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Validação de Protocolos de Avaliação Psicológica e Indicadores de Atendimento em Psico-Oncologia

Validation of Psychological Assessment Protocols and Care Indicators in Psycho-Oncology

Validez de Protocolos de Evaluación Psicológica e Indicadores de Atención en Psicooncología

Resumo

O desenvolvimento das atividades do psicólogo no contexto hospitalar é marcado predominantemente pela atuação subjetiva a partir de um embasamento teórico-científico, visto que, por vezes, os profissionais são carentes de conhecimentos e práticas sistemáticas de gestão exigidos pelas instituições hospitalares. A aplicabilidade de protocolos operacionais pode ser um efetivo instrumento para sistematização da rotina hospitalar, rastreamento fidedigno e embasamento de indicadores consistentes das demandas atendidas. Nesse sentido, o presente estudo teve como objetivo realizar a validação de conteúdo e avaliação de usabilidade dos protocolos “Avaliação Psicológica” e “Indicadores de Atendimentos da Psicologia” para serem implantados no serviço de psico-oncologia de um hospital oncológico. Para tanto, foram selecionados juízes especialistas para proceder com a validação dos instrumentos. Os dados foram avaliados com base no Índice de Validação de Conteúdo (IVC) e System Usability Scale (SUS). Percebeu-se maior validação dos aspectos Avaliação do Estado Geral, Histórico Psiquiátrico e Atitudes Frente à Doença (100%) no protocolo “Avaliação Psicológica”, em contrapartida, os itens referentes aos Aspectos Cognitivos (97,7%) e ao Estado Emocional (91,7%), se apresentaram em menores percentuais, porém ainda assim, estatisticamente significativos. Os índices do protocolo “Indicadores de Atendimentos da Psicologia” atingiram 100% de validação. As avaliações de usabilidade dos protocolos indicam maior adesão ao “Indicadores de Atendimentos da Psicologia”, entretanto, ambos os protocolos atingiram alto grau de efetividade, eficiência e satisfação. A implantação dos protocolos permitirá a avaliação psicológica e o registro logístico do atendimento, auxiliando o psicólogo no acompanhamento do paciente e na construção de indicadores do serviço de psicologia hospitalar.

Palavras-chave:
Protocolos de Decisão; Indicadores de Serviço; Assistência Hospitalar; Psico-oncologia; Psicologia em Saúde

Abstract

The practice of the psychologist within the hospital context is predominantly marked by the subjective action based on a theoretical-scientific foundation, often lacking the systematic knowledge and management practices required by these institutions. In this context, operational protocols may be an effective tool to systematize hospital routine, provide reliable tracking, and support consistent indicators of the demands met. This study sought to validate the content and usability of the protocols “Psychological Assessment” and “Care Indicators in Psychology,” to be implemented in the Psycho-Oncology Service of a cancer hospital. Instrument validation was performed by specialized judges, based on the Content Validation Index (CVI) and System Usability Scale (SUS). Regarding the “Psychological Assessment” protocol, the validation of the General Assessment, Psychiatric History, and Attitudes towards Disease aspects reached 100%, whereas items referring to the Cognitive Aspects (97.7%) and the Emotional State (91.7%) reached lower percentages - although still statistically significant. The “Care Indicators in Psychology” indexes reached 100% validation, besides indicating greater usability. Both protocols reached a high degree of effectiveness, efficiency, and satisfaction. Implementing these protocols will enable psychological evaluation and logistic registration of the service, helping psychologists in patient follow-up and in the construction of indicators of the Hospital Psychology service.

Keywords:
Decision protocols; Service Indicators; Hospital care; Psycho-oncology; Psychology in health

Resumen

El desarrollo de la actuación del psicólogo en el contexto hospitalario tiene predominio de la práctica subjetiva con base en el marco teórico-científico, y en muchas ocasiones los profesionales carecen de conocimientos y prácticas sistemáticas de gestión requeridas por las instituciones hospitalarias. La aplicación de protocolos operativos puede ser una herramienta eficaz en la sistematización de la rutina hospitalaria, el seguimiento fiable y los indicadores consistentes con las demandas procuradas. En este sentido, este estudio tuvo como objetivo realizar una validez de contenido y evaluación de la utilidad de los protocolos “Evaluación Psicológica” e “Indicadores de Atención en Psicología” para que sean aplicados en el servicio de psicooncología de un hospital oncológico. Para ello, se seleccionaron expertos para que validen los instrumentos. Para el análisis de datos se utilizaron el Índice de Validez de Contenido (IVC) y el System Usability Scale (SUS). Se observó una mayor validez en los ítems Evaluación del Estado General, Historia Psiquiátrica y Actitudes Ante la Enfermedad (100%) del protocolo “Evaluación Psicológica”, mientras que Aspectos cognitivos (97,7%), Estado Emocional (91,7%) tuvieron los menores porcentuales aunque fueron estadísticamente significativos. Las tasas del protocolo “Indicadores de Atención en Psicología” alcanzaron el 100% de validez. Las evaluaciones de utilidad de los protocolos apuntaron a una alta adherencia en los “Indicadores de Atención en Psicología”. Sin embargo, ambos protocolos tuvieron un alto grado de efectividad, eficacia y satisfacción. Estos protocolos pueden ayudar al psicólogo en el seguimiento del paciente y en la construcción de indicadores de servicio de Psicología Hospitalaria.

Palabras clave:
Protocolos de Decisión; Indicadores de Servicio; Asistencia Hospitalaria; Psicooncología; Psicología en Salud

Introdução

As doenças oncológicas representam atualmente um dos principais problemas de saúde pública, na medida em que sua prevalência em nível mundial é muito expressiva. Os avanços tecnológicos para prevenção, diagnóstico e tratamento na área também são reconhecidos, entretanto, o câncer continua a ser uma doença associada à grande exigência emocional e psicológica para o paciente, seus familiares, cuidadores e profissionais da equipe de saúde.

A psico-oncologia é uma especialidade que atua junto a sujeitos com câncer e foca na resposta emocional dos pacientes e seus familiares. Em todas as fases que perpassam o universo do adoecimento oncológico, as dimensões sociofamiliar, emocional, psicológica, psiquiátrica e espiritual são pontos centrais trabalhados na abordagem de todos os pacientes oncológicos e podem influenciar a morbimortalidade associada ao câncer (Moura & Belancieri, 2018Moura, E. A., & Belancieri, M. F. (2018). Práticas psicológicas com pacientes oncológicos: Estudo teórico. Revista Científica do Unisalesiano, 18(9), 707-719).

As intervenções psicológicas com pacientes oncológicos objetivam minimizar a angústia da dor e do sofrimento provocado pelas mudanças ocorridas na vida da pessoa por ocasião do acometimento da doença, a partir de atendimentos individuais e/ou grupais, desmistificando crenças equivocadas acerca do diagnóstico e do tratamento, sempre com uma escuta ativa, buscando os sentidos e significações do momento vivenciado (Albergaria & Amorim, 2018Albergaria, R., & Amorim, R. (2018). Caracterização dos utentes de uma unidade de psico-oncologia extra-hospitalar. Psicologia, Saúde & Doenças, 19(3), 550-563. http://dx.doi.org/10.15309/18psd190307
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).

Bergerot (2013Bergerot, C. D. (2013). Avaliação de distress para identificação de fatores de risco e proteção na experiência oncológica: Contribuições para a estruturação de rotinas e programas em psico-oncologia [Tese de doutorado, Universidade de Brasília].) aponta que o aprimoramento profissional para direcionar a prática clínica na psico-oncologia apresenta a necessidade de pesquisas que fundamentem a estruturação de serviços, definição de rotinas e condutas. Os protocolos de prática clínica baseados em evidências científicas devem ser desenvolvidos com o objetivo de estabelecer diretrizes e auxiliar os profissionais envolvidos na vivência do paciente oncológico.

Desenvolver e utilizar ferramentas para instrumentalizar e auxiliar o psicólogo hospitalar tanto nas intervenções assistenciais quanto nos processos gerenciais, pode trazer maior visibilidade aos resultados obtidos pelos serviços de psicologia (Silveira, 2010Silveira, A. M. V. (2010). Estudo do campo da psicologia hospitalar calcado nos fundamentos de gestão: Estrutura, processos e resultados [Dissertação de mestrado, Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais].).

Todavia, os aspectos ligados ao arcabouço da prática psicológica ainda carecem de maiores investigações que visem aprimorar os serviços para além do processo clínico-assistencial. Poucos estudos versam acerca da construção e validação de protocolos assistenciais e de gestão em psicologia hospitalar.

Souza, Alexandre e Girardello (2017Souza, A C., Alexandre, N. M. C., & Guirardello, E. B. (2017). Propriedades psicométricas na avaliação de instrumentos: Avaliação da confiabilidade e da validade. Epidemiologia e Serviços de Saúde, 26(3), 649-659. https://doi.org/10.5123/S1679-49742017000300022
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) esclarecem que “a validade do instrumento se refere ao fato de este medir exatamente o que se propõe a medir” (p. 652). Os autores destacam ainda que a forma inapropriada de validação, sem critérios metodológicos rigorosos, e a inexistência de instrumentos validados por profissionais capacitados, dificultam o aprimoramento e a disseminação do conhecimento sobre o fenômeno em estudo.

Diante dessa conjuntura, o presente trabalho objetivou realizar a validação de conteúdo e avaliação de usabilidade de protocolos de atendimento que foram implantados no serviço de psicologia de um hospital oncológico de referência na rede de saúde do Estado do Ceará.

A unidade hospitalar faz uso do software de gestão em saúde “Sistema Tasy®” para auxiliar na sistematização e gestão das atividades assistenciais. Trata-se de um sistema de informação clínico hospitalar que permite às instituições de saúde informatizarem todos os documentos assistenciais e administrativos que permanecem sempre em um banco de dados.

É um software de gestão em saúde eficiente na procura das informações. Permite que os gestores tenham uma visão extensa e unificada de todo o funcionamento da instituição, proporcionando maior rapidez nos processos administrativos e operacionais (Floriani, 2012Floriani, L. F. (2012). Avaliação de usabilidade do prontuário eletrônico de pacientes do sistema tasy e análise de satisfação do corpo clínico do hospital regional de Araranguá. [Monografia de graduação, Universidade Federal de Santa Catarina].).

Com o suporte do “Sistema Tasy®”, o serviço de psico-oncologia hospitalar, formado por quatro psicólogas e oito residentes de psicologia, desenvolveu por meio da articulação empírica e levantamento bibliográfico dois protocolos denominados de “Avaliação Psicológica” e “Indicadores de Atendimentos da Psicologia”, que foram agregados ao Prontuário Eletrônico do Paciente (PEP).

A estruturação do protocolo “Avaliação Psicológica” busca avaliar de maneira pormenorizada os seguintes aspectos: 1) estado geral; 2) aspectos cognitivos; 3) estado emocional; 4) histórico psiquiátrico; e 5) atitudes do paciente frente à vivência de adoecimento, hospitalização e tratamento. Os dados são preenchidos a partir de entrevista com os pacientes para identificar possíveis transtornos psíquicos e mentais, eventuais desajustes de comportamento e sofrimento psicológico reativos ao adoecimento/hospitalização, entre outros aspectos.

Por meio do protocolo “Indicadores de Atendimento da Psicologia” são registrados os dados quantitativos e aspectos logísticos que são levantados em torno dos atendimentos aos pacientes, seus familiares e acompanhantes, por meio dos seguintes indicadores: 1) pessoa atendida; 2) tipo de atendimento; 3) justificativa do atendimento; 4) clínica de origem; 5) local do atendimento; 6) encaminhamentos realizados.

Método

Trata-se de um estudo metodológico com abordagem quantitativa de tratamento e análise de dados. O estudo metodológico investiga, organiza e analisa dados para auxiliar na construção, adaptação e validação de instrumentos e técnicas para a pesquisa e/ou para a prática. É um estudo centrado no desenvolvimento e aplicação de ferramentas específicas para melhorar a confiabilidade e validade desses instrumentos (Polit & Becker, 2018Polit, D. F., & Beck, C. T. (2018). Fundamentos da pesquisa em enfermagem: Avaliação de evidências para a prática de enfermagem (2a ed). ArtMed.).

Leite et al. (2017Leite, S. S., Áfio, A. C. E., Carvalho, L. V., Silva, J. M., Almeida, P. C., & Pagliuca, L. M. F. (2018). Construção e validação de Instrumento de Validação de Conteúdo Educativo em Saúde. Revista Brasileira de Enfermagem, 71(Suppl. 4), 1635-1641. https://doi.org/10.1590/0034-7167-2017-0648
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) referem que na validação de conteúdo de um instrumento avalia-se sua representatividade ao abordar adequadamente o universo a que se propõe e, ainda, pretende medir ou abordar a ausência de elementos desnecessários.

A avaliação de usabilidade refere-se à qualidade da experiência de um usuário ao interagir com produtos, sistemas, aplicativos etc. É ponto crucial para a qualidade dos aplicativos. Trata-se do principal método de avaliação sob a perspectiva do usuário, em que congrega representantes do público-alvo executando atividades intrínsecas no sistema (Wangenheim, Wangenheim, McCaffery, Hauck, & Buglione, 2013Wangenheim, C. G., Wangenheim, A., McCaffery, F., Hauck, J. C. R., & Buglione, L. (2013). Tailoring software process capability/maturity models for the health domain. Health and Technology, 3(1), 11-28. http://doi.org/10.1007/s12553-013-0038-7
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).

As etapas de validação de conteúdo e avaliação de usabilidade envolveram um processo de julgamento com análise dos instrumentos por comitê de juízes especialistas no período de novembro a dezembro de 2018, após a obtenção do parecer favorável do Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Estadual do Ceará (CAAE Nº 86642318.7.0000.5534).

Para o desenvolvimento do presente estudo levou-se em consideração o número, a experiência profissional e a qualificação dos juízes. Alguns estudos recomendam de cinco a dez juízes, enquanto outros mencionam de seis a vinte especialistas qualificados para a validação de conteúdo dos instrumentos (Coluci, Alexandre & Milani, 2015Coluci, M. Z. O., Alexandre, N. M. C., & Milani, D. (2015). Construção de instrumentos de medida na área da saúde. Ciência & Saúde Coletiva, 20(3), 925-936. https://doi.org/10.1590/1413-81232015203.04332013
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).

Para os critérios de seleção dos juízes especialistas foi desenvolvida a adaptação do sistema de pontuação de Fehring (1994Fehring, R. J. (1994). The Fehringmodel. In R. M. Carrol-Jonhnson & M. Paquete (Ed.), Classification of nursing diagnoses: Proceedings of the Tenth Conference. J. B. Limppincott.), referido “The Fehring model”, construído e utilizado para a seleção de enfermeiros-peritos para validação de diagnósticos de enfermagem. Foram selecionados os juízes especialistas que atingiram a pontuação mínima de quatro pontos, conforme critérios elencados no Quadro 1.

Quadro 1
Critérios para seleção dos juízes especialistas.

A busca pelos juízes especialistas foi realizada na Plataforma Lattes do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) - Currículo Lattes e Diretório de Grupos de Pesquisa -, conforme os critérios adaptados de Fehring (1994Fehring, R. J. (1994). The Fehringmodel. In R. M. Carrol-Jonhnson & M. Paquete (Ed.), Classification of nursing diagnoses: Proceedings of the Tenth Conference. J. B. Limppincott.), por meio dos descritores “psicologia hospitalar”, “gestão em saúde”, “protocolo de avaliação”, “sistematização da prática psicológica” e “avaliação psiquiátrica no hospital”.

Os especialistas que preencheram os critérios de seleção foram convidados a participar do estudo. O contato inicial foi realizado através de correio eletrônico (e-mail) com carta-convite. Mediante resposta positiva para participação da pesquisa, os juízes especialistas receberam o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) e os questionários de validação de conteúdo e avaliação de usabilidade.

A análise para validação de conteúdo foi realizada a partir de questionário estruturado em escala tipo Likert, que consiste em vários itens que expressam um ponto de vista sobre algum tópico. Trata-se de uma escala ordinal que considerou os seguintes itens: 1) discordo totalmente; 2) discordo; 3) neutro; 4) concordo; e 5) concordo totalmente (Polit & Beck, 2011Polit, D. F., & Beck, C. T. (2018). Fundamentos da pesquisa em enfermagem: Avaliação de evidências para a prática de enfermagem (2a ed). ArtMed.).

Os juízes especialistas assinalaram sua avaliação de acordo com questionário estruturado em escala tipo Likert, verificando todas as dimensões, os itens e os subitens dos protocolos. Também foram inseridos no questionário campos dissertativos denominados “considerações do juiz”, para serem justificadas as sugestões de melhoria consideradas necessárias.

No caso da avaliação de usabilidade, foi realizada a aplicação do System Usability Scale (SUS), questionário estruturado em língua inglesa em escala tipo Likert, traduzido para o português em etapas que podem ser destacadas no trabalho de Tenório, Cohrs, Sdepanian, Pisa e Marin (2010Tenório, J. M., Cohrs, F. M., Sdepanian, V. L., Pisa, I. T., & Marin, H. F. (2010). Desenvolvimento e avaliação de um protocolo eletrônico para atendimento e monitoramento do paciente com doença celíaca. Revista de Informática Teórica e Aplicada, 17(2), 210-220. https://doi.org/10.22456/2175-2745.12119
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). O método foi criado por John Brooke em 1986, e pode ser usado para avaliar produtos, serviços, hardware, software, websites, aplicações, entre outros.

Os questionários de validação de conteúdo e avaliação de usabilidade foram devolvidos aos pesquisadores por correio eletrônico (e-mail), com todas as respostas preenchidas e o TCLE digitalizado com assinatura do juiz especialista.

Figura 1
Processo de validação com juízes especialistas.

Após a finalização dessa etapa, foi empregado o Índice de Validade de Conteúdo (IVC), que indica o grau de validação do instrumento em relação ao conteúdo. O IVC baseia-se em classificações agregadas de um conjunto de especialistas, verificando em que medida as opiniões dos especialistas são congruentes (Polit e Beck, 2018Polit, D. F., & Beck, C. T. (2018). Fundamentos da pesquisa em enfermagem: Avaliação de evidências para a prática de enfermagem (2a ed). ArtMed.). A fórmula para o cálculo do IVC está representada no Quadro 2.

Quadro 2
Fórmula para cálculo do IVC.

Para verificar a validade de novos instrumentos, alguns autores sugerem uma concordância mínima de 0,78% para ser considerado com adequada validade de conteúdo. Os itens que recebem a avaliação 1) discordo totalmente; 2) discordo; ou 3) neutro, além daqueles que não atingem o percentual mínimo do IVC, devem ser revisados (Coluci et al., 2015Coluci, M. Z. O., Alexandre, N. M. C., & Milani, D. (2015). Construção de instrumentos de medida na área da saúde. Ciência & Saúde Coletiva, 20(3), 925-936. https://doi.org/10.1590/1413-81232015203.04332013
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).

Quanto ao cálculo da avaliação de usabilidade, subtraiu-se 1 da pontuação das respostas ímpares (1, 3, 5) e para as respostas pares (2, 4) subtraiu-se a resposta de 5. Para obtenção da média final, foi multiplicado o valor encontrado por 2,5. A média do SUS é de 68 pontos. Essa pontuação final pode ir de 0 a 100 pontos.

Resultados e discussões

Considerando os critérios estabelecidos por Fehring (1994Fehring, R. J. (1994). The Fehringmodel. In R. M. Carrol-Jonhnson & M. Paquete (Ed.), Classification of nursing diagnoses: Proceedings of the Tenth Conference. J. B. Limppincott.), foram selecionados vinte e quatro juízes especialistas para participar do estudo. Destes, seis juízes especialistas aceitaram participar da validação dos protocolos. A caracterização dos juízes especialistas que participaram do estudo está representada no Quadro 3.

Quadro 3
Caracterização dos juízes especialistas.

Como exposto no Quadro 3, os juízes especialistas apresentaram grau satisfatório de qualificação, inclusive com atuação prática. O item referente ao critério de certificado de residência em psiquiatria apresentou a menor pontuação (10%) do total de juízes especialistas. Contudo, isso não comprometeu a validação dos protocolos, pois os demais profissionais apresentaram 100% de titulação de mestre em psicologia e áreas de interesse, e 83% possuem prática na área da psicologia hospitalar, enquanto 70% contam com residência na área da saúde, possuindo conhecimentos em psico-oncologia.

Cálculos do Índice de Validação de Conteúdo (IVC)

Para validação de conteúdo, as respostas dos seis juízes especialistas foram analisadas calculando os IVC dos itens e subitens de cada dimensão. Os Quadros 4 e 5 apresentam as distribuições quantitativas atingidas:

Quadro 4
Distribuição dos Índices de Validade de Conteúdo do protocolo “Avaliação Psicológica” de acordo com análise dos juízes especialistas.

Observa-se no Quadro 4 que o Índice de Validação de Conteúdo do protocolo de Avaliação Psicológica no que tange à dimensão 1 (Avaliação do Estado Geral), dimensão 4 (Histórico Psiquiátrico) e dimensão 5 (Atitudes Frente à Doença) todos os juízes responderam e concordaram parcialmente ou totalmente, correspondendo a IVC = 100%.

A dimensão 2 (Avaliação dos Aspectos Cognitivos) foi avaliada com 97,7%, e com percentual (91,7%). Um pouco inferior em comparação aos outros, aparece a dimensão 3 (Avaliação do Estado Emocional).

Quadro 5
Distribuição dos índices de Validade de Conteúdo do protocolo “Indicadores de Atendimentos em Psicologia” de acordo com análise dos juízes especialistas.

Como exposto no Quadro 5, os IVC do protocolo “Indicadores de Atendimentos em Psicologia” atingiram 100%, conforme as dimensões avaliadas pelos juízes especialistas. A expressiva avaliação positiva expressa a assertividade que tais indicadores poderão conceder para o planejamento do serviço após o registro dos dados realizados pelos profissionais.

No espaço dissertativo do instrumento de validação de conteúdo, os juízes indicaram sugestões de melhorias em algumas dimensões avaliadas. Nos Quadros 6 e 7 foram distribuídos os apontamentos de aprimoramento conforme as sugestões dos juízes.

Quadro 6
Sugestões de melhorias dos juízes especialistas ao protocolo “Avaliação Psicológica”.

Sobre a dimensão 1 - Avaliação do Estado Geral (receptividade, sono, apetite, psicomotricidade, integridade sensorial), percebeu-se um equívoco quanto ao item 1.5 (Integridade sensorial), pois o foco do protocolo, conforme objetivo da avaliação dos psico-oncologistas hospitalares, é de identificar limitações biológicas e cognitivas que caracterizam a pessoa com deficiência, sendo esta incapacidade anterior ao tratamento oncológico ou adquirida por sequelas do tratamento de quimioterapia, radioterapia ou cirurgias mutiladoras.

O item 1.5 (Integridade sensorial) foca nas alterações quantitativas da sensopercepção e estaria intrinsecamente relacionado ao item 2.3 que avalia as alterações qualitativas da sensopercepção. Como constatado na sugestão dos juízes exposta no Quadro 6.

Entretanto, conforme as demandas do serviço de psico-oncologia hospitalar, o item avaliaria o aspecto relacionado ao conceito de “deficiência” em casos que houvesse alguma perda da funcionalidade ou da estrutura orgânica em decorrência de mutilações cirúrgicas ou sequelas do tratamento quimioterápico e radioterápico, como também deficiências prévias ao adoecimento e tratamento oncológico.

A Organização Mundial de Saúde (OMS, 2003Organização Mundial da Saúde. (2003). Classificação internacional de funcionalidade, incapacidade e saúde. Edusp.) refere que o conceito de deficiência diz respeito à funcionalidade e incapacidade humana, o termo é usado para definir “a ausência ou a disfunção de uma estrutura psíquica, fisiológica ou anatômica”. O paciente com deficiência tem uma limitação permanente que diz respeito à atividade exercida pela estrutura biológica e pelas funções da pessoa.

A OMS integrou as perspectivas biomédica, social, cultural e psíquica numa abordagem biopsicossocial e criou a Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde (CIF). A funcionalidade e a incapacidade humanas, atualmente, são concebidas como uma interação dinâmica entre as condições de saúde tais como: doença, trauma, lesões, distúrbios, e as condições contextuais: fatores pessoais e ambientais (Sampaio & Luz, 2009Sampaio, R. F., & Luz, M. T. (2009). Funcionalidade e incapacidade humana: Explorando o escopo da classificação internacional da Organização Mundial da Saúde. Caderno de Saúde Pública , 25(3), 475-483. https://doi.org/10.1590/S0102-311X2009000300002
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).

Portanto, o item não se configuraria como alterações da sensopercepção, que são ligadas a interação com estímulos ambientais. Dessa forma, visando atingir o propósito de avaliação do protocolo quanto às necessidades do serviço de psico-oncologia, o item 1.5 (Integridade sensorial) foi alterado para 1.5 “Pessoa com deficiência”, apresentando os subitens: visual, auditiva, física/motora, fala e mental.

Quanto à dimensão 2 - Avaliação dos Aspectos Cognitivos (orientação, consciência, sensopercepção, atenção, pensamento, linguagem e memória), os juízes avaliaram IVC 97,7% devido ao item 2.7 (Memória) que teve como sugestão de melhoria dos juízes: “incluir quadro de Amnésia Lacunar (pós-traumática)” (Juiz 02). Também foi acatada a sugestão: “realocar a ‘consciência’ como o primeiro aspecto a ser avaliado, deixando a ‘orientação’ como segundo item dessa dimensão” (Juiz 01). Considerando que a consciência é a principal função psíquica primária, de modo que, uma vez alterada, é bastante provável que todas as demais funções apresentem algum nível de alteração.

Na dimensão 3 - Avaliação do Estado Emocional (humor, recursos de enfrentamento e evento desencadeador da alteração emocional), o cálculo do IVC correspondeu a 91,7%, pois o item 3.1 (Humor) obteve sugestões dissertativas de aprimoramento, apesar de ter recebido avaliação de concordância em todos os juízes.

O item 3.3 (Evento desencadeador da alteração emocional) atingiu IVC de 83,3% e recebeu sugestões de alteração, principalmente no que se refere a deixar mais claro o que se objetiva com avaliar com o item. Dessa forma, o item “Evento desencadeador da alteração emocional”, foi alterado para “Eventos desencadeadores da alteração emocional atual”, sendo incluído neste o subitem “questões financeiras” e “relação com acompanhante”.

A dimensão 4 - Histórico Psiquiátrico, atingiu IVC 100% em todos os seus subitens. Foi acrescentado o subitem “Dependência química” para contemplar a sugestão dos juízes descrita no Quadro 6.

Quanto à dimensão 5 - Atitude Frente à Doença, que envolve a compreensão (diagnóstico, tratamento, prognóstico), a adesão ao tratamento, a postura frente ao processo de tratamento, as adaptações do paciente (adoecimento, tratamento, hospitalização) e a necessidade de seguimento do atendimento psicológico, o cálculo do IVC atingiu o total de validação de 100% em todos os itens.

Nesta dimensão, foram realizadas alterações incluindo a tonalidade gradativa de três opções (ausente, parcial e presente), pois, conforme observação dos especialistas, diversos pacientes possuem comportamentos de adesão à proposta terapêutica, porém apresentam dificuldades em aderir a algumas orientações específicas que lhes sejam passadas, configurando adesão parcial.

As sugestões presentes no protocolo de Indicadores de Atendimento da Psicologia, conforme apresentado no Quadro 7, foram acatadas, adicionando os subitens sugeridos para aprimorar o protocolo.

Quadro 7
Sugestão de melhoria dos juízes especialistas ao protocolo Indicadores de Atendimento da Psicologia.

Cálculos do System Usability Scale (SUS)

Para avaliação de usabilidade, as avaliações dos seis juízes especialistas foram analisadas, conforme as dimensões apresentadas nos protocolos, sendo calculados os pontos do System Usability Scale (SUS) conforme descrito anteriormente. No Quadro 8, constam as distribuições dos pontos alcançados por cada protocolo de acordo com as análises dos juízes especialistas.

Quadro 8
Resultados dos juízes técnicos quanto à usabilidade dos protocolos.

As avaliações de usabilidade dos protocolos “Avaliação Psicológica” e “Indicadores de Atendimentos em Psicologia”, atingiram média 83 e 92,5 de pontos respectivamente, demonstrando que os protocolos atingiram alto grau de efetividade, eficiência e satisfação dos juízes especialistas.

A validação de usabilidade dos protocolos demonstrou que é possível os psicólogos preencherem todos os itens com reduzido esforço, sendo um recurso de aplicação autodidata e excelente cunho pedagógico, não sendo necessário aprender muitas habilidades de informática para utilizá-lo.

Considerações finais

A prática do psicólogo no âmbito hospitalar requer, além dos referenciais teórico-clínicos, a construção e aplicação de ferramentas e critérios para sistematizar os atendimentos realizados aos pacientes, seus familiares e acompanhantes.

Neste estudo propomos a validação dos protocolos “Avaliação Psicológica” e “Indicadores de Atendimentos em Psicologia”. Apresentamos protocolos com roteiros estruturados que fossem mais adequados à realidade da psico-oncologia no âmbito hospitalar, visando facilitar o planejamento dos trabalhos e a operacionalização do cotidiano dinâmico dos atendimentos realizados na internação e no ambulatório.

O uso dos protocolos viabiliza o registro das avaliações psicológicas dos pacientes arquivadas no PEP e que em seguida sejam apontados detalhes logísticos em relação ao contexto do atendimento. Os dados levantados por meio do preenchimento dos protocolos podem auxiliar o psicólogo na condução do acompanhamento do paciente e na construção de indicadores do serviço de psicologia hospitalar no contexto oncológico.

O principal desafio evidenciado nessa construção dos protocolos foi a escassez de pesquisas, estudos científicos e normas orientadas pelas instituições regulamentadoras dos serviços de saúde e da própria categoria profissional sobre o gerenciamento em psicologia no âmbito hospitalar. A exposição dessa temática sobre ferramentas e protocolos para obtenção de parâmetros e indicadores de gestão no cotidiano do psicólogo hospitalar traz a necessidade de expandir as possibilidades de investigação deste cenário, evidenciando assim sua relevância social.

Conclui-se que os protocolos podem fornecer maior instrumentalização técnica para selecionar os pacientes com prioridade de intervenção e proporcionar visibilidade ao serviço de psico-oncologia no que se refere à construção de indicadores. Em virtude de a psicologia ter em sua matéria-prima essencialmente a subjetividade, os indicadores gerados pelos protocolos permitem o diálogo com a gestão, com a finalidade de aprimoramento dos serviços.

Referências

  • Albergaria, R., & Amorim, R. (2018). Caracterização dos utentes de uma unidade de psico-oncologia extra-hospitalar. Psicologia, Saúde & Doenças, 19(3), 550-563. http://dx.doi.org/10.15309/18psd190307
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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    29 Out 2021
  • Data do Fascículo
    2021

Histórico

  • Recebido
    21 Jun 2019
  • Aceito
    23 Dez 2020
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