros no pós-parto e/ou no atendimento ao parto. A violência obstétrica se apresentou de diversas maneiras, como em esterilizações sem autorização e atendimento grosseiro e forçado. Houve também relato de imperícia médica, como suturar a cesariana com objetos deixados no interior do corpo, bem como relatos de complicações e de falta de recursos médicos. Girassol cita algumas dessas ocorrências a seguir:

Muita coisa, muita história, de complicação, que os médicos forçam muito e acontece complicação e também a questão dos objetos deixados quando é cesárea, . . . tipo, a minha avó tinha nenhuma autorização pra isso . . . , e aí fez a laqueadura sem o consentimento dela (Girassol).

As experiências compartilhadas por essas mulheres, familiares ou amigas, conferem grande peso à formação do imaginário de parto das entrevistadas, por se tratar de pessoas próximas e de confiança e que de fato viveram um parto (Pereira et al., 2011aPereira, R. R., Franco, S. C., & Baldin, N. (2011a). A dor e o protagonismo da mulher na parturição. Revista Brasileira de Anestesiologia, 61(3), 376-388. https://doi.org/10.1590/S0034-70942011000300014
https://doi.org/10.1590/S0034-7094201100...
; Bezerra, & Cardoso, 2005Bezerra, M. G. A., & Cardoso, M. V. L. M. L. (2005). Fatores interferentes no comportamento das parturientes: enfoque na etnoenfermagem. Revista Brasileira de Enfermagem, 58(6), 698-702. https://doi.org/10.1590/S0034-71672005000600013
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). Esses são relatos legítimos e que exemplificam uma realidade ainda recorrente, em que o ritmo de parto não é respeitado e o atendimento força uma cascata de intervenções ineficientes ou desnecessárias, em desrespeito aos corpos da mulher e do bebê, assim como a sua opinião e participação nesse processo. Esses excessos cometidos contra a mulher elevam o nível de estresse e, portanto, de dor, fatores que dificultam a parturição natural. Essas intervenções podem ser disfarçados do “feito para o bem”, do “fazer o que for melhor”, que conduzem a paciente à aceitação dos abusos como benéficos (Pedroso & López, 2017Pedroso, C. N. L. S., & López, L. C. (2017). À margem da humanização? Experiências de parto de usuárias de uma maternidade pública de Porto Alegre-RS. Physis: Revista de Saúde Coletiva , 27(4), 1163-1184. https://doi.org/10.1590/s0103-73312017000400016
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), visão que as entrevistadas não compartilham, uma vez que todas compreendem essas experiências como forma de violência. Porém, esse fato não evita que sintam medo diante dessas experiências, o que foi relatado pelas três participantes que receberam informações rasas.

As experiências ruins de parto, com atendimento desumanizado, estão ligadas ao aumento do número de cesarianas sem indicações reais ou sem o início do trabalho de parto, uma vez que se cria a demanda a partir do trauma anterior (Domingues et al., 2014Domingues, R. M. S. M., Dias, M. A. B., Nakamura-Pereira, M., Torres, J. A., d’Orsi, E., Pereira, A. P. E., Schilithz, A. O. C., & Leal, M. C. (2014). Processo de decisão pelo tipo de parto no Brasil: Da preferência inicial das mulheres à via de parto final. Caderno de Saúde Pública , 30(Supl. 1), 101-116. https://doi.org/10.1590/0102-311X00105113
https://doi.org/10.1590/0102-311X0010511...
; Weidle et al., 2014Weidle, W. G., Medeiros, C. R. G., Grave, M. T. Q., & Bosco, S. M. D. (2014). Escolha da via de parto pela mulher: Autonomia ou indução? Caderno de Saúde Coletiva, 22(1), 46-53. https://doi.org/10.1590/1414-462X201400010008
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). Diante disso, é possível perceber a importância da experiência do primeiro parto, pois contribuirá na formação do conceito materno de parto e baseará suas próximas decisões e desejos. Por isso, é fundamental a execução de boas condutas que humanizem o atendimento.

Expectativas sobre o curso

Todas as participantes afirmaram que suas expectativas quanto ao Grupo de Gestantes eram de aprender com a equipe multiprofissional e com a experiência das outras mulheres, trocando informações e tirando dúvidas. O desejo de aprender se voltou aos cuidados com o recém-nascido e à amamentação, aos meios de evitar complicações na gestação e exercícios que favoreçam o parto vaginal, aos direitos da mulher para se empoderar e se posicionar como protagonistas do parto, assim como às alterações emocionais, como pode ser visto nos trechos a seguir: “Minha expectativa é que eu aprenda e no meu parto eu não deixe ninguém fazer nada de errado comigo e diante disso colocar em prática tudo que tá sendo ensinado para que eu não tenha um parto de risco” (Girassol); “Acho que novas experiências né, que só teve uma que teve neném, e, assim, aprender umas com as outras, saber as curiosidades das outras grávidas também, tirar dúvidas, essas coisas” (Rosa).

As atividades educativas em formato de grupo costumam obter bons resultados e alcançar a satisfação das participantes, pois a troca de experiências individuais valoriza a cultura das integrantes. Essa estratégia cria um ambiente mais igualitário entre a equipe de saúde e os membros do grupo, facilitando o aprendizado e o estabelecimento da confiança. Como podemos perceber nos relatos das entrevistadas, a relação hierárquica entre médico-paciente proporciona uma transferência vertical de informações, sem que possa haver troca, o que desvaloriza o conhecimento popular e as vivências e configura um método pouco eficaz na educação em saúde (Guerreiro et al., 2014Guerreiro, E. M., Rodrigues, D. P., Queiros, A. B. A., & Ferreira, M. A. (2014). Educação em saúde no ciclo gravídico-puerperal: Sentidos atribuídos por puérperas. Revista Brasileira de Enfermagem , 67(1), 13-21. https://doi.org/10.5935/0034-7167.20140001
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).

Considerações finais

A análise dos dados revelou que o imaginário materno é majoritariamente composto por aspectos negativos sobre os partos e o medo é seu principal componente. Apesar disso, o parto vaginal apresenta características positivas, como a recuperação rápida e suas naturalidade e normalidade em relação às saúdes da mãe e do bebê; talvez por isso, todas as participantes manifestaram desejo por essa via de parto. Em contraposição, as participantes ligaram o parto cesáreo apenas a intercorrências e ao risco às vidas maternal e fetal. Além disso, houve também a percepção de que a cesariana retira a ideia de parir do nascimento, reduzindo-o a um procedimento cirúrgico. Para composição do imaginário das participantes, a contribuição principal se deu pela família e amigas, já que a equipe de saúde havia transmitido pouco ou nenhum conhecimento sobre o tema.

Há grande manifestação de medo e preocupações ligados às possíveis complicações no parto, na saúde do bebê, na recuperação pós-parto e nas intervenções como anestesia e episiotomia. O medo também apareceu ligado aos relatos de terceiros, pois temem a possibilidade de viver as histórias de desrespeito à humanização e de intercorrências naturais. Porém, também há ansiedade para experimentar o trabalho de parto a fim de definir por si só aquela experiência e julgar se as informações compartilhadas são reais.

A assistência prestada à saúde da mulher se mostrou incompleta e carente de novos estudos e práticas por não se encaixar nos preceitos do SUS para o atendimento humanizado, na medida em que tanto as entrevistadas como as mulheres próximas a elas foram vítimas de violência obstétrica, seja por desinformação seja por maus tratos. As gestantes entrevistadas, atentas a essas ocorrências, posicionam-se de maneira crítica à execução de cesarianas e ao mau atendimento.

As participantes da pesquisa buscaram o grupo de gestantes para esclarecer dúvidas, aprender e trocar informações com a equipe multiprofissional e com as outras integrantes. Esse desejo demonstra como a atenção dada na consulta de pré-natal é falha e faz com que as mulheres busquem outros meios. Os fatos de as entrevistadas serem integrantes do grupo e buscarem mais conhecimento apresentam-se como um viés neste estudo, pois a escolha e as concepções sobre o parto talvez variem entre as gestantes que não participam do grupo.

Apesar do pequeno número de participantes, os dados demonstram uma mudança no posicionamento feminino na relação paciente-médico, pois elas não se sujeitam a qualquer ação sob pena de não ser atendida ou ser desrespeitada. Essa mudança se apresenta também diante da escolha de parto, por meio do desejo de participação ativa no parto e da busca por conhecimento e seus direitos para garantir o parto vaginal. Essa contrariedade em relação aos aspectos históricos e culturais pode significar a construção de um novo imaginário diante do parto, em que a figura feminina retoma o papel principal e exige que a assistência se configure ao redor de sua participação e suas preocupações.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    22 Out 2021
  • Data do Fascículo
    2021

Histórico

  • Recebido
    26 Maio 2019
  • Aceito
    10 Set 2020
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