Acessibilidade / Reportar erro

A Paternidade Monoparental na Inter-Relação com os Contextos Ecológicos

Single-Parent Paternity in the Inter-Relation with Ecological Contexts

La Paternidad Monoparental en la Interrelación con los Contextos Ecológicos

Resumo

Em meio a um cenário de mudanças e de maior pluralidade nas estruturas familiares brasileiras, se destaca a ascensão da família monoparental. Nos núcleos em que o pai é o responsável pela família, é necessário que o homem reorganize sua rotina e rede de apoio para oferecer cuidado, proteção e afeto aos filhos. O objetivo deste estudo é compreender de que modo os ambientes ecológicos influenciam o desenvolvimento da paternidade em famílias monoparentais masculinas. Para tanto, apresentamos o conjunto de sistemas e/ou pessoas significativas que compõem ligações sociais e afetivas de relacionamentos percebidos e recebidos pelos pais, por meio do método qualitativo e exploratório, com delineamento de estudo de casos. Participaram do estudo quatro pais (homens), com ao menos um filho de até 11 anos de idade sob sua guarda, formal ou informal, por um período mínimo de cinco meses. Como resultado, observou-se que a interação pais-filhos é multideterminada, inter-relacionada com características do contexto social, dos ambientes nos quais o pai está inserido e do pai em si. A família de origem, comunidade e babás foram referidas como apoio em situações de dificuldades encontradas pelos pais e seus filhos. A instituição escolar, principalmente em contextos de maior vulnerabilidade, mostrou-se relevante na garantia de condições que favoreciam o desenvolvimento das crianças. Os resultados do estudo demonstram a importância do incremento de programas de apoio à participação paterna na vida familiar e da consolidação da responsabilidade masculina em relação aos filhos.

Palavras-chave:
Família; Monoparental; Pai; Teoria Bioecológica

Abstract

Within the great societal changes and plural family structures, single-parent families stand out. In nuclei where the father is responsible for the family, men must reorganize their routine and support network to provide care, protection, and affection to the children. This qualitative, exploratory case study aimed to understand how ecological environments influence the development of paternity in families with a single father, presenting the set of systems and/or significant people that make up social and affective relationships perceived and received by them. The sample consisted of four fathers caring either formally or informally, for at least five months, for one or more children of up to 11 years. The results indicate that the father-child interaction is multi-determined and interrelated with the social and environmental contexts in which the father is inserted, as well as with the personality traits of the father himself. The fathers mentioned turning for the family of origin, community, and nannies for support in eventual difficulties encountered by them and their children. The school institution, especially in contexts of greater vulnerability, proved to be relevant in guaranteeing conditions that favored children’s development. These findings indicate the relevance in increasing support programs to paternal participation in family life and in consolidating men’s responsibility towards children.

Keywords:
Family; Single Parent; Father; Urie Bronfenbrenner Theory

Resumen

En el escenario de cambios y pluralidad de familias, la familia monoparental se destaca como una estructura familiar en ascenso en Brasil. En los núcleos en que el padre es el responsable de la familia, el padre necesita reorganizar su rutina y red de apoyo para ofrecer cuidado, protección y afecto a sus hijos. Este estudio pretende comprender de qué manera los ambientes ecológicos influencian el desarrollo de la paternidad en familias monoparentales masculinas. Para ello, se presenta el conjunto de sistemas o personas significativas que componen vínculos socioafectivos de relaciones percibidas y recibidas por los padres, con la utilización del método cualitativo y exploratorio, de naturaleza de estudios de caso. Participaron en este estudio cuatro padres (hombres), con al menos un hijo de hasta 11 años de edad, bajo su custodia (formal o informal) por un período mínimo de cinco meses. Los resultados revelaron que la interacción padre-hijo es multideterminada, interrelacionada con características del contexto social y de los ambientes en los cuales el padre está inserto, además de las características personales del propio padre. La familia de origen, la comunidad y las niñeras fueron referidas como apoyo con relación a algunas dificultades que los padres y sus hijos habían enfrentado. La institución escolar, principalmente en contextos de mayor vulnerabilidad, se mostró relevante en la garantía de condiciones que favorecerán el desarrollo de los niños. Estos hallazgos posibilitan pensar en la relevancia del incremento de programas de apoyo a la participación paterna en la vida familiar y de consolidación de la responsabilidad masculina con relación a los hijos.

Palabras clave:
Familia; Monoparental; Padre; Teoría Bioecológica

Introdução

Na contemporaneidade, além do modelo nuclear de pai, mãe e filho(s), coexistem diversas formas de se constituir uma família. Diante do cenário de mudanças e de maior pluralidade de famílias, destacam-se as monoparentais - estrutura em ascensão no Brasil, reconhecida a partir da Constituição Federal de 1988 (Brasil, 1988Brasil. (1988). Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Con...
) como um núcleo familiar com um pai ou mãe, sem cônjuge, com um ou vários filhos sob sua responsabilidade.

Para a construção deste estudo, realizou-se a revisão sistemática da literatura nacional acerca da monoparentalidade produzida entre a década de 1980 e o ano de 2017, que demonstrou, expressivamente, uma abordagem matrifocal. Esta constatação direcionou o presente estudo para as famílias monoparentais constituídas pelo pai e seus filhos. Nas últimas décadas, acompanha-se um contínuo aumento de famílias sob a responsabilidade de homens, que necessitam organizar sua rotina e rede de apoio para oferecer os cuidados, proteção e afeto de que as crianças necessitam. Deste modo, pode-se considerar que as famílias monoparentais masculinas estão entre os arranjos contemporâneos que requerem maior atenção, a fim de garantir seus direitos e legitimidade (Ried, 2011Ried, J. (2011). Configurações familiares contemporâneas: Significações de famílias monoparentais masculinas [Dissertação de mestrado, Universidade Federal de Santa Catarina]. Repositório Institucional UFSC. https://repositorio.ufsc.br/xmlui/handle/123456789/86804
https://repositorio.ufsc.br/xmlui/handle...
).

Considerando-se a paternidade como uma construção histórico-social, deve-se atentar para a intersecção que o fenômeno estabelece com as relações familiares e outras instituições, valores e premissas sociais que o circundam. Consoante a isso, o modelo bioecológico (Bronfenbrenner & Morris, 1998Bronfenbrenner, U., & Morris, P. (1998). The ecology of developmental processes. In W. Damon (Org.), Handbook of child psychology (pp. 993-1028). John Wiley & Sons.) caracteriza-se como um marco teórico e metodológico que busca privilegiar as múltiplas interações da pessoa com os ambientes imediatos nos quais se encontra, mas também com os ambientes mais distantes. Estes ambientes são analisados em termos de quatro tipos de contextos que mantêm uma relação integradora entre si: o microssistema, o mesossistema, o exossistema e o macrossistema, articulados de modo a formar o meio ambiente ecológico.

O microssistema é definido como um contexto em que ocorrem atividades, relações interpessoais e funções sociais experenciadas face a face, como o contexto familiar e a relação pai-filho. O mesossistema representa a relação entre dois ou mais ambientes dos quais o indivíduo participa ativamente, ou seja, é um conjunto de microssistemas (Bronfenbrenner, 1996Bronfenbrenner, U. (1996) A ecologia do desenvolvimento humano: Experimentos naturais e planejados. Artmed.), como as relações que o pai estabelece com sua família, trabalho e amigos (Bueno, Vieira, Crepaldi, Schneider, 2015Bueno, R. K., Vieira, M. L., Crepaldi, M. A., & Schneider, D. R. (2015). Considerações epistemológicas da perspectiva bioecológica do desenvolvimento humano sobre o envolvimento paterno. Psicologia em Revista, 21(3), 599-620. https://doi.org/10.5752/P.1678-9523.2015v21n3p599
https://doi.org/10.5752/P.1678-9523.2015...
). O exossistema diz respeito à relação entre dois ou mais ambientes, um deles sem participação direta da pessoa, embora influencie indiretamente os contextos imediatos nos quais ela se encontra (Bronfenbrenner, 1996Bronfenbrenner, U. (1996) A ecologia do desenvolvimento humano: Experimentos naturais e planejados. Artmed.). Com o foco no pai, um exemplo de exossistema pode ser a influência do microssistema escola dos filhos (Bueno et al., 2015Bueno, R. K., Vieira, M. L., Crepaldi, M. A., & Schneider, D. R. (2015). Considerações epistemológicas da perspectiva bioecológica do desenvolvimento humano sobre o envolvimento paterno. Psicologia em Revista, 21(3), 599-620. https://doi.org/10.5752/P.1678-9523.2015v21n3p599
https://doi.org/10.5752/P.1678-9523.2015...
). O macrossistema se refere aos sistemas interconectados - micro, meso e exo - dentro de uma cultura ou subcultura, que fazem referência, por exemplo, a estilos de vida, costumes e sistemas de crenças (Bronfenbrenner, 1996Bronfenbrenner, U. (1996) A ecologia do desenvolvimento humano: Experimentos naturais e planejados. Artmed.).

Nesse sentido, entende-se a paternidade como um subsistema dentro de uma ampla série de sistemas interligados, ou seja, ela existe num contexto de relações com outras instituições, como a familiar, a escolar e a profissional, que fazem parte regular de sua dinâmica (Bueno et al., 2015Bueno, R. K., Vieira, M. L., Crepaldi, M. A., & Schneider, D. R. (2015). Considerações epistemológicas da perspectiva bioecológica do desenvolvimento humano sobre o envolvimento paterno. Psicologia em Revista, 21(3), 599-620. https://doi.org/10.5752/P.1678-9523.2015v21n3p599
https://doi.org/10.5752/P.1678-9523.2015...
). De acordo com Bronfenbrenner (1996Bronfenbrenner, U. (1996) A ecologia do desenvolvimento humano: Experimentos naturais e planejados. Artmed.), os processos que operam nos diferentes ambientes frequentados pela pessoa são interdependentes, influenciando-se mutuamente. Assim, a interação de uma pessoa em determinado lugar, como no trabalho, é influenciada e influencia igualmente outros ambientes dos quais esta pessoa participa, como a família (Cecconello & Koller, 2004Cecconello, A. & Koller, S. H. (2004). Inserção ecológica na comunidade: Uma proposta metodológica para o estudo de famílias em situação de risco. In S. H. Koller (Org.), Ecologia do desenvolvimento humano: Pesquisa e intervenção no Brasil (pp. 267-291). Casa do Psicólogo.).

Identifica-se no século XXI uma valorização da presença paterna na vida dos filhos, sugerindo uma nova concepção de paternidade, que incorpora valores distintos das gerações anteriores, articulados a exigências de relacionamentos afetivos, a um maior envolvimento nas atividades diárias, além de mais responsabilidade no cuidado dos filhos (Cabrera, Tamis-LeMonda, Bradley, Hofferth, & Lamb, 2000Cabrera, N. J., Tamis-LeMonda, C. S., Bradley, R. H., Hofferth, S., & Lamb, M. E. (2000). Fatherhood in the Twenty-First Century. Child Development, 71(1), 127-136.; Backes, Becker, Crepaldi, & Vieira, 2018Backes, M. S., Becker, A. P., Crepaldi, M. A., & Vieira, M. L. (2018). A paternidade e fatores associados ao envolvimento paterno. Nova Perspectiva Sistêmica, 62, 100-119. http://dx.doi.org/10.21452/2594-43632018v27n61a04
http://dx.doi.org/10.21452/2594-43632018...
; Matos, Magalhães, Féres-Carneiro, & Machado, 2017Matos, M. G, Magalhães, A. S., Féres-Carneiro, T., & Machado, R. N. (2017). Construindo o vínculo pai-bebê: A experiência dos pais. Psico-USF, 22(2), 261-271. https://dx.doi.org/10.1590/1413-82712017220206
https://dx.doi.org/10.1590/1413-82712017...
). Contudo, mesmo com a caracterização de um “novo pai”, subsistem no imaginário social as marcas de uma concepção tradicional de paternidade, associadas a uma visão das mulheres como as principais responsáveis pelos cuidados dos filhos e da casa (Backes et al., 2018Backes, M. S., Becker, A. P., Crepaldi, M. A., & Vieira, M. L. (2018). A paternidade e fatores associados ao envolvimento paterno. Nova Perspectiva Sistêmica, 62, 100-119. http://dx.doi.org/10.21452/2594-43632018v27n61a04
http://dx.doi.org/10.21452/2594-43632018...
). Isso remonta ao conceito de macrossistema e envolve o conjunto de crenças e valores presentes no cotidiano, que influenciam o desenvolvimento dos indivíduos (Bronfenbrenner, 1996Bronfenbrenner, U. (1996) A ecologia do desenvolvimento humano: Experimentos naturais e planejados. Artmed.). Ideologias sobre o masculino e o feminino, construídas social e culturalmente a partir das diferenças entre os sexos, determinam a formação de um sistema simbólico que norteia e sustenta a vida de homens e mulheres na esfera pública e privada. Por exemplo, as atividades e responsabilidades fora do lar, na esfera pública, podem gerar nos homens o sentimento de ambivalência devido à flexibilização de fronteiras para o investimento na paternidade. Em grande parte, isso se deve à organização social imposta a homens e mulheres e à própria organização do trabalho, que não se baseia na necessidade e no interesse da participação do pai na vida familiar (Cia & Barham, 2006Cia, F., & Barham, E. J. (2006). Influências das condições de trabalho do pai sobre o relacionamento pai-filho. Psico-USF, 11(2), 257-264.; Matos et al., 2017Matos, M. G, Magalhães, A. S., Féres-Carneiro, T., & Machado, R. N. (2017). Construindo o vínculo pai-bebê: A experiência dos pais. Psico-USF, 22(2), 261-271. https://dx.doi.org/10.1590/1413-82712017220206
https://dx.doi.org/10.1590/1413-82712017...
).

Além de considerar o sujeito como parte de um sistema ecológico, ressalta-se que alguns ambientes podem ser identificados como fundamentais ao desenvolvimento da pessoa. Brito e Koller (1999Brito, R. C., & Koller, S. H. (1999). Redes de apoio social e afetivo e desenvolvimento. In A. M. Carvalho (Org.), O mundo social da criança: Natureza e cultura em ação (pp. 115-130). Casa do Psicólogo.) definem como rede social o conjunto de sistemas e pessoas significativas que compõem as ligações sociais e afetivas de relacionamentos recebidos e percebidos, e que podem ter influência positiva nos processos familiares em desenvolvimento. Assim, as redes sociais auxiliam o ser humano nos processos de integração psicossocial, na promoção do bem-estar, no desenvolvimento da identidade e na consolidação dos potenciais de mudança (Sluzki, 1997Sluzki, C. E. (1997). As redes sociais na prática sistêmica. Casa do Psicólogo.).

De acordo com a literatura, as estruturas de apoio social podem ser classificadas em formais e informais (Dunst & Trivette, 2009Dunst, C. J., & Trivette, C. M. (2009). Meta-analytic structural equation modeling of the influences of family-centred care on parent and child psychological health. International Journal of Pediatrics, 1-9. https://doi.org/10.1155/2009/576840
https://doi.org/10.1155/2009/576840...
). A rede de apoio social formal compreende as organizações sociais formais, entre elas a escola, as organizações governamentais e não governamentais e os serviços sociais e de saúde. A rede de apoio social informal abrange a família, os amigos e a vizinhança. Quanto às funções que exercem, as redes de apoio podem ser identificadas a partir de três eixos: apoio emocional, instrumental e informativo. O apoio emocional consiste na presença de pessoas com quem se pode compartilhar emoções e interesses; o apoio instrumental refere-se à ajuda material, concretizada por meio da contribuição financeira, bens duráveis ou produtos de consumo; e o apoio informativo diz respeito a dar e receber informações úteis para prevenir ou solucionar necessidades da família (Dunst & Trivette, 2009Dunst, C. J., & Trivette, C. M. (2009). Meta-analytic structural equation modeling of the influences of family-centred care on parent and child psychological health. International Journal of Pediatrics, 1-9. https://doi.org/10.1155/2009/576840
https://doi.org/10.1155/2009/576840...
). O modelo bioecológico de desenvolvimento humano possibilita compreender o exercício da paternidade de uma maneira ecologicamente contextualizada. Isso quer dizer que processos, pessoas, contextos e suas ocorrências no tempo são dimensões consideradas na análise. A família monoparental masculina como microssistema central é o principal cenário das interações pais-filhos, contudo, as influências externas à família também são fatores importantes para o desenvolvimento da paternidade e do sistema familiar como um todo. Por isso, o objetivo deste estudo foi compreender de que modo os contextos ecológicos influenciam o desenvolvimento da paternidade em famílias monoparentais masculinas. Para tanto, serão apresentados o conjunto de sistemas e/ou pessoas significativas que compõem ligações sociais e afetivas de relacionamentos percebidos e recebidos pelos pais.

Método

Procurando aprofundar o conhecimento sobre a temática, este estudo assumiu uma abordagem qualitativa, com enfoque empírico e natureza transversal.

Participantes

Integraram este estudo quatro homens responsáveis por famílias monoparentais masculinas simples, cada um com ao menos um filho(a) com idade entre 5 e 11 anos e que estivessem nessa configuração familiar há pelo menos cinco meses. Os participantes residiam em uma cidade do interior do estado do Rio Grande do Sul e foram convidados a participar do estudo por meio de indicações nas redes sociais e profissionais da pesquisadora responsável e por intermédio de uma escola de ensino fundamental filantrópica. A Tabela 1 apresenta as características sociodemográficas dos participantes.

Tabela 1
Características sociodemográficas dos participantes1 1 Os nomes dos participantes foram substituídos por nomes fictícios a fim de preservar suas identidades. .

Delineamento e procedimentos

O estudo é de caráter qualitativo, do tipo exploratório e descritivo (Minayo, 2012Minayo, M. C. S. (2012). Análise qualitativa: Teoria, passos e fidedignidade. Ciência & Saúde Coletiva, 17(3), 621-626.), e utilizou como delineamento o estudo de caso coletivo (Stake, 1994Stake, R. E. (1994). Case studies. In N. K. Denzin & Y. S Lincoln (Orgs), Handbook of qualitative research (pp. 236-247). Sage.), que permitiu aprofundar o que há de sistêmico nas relações paternas nas famílias em questão. A respeito do embasamento teórico, a perspectiva sistêmica (Vasconcellos, 2018Vasconcellos, M. J. E. (2018). Pensamento sistêmico: O novo paradigma da ciência. Papirus.) e o modelo bioecológico do desenvolvimento humano (Bronfenbrenner & Morris, 1998Bronfenbrenner, U., & Morris, P. (1998). The ecology of developmental processes. In W. Damon (Org.), Handbook of child psychology (pp. 993-1028). John Wiley & Sons.) conduziram à compreensão das informações analisadas.

Procedeu-se de forma que os encontros deveriam ser realizados preferencialmente na residência das famílias, em dia e horário previamente combinados com os participantes, uma vez que conhecer o ambiente físico de moradia das famílias favoreceria a compreensão da realidade enfrentada por elas. No entanto, apenas uma coleta ocorreu dessa forma, e dois pais optaram por realizar os encontros na escola dos filhos, localizada na comunidade em que residiam, e um participante escolheu realizar os encontros nas dependências da universidade a que as pesquisadoras estão vinculadas.

A coleta de dados aconteceu em dois momentos. No primeiro encontro, após assinarem o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, os participantes responderam a um questionário de dados sociodemográficos e a uma entrevista semiestruturada sobre paternidade em contexto de monoparentalidade. Ao final desta primeira etapa, os pais foram convidados a dar continuidade ao processo de pesquisa utilizando a fotografia. Os participantes receberam uma câmera fotográfica digital e as instruções básicas de como manuseá-la. Solicitou-se aos pais que registrassem, durante o período de sete dias, cinco momentos na tentativa de responder à instrução: “Busque fotografar cenas, imagens, em seu dia a dia, que você acha que mostrem um pouco de sua experiência como pai”. Dois pais (César e Marcelo) optaram por realizar os registros com a câmera do celular particular. Transcorrido o período para o registro fotográfico, agendou-se um segundo encontro, quando ocorreu uma entrevista para discussão das fotografias, a fim de abordar as percepções paternas sobre suas produções fotográficas.

A presente pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos da Universidade Federal de Santa Maria (CAAE 81161817.6.0000.5346) e esteve em conformidade à Resolução nº 510, de 7 de abril de 2016Resolução nº 510, de 7 de abril de 2016. Brasil, Conselho Nacional de Saúde (2016). http://conselho.saude.gov.br/resolucoes/2016/Reso510.pdf
http://conselho.saude.gov.br/resolucoes/...
, do Conselho Nacional de Saúde (CNS), que garante a confidencialidade dos dados e o direito à privacidade. No que diz respeito à produção de imagens fotográficas, diante do aceite dos participantes em realizar os registros, a pesquisadora assegurou a preservação da identidade dos pesquisados, bem como das demais pessoas presentes nos registros fotográficos.

Para análise do material, utilizou-se a técnica de análise de conteúdo proposta por Bardin (2011Bardin, L. (2011). Análise de conteúdo. Edições 70.). Os dados coletados por meio da entrevista sobre a paternidade em contexto de monoparentalidade e da entrevista para discussão das fotografias foram analisados em conjunto, a fim de integrar o material construído a partir de ambos os instrumentos. Deste modo, os retratos foram apresentados em um nível descritivo dos elementos que compõem as imagens e, a partir das entrevistas, foram analisados de acordo com o conjunto formado pelo agrupamento de fotos e pela história individual de cada autor (Joly, 2008Joly, M. (2008). Introdução à análise da imagem (12a ed.). Papirus.). Conforme a proposta de Bardin (2011Bardin, L. (2011). Análise de conteúdo. Edições 70.), a análise de conteúdo foi organizada em três fases: pré-análise; exploração do material; e tratamento dos resultados, inferências e interpretações. Na etapa de pré-análise, deu-se a organização do material e a sistematização das ideias iniciais. Na fase seguinte, de exploração do material, o texto foi decomposto, codificando os fragmentos selecionados. Por fim, realizou-se o tratamento dos dados encontrados, interpretando-os e realizando inferências a partir dos registros obtidos (Bardin, 2011Bardin, L. (2011). Análise de conteúdo. Edições 70.).

As categorias tiveram como unidade de análise o tema e foram construídas a partir do modelo aberto, ou seja, tomaram forma no curso da própria análise e agruparam unidades com significações aproximadas. Uma vez definidas as categorias temáticas de análise e com base em uma orientação e definição claras sobre o conteúdo de cada uma das categorias temáticas, dois juízes classificaram separadamente as unidades de análise às categorias propostas. O cálculo da taxa de fiabilidade na categorização das unidades de análise, a partir de uma análise estatística, foi realizada com o auxílio do SPSS versão 22 para Windows. Neste estudo, o coeficiente de Kappa alcançou o índice de 0,88, ou seja, considera-se uma concordância quase perfeita entre os juízes.

Resultados

Para compreensão dos quatro casos estudados, serão apresentadas descrições individuais dos aspectos gerais de cada história familiar. Na sequência, serão exploradas as categorias temáticas, compostas por unidades de registro procedentes das entrevistas e descrições dos registros fotográficos. As categorias identificadas foram: a paternidade e a inter-relação com os ambientes ecológicos e rede de apoio paterna: contribuições ao desenvolvimento da família. Por fim, os casos serão analisados conjuntamente, a fim de discutir as semelhanças e particularidades identificadas.

Caso 1: César

César estava em uma união estável com Renata há 12 anos quando, há aproximadamente 1 ano e 6 meses, ela deixou a residência da família e assumiu um outro relacionamento. Desde então, César residia sozinho com as filhas, Jéssica (7 anos) e Martina (11 anos) e aguardava decisão judicial para oficializar o pedido de guarda unilateral das filhas. No momento da coleta de dados, ele tinha uma namorada, Poliana, que residia em uma cidade vizinha. A participação efetiva da mãe ocorria por meio da pensão alimentícia, mas não mantinha contato físico regular com as filhas.

A paternidade e a inter-relação com os ambientes ecológicos

César elencou o ambiente profissional e o acadêmico como contextos em que estava diretamente inserido e que de alguma forma eram significativos para a compreensão de seu comportamento como pai. A escola dos filhos, a partir do contato estabelecido com a equipe escolar, também foi considerada nessa descrição.

A respeito do trabalho, no momento da entrevista, César gerenciava o próprio negócio, no ramo de sistemas de segurança. A condição de dono o colocava numa posição privilegiada para conciliar o trabalho com suas atividades parentais: “Eu posso muito bem largar eles (funcionários) lá e voltar para casa e ficar com elas. Eu chego lá e digo o que eles têm que fazer”. Ao ser interpelado a respeito de como os funcionários percebiam seu comportamento, alegou que “Eles têm que acabar entendendo, senão eu boto outro”.

Em contraponto a essa relação paternidade-trabalho descrita, César alegou que, quando integrava o quadro de funcionários de uma empresa, atender às demandas vinculadas às filhas era uma tarefa mais árdua: “Porque quando eu trabalhava em empresas, tinha tal horário para estar na empresa e saía o horário que a empresa determinava”. Assim, descreveu uma situação-problema em uma das empresas em que trabalhou: “A Jéssica tinha colocado uma pérola dentro do nariz, aí a mãe delas ligou lá para empresa e não me passaram a ligação. Eu fiquei sabendo no final do dia”, considerando imprudente o posicionamento da empresa e justificando: “Porque a empresa tinha normas de não passar assuntos familiares para os funcionários”.

Outro ambiente ocupado por César era a faculdade. No início do semestre letivo, ele estava cursando todas as disciplinas obrigatórias do curso, mas, devido à dificuldade em ajustar a graduação com as demais atividades, principalmente as paternas, optou por reduzir o número de disciplinas, assim “Ficou mais flexível pra eu ficar com elas (filhas). Chego mais cedo em casa, tento olhar os cadernos, porque chegar da aula e olhar os cadernos, elas já estão podres, não adianta em nada”.

Além disso, os professores de César acompanhavam sua história familiar: “Os professores sabem, porque sexta-feira 20h meu telefone toca e eu digo: ‘Estou saindo’, já sabem que é a mãe delas que está me ligando que vai vir buscar a Martina”. César salientou que seu telefone celular estava sempre ligado em sala de aula, e ele explicava para os professores da seguinte forma: “Vai ficar ligado, porque tem minhas pequenas em casa”. A escola das filhas também foi mencionada como um ambiente ecológico importante. Nesse sentido, para facilitar a logística de suas tarefas diárias, César priorizou uma escola que ofertasse aulas no mesmo turno para as duas. O pai afirmou que se esforçava para manter um contato próximo com a escola, de modo que: “Cada dois, três meses eu faço uma reunião junto com a professora”. A última reunião tinha sido realizada no início do semestre letivo das filhas: “A gente fez uma reunião há umas duas semanas atrás, que recém tinha começado as aulas. Daí eu fui conversar com a professora nova, que ela não estava a par do que estava acontecendo”.

Rede de apoio paterna: Contribuições ao desenvolvimento da família

Em função de seus compromissos com o trabalho e os estudos, César, desde que assumiu unilateralmente os cuidados das filhas, contou com o auxílio de babás - durante os três turnos do dia, em algumas fases da vida da família. Sua namorada o auxiliava, principalmente na orientação e comunicações de assuntos delicados em relação às filhas, como a puberdade. O acompanhamento profissional da psicóloga foi considerado fundamental na busca por relações familiares mais saudáveis.

César reconheceu a babá das filhas como sua principal ajuda no dia a dia da família, referindo que não saberia como agir se não tivesse essa presença em sua casa: “É o que me ajuda. Se eu não tivesse outra pessoa pra me ajudar, eu estava…;Delego muita coisa para a babá, né. . . . Nove horas elas já têm que estar prontas para ir dormir”, assim, quando chegava da faculdade conseguia um tempo para dedicar-se aos estudos: “A hora que eu chego da faculdade elas estão dormindo, aí eu chego, como alguma coisa, tomo banho e me deito ali e consigo ler alguma coisa”.

Enquanto pai monoparental, César declarou sentir a necessidade de abordar temas do desenvolvimento sexual com as filhas, o que lhe trazia dificuldades: “Esse tipo de coisa que eu fico mais reprendido, que não sei como agir e nem o que dizer”, e percebia que: “Tem coisas que elas não falam pra mim, que elas contam pra Poliana (namorada do pai), contam para babá, contavam para as outras babás, e que depois as babás contavam para mim”. Assim, afirmou contar com o apoio da namorada: “Por ser mulher, consegue me ajudar. Eu até poderia conversar com ela, mas ela ia ter vergonha de repente, ficar constrangida por conversar certas coisas com o pai”.

O pai considerava o apoio destas figuras femininas fundamental, principalmente por alcançar questões ainda delicadas para ele: “Extremas (sua importância), porque a questão de elas estarem crescendo né, o corpo, é difícil para um pai pegar e conversar com uma criança”, e reforçava que “a presença de uma mulher né, independente de mãe, vó, é essencial nessa parte que o pai não consegue chegar na criança”.

Em virtude da profunda reorganização que a família experienciou com o afastamento da mãe, César considerou a necessidade de um acompanhamento psicológico, principalmente para amenizar o sofrimento das filhas: “Elas não querem saber da mãe e por isso esse tratamento, pra ver se a gente consegue resolver ou amenizar, pra elas não serem frustradas”. Nesse sentido, o recurso terapêutico também era percebido como uma fonte de apoio para o exercício da paternidade, e o pai avaliou que: “Está sendo muito importante, tem muita coisa para rolar, mas muita coisa mudou para melhor. Eu consigo ver de uma forma diferente e agir diferente”. Inicialmente o tratamento estava sendo realizado de forma individual, para as filhas, mas o pai relatou que os atendimentos passariam a ser familiares: “Vai ser feito acompanhamento familiar, porque a gente tem que pegar e curar a família, não cada um independente. Pra fazer todos se ajudarem”.

Caso 2: Pedro

Pedro e Pâmela viveram em uma união estável durante 12 anos, e desta união tiveram dois filhos, Emílio (9 anos) e Martin (5 anos). Há aproximadamente um ano o casal se separou e Pedro assumiu os cuidados integrais dos filhos. A guarda paterna não estava oficializada, pois a dupla parental optou por fazer apenas um “acordo de boca”. A mãe não participava dos cuidados físicos e emocionais dos filhos, nem contribuía economicamente com a família.

A paternidade e a inter-relação com os ambientes ecológicos

Pedro discorreu, em especial, sobre a influência do vínculo empregatício e, consequentemente, do aspecto econômico para suas percepções como pai. Além disso, também considerou as experiências no ambiente escolar dos filhos.

Após a separação conjugal e o acordo informal de guarda unilateral paterna dos filhos, Pedro pediu demissão de seu emprego, pois entendeu como demanda dos filhos que ele estivesse mais presente: “Larguei meu emprego porque eles estavam nervosos por causa da separação, tudo, não queriam ficar com ninguém. Eu peguei, saí para ficar com eles”. Ao mesmo tempo, Pedro lamentava as dificuldades advindas do desemprego e o desejo de conciliar o cuidado dos filhos e o trabalho fora de casa: “(Desejo) Ter um emprego, uma carteira assinada, melhor para mim. Só biscate, às vezes sim, às vezes não. Melhor vida para eles, para mim não precisa mais . . . mas é para eles, que são meus filhos”. Nesse ínterim, Pedro declarou seu propósito de retomar o trabalho quando, no segundo momento da coleta de dados, trouxe uma fotografia do caminhão coletor de lixo no qual havia trabalhado anteriormente: “Esse aqui é o caminhão de lixo que estragou e ele estava lá. . . . É essa empresa que eu quero voltar para correr. Nesse caminhão aí. Eu vou correr de noite, que eu trabalho de noite”.

A respeito do ambiente escolar, também frequentado pelo pai, principalmente em situações de reuniões da turma dos filhos, Pedro descreveu um bom relacionamento com professores e a direção da escola, mas confessou certo estranhamento por participar de encontros majoritariamente frequentados pelas mães das crianças: “Cheio de mulher, só eu de homem ali na sala. Uns devem ter pensado que a mãe das crianças não está nem aí. Um homem, o pai das crianças”, e, naquele momento, houve interferência de uma professora que justificou a presença do pai: “Ele está aqui porque eles são separados e eles (filhos) moram junto com ele”, um comportamento percebido pelo pai como de amparo e reconhecimento de sua paternidade.

Rede de apoio paterna: Contribuições ao desenvolvimento da família

Como fonte de apoio à família, Pedro reconhecia o envolvimento de sua mãe e de sua cunhada, assim como a contribuição da escola dos filhos, principalmente no que diz respeito ao suprimento das necessidades básicas. Como no momento da coleta de informação Pedro não tinha um emprego formalizado, ele tinha tempo disponível para dedicar-se aos filhos. Para garantir o sustento da casa ele realizava trabalhos temporários e sua mãe e cunhada auxiliavam nos cuidados com as crianças: “Minha mãe e tem minha cunhada, quem cuida deles para eu trabalhar é elas duas”, detalhando que sua mãe “dá café pra eles, levanta, dá um banho neles e minha cunhada pega e traz eles para o colégio”. Sobre uma das fotografias, em que registrou o pátio simples de sua casa enquanto os filhos jogavam bola pela manhã, Pedro descreveu que ele e os filhos residiam em um terreno partilhado com outros familiares - sua mãe, seu irmão e sua cunhada -, o que promovia a proximidade das relações.

Devido à condição financeira de Pedro, por vezes, ele encontrava dificuldades em providenciar o sustento básico para os filhos, por isso declarou que as figuras familiares e o apoio comunitário eram significativas na vida de sua família:

Ela (mãe) pergunta pra mim se tem coisas para as crianças, ‘Então, vou fazer janta a mais. Vou fazer comida a mais e vocês vão lá jantar com nós’. . . . A vizinha lá que me ajuda. Se eu não tiver, vou lá e peço pra ela. Às vezes, ela pede pra mim, às vezes tem, as vezes não. Nós fizemos assim, um ajudando o outro.

O pesar em não conseguir encarregar-se do sustento dos filhos era algo que assombrava este pai: “Ah, eu estava caído, estava triste, porque, às vezes, eu não tinha nada e as crianças choravam. Até ficava nervoso. Agora estou mais calmo, porque a escola está me ajudando”. A escola filantrópica em que Emílio e Martin estudavam, por meio do acompanhamento familiar realizado por uma assistente social, auxiliava o pai com a doação de cestas básicas e a inclusão dos meninos em projetos sociais: “Eles (pessoal da escola) me ajudam, cesta básica, eles estão sempre me ajudando. Agora também eles botaram eles (filhos) nos projetos de almoço”. Ressalta-se na fala do pai a importância de a escola oferecer o almoço para as crianças, sendo considerado como o “projeto de almoço”. Assim, estas pessoas que compunham a rede de apoio de Pedro eram vistas como muito importantes: “Ah, é muito importante, é comida, é coisa pra eles né”.

Caso 3: Elias

Elias e Joana viveram juntos por seis anos e tiveram um casal de gêmeos, João e Berenice, que estavam com sete anos. Há três anos, devido a relacionamentos extraconjugais, o casal decidiu romper. Em um primeiro momento, os filhos ficaram com a mãe. Diante da preocupação com o bem-estar de João e Berenice, a dupla parental acordou que as crianças passariam a residir com o pai, já que o novo companheiro de Joana estava envolvido com o tráfico de drogas e a família estava sendo ameaçada. Elias havia solicitado judicialmente a guarda unilateral dos filhos e o processo estava em andamento. Em relação ao contato das crianças com a mãe, a participação materna estava limitada a algumas visitas aos domingos.

A paternidade e a inter-relação com os ambientes ecológicos

Elias, ao apresentar os ambientes ecológicos, ressaltou o universo do trabalho. Quando este pai assumiu a guarda unilateral dos filhos, decidiu pedir demissão do emprego e comprar uma casa com o dinheiro que receberia do acordo com a empresa:

A minha decisão de deixar o trabalho foi que eles vieram morar comigo. Eu estava morando de aluguel, surgiu a proposta para comprar uma casa. . . . Se eles me largassem, eu pegaria todos os meus direitos e com esse dinheiro que eu ia comprar a casa e mais alguma coisa que faltasse para dentro de casa.

O empenho em comprar a casa própria estava diretamente relacionado ao desejo de garantir estabilidade aos filhos: “Se eu continuo de aluguel e daqui 1, 2, 3 meses o dono resolve pedir a casa de volta, tem que estar mudando, e eu tenho que mudar as crianças também”.

Naquele momento de vida familiar, o sustento dependia exclusivamente do recurso do seguro-desemprego de Elias. A questão financeira circunscrevia seu compromisso paterno e as dificuldades remetiam, de certo modo, a vivências de sua infância: “Quando era pequeno, eu vendia raspadinha na rua para trazer dinheiro para dentro de casa”. Ao assumir um compromisso paterno com os filhos, sentia-se em falta com eles por não lograr êxito nas condições materiais que almejava: “Me sinto mal porque o que tinha planejado para eles não era isso. O que planejava era dar aquilo que não tive”. Ao tratar de suas experiências enquanto ainda era funcionário de uma metalúrgica, Elias retratou comportamentos de desconfiança ao buscar conciliar seus horários de trabalho com as atividades parentais: “Quando tu começa a mexer no horário, que começa a ir atrás dos teus filhos, já começa a ter um pé atrás. Podem te liberar, mas a cara não é mais a mesma, nem o tratamento”. Ao buscar uma justificativa para tal postura da empresa, o pai entendia que: “Quando é com o filho dos patrões, eles têm quem abre a fábrica, quem vai administrar. Agora quando é com o funcionário, já começam a desconfiar que está mentindo para faltar o emprego”.

No período em que participou deste estudo, Elias estava à procura de emprego, e já havia participado de alguns processos seletivos. O advogado que o estava orientando no processo de guarda dos filhos havia alertado: “‘Olha, pra ti conseguir a guarda, o bom é tu estar trabalhando’”. Contudo, reconhecia que o fato de ter a guarda dos filhos podia ser um dificultador nos momentos de seleção de emprego: “Porque pra gente conseguir emprego a gente não pode impor horário, a gente tem que dizer que estou à disposição. Então, é isso que a gente tem que fazer”.

Rede de apoio paterna: Contribuições ao desenvolvimento da família

No momento da coleta de dados, Elias considerava o apoio comunitário, representado pelas figuras de suas amigas, como relevante em seu dia a dia como pai. A escola e as atividades propostas pela instituição também foram consideradas fundamentais para a organização de sua rotina e dos filhos. Por indicação da escola, o pai estava encaminhando os filhos para atendimento psicológico e, assim, se consolidava um novo ambiente colaborativo para a família.

Nessas circunstâncias, o fato de a escola oferecer atividades em turno integral para as crianças auxiliou o pai na organização da rotina de cuidado com os filhos. Este foi um fator decisivo na escolha pela escola para os filhos: “Até eu procurei colocar eles aqui, porque na época eu estava trabalhando. . . . Me ajuda com a questão de ficar o dia todo. Seria uma coisa que eu teria que gastar, pagar alguém para ficar com eles”.

Em ocasiões em que não podia estar com os filhos, Elias manifestou que contava com a colaboração de duas amigas: “Eu conheci elas na escola onde nós estudamos, e as crianças não moravam comigo ainda. Nós éramos colegas, e daí a gente criou uma amizade e foi ficando mais forte”. As duas amigas tinham filhos com idades próximas aos de Elias e estudavam na mesma escola. Assim, revelou uma relação de parceria e cooperação com o dever de buscar e levar os filhos na escola: “Quando eu me atraso, que eu tenho algum outro compromisso, eu peço para uma amiga para pegar ou vice-versa, às vezes eu pego a filha dela aqui”, bem como nos momentos de lazer:

Minhas amigas, às vezes pedem para ficar com as crianças para elas saírem, e quando eu saio peço para elas ficarem com as crianças. E assim a gente vai trocando. . . . Realmente as minhas amigas são bem importantes.

Devido ao impacto que a reestruturação familiar causou em João e Berenice, como já referido, por orientação da escola, o pai buscou atendimento psicológico para as crianças: “Para fazer acompanhamento, porque querendo ou não eles já estavam acostumados a morar com a mãe e o padrasto e vir só a cada 15 dias comigo”.

Caso 4: Marcelo

Marcelo e Valéria namoraram por quatro anos. Deste relacionamento nasceu Jonas (7 anos). Quando Jonas estava com 1 ano e 7 meses de idade, sua mãe faleceu. Desde então, Marcelo assumiu sozinho os cuidados do filho. No mesmo ano, a mãe de Marcelo também faleceu. No momento da coleta de dados, a família da mãe de Jonas morava em outro estado e visitava o menino duas vezes por ano, durante os períodos de férias escolares. Marcelo compreendia a presença materna como fundamental para o desenvolvimento de uma criança, e sentia por seu filho.

A paternidade e a inter-relação com os ambientes ecológicos

Marcelo acumulava várias atividades: ser pai, estudante de pós-graduação e agente penitenciário, além de participar ativamente das ações propostas pela escola do filho. Assim, esclareceu que “A minha rotina, dependendo do que eu for fazer, é bem corrida e eu tento adequar meus horários pra quando eu não estou com ele (filho), ou quando ele está dormindo”, de modo que: “O mestrado eu tento dar mais atenção ou de tarde, quando eu estou sozinho, que eu faço minhas coisas, ou de noite, depois que ele dorme. Aí eu tenho bastante vida noturna”. Quanto ao trabalho: “Eu ajusto a minha escala dos dias que eu trabalho, com as aulas, com os dias do Jonas”.

Especialmente em relação ao mestrado, o pai disse que, eventualmente, não consegue conciliar suas atividades e as do filho, e então, leva Jonas junto em algum compromisso: “Às vezes ele vai comigo, até em alguma aula”, e disse ser bem recebido por colegas e professores, em seu entendimento, por serem na maioria mulheres: “Como são só mulheres e mulher gosta de criança”. Assim, referiu que: “Quando descobrem que eu crio ele sozinho, tem toda essa função, daí se apaixonam por ele, daí todo mundo quer cuidar, todo mundo quer ajudar”. Em relação às professoras, declarou que: “Minhas duas orientadoras, elas são duas mãezonas, meu contato com elas, meu e do Jonas, é muito bom”, mas reconhece que há cobranças: “Só tenho problemas quando elas começam a cobrar, me mandar e-mail”.

Ao final dos plantões exaustivos no presídio, Marcelo retornava para casa cansado. Então, buscava superar a condição física para atender o filho: “Às vezes eu vou botar ele pra olhar um desenho, mas eu paro e penso, será que ele não fica mais faceiro se eu brincar com ele, se eu interajo com ele, ao invés de estar pondo um desenho?”.

No trabalho, Marcelo reforçou o bom relacionamento com os colegas e o reconhecimento da paternidade naquele ambiente: “Meus colegas de trabalho dizem assim: ‘Irmão, o dia que tu precisar, só me falar. Tu é um cara 10. Me avisa se tu precisar de alguma coisa, porque não é fácil criar o filho sozinho’”. Assim, Marcelo conseguia substituir seus turnos de trabalho e ser liberado quando precisava atender o filho: “Qualquer coisa, se ficar doente, se acontecer alguma coisa, eu saio na hora. Mas tranquilo, eu ligo para o meu chefe, aviso e sou liberado”.

Em relação à escola do filho, Marcelo disse ter buscado uma que tivesse um atendimento especial a seu filho, já que entendia que o fato de não ter mãe exigia isso: “A escola já tem cuidados especiais, eles já trabalham com alunos especiais. Ele é especial pelo fato de não ter mãe. Deste modo, os avisos da escola já são direcionados ao pai: “Se ela manda alguma coisa que precisa, ela já manda na agenda ‘Pai’. A agenda já é direto direcionado pra mim”.

Quando o filho iniciou a vida escolar, Marcelo compartilhou com os outros pais da turma um pouco de sua história familiar: “Teve uma conversa, daí cada um contou um pouco da sua história. Sabem que é só eu e ele. E eu acho que eles percebem bem”. Mas reconheceu que a participação paterna no ambiente escolar ainda não está consolidada: “Mulheres, mulheres, mas tem bastante pais. A turma do Jonas já vai seis, sete pais, vão junto com as mães, as mães estão sempre. A mãe é diferenciada”.

Rede de apoio paterna: Contribuições ao desenvolvimento da família

Exclusivamente nos dias em que trabalhava, Marcelo contava com o auxílio de uma babá nos cuidados com Jonas: “Só nos dias que eu trabalho, no resto eu evito, até porque eu posso ficar com ele”. Assim, se organizava da seguinte forma: “Algumas aulas (do pai) são de manhã, daí eu levo (o filho) pra escola (do filho), porque eu pago integral. Daí eu tenho essa opção de deixar”. Já nos dias em que estava de plantão, deixava o filho na escola de manhã e contava com o auxílio de uma amiga e da babá no final do dia: “Tem a minha colega de mestrado, mãe do coleguinha dele, que me ajuda nos dias que eu trabalho. Daí, de tardezinha ela vai buscar ele, daí já leva na casa da babá”.

O apoio profissional, na figura da babá, foi muito importante e presente ativamente na vida da família de Marcelo, desde que ele assumira unilateralmente os cuidados do filho: “Ela sempre me ajudou nessa parte. Eu não teria outra opção, eu não teria um familiar pra deixar, como normalmente tem a vó”. Desse modo, apesar de reconhecer que “por mais que a babá goste muito dele, é alguém que não é da família dele”, a considerava parte de sua família: “Eu considero ela da minha família, porque eu gosto muito dela. Sabe aquela vó, só faz as vontades dele”.

Além do apoio da babá, desde o falecimento da mãe de Jonas, Marcelo entendeu que seria importante para o filho e para ele receberem o acompanhamento de um profissional da psicologia: “Desde que a mãe dele faleceu, eu levo ele, pra que ele se sinta bem, pra ter um acompanhamento sempre, pra que ele continue sendo carinhoso, pra que ele não desenvolva nada de errado na vida”. Devido ao plano de saúde familiar oferecido pela empresa em que trabalhava, Marcelo garantia atendimento psicológico semanal para o filho: “Agora ele vai mais, agora ele vai toda semana, com o plano. Antigamente não levava tanto, porque se tornava muito oneroso”. Além disso, ressaltou que o acompanhamento psicológico contribui com o exercício de sua paternidade, no sentido de que há “regras, o psicólogo lá sempre me orienta a ter horário pra tudo, e se faz alguma coisa certa, ganha. Não é tudo com premiação, mas se está se comportando, tem um limite bom pra ele”.

Discussão

Abordar a paternidade a partir da perspectiva da teoria bioecológica significa conceber o homem-pai como um ser em desenvolvimento, que se constitui a partir da inter-relação que estabelece com outras pessoas, objetos e símbolos dos contextos nos quais está inserido (Bronfenbrenner & Morris, 1998Bronfenbrenner, U., & Morris, P. (1998). The ecology of developmental processes. In W. Damon (Org.), Handbook of child psychology (pp. 993-1028). John Wiley & Sons.). Ainda que o papel paterno não seja desempenhado diretamente nos diferentes microssistemas em que o pai circula, conforme ocupa os papéis de profissional, estudante, entre outros, a paternidade compõe o modo como este homem se comporta nestes ambientes, da mesma forma que os ambientes influenciam o modo como a paternidade é experienciada (Bronfenbrenner, 1996Bronfenbrenner, U. (1996) A ecologia do desenvolvimento humano: Experimentos naturais e planejados. Artmed.; Bueno et al., 2015Bueno, R. K., Vieira, M. L., Crepaldi, M. A., & Schneider, D. R. (2015). Considerações epistemológicas da perspectiva bioecológica do desenvolvimento humano sobre o envolvimento paterno. Psicologia em Revista, 21(3), 599-620. https://doi.org/10.5752/P.1678-9523.2015v21n3p599
https://doi.org/10.5752/P.1678-9523.2015...
; Cecconello & Koller, 2004Cecconello, A. & Koller, S. H. (2004). Inserção ecológica na comunidade: Uma proposta metodológica para o estudo de famílias em situação de risco. In S. H. Koller (Org.), Ecologia do desenvolvimento humano: Pesquisa e intervenção no Brasil (pp. 267-291). Casa do Psicólogo.)

Entre os contextos de vida dos pais, destacou-se o trabalho, uma vez que apareceu com mais força nas falas, tanto devido à repetição quanto pela relevância desse ambiente para os pesquisados. Para estes pais, as preocupações em relação aos filhos extrapolavam o aspecto financeiro e se referiam às responsabilidades paternas de modo mais amplo. Embora compreendessem o trabalho como um facilitador no exercício da paternidade, os pais preocupavam-se que este não se sobrepusesse à necessidade de sua presença física junto aos filhos, pautada em relações de trocas de carinho, amor e atenção.

Ao considerar as condições de trabalho, pode-se supor que um ambiente interpessoal de trabalho que pouco leva em consideração as demandas familiares de seus funcionários coloca impedimentos ao envolvimento paterno, contribuindo diretamente com o sentimento de inadequação no desempenho do papel paterno (Cia & Barham, 2006Cia, F., & Barham, E. J. (2006). Influências das condições de trabalho do pai sobre o relacionamento pai-filho. Psico-USF, 11(2), 257-264.). Em contrapartida, um padrão relacional que oportunize aos pais trocas com colegas sobre suas experiências e dificuldades familiares, recebendo, assim, apoio emocional e prático, favoreceria um nível maior de satisfação quanto à realização de atividades familiares e profissionais.

Ainda no tocante à vida profissional, os pais reforçaram a importância, para eles, de um vínculo estável com o trabalho. Dentre as dificuldades associadas às responsabilidades com a família, entre os pais desempregados a escassez de recursos foi apontada como um obstáculo permanente, devido à carência de ordem econômica e social. A cobrança para garantir o sustento da família, somada a questões emocionais, mostrava-se como um fator de grande preocupação para estes pais.

Estudos apontam que a situação de desemprego pode acarretar um significativo sofrimento psicológico nos homens, chegando a caracterizar quadros de ansiedade e depressão (Ministério da Saúde do Brasil, 2001Ministério da Saúde do Brasil. (2001). Doenças relacionadas ao trabalho: Manual de procedimentos para os serviços de saúde. http://www.fiocruz.br/biosseguranca/Bis/manuais/seguranca%20e%20saude%20no%20trabalho/Saudedotrabalhador.pdf
http://www.fiocruz.br/biosseguranca/Bis/...
). Segundo Souza e Benetti (2008Souza, C. L. C. & Benetti, S. P. C. (2008). Paternidade e desemprego: Características do envolvimento paterno e aspectos do relacionamento familiar. Contextos Clínicos, 1(2), 61-71. https://doi.org/10.4013/ctc.20082.02
https://doi.org/10.4013/ctc.20082.02...
), situações de desemprego do pai podem afetar a própria concepção do homem sobre seu papel, especialmente em relação à imagem de provedor da família. Por outro lado, um vínculo empregatício formal pode comprometer o desempenho das funções paternas, uma vez que afeta negativamente o tempo para interagir com as crianças, como afirma Bronfenbrenner, 2005Bronfenbrenner, U. (2005). Making human beings human: Bioecological perspectives on human development. Sage.. O autor, Souza e Benetti (2009Souza, C. L. C. & Benetti, S. P. C. (2008). Paternidade e desemprego: Características do envolvimento paterno e aspectos do relacionamento familiar. Contextos Clínicos, 1(2), 61-71. https://doi.org/10.4013/ctc.20082.02
https://doi.org/10.4013/ctc.20082.02...
) e Gomes, Crepaldi e Brigas (2013Gomes, L. B., Crepaldi, M. A., & Brigas, M. (2013). O engajamento paterno como fator de regulação da agressividade em pré-escolares. Paidéia, 23(54), 21-29.) verificaram que a jornada de trabalho interfere no engajamento paterno, de modo que a vida familiar está relacionada ao número de horas que o homem permanece no emprego.

Ademais, é importante que o pai disponha de tempo para que possa estabelecer uma relação paterna de qualidade com seus filhos (Gomes, Crepaldi e Brigas, 2013Gomes, L. B., Crepaldi, M. A., & Brigas, M. (2013). O engajamento paterno como fator de regulação da agressividade em pré-escolares. Paidéia, 23(54), 21-29.), ainda mais quando ele é a principal figura de referência. Nesse sentido, a consciência dos homens em relação à necessidade de maior comprometimento com os filhos encontra entraves em tradições políticas, culturais e sociais extremamente arraigadas, evidenciando que a transformação dos valores não segue o ritmo das mudanças sociais (Borisenko, 2007Borisenko, J. (2007). Fatherhood as a personality development factor in men. Spanish Journal of Psychology, 10, 82-90. https://doi.org/10.1017/S1138741600006338
https://doi.org/10.1017/S113874160000633...
; Cia & Barham, 2006Cia, F., & Barham, E. J. (2006). Influências das condições de trabalho do pai sobre o relacionamento pai-filho. Psico-USF, 11(2), 257-264.). Tal realidade sinaliza para a necessidade de suporte no contexto de política social que favoreça a maior participação dos homens na criação de seus filhos, considerando também a importância do envolvimento paterno para o desenvolvimento da criança e do próprio homem (Borisenko, 2007Borisenko, J. (2007). Fatherhood as a personality development factor in men. Spanish Journal of Psychology, 10, 82-90. https://doi.org/10.1017/S1138741600006338
https://doi.org/10.1017/S113874160000633...
; Bueno et al., 2015Bueno, R. K., Vieira, M. L., Crepaldi, M. A., & Schneider, D. R. (2015). Considerações epistemológicas da perspectiva bioecológica do desenvolvimento humano sobre o envolvimento paterno. Psicologia em Revista, 21(3), 599-620. https://doi.org/10.5752/P.1678-9523.2015v21n3p599
https://doi.org/10.5752/P.1678-9523.2015...
).

Desse modo, as normas trabalhistas necessitam ser revisadas e contextualizadas à conjuntura social contemporânea, considerando a adaptação do masculino às demandas familiares e outros âmbitos sociais. Todavia, a organização do trabalho ainda está longe de preparada para dar suporte à participação masculina na criação e cuidados dos filhos, ao passo que os pais se beneficiariam se as empresas oferecessem melhores condições de trabalho, com um ambiente interpessoal favorável, flexibilidade de horário, horários de trabalhos parciais ou trabalhos que pudessem ser realizados a distância, para que, assim, os trabalhadores pudessem ter maiores oportunidades de se envolverem com questões pessoais e familiares (Cia & Barham, 2006Cia, F., & Barham, E. J. (2006). Influências das condições de trabalho do pai sobre o relacionamento pai-filho. Psico-USF, 11(2), 257-264.).

Em relação aos contextos de estudos de César e Marcelo, percebeu-se que as relações acolhedoras e flexíveis com professores e colegas no ambiente de graduação e da pós-graduação permitiram a esses pais uma formação em ensino superior e outras realizações pessoais. Contudo, conciliar a paternidade com os estudos mostrou-se uma tarefa complexa; embora os contextos de estudo apoiassem o exercício da paternidade, havia exigências de prazos e produções acadêmicas a que eles precisavam responder. Assim, estratégias eram criadas, incluindo, principalmente, a rede de apoio das famílias.

O homem-pai que compõe uma família monoparental, quando necessário, busca apoio de familiares, amigos e de instituições para o cuidado com os filhos, tornando-se suportes importantes nesse arranjo familiar, seja por meio de apoio emocional, instrumental ou informativo (Koulouglioti, Cole, & Moskow, 2011Koulouglioti, C., Cole, R., & Moskow, M. (2011). Single mothers’ views of young children’s everyday routines: A focus group study. Journal of Community Health Nursing, 28(3), 144-155. https://doi.org/10.1080/07370016.2011.589236
https://doi.org/10.1080/07370016.2011.58...
). Assim, este estudo considera relevante a repercussão da rede de apoio para o exercício paterno, principalmente quando se tem em mente que as possibilidades de atuação no cenário familiar se ampliam ou são inibidas de acordo com o contexto socioeconômico, cultural e afetivo no qual a família está inserida.

No caso das famílias de camadas populares, o exercício da paternidade exigiu que estratégias de sobrevivência fossem desenvolvidas utilizando os próprios recursos e os da comunidade (Marion, Ferreira, & Pereira, 2015Marion, J., Ferreira, M., & Pereira, C. R. R. (2015). Desafios de ser pai em uma sociedade em transformação. In E. R. Goetz & M. L. Vieira (Eds.), Novo pai: Recursos, desafios e possibilidades (pp. 171-180). Juruá.), o que incluiu a busca de apoio em pessoas próximas, como vizinhos, conhecidos e parentes. Para tanto, foram promovidas relações de solidariedade que se apresentaram como uma forma dessa população garantir sua existência diante de um contexto que fragiliza seu desenvolvimento. O apoio informal referido pelas famílias estava vinculado tanto às necessidades emocionais quanto ao apoio instrumental. Em consonância com o estudo de Souza e Benetti (2008Souza, C. L. C. & Benetti, S. P. C. (2008). Paternidade e desemprego: Características do envolvimento paterno e aspectos do relacionamento familiar. Contextos Clínicos, 1(2), 61-71. https://doi.org/10.4013/ctc.20082.02
https://doi.org/10.4013/ctc.20082.02...
), o suporte instrumental recebido pelos pais que vivenciavam privações econômicas, caracterizado, principalmente, pela ajuda no suprimento das necessidades básicas da família, como alimentação fornecida pela escola dos filhos, amenizou o impacto negativo das dificuldades financeiras e permitiu que os pais tivessem maior disponibilidade emocional para se manterem próximos dos filhos.

Nesse sentido, considerando os pressupostos do modelo bioecológico, compreendeu-se a escola como mais uma fonte de apoio instrumental importante para as famílias, vista como o segundo contexto de maior relevância para o desenvolvimento humano (Bronfenbrenner & Morris, 1998Bronfenbrenner, U., & Morris, P. (1998). The ecology of developmental processes. In W. Damon (Org.), Handbook of child psychology (pp. 993-1028). John Wiley & Sons.). Uma função fundamental do ambiente escolar é a de se aproximar do contexto social de seus alunos/as e funcionar como um fator de proteção às crianças e suas famílias, favorecendo seu desenvolvimento e interação social. Além disso, o apoio informativo da escola ao orientar a busca de atendimento psicológico para as crianças mostrou-se favorável à construção de elos entre os microssistemas existentes no contexto ecológico das crianças/famílias, promovendo processos proximais geradores de saúde.

Já a rede de apoio profissional, como as babás, também auxilia no cuidado com os filhos, e é uma prática frequente em famílias de classe média-alta brasileira, como as de César e Marcelo. As profissionais são contratadas por causa das rotinas extensas de trabalho dos pais e propiciam a estes conciliar suas atividades de trabalho e a rotina de estudos. Dessa forma, o cuidado e o suprimento das necessidades básicas por parte da babá constituíam-se como formas de conferir segurança para a criança e para o pai.

No que tange à psicoterapia, as famílias estudadas passaram por um processo de mudança e, em meio às dificuldades enfrentadas, encontraram no acompanhamento psicológico a possibilidade de se reorganizarem enquanto família e produzir novos significados, condizentes com as novas experiências familiares. Dessa forma, o suporte psicológico configurou-se como uma oportunidade para a construção de novas formas de lidar com as mudanças surgidas a partir das situações e desafios da atual configuração familiar. Isso reforça a importância do profissional da psicologia na busca por relações mais saudáveis, visto que os pais manifestaram, diversas vezes, uma preocupação com o estado emocional dos filhos após a separação ou a morte da mãe, e o cuidado em tentar preservar ao máximo a vida e o ambiente dessas crianças.

Desse modo, quando estáveis, as redes atuam de forma significativa no desenvolvimento do indivíduo, principalmente diante de situações adversas (Backes et al., 2018Backes, M. S., Becker, A. P., Crepaldi, M. A., & Vieira, M. L. (2018). A paternidade e fatores associados ao envolvimento paterno. Nova Perspectiva Sistêmica, 62, 100-119. http://dx.doi.org/10.21452/2594-43632018v27n61a04
http://dx.doi.org/10.21452/2594-43632018...
). Nos casos pós-divórcios, observou-se que, a partir do momento em que ocorreu a definição de guarda paterna, as mães distanciaram-se dos filhos, fato que corrobora a ideia de que a figura parental que não detém a guarda tende a afastar-se do filho (Alves & Arpini, 2017Alves, A. P., & Arpini, D. M. (2017). Conjugalidade e os conflitos vivenciados. Pensando Famílias, 21(1), 3-19.; McGoldrick & Schibusawa, 2016McGoldrick, M., & Shibusawa, T. (2016). O ciclo vital familiar. In F. Walsh (Org.), Processos normativos da família: Diversidade e complexidade (pp. 375-398). Artmed.). Todavia, os casos apresentados exemplificam as contribuições da rede de apoio, seja ela composta por recursos presentes na rede familiar - avós, tias, namorada - e na comunidade - amigas, vizinhos - ou por uma rede profissional formada pelas babás e pela escola. Ressalta-se a presença de figuras femininas que, em alguma medida, puderam auxiliar os pais em momentos de suas vivências com seus filhos, oferecendo uma referência do gênero e seus afazeres. Entretanto, este fato não significa insuficiência ou dificuldade do pai em lidar com assuntos familiares, mas, nos casos em questão, se coloca a necessidade de partilhar com alguém as experiências de ser pai, suas dúvidas e eventuais inseguranças, independentemente de ser uma figura feminina (Ried, 2011Ried, J. (2011). Configurações familiares contemporâneas: Significações de famílias monoparentais masculinas [Dissertação de mestrado, Universidade Federal de Santa Catarina]. Repositório Institucional UFSC. https://repositorio.ufsc.br/xmlui/handle/123456789/86804
https://repositorio.ufsc.br/xmlui/handle...
). O que fica explicitado em algumas falas dos entrevistados é a participação do feminino para auxiliar com referências acerca do gênero e do próprio corpo das filhas, e não porque o pai não tenha condições de desempenhar seus afazeres e responsabilidades junto aos filhos.

Considerações finais

Gradativamente, a evolução nas relações sociais promovida pelas ações de conscientização da paternidade permite uma concepção pautada pela igualdade de gênero. No entanto, para os pais da contemporaneidade, ainda é difícil colocar em prática novas perspectivas de ser pai, uma vez que a visão antiga ainda restringe a vontade individual. A problemática está colocada para além dos contextos familiares, por meio de antigos e novos valores que coexistem no meio social e, por conseguinte, agem sobre pensamentos e atitudes, influenciando direta ou indiretamente o modo de criação dos filhos.

Ainda que a condição econômica seja um fator indiretamente associado ao desempenho da função paterna, mostrou-se fundamental para garantir o desenvolvimento social e emocional da família. O entendimento de que o trabalho do pai interfere em sua função paterna reforça a noção de que a paternidade é multideterminada, em uma interação dinâmica de fatores como as características dos contextos social, familiar e as do pai em si. Nesse sentido, percebeu-se que as redes sociais podem operar de forma significativa para o desenvolvimento da família, auxiliando em situações adversas ou de crise, na promoção de saúde e na qualidade de vida. As redes atuaram como produtoras de mudanças, como propulsoras do desenvolvimento. Neste sentido, destaca-se a atuação de psicólogos como ferramenta para ultrapassar modelos familiares culturalmente idealizados e favorecer a satisfação e o bem-estar dos membros de uma família.

Essa nova perspectiva de paternidade conduz a ações de conscientização que devem ser reforçadas por políticas públicas, intervenções jurídicas e psicossociais que ofereçam suporte às novas formas de exercício da paternidade e atendam ao melhor interesse das crianças, garantindo o direito das famílias de existir em sua diversidade. Por isso, é indispensável atentar para as relações sociais do pai, em seus diferentes ambientes, a fim de dar visibilidade às necessidades vivenciadas e legitimidade às famílias monoparentais. Tais famílias, centradas na figura do pai, devem ser consideradas como detentoras de recursos internos que os capacitam para o exercício parental.

Não se esgotam as possibilidades de leitura e ampliação de estudos sobre a discussão traçada acerca dos diferentes aspectos imbricados no exercício da paternidade em famílias monoparentais masculinas. A própria abordagem bioecológica do desenvolvimento humano refere-se à possibilidade de investigar um determinado fenômeno a partir de perspectivas distintas, o que é enriquecedor para a produção de conhecimento. Isto favorece a indicação para que futuras pesquisas aprofundem a investigação acerca da dinâmica das redes sociais para o desempenho da paternidade em famílias monoparentais masculinas em diferentes contextos sociais. Além disso, estudar separadamente os casos de monoparentalidade resultantes de separações conjugais ou viuvez contribuiria para o entendimento das singularidades de cada acontecimento para esse arranjo familiar. Ao pensar as inter-relações ecológicas, o ambiente de trabalho dos pais ainda carece de compreensão no campo científico.

Referências

  • Alves, A. P., & Arpini, D. M. (2017). Conjugalidade e os conflitos vivenciados. Pensando Famílias, 21(1), 3-19.
  • Backes, M. S., Becker, A. P., Crepaldi, M. A., & Vieira, M. L. (2018). A paternidade e fatores associados ao envolvimento paterno. Nova Perspectiva Sistêmica, 62, 100-119. http://dx.doi.org/10.21452/2594-43632018v27n61a04
    » http://dx.doi.org/10.21452/2594-43632018v27n61a04
  • Bardin, L. (2011). Análise de conteúdo. Edições 70.
  • Borisenko, J. (2007). Fatherhood as a personality development factor in men. Spanish Journal of Psychology, 10, 82-90. https://doi.org/10.1017/S1138741600006338
    » https://doi.org/10.1017/S1138741600006338
  • Brasil. (1988). Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm
    » http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm
  • Brito, R. C., & Koller, S. H. (1999). Redes de apoio social e afetivo e desenvolvimento. In A. M. Carvalho (Org.), O mundo social da criança: Natureza e cultura em ação (pp. 115-130). Casa do Psicólogo.
  • Bronfenbrenner, U. (1996) A ecologia do desenvolvimento humano: Experimentos naturais e planejados. Artmed.
  • Bronfenbrenner, U. (2005). Making human beings human: Bioecological perspectives on human development. Sage.
  • Bronfenbrenner, U., & Morris, P. (1998). The ecology of developmental processes. In W. Damon (Org.), Handbook of child psychology (pp. 993-1028). John Wiley & Sons.
  • Bueno, R. K., Vieira, M. L., Crepaldi, M. A., & Schneider, D. R. (2015). Considerações epistemológicas da perspectiva bioecológica do desenvolvimento humano sobre o envolvimento paterno. Psicologia em Revista, 21(3), 599-620. https://doi.org/10.5752/P.1678-9523.2015v21n3p599
    » https://doi.org/10.5752/P.1678-9523.2015v21n3p599
  • Cabrera, N. J., Tamis-LeMonda, C. S., Bradley, R. H., Hofferth, S., & Lamb, M. E. (2000). Fatherhood in the Twenty-First Century. Child Development, 71(1), 127-136.
  • Cecconello, A. & Koller, S. H. (2004). Inserção ecológica na comunidade: Uma proposta metodológica para o estudo de famílias em situação de risco. In S. H. Koller (Org.), Ecologia do desenvolvimento humano: Pesquisa e intervenção no Brasil (pp. 267-291). Casa do Psicólogo.
  • Cia, F., & Barham, E. J. (2006). Influências das condições de trabalho do pai sobre o relacionamento pai-filho. Psico-USF, 11(2), 257-264.
  • Dunst, C. J., & Trivette, C. M. (2009). Meta-analytic structural equation modeling of the influences of family-centred care on parent and child psychological health. International Journal of Pediatrics, 1-9. https://doi.org/10.1155/2009/576840
    » https://doi.org/10.1155/2009/576840
  • Gomes, L. B., Crepaldi, M. A., & Brigas, M. (2013). O engajamento paterno como fator de regulação da agressividade em pré-escolares. Paidéia, 23(54), 21-29.
  • Joly, M. (2008). Introdução à análise da imagem (12a ed.). Papirus.
  • Koulouglioti, C., Cole, R., & Moskow, M. (2011). Single mothers’ views of young children’s everyday routines: A focus group study. Journal of Community Health Nursing, 28(3), 144-155. https://doi.org/10.1080/07370016.2011.589236
    » https://doi.org/10.1080/07370016.2011.589236
  • Marion, J., Ferreira, M., & Pereira, C. R. R. (2015). Desafios de ser pai em uma sociedade em transformação. In E. R. Goetz & M. L. Vieira (Eds.), Novo pai: Recursos, desafios e possibilidades (pp. 171-180). Juruá.
  • Matos, M. G, Magalhães, A. S., Féres-Carneiro, T., & Machado, R. N. (2017). Construindo o vínculo pai-bebê: A experiência dos pais. Psico-USF, 22(2), 261-271. https://dx.doi.org/10.1590/1413-82712017220206
    » https://dx.doi.org/10.1590/1413-82712017220206
  • McGoldrick, M., & Shibusawa, T. (2016). O ciclo vital familiar. In F. Walsh (Org.), Processos normativos da família: Diversidade e complexidade (pp. 375-398). Artmed.
  • Minayo, M. C. S. (2012). Análise qualitativa: Teoria, passos e fidedignidade. Ciência & Saúde Coletiva, 17(3), 621-626.
  • Ministério da Saúde do Brasil. (2001). Doenças relacionadas ao trabalho: Manual de procedimentos para os serviços de saúde. http://www.fiocruz.br/biosseguranca/Bis/manuais/seguranca%20e%20saude%20no%20trabalho/Saudedotrabalhador.pdf
    » http://www.fiocruz.br/biosseguranca/Bis/manuais/seguranca%20e%20saude%20no%20trabalho/Saudedotrabalhador.pdf
  • Resolução nº 510, de 7 de abril de 2016. Brasil, Conselho Nacional de Saúde (2016). http://conselho.saude.gov.br/resolucoes/2016/Reso510.pdf
    » http://conselho.saude.gov.br/resolucoes/2016/Reso510.pdf
  • Ried, J. (2011). Configurações familiares contemporâneas: Significações de famílias monoparentais masculinas [Dissertação de mestrado, Universidade Federal de Santa Catarina]. Repositório Institucional UFSC. https://repositorio.ufsc.br/xmlui/handle/123456789/86804
    » https://repositorio.ufsc.br/xmlui/handle/123456789/86804
  • Sluzki, C. E. (1997). As redes sociais na prática sistêmica. Casa do Psicólogo.
  • Souza, C. L. C. & Benetti, S. P. C. (2008). Paternidade e desemprego: Características do envolvimento paterno e aspectos do relacionamento familiar. Contextos Clínicos, 1(2), 61-71. https://doi.org/10.4013/ctc.20082.02
    » https://doi.org/10.4013/ctc.20082.02
  • Stake, R. E. (1994). Case studies. In N. K. Denzin & Y. S Lincoln (Orgs), Handbook of qualitative research (pp. 236-247). Sage.
  • Tudge, J., & Frizzo, G. F. (2002). Classificação baseada em Hollingshead do nível socioeconômico das famílias do Estudo Longitudinal de Porto Alegre: da Gestação à Escola [Manuscrito não publicado]. Instituto de Psicologia, Universidade Federal do Rio Grande do Sul.
  • Vasconcellos, M. J. E. (2018). Pensamento sistêmico: O novo paradigma da ciência. Papirus.
  • 1
    Os nomes dos participantes foram substituídos por nomes fictícios a fim de preservar suas identidades.
  • 2
    Nível socioeconômico com base em Hollingshead (1975, adaptado por Tudge & Frizzo, 2002Tudge, J., & Frizzo, G. F. (2002). Classificação baseada em Hollingshead do nível socioeconômico das famílias do Estudo Longitudinal de Porto Alegre: da Gestação à Escola [Manuscrito não publicado]. Instituto de Psicologia, Universidade Federal do Rio Grande do Sul.): 1(baixo); 2(médio-baixo); 3(médio); 4(médio-alto) e 5 (alto).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    08 Out 2021
  • Data do Fascículo
    2021

Histórico

  • Recebido
    16 Maio 2019
  • Aceito
    28 Jul 2020
Conselho Federal de Psicologia SAF/SUL, Quadra 2, Bloco B, Edifício Via Office, térreo sala 105, 70070-600 Brasília - DF - Brasil, Tel.: (55 61) 2109-0100 - Brasília - DF - Brazil
E-mail: revista@cfp.org.br