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Alimentação e Cirurgia Bariátrica: Representações Sociais de Pessoas Obesas

Eating and Bariatric Surgery: Social Representations of Obese People

Alimentación y Cirugía Bariátrica: Representaciones Sociales de Personas Obesas

Resumo

A alimentação, as práticas de emagrecimento e a cirurgia bariátrica são temas estudados em diferentes concepções, em interface entre as áreas das ciências humanas e da saúde. Este estudo propõe uma aproximação da teoria das Representações Sociais às complexas implicações das práticas de saúde adotadas por pessoas obesas frente aos padrões de beleza socialmente impostos. Objetivou-se compreender as Representações Sociais da alimentação e da cirurgia bariátrica entre 16 pessoas obesas de idades entre 20 e 58 anos e Índice de Massa Corporal (IMC) médio de 38,3kg/m2, com as quais foram realizadas entrevistas com questões abertas sobre a alimentação e a cirurgia bariátrica. Os dados foram analisados por Classificação Hierárquica Descendente por meio do programa IRaMuTeQ. Os resultados indicam que a alimentação assume representações sociais ambíguas, ora voltadas ao prazer ora ao sofrimento pela dificuldade de controle. Quando a obesidade se instala, a cirurgia bariátrica surge como esperança definitiva para a solução dos problemas, além de suscitar, mas, além da esperança, experencia-se também o medo do fracasso e das mudanças decorrentes da intervenção cirúrgica.

Palavras-chave:
Representações Sociais; Transtornos da Alimentação; Comportamento Alimentar; Emagrecimento; Cirurgia Bariátrica

Abstract

Food, weight loss practices, and bariatric surgery are themes studied under different conceptions on both the fields of the humanities and health. This study aims to approximate the theory of social representations to the implications of health practices adopted by obese people in view of the socially-imposed beauty standards. To understand the Social Representations of food and bariatric surgery, open-questions interviews about eating habits and bariatric surgery were conducted with 16 obese people aged between 20 and 58 years with mean body mass index of 38.3 kg / m2. Data were analyzed by descending hierarchical classification using the IRaMuTeQ program. The results indicate that food has ambiguous social representations, at times related to pleasure and at others to suffering due to the difficulty of control. When obesity sets in, bariatric surgery emerges as the ultimate hope for solving problems; however, along with hope, individuals experience the fear of failure and changes resulting from the surgical intervention.

Keywords:
Social Representations; Eating Disorders; Eating Habits; Weight Loss; Bariatric Surgery

Resumen

La alimentación, las prácticas de adelgazamiento y la cirugía bariátrica son temas abordados en las áreas de las humanidades y la salud desde diferentes enfoques. Este estudio propone una aproximación de la teoría de las representaciones sociales a las complejas implicaciones de las prácticas de salud adoptadas por las personas obesas ante los estándares de belleza impuestos por la sociedad. Su propósito fue comprender las representaciones sociales de la cirugía alimentaria y bariátrica de 16 personas obesas, con edades entre 20 y 58 años e índice de masa corporal (IMC) promedio de 38,3 kg/m2; las cuales participaron de entrevistas con preguntas abiertas sobre la alimentación y la cirugía bariátrica. Los datos se analizaron por clasificación jerárquica descendente utilizando el programa IRaMuTeQ. Los resultados indican que los alimentos tienen representaciones sociales ambiguas, que a veces se convierten en placer y, otras, en sufrimiento debido a la dificultad de control. Cuando la obesidad se instala, la cirugía bariátrica se vuelve una ilusión definitiva como la solución de los problemas, junto con el miedo al fracaso y los cambios resultantes de esta intervención quirúrgica.

Palabras clave:
Representaciones Sociales; Trastornos de Alimentación; Conducta Alimentaria; Pérdida de Peso; Cirugía Bariátrica

Introdução

O comportamento alimentar não está relacionado apenas àquilo que comemos, mas também a aspectos subjetivos do ato de comer. A comida reflete a organização social, a essência simbólica dos costumes e o registro do modo de pensar a corporalidade do mundo, em qualquer que seja a sociedade. Os alimentos não são apenas comidos, mas também pensados; a comida possui um significado simbólico, muito além da nutrição (Magalhães, Bernardes, & Tiengo, 2017Magalhães, L. M., Bernardes, A. C. B., & Tiengo, A. (2017). A influência de blogueiras fitness no consumo alimentar da população. Revsita Brasileira de Obesidade, Nutrição e Emagrecimento, 11(68), 685-692. http://www.rbone.com.br/index.php/rbone/article/view/629/492
http://www.rbone.com.br/index.php/rbone/...
; Pinheiro, Carneiro, Pinheiro, & Nascimento, 2018Pinheiro, L. V. de S., Carneiro, C. M. d. F. M. L., Pinheiro, J. de Q., & Nascimento, J. C. H. B. (2018). De saberes e sabores à escolha alimentar: uma análise a partir da conectividade com a natureza e da orientação temporal para o consumo de alimentos orgânicos. Revista de Gestão Social e Ambiental, 12(2), 02-20. https://doi.org/10.24857/rgsa.v12i2.1441
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).

Hoje, os padrões sociais disseminados pela mídia e pelas redes sociais ditam práticas alimentares adequadas ao modelo de corpo considerado belo e saudável. Nesse sentido, quando há mudanças nos hábitos alimentares e a pessoa se torna obesa, as mudanças causadas no corpo e na imagem corporal causam impactos sentidos de distintas maneiras (Justo, Camargo, & Bousfield, 2020Justo, A. M., Camargo, B. V., & Bousfield, A. B. (2020). Obesidade, representações e categorização social. Barbarói, (56), 164-188. http://doi.org/10.17058/barbaroi.v0i0.14752
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; Magalhães et al., 2017Magalhães, L. M., Bernardes, A. C. B., & Tiengo, A. (2017). A influência de blogueiras fitness no consumo alimentar da população. Revsita Brasileira de Obesidade, Nutrição e Emagrecimento, 11(68), 685-692. http://www.rbone.com.br/index.php/rbone/article/view/629/492
http://www.rbone.com.br/index.php/rbone/...
; Marchesini & Antunes, 2017Marchesini, S. D., & Antunes, M. C. (2017). A percepção do corpo em pacientes bariátricos e a experiência do medo do reganho do peso. Interação em Psicologia, 21(2), 127-136. http://doi.org/10.5380/psi.v21i2.47944
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; Pinto et al., 2020Pinto, L. S., Polli, G. M., Basso, B. C., Rezende, C. F. C., Silva, G. P. N., Almeida, L. L., & Antunes, M. C. (2020). Representações Sociais de Beleza e de Saúde entre Mulheres com Obesidade. Psicologia Argument, 38(100), 290-315. http://doi.org/10.7213/psicolargum.38.100.AO05
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; Polli et al., 2018Polli, G. M., Silva, J. C. C., Pereira, M. G., Reis, R. A., Peruci, T. T., Gelinski, E. M. M., & Gebara, T. S. S. (2018). Social representations of anorexia among university students and risk factors: possible relations. Psico PUCRS, 49(1), 12-20. http://doi.org/10.15448/1980-8623.2018.1.25251
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; Samuel & Polli, 2020Samuel, L. Z., & Polli, G. M. (2020). Representações Sociais e Transtornos Alimentares: Revisão Sistemática. Boletim - Academia Paulista de Psicologia, 40(98), 91-99.; Souza, Ribeiro, Polli, & Wanderbroocke, 2019Souza, S. C. S. de, Ribeiro, R. D., Polli, G. M., & Wanderbroocke, A. C. (2019). Social Representations of the Body and Health for Physically Active and Inactive Individuals. Trends in Psychology, 27(4), 961-975. http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S2358-18832019000400961&nrm=iso
http://www.scielo.br/scielo.php?script=s...
).

Obesidade e sobrepeso, doenças classificadas pelo Código Internacional de Doenças (CID) (Organização Mundial da Saúde [OMS], 2016Organização Mundial da Saúde. (2016). CID-10. Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde. Edusp. http://www.datasus.gov.br/cid10/V2008/cid10.htm
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), são caracterizadas pelo acúmulo de gordura corporal, considerando a relação entre o peso e a altura. Considera-se obeso aquele cujo valor de cálculo de Índice de Massa Corporal (IMC) - peso em quilos dividido pela altura ao quadrado em metros - é igual ou maior de 30kg/m2, e com sobrepeso aquele que cujo valor de cálculo de IMC esteja entre 25,00 a 29,99kg/m², conforme classificação adaptada pela OMS (2000Organização Mundial da Saúde. (2000). Obesity: preventing and managing the global epidemic [Report]. https://apps.who.int/iris/handle/10665/42330
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). Embora a ingestão excessiva de alimentos esteja frequentemente relacionada à ocorrência de obesidade, a doença possui origem multifatorial e pode ser considerada um produto da interação entre fatores ambientais, comportamentais e genéticos.

A obesidade é um dos maiores problemas de saúde pública do século XXI (Linhares, Sousa, Martins, & Barreto, 2016Linhares, F. M. M., Sousa, K. M. de O., Martins, E. de N. X., & Barreto, C. C. M. (2016). Obesidade infantil: influência dos pais sobre a alimentação e estilo de vida dos filhos. Temas em Saúde, 16(2), 460-481. http://temasemsaude.com/wp-content/uploads/2016/08/16226.pdf
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; Morales & Lorenzo, 2014Morales, S. Y. A., & Lorenzo, Z. B. (2014). Prevalencia y situación actual de la obesidad: ¿Cómo se construye su representación social? Ciencia UNEMI, 7(12), 9-15. http://doi.org/10.29076/issn.2528-7737vol7iss12.2014pp9-15p
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), na medida em que suas consequências para a saúde variam de maior risco de morte prematura a diversas doenças não fatais com efeitos adversos sobre a qualidade de vida, como doenças cardiovasculares, hipertensão arterial, diabetes, entre outros (Lima & Oliveira, 2016Lima, A. C. R., & Oliveira, A. B. (2016). Fatores psicológicos da obesidade e alguns apontamentos sobre a terapia cognitivo-comportamental. Mudanças: Psicologia da Saúde, 24(1), 1-14. http://doi.org/10.15603/2176-1019/mud.v24n1p1-14
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; Pinto et al., 2020Pinto, L. S., Polli, G. M., Basso, B. C., Rezende, C. F. C., Silva, G. P. N., Almeida, L. L., & Antunes, M. C. (2020). Representações Sociais de Beleza e de Saúde entre Mulheres com Obesidade. Psicologia Argument, 38(100), 290-315. http://doi.org/10.7213/psicolargum.38.100.AO05
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; Williams, Mesidor, Winters, Dubbert, & Wyatt, 2015Williams, E. P., Mesidor, M., Winters, K., Dubbert, P. M., & Wyatt, S. B. (2015). Overweight and Obesity: Prevalence, Consequences, and Causes of a Growing Public Health Problem. Current Obesity Reports, 4(3), 363-370. http://doi.org/10.1007/s13679-015-0169-4
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). Além do comprometimento da saúde física, a obesidade está relacionada à ocorrência de problemas psicológicos, como depressão, ansiedade, autoestima rebaixada; e sociais, como dificuldades de relacionamento, bullying e discriminação social (Koelzer, Castro, Bousfield, & Camargo, 2016Koelzer, L. P., Castro, A., Bousfield, A. B. S., & Camargo, B. V. (2016). O “olhar preconceituoso”: Representações sociais sobre fotografias nas redes sociais. Estudos e Pesquisas em Psicologia, 16(2), 431-449. http://doi.org/10.12957/epp.2016.29169
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; Lima & Oliveira, 2016Lima, A. C. R., & Oliveira, A. B. (2016). Fatores psicológicos da obesidade e alguns apontamentos sobre a terapia cognitivo-comportamental. Mudanças: Psicologia da Saúde, 24(1), 1-14. http://doi.org/10.15603/2176-1019/mud.v24n1p1-14
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; Williams et al., 2015Williams, E. P., Mesidor, M., Winters, K., Dubbert, P. M., & Wyatt, S. B. (2015). Overweight and Obesity: Prevalence, Consequences, and Causes of a Growing Public Health Problem. Current Obesity Reports, 4(3), 363-370. http://doi.org/10.1007/s13679-015-0169-4
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).

A OMS (2017Organização Mundial da Saúde. (2017). Overweight and Obesity in the Western Pacific Region: An Equity Perspective.) aponta que o número de pessoas com obesidade no mundo mais que duplicou desde a década de 1980. O panorama brasileiro não é diferente do mundial, pois o país enfrenta um grande desafio no controle da obesidade, cuja prevalência tem se demonstrado crescente de forma alarmante nas últimas décadas (Associação Brasileira para o Estudo da Obesidade e Síndrome Metabólica [Abeso], 2016Associação Brasileira para o Estudo da Obesidade e Síndrome Metabólica. (2016). Mapa da obesidade. https://abeso.org.br/obesidade-e-sindrome-metabolica/mapa-da-obesidade/
https://abeso.org.br/obesidade-e-sindrom...
; Ministério da Saúde [MS], 2018aMinistério da Saúde. (2018a). Vigilância das Doenças Crônicas Não Transmissíveis e Promoção de Saúde. https://bvsms.saude.gov.br/bvs/folder/vigilancia_doencas_agravos_nao_transmissiveis_promocao_saude.pdf
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). Atualmente, um em cada cinco brasileiros está com sobrepeso ou obesidade e, entre 2006 e 2016, o número de brasileiros com obesidade aumentou em 60% (MS, 2018bMinistério da Saúde. (2018b). Vigitel Brasil 2017 Saúde Suplementar: vigilância de fatores de risco e proteção para doenças crônicas por inquérito telefônico. http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/vigitel_brasil_2017_saude_suplementar.pdf
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).

Os programas de perda de peso envolvem a combinação de mudança de hábitos alimentares, de hábitos de vida, prática de atividades físicas e, em alguns casos, utilização de medicação e/ou tratamento cirúrgico. Contudo, muitas pessoas submetidas a tais programas de métodos convencionais não obtêm sucesso (Barros, 2015Barros, F. (2015). Qual o maior problema de saúde pública: a obesidade mórbida ou a cirurgia bariátrica no Sistema Único de Saúde (SUS)? (Parte II). Revista do Colégio Brasileiro de Cirurgiões, 42(3), 136-137. http://doi.org/10.1590/0100-69912015003001
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), motivo pelo qual a cirurgia bariátrica tem despontado como um método eficiente para tratamento da obesidade. Porém, o método é considerado mais invasivo, uma vez que visa reduzir a ingestão de alimentos e a absorção de nutrientes por meio de uma intervenção no aparelho digestivo. Por isso, a cirurgia é indicada em casos de insucesso do tratamento dietético e medicamentoso e quando o quadro de saúde da pessoa apresenta riscos que se sobrepõem aos riscos do procedimento cirúrgico (C. Silva & Faro, 2015Silva, C., & Faro, A. (2015). Significações Relacionadas à Cirurgia Bariátrica: Estudo no Pré e Pós-Operatório. Salud & Sociedad, 6(2), 156-169. http://doi.org/10.22199/S07187475.2015.0002.00004
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).

Este estudo buscou considerar os fatores sociais envolvidos no desejo de perder peso entre pessoas obesas, procurando conhecer pensamentos socialmente compartilhados sobre a alimentação e a cirurgia bariátrica. Para tanto, utiliza-se o aporte teórico das Representações Sociais (RS). Jodelet (2001Jodelet, D. (2001). Representações sociais: Um domínio em expansão. In D. Jodelet (Ed.), As representações sociais (pp. 17-44). EdUERJ.) indica que RS são conhecimentos compartilhados socialmente por pessoas que interagem por meio da comunicação e esse compartilhamento as permite criar uma realidade social comum.

As RS caracterizam-se como sistemas de valores, ideias e práticas com a dupla função de convencionalizar o mundo e de serem prescritivas das práticas sociais. Tratam do senso comum como uma forma de compreensão baseada em imagens e sentidos, necessária à existência das coletividades (Camargo, Justo, & Alves, 2011Camargo, B. V., Justo, A. M., & Alves, C. D. B. (2011). As funções sociais e as representaçõessociais em relação ao corpo: uma comparação geracional. Temas em Psicologia , 19(1), 269-281. http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1413-389X2011000100022&nrm=iso
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). As RS devem ser estudadas levando-se em conta os elementos afetivos, cognitivos, mentais e sociais, pois elas fazem parte das interpretações estabelecidas pelas pessoas em sua relação com o mundo e com os outros e, consequentemente, conduzem comportamentos e interações sociais, interferem em processos relacionados à propagação e compreensão das ideias, na descrição das identidades pessoais e coletivas, na revelação dos conjuntos e nas transformações comunitárias (Jodelet, 2001Jodelet, D. (2001). Representações sociais: Um domínio em expansão. In D. Jodelet (Ed.), As representações sociais (pp. 17-44). EdUERJ.). O papel das RS nas práticas e nas relações sociais pode ser percebido em suas funções: a função de saber torna familiar algo diferente, oportunizando seu entendimento e significado perante a realidade; a de orientação age como norteadora de práticas e condutas; a justificadora aparece como modelo esclarecedor de comportamentos e práticas; e a identitária distingue as pessoas que, ao compartilhar representações sociais, sentem-se pertencentes a certos grupos (Abric, 1994Abric, J.-C. (1994). Pratiques sociales, representation sociales. In J.-C. Abric (Ed.), Pratiques Sociales & représentations (pp. 217-238). Press Universitaires de France., 1998Abric, J.-C. (1998). A abordagem estrutural das representações sociais. In A. S. P. Moreira & D. C. D. Oliveira (Eds.), Estudos interdisciplinares de representação social (pp. 27-38). AB.).

As RS e as práticas socialmente compartilhadas sobre a alimentação têm sido foco de estudos no campo da psicologia social. Teo (2010Teo, C. R. P. A. (2010). Discursos e a construção do senso comum sobre alimentação a partir de uma revista feminina. Saúde e Sociedade, 19(2), 333-346. https://doi.org/10.1590/S0104-12902010000200010
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) investigou o discurso midiático sobre a alimentação saudável em uma análise de 12 matérias de capa de uma revista feminina. Verificou que a ambiguidade entre saúde e beleza é proeminente, que há um forte apelo ao corpo perfeito e que o discurso sobre a alimentação diverge do saber científico produzido na área da nutrição. Já Barbosa e Silva (2016Barbosa, B. R. S. N., & Silva, L. V. (2016). A mídia como instrumento modelador de corpos: um estudo sobre gênero, padrões de beleza e hábitos alimentares. Razón y Palabra, 20(94), 672-687. http://www.redalyc.org/articulo.oa?id=199547464041
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) verificaram que o padrão imposto pela mídia muitas vezes está relacionado a hábitos alimentares danosos à saúde, especialmente entre as mulheres.

Souto e Ferro-Bucher (2006Souto, S., & Ferro-Bucher, J. S. N. (2006). Práticas indiscriminadas de dietas de emagrecimento e o desenvolvimento de transtornos alimentares. Revista de Nutrição, 19(6), 693-704. http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1415-52732006000600006&nrm=iso
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), em uma pesquisa com sete mulheres portadoras de transtornos alimentares, verificaram que o ideal de beleza disseminado pela mídia influencia as práticas alimentares e a insatisfação com a própria imagem corporal. Já em uma pesquisa realizada com 24 adolescentes sobre as RS do ser saudável, a alimentação foi enfatizada como uma das formas de obter saúde, aliada à prática de atividades físicas e cuidados com a saúde, como consultas médicas frequentes e realização de exames periódicos (A. C. S. de Silva et al., 2014Silva, A. C. S. de, Sales, Z. N., Moreira, R. M., Boery, E. N., Santos, W. de S., & Teixeira, J. R. B. (2014). Representações sociais de adolescentes sobre ser saudável. Revista Brasileira de Ciências do Esporte, 36(2), 397-409. http://doi.org/10.1590/S0101-32892014000200009
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).

Um padrão alimentar considerado saudável, que nem sempre equivale aos conhecimentos produzidos no campo da ciência, é divulgado pelas grandes mídias e ditam comportamentos alimentares considerados adequados para a conquista de um corpo belo e saudável (A. C. S. de Silva et al., 2014Silva, A. C. S. de, Sales, Z. N., Moreira, R. M., Boery, E. N., Santos, W. de S., & Teixeira, J. R. B. (2014). Representações sociais de adolescentes sobre ser saudável. Revista Brasileira de Ciências do Esporte, 36(2), 397-409. http://doi.org/10.1590/S0101-32892014000200009
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; Souto & Ferro-Bucher, 2006Souto, S., & Ferro-Bucher, J. S. N. (2006). Práticas indiscriminadas de dietas de emagrecimento e o desenvolvimento de transtornos alimentares. Revista de Nutrição, 19(6), 693-704. http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1415-52732006000600006&nrm=iso
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; Teo, 2010Teo, C. R. P. A. (2010). Discursos e a construção do senso comum sobre alimentação a partir de uma revista feminina. Saúde e Sociedade, 19(2), 333-346. https://doi.org/10.1590/S0104-12902010000200010
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). Miranda, Almeida, Oliveira, Souza e Abranches (2017Miranda, R. F., Almeida, T. S., Oliveira, T. C., Souza, C. S., & Abranches, M. V. (2017). Representação corporal entre jovens universitários: beleza, saúde e insatisfação na vivência de um corpo-vitrine. Psicologia, Diversidade e Saúde, 6(4), 258-269. http://doi.org/10.17267/2317-3394rpds.v6i4.1696
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), em estudo com 22 jovens, verificaram que o corpo é um objeto de investimento que ocorre por meio da prática de atividades físicas e adoção de dietas alimentares.

A instalação da obesidade representa um fracasso frente ao modelo socialmente imposto. Em pesquisa com 20 pessoas, D. S. Silva, Santos, Justo, Boulsfield e Camargo (2018Silva, D. S., Santos, M. B., Justo, A. M., Boulsfield, A. B., & Camargo, B. V. (2018). Representações Sociais Relativas ao Controle de Peso Corporal para Pessoas com Sobrepeso. PSI UNISC, 2(2), 66-77. http://doi.org/10.17058/psiunisc.v2i2.11703
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) verificaram que o controle do peso é considerado fundamental para a manutenção da boa forma e da saúde, e que está intimamente relacionado à prática de atividades físicas e à dieta alimentar adotada. Justo, Camargo e Boulsfield (2018Justo, A. M., Camargo, B. V., & Boulsfield, A. B. (2018). Sobrepeso e controle de peso: pensamento leigo e suas dimensões normativas. Psicologia: Teoria e Prática, 20(2), 213-224. http://doi.org/10.5935/1980-6906/psicologia.v20n2p213-224
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), em entrevista com 20 pessoas com e sem sobrepeso, verificaram que a necessidade de mudança de comportamento é presente, com foco direcionado à busca pela saúde. A alimentação adquire um forte espaço nas RS do excesso de peso, de modo que apresenta uma polaridade entre controle e descontrole, além de uma culpabilização do sujeito, que é responsabilizado por sua condição acima do peso. Nesse sentido, Araújo, Coutinho, Alberto, Santos e Pinto (2018Araújo, L. S., Coutinho, M. de P. L., Alberto, M. de F. P., Santos, A. M. D., & Pinto, A. V. de L. (2018). Discriminação baseada no peso: Representações Sociais de Internautas sobre a gordofobia. Psicologia em Estudo, 23, 1-17. http://doi.org/10.4025/psicolestud.v23.e34502
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) verificaram que as pessoas não obesas consideram que as pessoas obesas devem emagrecer para serem aceitas na sociedade.

Frente ao fracasso nas tentativas convencionais para perda de peso, a cirurgia bariátrica desponta como solução definitiva para o problema. C. Silva e Faro (2015Silva, C., & Faro, A. (2015). Significações Relacionadas à Cirurgia Bariátrica: Estudo no Pré e Pós-Operatório. Salud & Sociedad, 6(2), 156-169. http://doi.org/10.22199/S07187475.2015.0002.00004
http://doi.org/10.22199/S07187475.2015.0...
) investigaram as RS da cirurgia bariátrica entre 10 pacientes no período pré-operatório e 10 pacientes no período pós-operatório, de ambos os gêneros. As RS se organizam em três eixos: questões clínicas, motivações sociais e mudanças na alimentação. Os autores verificaram que os homens apresentavam maiores preocupações com a saúde decorrentes da obesidade, enquanto as mulheres estavam mais suscetíveis à pressão para adequação ao modelo de corpo magro socialmente imposto.

Marchesini e Antunes (2017Marchesini, S. D., & Antunes, M. C. (2017). A percepção do corpo em pacientes bariátricos e a experiência do medo do reganho do peso. Interação em Psicologia, 21(2), 127-136. http://doi.org/10.5380/psi.v21i2.47944
http://doi.org/10.5380/psi.v21i2.47944...
) entrevistaram 10 pacientes submetidos à cirurgia bariátrica que voltaram a ganhar peso e identificaram que a percepção do aumento de peso se deu pela indicação de outras pessoas. Os pacientes demonstraram medo de voltar à condição de obesidade mórbida e não percebiam seu corpo de modo fidedigno. Distorções na imagem corporal de pacientes submetidos à cirurgia bariátrica também foram verificadas por Lacerda et al. (2018Lacerda, R. M. R., Castanha, C. R., Castanha, A. R., Campos, J. M., Ferraz, Á. A. B., & Vilar, L. (2018). Perception of body image by patients undergoing bariatric surgery. Revista do Colégio Brasileiro de Cirurgiões , 45(2). http://doi.org/10.1590/0100-6991e-20181793
http://doi.org/10.1590/0100-6991e-201817...
) em pesquisa com 36 pacientes operados, em que verificaram que apesar da redução do IMC, as pessoas se percebiam acima do peso real e demonstravam insatisfação com a imagem corporal. Dados semelhantes foram encontrados por Mota, Costa e Almeida (2014Mota, D. C. L., Costa, T. M. B., & Almeida, S. S. (2014). Imagem corporal, ansiedade e depressão em mulheres submetidas à cirurgia bariátrica. Psicologia: Teoria e Prática , 16(3), 100-113. http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1516-36872014000300008&nrm=iso
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) em pesquisa com 50 mulheres, em que os pesquisadores concluíram que embora o peso tenha sido reduzido após a cirurgia, assim como os níveis de ansiedade e depressão, a distorção e a insatisfação com a imagem corporal persistiram.

Por se tratar de um tema que está na interface entre diversas áreas das ciências humanas, sociais e da saúde, a alimentação, as práticas de emagrecimento e a cirurgia bariátrica têm sido estudadas em diferentes concepções. Este estudo se propõe a incrementar a compreensão desse complexo quadro com contribuições da psicologia social. Busca identificar as RS da alimentação e da cirurgia bariátrica, a fim de compreender as relações entre os modelos de saúde e beleza socialmente impostos e as crenças compartilhadas por pessoas em situação de obesidade.

Método

Participantes

Os participantes deste estudo foram 16 pessoas obesas, 12 mulheres e 4 homens, com idade mínima de 20 e máxima de 58 anos (Md=36,5, M=39,3, DP=2,5). Todos os participantes foram considerados obesos segundo a classificação do IMC (WHO, 2000), cujos valores variaram entre 30,0kg/m2 e 51,9kg/m2 (Md=38,2, M = 38,3; DP=1,27), de modo que o valor mínimo recebeu a classificação de obesidade grau I e o máximo, classificação de obesidade grau III ou obesidade mórbida (OMS, 2000Organização Mundial da Saúde. (2000). Obesity: preventing and managing the global epidemic [Report]. https://apps.who.int/iris/handle/10665/42330
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).

A amostra foi estabelecida por conveniência, por pessoas indicadas por uma nutricionista clínica especializada em tratamento da obesidade em Curitiba, PR, e outras recrutadas por meio de convite lançado em uma rede social. Conforme a vontade de cada participante de se submeter ou não à cirurgia bariátrica, foram incluídos em dois grupos denominados “favorável à cirurgia” e “não favorável à cirurgia”.

Instrumentos

Os dados antropométricos foram informados pelos participantes antes da realização da entrevista. A pesquisadora coletou informações sobre o peso e altura e realizou o cálculo do IMC, conforme os critérios estabelecidos pela OMS (2000Organização Mundial da Saúde. (2000). Obesity: preventing and managing the global epidemic [Report]. https://apps.who.int/iris/handle/10665/42330
https://apps.who.int/iris/handle/10665/4...
). Então, foi realizada uma entrevista em profundidade na qual foram apresentadas questões referentes ao que os participantes pensavam sobre a alimentação e sobre a cirurgia bariátrica. Além disso, utilizou-se um questionário autoaplicado composto de questões abertas e fechadas que levantaram informações socioeconômicas. O questionário foi respondido sem a interferência da pesquisadora e a média de tempo de respostas dos participantes foi de 40 minutos.

Procedimentos de coleta de dados

Os dados foram coletados em diferentes locais previamente agendados via telefone como: residência, local de trabalho, local de consulta médica e ambiente externo (praças de alimentação de shopping), entre os meses de junho e setembro de 2016.

Análise de dados

Os dados de caracterização dos participantes passaram por análise estatística descritiva. A partir da realização do teste Shapiro-Wilk foi verificada distribuição não normal da amostra tanto para idade (p=0,44) como para o IMC (p=0,12). Considerando o número de participantes (N=16), os dados de frequência foram apresentados em termos de frequência absoluta. As respostas sobre as RS da alimentação e da Cirurgia Bariátrica foram analisadas por Classificação Hierárquica Descendente (CHD) com a utilização do programa IRaMuTeQ (Camargo & Justo, 2013Camargo, B. V., & Justo, A. M. (2013). IRAMUTEQ: Um Software Gratuito para Análise de Dados Textuais. Temas em Psicologia, 21(2), 513-518. http://doi.org/10.9788/TP2013.2-16
http://doi.org/10.9788/TP2013.2-16...
; Ratinaud, 2009Ratinaud, P. (2009). IRAMUTEQ: Interface de R pour les Analyses Multidimensionnelles de Textes et de Questionnaires [Computer software]. http://www.iramuteq.org
http://www.iramuteq.org...
). Os participantes foram classificados conforme o gênero, o grau de obesidade e quanto a seu posicionamento frente à realização da cirurgia bariátrica (favorável ou não favorável).

Esta pesquisa foi autorizada por um Comitê de Ética e Pesquisa sob parecer consubstanciado nº 1.295.819. A pesquisa seguiu as orientações éticas da Resolução nº 466 do Conselho Nacional de Saúde (CNS, 2012Conselho Nacional de Saúde. (2012). Resolução n° 466, de 12 de dezembro de 2012. https://conselho.saude.gov.br/resolucoes/2012/Reso466.pdf
https://conselho.saude.gov.br/resolucoes...
), entre elas a da apresentação aos participantes do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido e coleta da assinatura antes do início das entrevistas.

Resultados

Representações Sociais da Alimentação

O corpus para análise do que os participantes pensavam sobre a alimentação foi gerado a partir de respostas abertas à seguinte questão: “O que representa a alimentação para você?”. Foram gerados 16 textos que deram origem a 145 segmentos de texto (ST), dos quais 131 (90,3%) foram considerados na CHD. A CHD trabalha com trechos significativos que podem ser analisados conjuntamente e desconsidera parte do conteúdo expresso pelos participantes. Recomenda-se que a CHD retenha ao menos 75% do conteúdo analisado (Camargo, 2005Camargo, B. V. (2005). Alceste: um programa informático de análise quantitativa de dados textuais. In A. S. P. Moreira, B. V. Camargo, J. C. Jesuíno & M. N. Sheva (Eds.), Perspectivas teórico-metodológicas em representações sociais (pp. 511-539). Editora Universitária UFPB.). Para análise, foram consideradas as palavras com frequência igual ou superior a quatro e qui-quadrado com significância estatística (χ²>3,84, gl=1).

Os resultados da CHD são apresentados no dendrograma da Figura 1. Observa-se que as respostas foram inicialmente distribuídas em seis classes, de modo que a primeira partição do corpus opõe as classes 6, 4 e 3 às classes 2, 1 e 5. Em uma segunda partição, a classe 6 se opõe às classes 3 e 4 e a classe 5 se opõe às classes 2 e 1. Na terceira partição do corpus, a classe 1 se opõe à classe 2 e a classe 4 se opõe à classe 3. Em cada uma das classes foi apresentado o título, o número de ST que as compunham, as variáveis descritivas associadas, quando havia, e as palavras que as compunham com as respectivas frequências e valor de qui-quadrado.

Figura 1
Dendrograma das Representações Sociais da alimentação.

A Classe 6, denominada resistência, foi composta por 22 ST que representam 16,8% do corpus. O conteúdo de seus ST contém palavras como comer, fazer e comida, que demonstram que existe o conhecimento referente aos hábitos alimentares adequados, entretanto, esse conhecimento enfrenta a resistência para ser adotado pelos participantes. Um ST ilustra o conteúdo da classe: “Olha, para dizer a verdade mesmo, eu poderia fazer qualquer coisa em relação à dieta, poderia até ensinar as pessoas e eu até ensino, mas quando é comigo as coisas ficam diferentes” (Pesquisado 6, 113,9kg, 34 anos, favorável à cirurgia).

A classe 4, denominada preocupação, contempla 22 ST que compõem 16,8% do corpus. O conteúdo de seus ST contém palavras como saber, estar e querer. As respostas sobre a alimentação apontam para a preocupação com a condição de obesidade, sua crescente expressão e suas consequências. O ST a seguir demonstra esse conteúdo:

Todo mundo gosta de comer o que é mais gostoso, eu também, mas eu sei que está errado eu sei eu estudo isso… seria melhor não saber e ficar livre para comer o que quisesse, sem ninguém te olhar com reprovação… isso é o mais difícil (Pesquisada 3, 80 kg, 20 anos, não favorável à cirurgia).

A classe 3, denominada matar a fome, foi composta por 26 ST que representam 19,8% do corpus. É formada por segmentos que contêm as palavras gente, muito, difícil e fome. Essa classe decorre da influência da comida no controle da fome ou da vontade de comer, aqui relatadas como prováveis reflexos da ansiedade dos pesquisados. Um ST ilustra seu conteúdo: “Alimentação para mim é sentar comer para matar a fome, para matar a fome mesmo, é eu não penso, como que eu vou falar eu não penso em eu não vou comer isso porque vai me fazer mal” (Pesquisada 13, 103kg, 36 anos, favorável à cirurgia).

A classe 2, denominada fracasso, é composta por 21 ST e representa 16% do corpus. Seu conteúdo é representado pelos segmentos que contém palavras como vida, pouco, cuidar e perder. Algumas respostas referem-se ao fracasso na busca pelo controle da alimentação, que ocorre ainda que saibam que isso pode comprometer a saúde. Um ST demonstra seu conteúdo:

Além de tudo, comer bem custa muito mais caro, porque você precisa pensar e escolher tudo o que vai comer e a correria da vida também não te deixa muita escolha. Eu quero me alimentar bem de novo, mas sozinha eu já vi que não consigo (Pesquisada 7, 99,8 kg, 31 anos, favorável à cirurgia).

A classe 1, denominada alimento e sentimento, está composta por 23 ST que representam 17,6% do corpus. Refere-se ao alimento como gerador de sentimentos, mais especificamente, sentimentos de alegria, arrependimento e tristeza, conforme o momento vivido. O conteúdo dos segmentos é representado por palavras como comida, descontar, tristeza e alegria. O ST a seguir ilustra seu conteúdo: “A alimentação para mim sempre significou uma alegria, mas sempre durou muito pouco porque você come se sente bem e feliz, mas é só uns segundos, depois vem a culpa, o arrependimento e a tristeza” (Pesquisada 14, 100,5kg, 42 anos, favorável à cirurgia).

A classe 5, denominada aprender a comer, está composta por 17 ST que representam 13% do corpus. A classe associa-se aos participantes que pretendem realizar a cirurgia bariátrica e trata da vontade de melhorar o padrão alimentar, por meio do qual busca-se melhorar também sua relação com os alimentos. O conteúdo dos segmentos dessa classe é representado por palavras como comer, mesmo, sempre e certo. Um ST demonstra seu conteúdo: “Eu quero que a minha alimentação seja respeitada e eu quero aprender a comer certo, mas quero comer o que eu gosto sem me sentir culpada eu tenho vergonha de sair agora para comer quero que isso mude” (Pesquisada 4, 109,8kg, 33 anos, favorável à cirurgia).

Representações sociais da cirurgia bariátrica

O corpus para análise das representações sociais sobre a cirurgia bariátrica foi gerado a partir de respostas abertas à seguinte questão: “O que representa a cirurgia bariátrica para você?”. Foram gerados 16 textos que deram origem a 168 ST, dos quais 131 (78%) foram considerados na CHD. Os demais trechos foram excluídos por não apresentarem conteúdo compartilhado pelos participantes e manteve-se o critério de reter ao menos 75% do conteúdo para análise (Camargo, 2005Camargo, B. V. (2005). Alceste: um programa informático de análise quantitativa de dados textuais. In A. S. P. Moreira, B. V. Camargo, J. C. Jesuíno & M. N. Sheva (Eds.), Perspectivas teórico-metodológicas em representações sociais (pp. 511-539). Editora Universitária UFPB.). Para análise, foram consideradas as palavras com frequência igual ou superior a quatro e qui-quadrado com significância estatística (χ²>3,84, gl=1).

Os resultados da CHD são apresentados no dendrograma da Figura 2, que indica as classes, bem como as relações estabelecidas entre elas pela análise. Observa-se que as respostas foram inicialmente distribuídas em seis classes. A primeira partição do corpus opõe as classes 1 e 2 às demais classes. Uma segunda partição opõe a classe 6 às classes 5, 3 e 4. A terceira partição opõe a classe 5 às classes 3 e 4. A quarta e última partição opõe a classe 3 à classe 4, e a 1 à classe 2. Em cada uma das classes foi apresentado o título, o número de ST que as compunham, as variáveis descritivas associadas, quando havia, e as palavras que as compunham com as respectivas frequências e valor de qui-quadrado.

Figura 2
Dendrograma das Representações Sociais da cirurgia bariátrica.

A classe 2, denominada expectativas, foi composta por 18 ST que representam 14% do corpus. Essa classe está associada aos participantes do gênero masculino, o que indica que uma parte importante de seu conteúdo foi mencionada por esses participantes, mas não exclusivamente. Seu conteúdo é representado por segmentos que contém as palavras depois, conseguir, emagrecer e tudo. A classe traz algumas das expectativas dos participantes em relação ao período após a cirurgia bariátrica. Um ST ilustra seu conteúdo: “Quero emagrecer mais do que o médico falou e ter uma reserva para ganhar músculo não sei exatamente tudo o que vem depois eu vou aprender a gente aprende todo dia na vida” (Pesquisado 6, 113,9kg, 34 anos, favorável à cirurgia).

A classe 1, denominada imediatismo, está composta por 21 ST que representam 16% do corpus. Seu conteúdo é representado por segmentos formados pelas seguintes palavras: depois, como, cuidar e melhor. A classe trata do desejo de perda de peso imediato demonstrado por alguns pesquisados. Um ST ilustra seu conteúdo: “Eu quero perder uns quarenta a cinquenta quilos quero usar as minhas roupas que não consigo usar mais e estão guardadas quero sentir a roupa caindo mesmo sabe vai me deixar muito satisfeito vai me fazer bem” (Pesquisada 6, 113,9kg, 34 anos, favorável à cirurgia).

A classe 4, denominada esperança, está composta por 20 ST que representam 15% do corpus. Essa classe está associada aos participantes do gênero masculino. A classe aponta o desejo de alguns participantes de retomar a vida ou de ter uma segunda oportunidade após a cirurgia. Seu conteúdo é representado por segmentos compostos pelas seguintes palavras: porque, gente, comer e continuar. Um ST demonstra seu conteúdo:

Já conversei com muita gente que fez e deu certo e tento ignorar os que não deram certo porque eu acho que se você não faz o pós-operatório direito e a sua cabeça continua de gordo não dá mesmo, eu já trabalhei a minha sozinha mesmo é a força do pensamento que ajuda (Pesquisada 13, 103kg, 42 anos, favorável à cirurgia).

A classe 3, denominada insegurança, está composta por 23 ST que representam 17,6% do corpus. Essa classe está associada aos sujeitos com classificação de obesidade grau III, ou seja, a maior parte do conteúdo foi falada por participantes com essa característica, mas não exclusivamente. A classe descreve o temor em realizar a cirurgia e em não ter seus problemas resolvidos. Seu conteúdo é representado por segmentos compostos pelas palavras fazer, querer, bariátrica e melhor. Um ST ilustra seu conteúdo: “A gente escuta e até caso de morte eu já vi, é perigoso porque corta a pessoa por dentro, mas tem gente que não entende… eu tenho medo de não conseguir também, não quero agora” (Pesquisada 1, 143kg, 39 anos, não favorável à cirurgia).

A classe 5, denominada solução de problemas, está composta por 22 ST que representam 16,8% do corpus. Essa classe não possui variáveis associadas e seu conteúdo é representado por segmentos que contêm as palavras cirurgia, saber, problema e resolver. Nessa classe, percebe-se que a cirurgia surge na vida de alguns dos participantes como tábua de salvação para seus problemas. Um ST ilustra o seu conteúdo: “A cirurgia bariátrica vai me ajudar, eu quero fazer a cirurgia, vou fazer daqui umas duas semanas, eu já pensei e é o único jeito para melhorar a minha vida e vai melhorar, vai me ajudar” (Pesquisada 5, 94,5kg, 30 anos, favorável à cirurgia).

A classe 6, denominada receio, está composta por 27 ST que representam 21% do corpus. Essa classe não possui variáveis associadas e seu conteúdo é representado por segmentos formados pelas palavras medo, ainda, nada e decidir. Essa classe demonstra como alguns participantes se mostram receosos em decidir pelo processo cirúrgico. Um ST ilustra seu conteúdo: “Eu me posiciono que se eu fosse fazer uma cirurgia eu ficaria bem, acho que ficaria bem no corpo, mas não na cabeça, na cabeça não… eu já tive três oportunidades de fazer a cirurgia” (Pesquisada 1, 143kg, 39 anos, não favorável à cirurgia).

Discussão

As Representações Sociais da alimentação compartilhadas pelos participantes desta pesquisa demonstram a dicotomia vivida pela pessoa obesa em diferentes sentidos. Primeiramente percebe-se que existe um padrão de alimentação considerado correto, o que leva ao reconhecimento de hábitos considerados inadequados. Além disso, a alimentação é pensada em seu sentido mecânico de nutrição e em relação aos sentimentos ambíguos por ela suscitados, como prazer e culpa.

As classes 6 e 5, opostas entre si, e as classes 2 e 4, também opostas, ilustram as crenças compartilhadas sobre a existência do certo e do errado em relação à alimentação. A classe 6, intitulada resistência, fala da dificuldade dos participantes em adotar a dieta considerada certa, apesar dos conhecimentos que possuem. A classe 5 tem seu conteúdo voltado ao desejo de aprender a comer corretamente e sem culpa. A classe 2 trata do fracasso nas tentativas de buscar uma alimentação considerada correta, o que resulta em obesidade e pode comprometer a saúde. A classe 4, intitulada preocupação, aponta as consequências de não conseguir aderir à dieta ideal. Mostra a preocupação com a saúde e com a obesidade, que surge como consequência de uma alimentação desregrada ou descontrolada.

O sobrepeso e a obesidade são condições que envolvem fatores sociais, biológicos, familiares, culturais e emocionais que se relacionam. Pode-se observar tal entrelaçamento em fatores como a má alimentação, a adoção de dietas inadequadas, o sedentarismo, os fatores genéticos e a abundância de oferta de alimentos calóricos, assim como os hábitos familiares, as rotinas estressantes e o tamanho das porções dos alimentos, entre outros fatores de ordens metabólica e ambiental (A. P. de S. V. Oliveira & Silva, 2014Oliveira, A. P. de S. V., & Silva, M. M. de. (2014). Fatores que dificultam a perda de peso em mulheres obesas de graus I e II. Revista Psicologia e Saúde, 6(1), 74-82. http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S2177-093X2014000100010&nrm=iso
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).

As classes 3 e 1, também opostas, tratam do ato de comer. A classe 3, matar a fome, apresenta o sentido fisiológico da alimentação. A classe 1 trata das emoções associadas ao ato de comer e apresenta sentimentos positivos, como alegria, e negativos, como tristeza. Goetz, Camargo, Bertoldo e Justo (2008Goetz, E. R., Camargo, B. V., Bertoldo, R. B., & Justo, A. M. (2008). Representação social do corpo na mídia impressa. Psicologia & Sociedade, 20(2), 226-236. http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-71822008000200010&nrm=iso
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) indicam que se preocupar demasiadamente com a alimentação reduz a importância do prazer e da sociabilidade. O crescimento da ansiedade em relação à alimentação pode ser observado neste estudo, assim como o desenvolvimento dos processos de culpa, o que pode culminar com o desenvolvimento de transtornos alimentares. Apesar de não ser considerada um transtorno alimentar, por estar associada também a fatores genéticos, fisiológicos e ambientais, a obesidade está fortemente associada aos transtornos mentais em geral e aos transtornos alimentares em particular, como o transtorno de compulsão alimentar (American Psychiatric Association [APA], 2014American Psychiatric Association. (2014). DSM-5: Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais. Artmed.).

A comida é uma imensa fonte de prazer fisiológica e emocional que abriga grande parte de nossas lembranças. Quando se busca entender o real papel dos alimentos na vida das pessoas, entende-se que eles não são somente fontes de nutrientes necessários à sobrevivência, mas sim fontes de recompensas emocionais e canais pelos quais projetamos nossas significações e afinidades sociais (Castro, Maciel, & Maciel, 2016Castro, H. C. de, Maciel, M. E., & Maciel, R. A. (2016). Comida, cultura e identidade: conexões a partir do campo da gastronomia. Ágora, 18(1), 18-27. http://doi.org/10.17058/agora.v18i1.7389
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).

As representações sociais da alimentação dos participantes da pesquisa são semelhantes para os homens e mulheres, entretanto, no grupo favorável à cirurgia percebe-se uma expectativa de não abandonar os atuais hábitos alimentares, e sim comer em menor quantidade. Apenas um homem participante desse grupo mencionou que pretende melhorar sua alimentação, enquanto os demais esperam, sobretudo, comer e perder peso.

No grupo de participantes não favoráveis à cirurgia, notou-se preocupação sobre como deve ser a alimentação após a cirurgia. Esse grupo parece considerar de maneira mais clara as possibilidades de fracasso, caso não haja mudanças no padrão alimentar, possivelmente por não se sentirem ainda determinados a fazê-la e pelas várias histórias de insucesso.

Identificar as representações sociais da alimentação ajuda a compreender que o sentimento de impotência e dificuldade em perder peso os conduz à busca de alívio e prazer na comida. Contudo, existe o desejo de superar essa dependência, o que talvez justifique uma das associações entre a vontade de aprender a comer e o desejo de realizar a cirurgia bariátrica. A Figura 3 ilustra o conteúdo das Representações Sociais da alimentação.

Figura 3
Representações Sociais da alimentação.

Para os participantes, a alimentação é a grande vilã, a principal causa da obesidade e a razão do fracasso na tentativa de emagrecimento. Ainda assim, ela gera alegria e satisfação, o que faz com que os pensamentos e sentimentos ao redor da alimentação sejam ambíguos, pois o prazer proporcionado pelo alimento é momentâneo, quase sempre seguido de culpa. Os participantes indicam que sabem “o que” devem fazer, mas não sabem “como” fazer, e por terem fracassado em tentativas anteriores de mudanças nos hábitos alimentares, muitos veem na cirurgia bariátrica a solução definitiva para o problema da obesidade.

Quando se trata da cirurgia bariátrica, as representações sociais também apresentam conteúdo dicotômico. Essas RS estão fortemente ligadas às RS da alimentação, visto que ambas são consideradas formas de se livrar da obesidade. A cirurgia bariátrica ora surge como a grande solução para o problema da obesidade, ora como um novo problema que pode ser evitado por alguns e por outros, precisa ser enfrentado.

As classes 2, 1, 4 e 5 tratam a cirurgia bariátrica como a solução para a obesidade. Referem-se à expectativa de ser magro, a como imaginam sua vida após a cirurgia (classe 2), e à crença de que haverá uma perda significativa de peso (classe 1). Nutrem a esperança de uma grande mudança de vida, em diversos aspectos, como consequência do emagrecimento (classe 4), isto é, imagina-se que após a realização da cirurgia, todos os problemas estarão solucionados (classe 5).

As classes 3 e 6 tratam das consequências negativas da cirurgia bariátrica. A classe 3, que aborda a insegurança, revela o medo de voltar a engordar e o medo de morrer em decorrência da cirurgia. A classe 6 trata do receio de que a cirurgia não seja a solução mágica para a obesidade. Seu conteúdo expressa a consideração de aspectos de ordens social, emocional e psicológica como possíveis causas da obesidade, aspectos que não seriam favorecidos com a intervenção cirúrgica.

As RS da alimentação e da cirurgia bariátrica entre pessoas com obesidade demostram a dicotomia e a ambiguidade enfrentadas cotidianamente por pessoas nessa condição. Em uma sociedade em que cultua-se o corpo magro, em que as pessoas obesas sofrem preconceito e são julgadas por sua aparência, as pessoas obesas se veem forçadas a adequar seus hábitos e seus corpos ao modelo social vigente, enquanto os alimentos são gourmetizados e apresentados como fonte de prazer na mídia e na reuniões sociais.

As experiências vividas pelas pessoas obesas podem conduzi-las à busca da perda de peso, entretanto, frente a tantas tentativas sem sucesso ao longo da vida, a cirurgia bariátrica pode ser vista como a derradeira opção para o emagrecimento desejado. A pessoa obesa sofre com estigmas e preconceitos revelados por insultos, olhares e até agressões que as constrangem de maneira significativa, pois a sociedade contemporânea supervaloriza a aparência e a imagem corporal e, consequentemente, incentiva pessoas aquém desse padrão a buscar uma solução que determine a finitude dos sofrimentos vivenciados (D. M. de Oliveira, Merighi, & Jesus, 2014Oliveira, D. M. de, Merighi, M. A. B., & Jesus, M. C. P. de. (2014). The decision of an obese woman to have bariatric surgery: the social phenomenology. Revista da Escola de Enfermagem da USP, 48(6), 970-976. http://doi.org/10.1590/S0080-623420140000700002
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).

A alimentação quando adequada pode gerar prazer, saúde e beleza. Por outro lado, quando inadequada, pode gerar sofrimento, favorecer o desenvolvimento de doenças e um corpo distante do idealizado socialmente, ocasião em que sentimentos como culpa e tristeza podem advir como consequências psicológicas do fracasso em adotar uma dieta adequada e podem culminar na obesidade.

Para uma parcela dos participantes, a cirurgia bariátrica promete ser a solução ao problema físico, à obesidade, mas a culpa e a tristeza também sumiriam magicamente, junto com a gordura. Ou seja, mandar os quilogramas extras embora seria também se livrar dos sentimentos ruins que acompanham a pessoa com obesidade. Contudo, alguns participantes da pesquisa se preocupam que essa seja uma promessa falsa, na medida em que apontam que a cirurgia muda apenas o aparelho digestivo e que seus resultados não serão adequados se não houver uma mudança nos aspectos psicológicos e na relação com a comida.

Os altos índices de reganho de peso entre operados de cirurgia bariátrica apontam para a necessidade de questionar o procedimento voltado apenas ao aspecto fisiológico e demonstram a importância de considerar também aspectos de ordens social e psicológica. Para Moliner e Rabuske (2008Moliner, J. d., & Rabuske, M. M. (2008). Fatores biopsicossociais envolvidos na decisão de realização da cirurgia bariátrica. Psicologia: Teoria e Prática , 10(2), 44-60. http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1516-36872008000200004&nrm=iso
http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?scr...
), durante a avaliação e o acompanhamento psicológico que antecede a cirurgia, é relevante conhecer o significado da alimentação e da própria obesidade para a pessoa e seus familiares, bem como entender suas aptidões para trabalhar sentimentos, inquietações e decepções. Devem ser abordadas, ainda, questões relativas à disposição do paciente em se operar e a suas expectativas com relação ao pós-operatório.

Após o emagrecimento proporcionado pela cirurgia bariátrica, alguns pacientes desenvolvem problemas psicológicos, como depressão, transtorno bipolar e síndrome de pânico. Isso acontece porque antes da cirurgia a condição de obesidade era apontada como determinante no impedimento do tão almejado triunfo pessoal e profissional. Após a cirurgia e frente ao emagrecimento corporal, esses mesmos pacientes deixam de ter a base do discurso que amparava essas impossibilidades, o que promove o aumento das exigências geradoras de ansiedade para a efetivação de sucesso, de modo que tais condições podem desencadear crises psicológicas (Queiroz et al., 2011Queiroz, A. C. M. de, Santos, N. de O., Silva, M. M. de, Laham, C., Garrido Junior, A., & Lucia, M. C. S. de. (2011). Crenças alimentares em indivíduos que se submeteram à cirurgia bariátrica. Psicologia Hospitalar, 9(2), 75-95. http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1677-74092011000200005&nrm=iso
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).

Considerações finais

As RS da alimentação e da cirurgia bariátrica apontam para a necessidade de considerar aspectos psicológicos e sociais envolvidos no ato de comer e no desejo de emagrecer. Indicam ainda que a cirurgia bariátrica pode ser pensada em termos irreais, como se o emagrecimento fosse acontecer magicamente, sem sofrimento e sem muitas mudanças no estilo de vida. Os aspectos psicológicos frequentemente são desconsiderados, pois as pessoas consideram que ao emagrecer todos os sentimentos ruins deixarão de existir.

As consequências de expectativas irreais são os resultados indesejados. A literatura aponta um alto índice de reganho de peso, alcoolismo, depressão e outros transtornos psicológicos entre pessoas que realizam cirurgia bariátrica. Os resultados deste estudo, assim como outros estudos sobre o tema, apontam para a necessidade de ampliar o olhar sobre a pessoa obesa, na medida em que é preciso ter em conta as pressões exercidas socialmente para adequar os hábitos alimentares e o próprio corpo a um padrão socialmente imposto que muitas vezes é irreal.

Ser magro pode ser um sofrimento na medida em que a pessoa precisa abrir mão de sua principal fonte de satisfação, o alimento. Portanto, os resultados só serão efetivos se as pessoas encontrarem outras fontes de satisfação, o que se dá por meio da preparação adequada para a realização da cirurgia bariátrica e de acompanhamento psicológico ao longo de todo o processo. Além disso, muitas pessoas podem optar por não se adequar a esse modelo e aprender a ser feliz em sua condição de obesidade, aceitando-se como ser humano que possui muitas características positivas que vão além de seu peso.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    22 Out 2021
  • Data do Fascículo
    2021

Histórico

  • Recebido
    17 Abr 2019
  • Aceito
    15 Set 2020
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