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A Dimensão Ética das Representações Sociais: O Crack entre Usuários da Rede Socioassistencial

The Ethical Dimension of Social Representations: Crack among Users of the Social Assistance Network

La Dimensión Ética de las Representaciones Sociales: Crack entre Usuarios de la Red Socioasistencial

Resumo

O consumo de crack na cena pública tem sido simbolicamente apropriado por meio de significados e práticas inseridos em contextos de vulnerabilidade e degradação social. O objetivo desta pesquisa foi investigar as implicações da dimensão ética dos processos de construção de representações sociais sobre o crack em usuários da rede socioassistencial. Foram realizados três grupos focais com 15 homens, todos usuários do Centro de Acolhimento e Apoio do Programa de Atenção Integral aos Usuários de Drogas e seus Familiares (Programa Atitude), em Pernambuco. As comunicações foram transcritas e os dados submetidos a uma análise de conteúdo. Os resultados evidenciam o papel dos afetos na regulação dos modos de ser e agir dos participantes diante das normas do campo representacional do crack e seus fenômenos. Destacaram-se afetos de raiva, ódio, vergonha e humilhação articulados com processos de exclusão e estigmatização social, racial e territorial, que os constroem hegemonicamente como alteridades criminalizadas e desumanizadas. Desse modo, a dimensão ética analisada indica que o sentido de vida que circunscreve as experiências desses sujeitos se conforma pela busca de um status social valorizado, processo no qual a relação com o crack está presente, mas não é exatamente o aspecto mais importante das suas experiências no mundo.

Palavras-chave:
Representação Social; Ética; Cocaína Crack; Usuários de Drogas

Abstract

Crack consumption in the public scene has been symbolically appropriated by use of meanings and practices inserted in contexts of vulnerability and social degradation. This research aimed to investigate the implications of the ethical dimension of the construction processes of social representations about crack among users of the social assistance network. Three focus groups were carried out with 15 men, all users of the Reception and Support Center of the Comprehensive Care Program for Drug Users and their Families (Atitude Program) in the state of Pernambuco. Communications were transcribed and data submitted to content analysis. The results show the role of affections in the regulation of the participants’ ways of being and acting in view of the norms of the representational field of crack and its phenomena. Affects of anger, hatred, shame, and humiliation stood out, articulated with processes of exclusion and social, racial and territorial stigmatization, which build them hegemonically as criminalized and dehumanized alterities. Thus, the analyzed ethical dimension indicates that the meaning of life that circumscribes the experiences of these subjects is conformed by the search for a valued social status, a process in which the relationship with crack is present, but it is not exactly the most important aspect of their experiences in the world.

Keywords:
Social Representation; Ethics; Crack Cocaine; Drug Users

Resumen

El consumo de crack en la escena pública se ha apropiado simbólicamente a través de significados y prácticas insertas en contextos de vulnerabilidad y degradación social. El objetivo de esta investigación fue investigar las implicaciones de la dimensión ética de los procesos de construcción de representaciones sociales sobre el crack entre los usuarios de la red socioasistencial. Se compusieron tres grupos focales con 15 hombres, usuarios del Centro de Acogida y Apoyo del Programa de Atención Integral a los Consumidores de Drogas y sus Familias (Programa Atitude) en Pernambuco, Brasil. Los relatos se transcribieron, y los datos pasaron por un análisis de contenido. Los resultados muestran el papel de los sentimientos en la regulación de los modos de ser y actuar de los participantes frente a las normas del campo representacional del crack y sus fenómenos. Se destacaron los sentimientos de ira, odio, vergüenza y humillación, articulados con los procesos de exclusión, estigma social, racial y territorial, que los construyen de manera hegemónica como una figura de alteridad criminalizada y deshumanizada. Así, la dimensión ética en análisis apunta a que el sentido de la vida que circunscribe las vivencias de estos sujetos está conformado por la búsqueda de un estatus social valorado, proceso en el que la relación con el crack está presente, pero no es precisamente el aspecto más importante de sus experiencias en el mundo.

Palabras clave:
Representación Social; Ética; Crack Cocaína; Consumidores de Drogas

Introdução

O consumo de crack na cena pública tem sido simbolicamente apropriado por meio de significados e práticas sociais inseridos em contextos de vulnerabilidade e degradação social (Acioli Neto & Santos, 2016Acioli Neto, M. L., & Santos, M. F. S. (2016). Os usos de crack em um contexto de vulnerabilidade: Representações e práticas sociais entre usuários. Psicologia: Teoria e Pesquisa, 32(3), 1-9. https://doi.org/10.1590/0102-3772e32326
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; Alves & Pereira, 2021Alves, Y. D., & Pereira, P. P. (2021). “Vinte mil pedras no caminho”: A representação gráfica de uma carreira de usuário de drogas baseada em sua autobiografia. Interface - Comunicação, Saúde, Educação, 25. https://doi.org/10.1590/interface.190856
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; Becker & Razzouk, 2021Becker, P., & Razzouk, D. (2021). Direct healthcare costs and their relationships with age at start of drug use and current pattern of use: A cross-sectional study. São Paulo Medical Journal, 139(1). https://doi.org/10.1590/1516-3180.2020.0115.R1.21102020
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; Espíndula, Alves, Carvalho, Almeida, & Cruz, 2015Espíndula, D. H. P., Alves, L. S., Carvalho, L. A., Almeida, M. B., & Cruz, S. T. M. (2015). Representações sociais de crack e adolescência na imprensa pernambucana. Temas em Psicologia, 23(2), 281-292. https://doi.org/10.9788/TP2015.2-04
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; Rodrigues, Conceição, & Iunes, 2015Rodrigues, D. R. S., Conceição, M. I. G., & Iunes, A. L. S. (2015). Representações sociais do crack na mídia. Psicologia: Teoria e Pesquisa, 31(1), 115-123. https://doi.org/10.1590/0102-37722015010994115123
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; Santos, Constantino, Schenker, & Rodrigues, 2020Santos, G., Constantino, P., Schenker, M., & Rodrigues, L. B. (2020). O consumo de crack por mulheres: Uma análise sobre os sentidos construídos por profissionais de consultórios na rua da cidade do Rio de Janeiro, Brasil. Ciência & Saúde Coletiva, 25(10). 3795-3808. https://doi.org/10.1590/1413-812320202510.05842019
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). Tal forma de dar sentido ao fenômeno deriva das características sociodemográficas dos consumidores da droga em contextos urbanos brasileiros (Bastos & Bertoni, 2014Bastos, F. I. P. M., & Bertoni, N. (Orgs.). (2014). Pesquisa Nacional sobre o uso de crack: Quem são os usuários de crack e/ou similares do Brasil? Quantos são nas capitais brasileiras? Instituto de Comunicação e Informação Científica e Tecnológica em Saúde.; Teixeira, Engstrom & Ribeiro, 2017Teixeira, M. B., Engstrom, E. M., & Ribeiro, J. M. (2017). Revisão sistemática da literatura sobre crack: Análise do seu uso prejudicial nas dimensões individual e contextual. Saúde em Debate, 41(112), 311-330. https://doi.org/10.1590/0103-1104201711225
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), mas também decorre de representações sociais que constroem o crack como objeto social na cena pública. Nesse contexto, falar sobre representações sociais significa considerar o processo de elaboração de um objeto social pela comunidade com o propósito de comunicar e agir (Moscovici, 1963Moscovici, S. (1963). Attitudes and opinions. Annual Review of Psychology, 14, 231-260.), o que produz realidades por meio da objetivação de noções e imagens, ao mesmo tempo que institui práticas materiais e simbólicas nos contextos comunicativos em que essas representações são elaboradas (Moscovici, 2012Moscovici, S. (2012). A psicanálise, sua imagem e seu público. Vozes.). Notadamente, as comunicações midiáticas sobre o fenômeno, simultaneamente, contribuem para a construção de discursos alarmistas que enfatizam o potencial destrutivo da substância para o usuário e para a sociedade e caracterizam o consumo da droga como um problema coletivo que demanda intervenções do poder público para combatê-lo e erradicá-lo (Chagas & Seeger, 2013Chagas, A. T., & Seeger, F. D. (2013). Crack na mídia impressa: Um estudo sobre a produção de sentido no discurso jornalístico sobre o crack. Barbarói, (38), 145-177.; Rodrigues et al., 2015Rodrigues, D. R. S., Conceição, M. I. G., & Iunes, A. L. S. (2015). Representações sociais do crack na mídia. Psicologia: Teoria e Pesquisa, 31(1), 115-123. https://doi.org/10.1590/0102-37722015010994115123
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; Santos, Acioli Neto, & Sousa, 2012Santos, M. F. S., Acioli Neto, M. L., & Sousa, Y. S. (2012). Representações sociais do crack na imprensa pernambucana. Estudos de Psicologia, 29(3), 379-386. https://doi.org/10.1590/S0103-166X2012000300008
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; Silveira et al., 2018Silveira, P. S., Casela, A. L. M., Monteiro, E. P., Ferreira, G. C. L., Freitas, J. V. T., Machado, N. M., Costa, P. H. A., Ronzani, T. M., & Noto, A. R. (2018). Crack e mídia: O que dizem as principais revistas jornalísticas do país? Estudos e Pesquisas em Psicologia, 18(1), 50-71. https://doi.org/10.12957/epp.2018.38109
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; Teixeira et al., 2017Teixeira, M. B., Engstrom, E. M., & Ribeiro, J. M. (2017). Revisão sistemática da literatura sobre crack: Análise do seu uso prejudicial nas dimensões individual e contextual. Saúde em Debate, 41(112), 311-330. https://doi.org/10.1590/0103-1104201711225
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).

O uso de crack é uma prática social largamente hostilizada no Brasil e objeto de intervenções variadas e envoltas em muitas polêmicas. A imagem do usuário dessa droga se objetiva no indivíduo sem controle de suas ações e marcadamente associado à criminalidade (Acioli Neto & Santos, 2014Acioli Neto, M. L., & Santos, M. F. (2014). Alterity and identity refusal: The construction of the image of the crack user. Paidéia, 24(59), 389-396. https://doi.org/10.1590/1982-43272459201413
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, 2016Acioli Neto, M. L., & Santos, M. F. S. (2016). Os usos de crack em um contexto de vulnerabilidade: Representações e práticas sociais entre usuários. Psicologia: Teoria e Pesquisa, 32(3), 1-9. https://doi.org/10.1590/0102-3772e32326
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). Embora os dados epidemiológicos do início dos anos 2000 não indicassem aumento significativo no consumo da substância (Carlini et al., 2006Carlini, E. A., Galduróz, J. C. F., Noto, A. R., Fonseca, A. M., Carlini, C. M. A., Oliveira, L. G., Nappo, S. A., Moura, Y. G., & Sanchez, Z. M. (2006). II Levantamento domiciliar sobre o uso de drogas psicotrópicas no brasil: Estudo envolvendo as 108 maiores cidades do país. Centro Brasileiro de Informações sobre Drogas Psicotrópicas.), o crack passou a ganhar expressiva atenção midiática (Espíndula et al., 2015Espíndula, D. H. P., Alves, L. S., Carvalho, L. A., Almeida, M. B., & Cruz, S. T. M. (2015). Representações sociais de crack e adolescência na imprensa pernambucana. Temas em Psicologia, 23(2), 281-292. https://doi.org/10.9788/TP2015.2-04
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; Silveira et al., 2018Silveira, P. S., Casela, A. L. M., Monteiro, E. P., Ferreira, G. C. L., Freitas, J. V. T., Machado, N. M., Costa, P. H. A., Ronzani, T. M., & Noto, A. R. (2018). Crack e mídia: O que dizem as principais revistas jornalísticas do país? Estudos e Pesquisas em Psicologia, 18(1), 50-71. https://doi.org/10.12957/epp.2018.38109
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; Sousa, Santos, & Apostolidis, 2020Sousa, Y. S. O., Santos, M. F. S., & Apostolidis, T. (2020). Drogas no espaço público: Consumo, tráfico e política na imprensa brasileira. Psicologia: Ciência e Profissão, 40, 1-16. https://doi.org/10.1590/1982-3703003201819
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) e destaque em políticas públicas que centralizavam suas ações em torno dessa droga - p. ex., o Decreto nº 7.179 (2010Decreto nº 7.179, de 20 de maio de 2010. (21 mai. 2010). Institui Plano Integrado de Enfrentamento ao Crack e outras Drogas, cria o seu Comitê Gestor, e dá outras providências. Diário Oficial da União. https://bit.ly/3UqHe5b
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) -, muitas vezes em detrimento de outras substâncias. Os discursos sociais que exigiam ações de “enfrentamento” ao crack fundamentaram, por exemplo, estratégias indiscriminadas de internação compulsória (Guareschi, Lara, & Ecker, 2016Guareschi, N. M. F., Lara, L., & Ecker, D. D. (2016). A internação compulsória como estratégia de governamentalização de adolescentes usuários de drogas. Estudos de Psicologia, 21(1), 25-35. https://doi.org/10.5935/1678-4669.20160004
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; Pontes, Meza, & Bicalho, 2015Pontes, A. K., Meza, A. P. S., & Bicalho, P. P. G. (2015). Ciência e política das drogas: As controvérsias em torno das políticas públicas de internação compulsória. Estudos e Pesquisas em Psicologia, 15(4), 1433-1450.; Wurdig & Motta, 2014Wurdig, K. K., & Motta, R. F. (2014). Representações midiáticas da internação compulsória de usuários de drogas. Temas em Psicologia, 22(2), 433-444. https://doi.org/10.9788/TP2014.2-13
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).

Deve-se destacar que os contextos de periculosidade, vulnerabilidade e degradação evocados pelos discursos sociais sobre o uso de crack repercutem notadamente na relação do Estado e de grupos hegemônicos com grupos e territórios marginalizados. Nesse contexto, as populações negra e periférica, especialmente quando em situação de rua ou em territórios conhecidos como “cracolândias”, costumam ser os principais alvos dos processos de criminalização, patologização e estigmatização social (Sousa, Barreto, Mendes, & Techio, 2020Sousa, Y. S, Barreto, L. H., Mendes, A. C., & Techio, E. M. (2020). Quem são os usuários e traficantes de drogas? Representações sociais e estereótipos difundidos na mídia impressa. In M. E. O. Lima, D. X. de França, & R. M. K. Freitag (Orgs.), Processos psicossociais de exclusão social (pp. 47-72). Blucher.; Sousa, Santos et al., 2020Sousa, Y. S. O., Santos, M. F. S., & Apostolidis, T. (2020). Drogas no espaço público: Consumo, tráfico e política na imprensa brasileira. Psicologia: Ciência e Profissão, 40, 1-16. https://doi.org/10.1590/1982-3703003201819
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), reforçando processos de desumanização e objetificação característicos do racismo que sustenta a chamada guerra às drogas (Borges, 2018Borges, J. (2018). O que é encarceramento em massa? Letramento.).

Essa imagem pública construída acerca do fenômeno é também acompanhada de elementos afetivos que são ativados nas comunicações interpessoais e intergrupais em que se envolvem diferentes atores do campo - usuários, familiares, profissionais de saúde e operadores do direito. Por exemplo, familiares de usuários de crack frequentemente relacionam o consumo da droga a uma ideia de “fundo do poço” que seria marcada por sentimentos de tristeza e vergonha (Alves & Pereira, 2021Alves, Y. D., & Pereira, P. P. (2021). “Vinte mil pedras no caminho”: A representação gráfica de uma carreira de usuário de drogas baseada em sua autobiografia. Interface - Comunicação, Saúde, Educação, 25. https://doi.org/10.1590/interface.190856
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; Paula, Jorge, Albuquerque, & Queiroz, 2014Paula, M. L., Jorge, M. S. B., Albuquerque, R. A., & Queiroz, L. M. (2014). Usuário de crack em situações de tratamento: Experiências, significados e sentidos. Saúde e Sociedade, 23(1), 118-130. https://doi.org/10.1590/S0104-12902014000100009
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). Além disso, raiva, tristeza e decepção são elementos afetivos citados por usuários que buscam tratamento, mas não conseguem manter a abstinência (Becker & Razzouk, 2021Becker, P., & Razzouk, D. (2021). Direct healthcare costs and their relationships with age at start of drug use and current pattern of use: A cross-sectional study. São Paulo Medical Journal, 139(1). https://doi.org/10.1590/1516-3180.2020.0115.R1.21102020
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; Rezende & Pelicia, 2013Rezende, M. M., & Pelicia, B. (2013). Representação da recaída em dependentes de crack. SMAD - Revista eletrônica saúde mental álcool e drogas, 9(2), 76-81. https://doi.org/10.11606/issn.1806-6976.v9i2p76-81
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). Importa notar que a mobilização de afetos negativos relacionados ao uso de crack - como repulsa, medo, raiva e revolta - dirige-se, frequentemente, não à substância, mas aos consumidores, o que pode produzir narrativas de culpabilização dos usuários pelo sofrimento familiar e por problemas sociais mais amplos, como a violência e a criminalidade (Romanini & Roso, 2013Romanini, M., & Roso, A. (2013). Midiatização da cultura, criminalização e patologização dos usuários de crack: Discursos e políticas. Temas em Psicologia, 21(2), 483-497. https://doi.org/10.9788/TP2013.2-14
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).

Subjacente a esses conteúdos, é possível identificar uma característica central das formas hegemônicas de se representar o consumo de crack: a sua associação com elementos afetivos disfóricos (negativos) e o consequente afastamento em relação ao objeto como forma valorizada de se alcançar estados afetivos eufóricos (positivos). Conforme argumentam Chagas e Seeger (2013Chagas, A. T., & Seeger, F. D. (2013). Crack na mídia impressa: Um estudo sobre a produção de sentido no discurso jornalístico sobre o crack. Barbarói, (38), 145-177.), a antinomia euforia-disforia pode ser representada por sentidos de vida e morte, constituindo princípios avaliativos aplicados à relação do usuário com a droga, em que o consumo significaria uma orientação para a morte, ao passo que a abstinência representaria a busca pela vida.

Assim, pode-se argumentar que a elaboração do crack como objeto afetivo e social se insere em sistemas normativos e regimes de verdade que definem o correto e o incorreto, o bom e o mau, estabelecendo uma moral por meio da qual o indivíduo se constrói e se insere socialmente. Parte-se da concepção da moral como um fenômeno que se articula diretamente com a ética. A moral rege as ações pelo efeito coercitivo dos sentidos partilhados culturalmente, mas somente em consonância com o posicionamento desse sujeito em sua inserção no mundo, com um direcionamento ocasionado pela pergunta “como viver?”, é que ocorre a busca pela realização da vida (La Taille, 2006La Taille, Y. (2006). Moral e ética: Dimensões intelectuais e afetivas. Artmed.). Isso significa dizer que a moral se localiza na ética, pois, para responder à pergunta “como viver?”, é necessário se questionar sobre o lugar dos deveres. Ao se questionar previamente sobre o que se deve fazer, ainda não se soluciona o problema do modo de viver (Comte-Sponville & Ferry, 1998Comte-Sponville, A., & Ferry, I. (1998). La sagesse modernes: Dix uqestions pour notre temps. Lafont.). Por isso, a compreensão das condutas individuais se encontra coadunada com a perspectiva ética e, consequentemente, moral adotada por tais sujeitos.

A dimensão ética, portanto, diz respeito a uma demanda de realização, uma busca de sentido para a existência, o mundo vivido, na realização dessa vida. A moral se caracteriza pela articulação dessa busca com normas tipificadas com a intenção de universalizar e estabelecer um efeito de coerção a essa normatividade (La Taille, 2010La Taille, Y. (2010). Moral e ética: Uma leitura psicológica. Psicologia: Teoria e Pesquisa, 26(spe), 105-114. https://doi.org/10.1590/S0102-37722010000500009
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). O problema se situa na dinamicidade desse fenômeno. Os sentidos atribuídos e o caráter de pertencimento parecem se entrecruzar na consolidação de uma esfera afetiva que atua na regulação dessa dimensão.

As distintas modalidades de consumo da substância, assim como os efeitos produzidos nos usuários, com alterações a partir do contexto de inserção e das significações do crack (Acioli Neto & Santos, 2016Acioli Neto, M. L., & Santos, M. F. S. (2016). Os usos de crack em um contexto de vulnerabilidade: Representações e práticas sociais entre usuários. Psicologia: Teoria e Pesquisa, 32(3), 1-9. https://doi.org/10.1590/0102-3772e32326
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), têm explicações que não contemplam a complexidade do fenômeno. As marcas dessas práticas sociais parecem se enraizar num contexto de pertencimento e delimitação identitária que se amalgamam aos afetos sentidos por tais sujeitos. Os afetos são aqui tomados em um sentido mais amplo, abarcando emoções e sentimentos como reações marcadas por complexas interações entre aspectos biológicos, cognitivos e sociais (Bonfim & Gondim, 2010Bonfim, M. C., & Gondim, S. M. G. (2010). Trabalho emocional: Demandas afetivas no exercício profissional. Edufba.). Assim, os afetos e suas expressões são processos instituídos também em contextos de pertencimento, atuando na modulação da inserção sociocultural e designação de sentido à vida. Como destaca Röttger-Rössler (2008Röttger-Rössler, B. (2008). Emoção e cultura: Algumas questões básicas. Revista Brasileira de Sociologia da Emoção, 7(20), 177-220.), os afetos se relacionam com as contingências específicas do meio cultural em que o sujeito se insere, desempenhando um papel de regulação das normas de conduta (Lane, 1995Lane, S. (1995). A mediação emocional na constituição do psiquismo humano. In S. T. Lane & B. B. Sawaia (Orgs.), Novas veredas da psicologia social (pp. 55-63). Brasiliense.; Röttger-Rössler, 2008Röttger-Rössler, B. (2008). Emoção e cultura: Algumas questões básicas. Revista Brasileira de Sociologia da Emoção, 7(20), 177-220.).

Apesar dessa regulação afetiva ser pouco estudada no campo das representações sociais, esses fenômenos do pensamento social são marcados por cargas afetivas que não podem ser consideradas meros epifenômenos. Os afetos não são aspectos meramente intrasubjetivos, pois são vivenciados em situações interacionais e intersubjetivas, influenciando a elaboração sócio-representacional. É o que Rimé (1993Rimé, B. (1993). Le partage social des émotions. In B. Rime (Org.), Les émotions (pp. 271-300). Delachaux et Niestlé.) denomina de partilha social das emoções. Dado que uma representação social engloba sempre uma dimensão atitudinal (Moscovici, 2012Moscovici, S. (2012). A psicanálise, sua imagem e seu público. Vozes.), pode-se dizer que os afetos estão presentes e atuam como mediadores entre os planos moral e ético.

Essa dimensão do “sentido”, do experienciado, diz respeito a um contágio pela emoção (Wallon, 1986Wallon, H. (1986). A atividade proprioplástica. In M. Werebe & J. Nadel-Brulfert (Orgs.), Henri Wallon (pp. 141-148). Ática.), pela expressão afetiva do momento, ao mesmo tempo que ocorre uma tomada de consciência pelo sujeito de sua própria individualidade, isto é, dos aspectos mais particulares de sua identidade. Por outro lado, propicia um processo de “experimentação” do mundo e sobre o mundo, participando ativamente da construção da realidade por meio de normas estabelecidas pela cultura em que esse sujeito se insere. Por isso, mesmo sendo um fenômeno de caráter idiossincrático, essa experiência é marcada pelos aspectos sociais, o que se evidencia pela possibilidade de ser enunciada e comunicada pelos sujeitos na vida com os outros (Jodelet, 2005Jodelet, D. (2005). Experiências e representações sociais. In M. S. Menin & A. M. Shimizu (Orgs.), Experiência e representação social: Questões teóricas e metodológicas (pp. 5-40). Casa do Psicólogo.). Trata-se da interdependência entre as instâncias do eu e do outro, que estabelece formas dialógicas de construção do mundo social, já que a característica fundamental dos processos representacionais é a relação com o outro, com a alteridade (Jovchelovitch, 1998Jovchelovitch, S. (1998). Re(des)cobrindo o outro: para um entendimento da alteridade na teoria das representações sociais. In A. Arruda (org.), Representando a alteridade (pp. 69-81). Vozes.). É o que se observa na emergência da cultura do crack em torno de espaços marginalizados, como as “cracolândias”, dispersando modos específicos de ação aos sujeitos que vivenciam essa experiência.

Assim, as representações sociais desempenham o papel de criar padrões ontológicos que criam certos aspectos performáticos que são incorporados aos modos de ser, agir e sentir, desempenhando funções normativas nas práticas sociais, inclusive no aspecto performático dos afetos (Acioli Neto & Santos, 2019Acioli Neto, M. L., & Santos, M. F. S. (2019). Pobreza e identidades humilhadas: A construção social do crack e de seus usuários no Brasil. Appris.). Esse caráter performático se desenvolve em uma relação dialógica com a realidade, com o mundo e suas representações (Jovchelovitch, 2008Jovchelovitch, S. (2008). Os contextos do saber. Vozes.). Dessa maneira, constroem-se representações sociais cujos conteúdos não só expressam, mas também produzem as relações que se estabelecem com os outros em contextos específicos (Jodelet, 1984Jodelet, D. (1984). Réflexions sur le traitement de la notion de représentation sociale en psychologie social. Communication-Information, 6(2/3), 15-41.). Parte-se da pertença, não do saber, que depende do contexto e se enraíza em um modo de vida socialmente demarcado (Jovchelovitch, 2008Jovchelovitch, S. (2008). Os contextos do saber. Vozes.).

Feitas essas considerações, é possível tomar os elementos de uma representação social como significados constituídos por uma carga afetivo-emocional que varia segundo as características de cada conteúdo, mas também das relações entre os sujeitos, seus grupos de pertença e os objetos sociais. Tais representações são o resultado de uma partilha histórica de valores (Abric, 2002Abric, J. C. (2002). L’approche structurale des représentations sociales: Développements récents. Psychologie et Société, 4(12), 81-103.), bem como da partilha histórica das emoções associadas aos valores e práticas desenvolvidas (Campos & Rouquette, 2003Campos, P. H, & Rouquette, M. (2003). Abordagem estrutural e componente afetivo das representações sociais. Psicologia: Reflexão e Crítica, 16(3), 435-445. https://doi.org/10.1590/S0102-79722003000300003
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). Por sua vez, a consciência e o sentimento que decorre das relações de pertencimento a uma categoria e não a outra faz com que se produzam diferentes representações de um mesmo objeto (Souza & Camargo, 2002Souza, R. C., & Camargo, B. V. (2002). Representações sociais e relações intergrupais de duas categorias profissionais. Revista de Ciências Humanas, 6(spe), 35-43. https://doi.org/10.5007/%25x
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). Isso significa que a experiência de se incluir em uma categoria tal como a dos “usuários de crack” tem implicações afetivas profundamente significativas tanto na construção de representações sobre o objeto quanto nos modos de gerir e dar sentido à vida e às práticas sociais desses sujeitos.

Deve-se ressaltar que a menção aos processos representacionais, afetivos e identitários que decorrem do pertencimento à categoria “usuários de crack” não pretende supor qualquer forma de homogeneização ontológica do grupo para além daquilo que se pode depreender dos processos de categorização social. Em outras palavras, a experiência de se perceber um usuário ou usuária de crack e a sua influência na construção de significados e representações sobre o consumo dessa substância não são aspectos desvinculados das dinâmicas psicológicas, sociais, históricas, políticas e econômicas que inscrevem concretamente os sujeitos no mundo. Considerando que a desigualdade e a discriminação resultam do cruzamento de distintos eixos de subordinação (Akotirene, 2018Akotirene, C. (2018). O que é interseccionalidade? Letramento.; Crenshaw, 2004Crenshaw, K. (2004). A intersecionalidade na discriminação de raça e gênero. Cruzamento: raça e gênero, 1(1), 7-16.), é possível dizer que as implicações psicossociais do uso de crack e da identidade estigmatizada produzida são necessariamente determinadas por relações raciais, de classe, gênero, geração e território, mesmo que, eventualmente, possam ser subjetivamente apropriadas como típicas do mundo do crack.

Diante disso, torna-se relevante considerar as relações entre os elementos afetivos das representações sociais que constroem o crack como objeto social e a produção de modos de ser, agir e sentir (éthos) entre seus consumidores. Essa orientação de análise permite enfatizar a dimensão ética das representações sociais, que diz respeito aos processos de significação que se encontram implicados na busca de sentido para a vida (La Taille, 2006La Taille, Y. (2006). Moral e ética: Dimensões intelectuais e afetivas. Artmed.). Isso, por sua vez, constitui uma lacuna frequente nas pesquisas desenvolvidas com base nesse campo teórico (Jovchelovitch, 2008Jovchelovitch, S. (2008). Os contextos do saber. Vozes.; Marková, 2013Marková, I. (2013). Ethics in the theory of social representations. Papers on Social Representations, 22(1), 41-48.). Com o objetivo de aprofundar a compreensão acerca dessa questão, esta pesquisa buscou investigar as implicações da dimensão ética dos processos de construção de representações sociais sobre o crack entre usuários da rede socioassistencial, a fim de evidenciar o papel desempenhado pelos afetos na regulação desse contexto de significação.

Materiais e métodos

Local da pesquisa

A pesquisa foi desenvolvida em unidades do Programa de Atenção Integral aos Usuários de Drogas e seus Familiares (Programa Atitude). O Atitude se desdobra em um conjunto de estratégias e serviços voltados a pessoas que usam drogas e que se encontram em situação de risco e vulnerabilidade social, tais como: abordagem social (Atitude nas Ruas), casas de passagem (Centro de Acolhimento e Apoio), acolhimento institucional (Centro de Acolhimento Intensivo) e residência acompanhada (Aluguel Social). O programa foi criado a partir do Plano Integrado de Enfrentamento ao Crack e outras Drogas (Decreto nº 7.179, 2010Decreto nº 7.179, de 20 de maio de 2010. (21 mai. 2010). Institui Plano Integrado de Enfrentamento ao Crack e outras Drogas, cria o seu Comitê Gestor, e dá outras providências. Diário Oficial da União. https://bit.ly/3UqHe5b
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), vinculado à Secretaria de Desenvolvimento Social e Direitos Humanos do Estado de Pernambuco (SEDSDH). Especificamente, a coleta de dados ocorreu em um Centro de Acolhimento e Apoio, que possui localidade fixa, com funcionamento 24h, e que busca assegurar acolhimento singularizado, descanso, higiene, alimentação e cuidados primários a usuários em situação de vulnerabilidade, com a finalidade de reduzir riscos e danos associados ao uso de crack e outras drogas, bem como de facilitar o acesso a outros equipamentos da rede socioassistencial e de saúde.

Participantes

Participaram da pesquisa 15 usuários de crack, todos homens - em sua maioria negros - com diferentes padrões de consumo da Região Metropolitana de Recife (RMR). Os participantes tinham entre 18 e 45 anos e foram convidados a participar da pesquisa por meio de profissionais do Programa Atitude. Todos os participantes do programa eram usuários recém-chegados no serviço. Esse critério foi adotado com o intuito de minimizar o tempo de contato do usuário com a instituição, bem como as possíveis influências simbólicas produzidas pelo contexto de cuidado em que se inseriam. A maioria possuía um consumo de crack de até três anos, tinha abandonado os estudos no Ensino Fundamental e uma renda familiar média de um salário mínimo.

Procedimentos de coleta

Foram realizados três grupos focais, utilizando como roteiro para discussão as experiências de viver a pobreza e a desigualdade na condição de pessoas que usam crack. Os grupos foram realizados com anuência da instituição, mediados por dois pesquisadores, gravados em vídeo com o consentimento dos participantes, e, posteriormente, transcritos na íntegra. A média de duração das gravações foi de 40 minutos. O período de coleta ocorreu entre janeiro e março de 2016.

Procedimentos de análise

Os textos transcritos foram submetidos a uma análise de conteúdo temático-categorial (Bardin, 1977Bardin, L. (1977). Análise de conteúdo. Edições 70.; Oliveira, 2008Oliveira, D. C. (2008). Análise de conteúdo temático-categorial: Uma proposta de sistematização. Revista de Enfermagem da UERJ, 16(4), 569-576.). Após a realização de uma leitura flutuante, os dados foram codificados em unidades de registro, a partir da identificação de temas ou núcleos de sentido. Em seguida, os temas foram organizados em categorias de análise que serviram de base para a discussão dos resultados.

Considerações éticas

O estudo foi desenvolvido em conformidade com os princípios bioéticos da pesquisa com seres humanos, de acordo com as diretrizes do Conselho Nacional de Saúde (CNS) apresentadas na Resolução nº°466/12. Os participantes foram convidados a participar de forma voluntária, após terem sido informados sobre os objetivos da pesquisa, seus procedimentos, possíveis riscos e benefícios decorrentes da sua participação. Todas as suas informações pessoais foram mantidas em sigilo, não havendo possibilidade de identificação em qualquer etapa de apresentação dos resultados. A coleta de dados ocorreu somente após a aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de Pernambuco (CEP-UFPE) - CAAE nº 44733615.9.0000.5208.

Resultados e discussão

A análise dos grupos focais permitiu a inferência de duas categorias que organizam os sentidos dos discursos produzidos pelos sujeitos: o contexto de pertencimento: a favela como sentido de vida; e a regulação afetiva e as práticas sociais: a dimensão ética nos contextos de significação.

Os discursos acabaram tangenciando o debate acerca das drogas, tornando a experiência da exclusão social a marcação mais significativa. Isso não implica retirar a droga como elemento partícipe de seus discursos; ao contrário, sua presença é inequívoca. Contudo, apesar dessa marca, a droga se torna coadjuvante em um contexto de privação social mais abrangente. A pobreza, a vida na favela e a humilhação social e racial exercem um papel mais premente na experiência desses sujeitos do que qualquer aspecto sanitário ou farmacológico atribuído ao consumo do crack.

Nesse sentido, a proposta analítica que será esboçada resgata os aspectos da experiência intersubjetiva desses determinantes, compreendendo seu papel na ordem de regulação normativa e ética e destacando o papel dos afetos nesse processo. Parte-se da premissa de que os afetos atuam como moduladores da interação entre o sujeito e a sociedade e, mais especificamente, como um componente da dimensão ética das representações sociais.

O contexto de pertencimento: a favela como sentido de vida

O primeiro aspecto a ser analisado neste estudo diz respeito ao contexto de pertença desses sujeitos: a favela. É esse o espaço de desenvolvimento dos participantes da pesquisa. Foi nesse contexto que se socializaram, apoiando-se em valores que rompem com as normas vivenciadas fora desses espaços. Como aponta um dos participantes, a favela tem um “cheiro”, e essa afirmação não indica uma sensação, mas uma metáfora ao que circunscreve esse mundo, essa realidade.

Na favela, o cheiro é louco, véi. Quando eu falo de cheiro não é… cheiro, é o clima… o clima, na favela, é aquele negócio agitado, você não pode ouvir o ronco de uma moto, você não pode ver o giroflex de uma viatura… você vê o SAMU de longe e pensa que é uma viatura… se você vê uma pessoa passando pelas suas costas você já tá olhando pra trás… (Leonardo1 1 Todos os nomes utilizados são fictícios. , Grupo 2).

Conforme registro oficial, as favelas são áreas de habitação irregularmente construídas, sem arruamentos, sem plano urbano, sem esgotos, sem água e sem luz. São, portanto, os espaços “privilegiados” da pobreza e de seus habitantes (Zaluar & Alvito, 1998Zaluar, A. M., & Alvito, M. (1998). Um século de favela. Editora FGV.). Em contrapartida, situamos neste estudo a experiência de viver nesses espaços, de se inserir e se identificar como um membro pertencente dessa outra faceta da sociedade. A experiência de ser o “outro”, o que implica a existência de um “outro do outro”, desvelando dinâmicas de exclusão que simultaneamente operam a inclusão social (Zioni, 2006Zioni, F. (2006). Exclusão social: Noção ou conceito? Saúde e Sociedade, 15(3), 15-29. https://doi.org/0.1590/S0104-12902006000300003
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). Nesse sentido, quando se fala na existência de um “outro favelado”, explicita-se o fato de que existe um “outro do outro”, que se encontra socialmente incluído. A construção da alteridade nesses espaços é, além disso, um processo permeado pelo racismo dos processos históricos coloniais, que, conforme discute Kilomba (2019Kilomba, G. (2019). Memórias da plantação: Episódios de racismo cotidiano. Cobogó.), estabeleceram o sujeito negro como “o outro” e o sujeito branco, constituído como parâmetro de humanidade e civilização, como o “outro do outro”.

Por isso, a caracterização desse espaço vai além de uma conformação geográfica, sendo instituída por uma matriz de sentidos e afetos - decorrentes das representações que se constroem e se difundem no âmbito da experiência - que delimitam a favela como um contexto de pertencimento (Jodelet, 2005Jodelet, D. (2005). Experiências e representações sociais. In M. S. Menin & A. M. Shimizu (Orgs.), Experiência e representação social: Questões teóricas e metodológicas (pp. 5-40). Casa do Psicólogo.). Nesse processo, emerge uma marca fundante e definidora para esses sujeitos: a vivência humilhada e uma identidade estigmatizada pelo crivo da alteridade radical. É a humilhação de ser estigmatizado por ser pobre, negro e “da favela” a tipificação que organiza a experiência dos sujeitos desta pesquisa.

A favela, portanto, não deve ser compreendida como uma formação naturalizada e linear, uma vez que seu contexto se situa histórica e politicamente na conformação de processos de demarcação das desigualdades. Por isso, torna-se um cenário de circulação de uma população e suas experiências de vida no âmbito de sua condição de opressão: é um quadro de exposição permanente das violações do Estado e da ausência de direitos. O que se destaca nessa experiência é o sofrimento desses sujeitos em decorrência das opressões sofridas e que se capilarizam em questões econômicas, políticas, de raça e de gênero (Gonçalves, 2020Gonçalves, M. A. (2020). Martín-Baró como inspiração ética para a construção de uma perspectiva comunitária e popular em psicologia. Estudos e Pesquisas em Psicologia, 20(2), 1-14. https://doi.org/10.12957/epp.2020.52591
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).

O discurso predominante encontrado na análise dos grupos focais aponta a degradação experienciada do sujeito que vive nesse contexto. Em quase unanimidade, os participantes indicaram se sentir humilhados em suas vivências sociais, lidando com a opressão decorrente das desigualdades. A vergonha e a humilhação parecem ser as marcações que prevalecem na identidade do sujeito que usa o crack. Ademais, a delimitação ocorre pela via indireta das marcas deixadas pela interseccionalidade configurada em torno do usuário de crack (Acioli Neto & Santos, 2014Acioli Neto, M. L., & Santos, M. F. (2014). Alterity and identity refusal: The construction of the image of the crack user. Paidéia, 24(59), 389-396. https://doi.org/10.1590/1982-43272459201413
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). O preconceito vivido ocorre pelas características atribuídas em função de sua condição, não se evidenciando pelos efeitos da substância.

É que… eu sempre me acostumei com aquilo que eu… que eu presenciava… Mas quando eu saio que… pronto, eu vou pra praia, que eu vejo, assim, uma família, “pá”… sentada lá, reunida, bate aquela coisa assim: “mermão, hoje eu tô na rua porque eu quero… realmente… Mas eu podia tá agora com a minha família, com um trabalho, ou sei lá, fazendo o que…ou tava em casa, é… terminado meus estudos” e… Mas eu resolvi entrar na droga. E a favela é um negócio bem sinistro. Você mesmo. Você tá passando na rua, se você me ver, você vai ficar logo cabreiro. “Tô” passando lá todo desengonçado, você direitinho… você vai passar e vai olhar “pô, esse bicho aí é “noiado””. Isso aí… (José, Grupo 1).

A justificação dessa diferença é destacada pela estética apresentada entre aquele que vive na favela e o morador dos bairros nobres. São elementos marcantes da representação da alteridade - também ilustrada pela mídia, como reforçam os sujeitos - em que se conformam e que, ao mesmo tempo, não toleram.

Nesse sentido, emerge um sentimento ambivalente em relação à vida na favela que oscila entre aspectos positivos decorrentes dessa liberdade propiciada pelas “leis próprias” desse contexto e pelo “clima” que se forma nesse ambiente. Essa condição se acentua quando os sujeitos se deparam com a realidade externa, ao encontrarem o “outro do outro” que vive nos “bairros nobres”: “Tipo, tipo quando eu saio… um exemplo bem… bem real. Quando eu vou na casa da minha família… vejo logo o cheiro, o cheiro lá é diferente, o jeito de falar é diferente… Cheiro de coisa boa, cheirinho de casa, cheirinho de coisa boa” (Lucas, Grupo 2).

Diante desse cenário de desigualdades, os sujeitos expressam viver cotidianamente com o preconceito de classe e raça, sendo um aspecto inerente em suas vivências sociais. Como alguns destacam, são os “nobres” e o morador da favela. Fica evidente o papel desempenhado pelo sentimento de humilhação e vergonha nesse encontro com o outro, na demarcação identitária desses sujeitos como figuras de alteridade. A interação decorrente do encontro com esse outro se mostra bastante conflituosa, marcadamente humilhante. Eu… me sinto envergonhado em certas situações, que nem às vezes em transporte público eu ando, entendesse? Eu vim de pé da cidade, venho… de onde for eu vou de pé pra não pegar um ônibus e não passar por vergonha, por me sentir envergonhado. Porque quando eu entro as pessoas da sociedade percebem que você é um drogado, fica já te olhando de outra forma […] com peso ou sem peso, é sempre de pé, porque eu tenho vergonha de entrar num… (Marcos, Grupo 1).

O trecho retirado do grupo focal ilustra uma situação constante na vida desses sujeitos. No caso relatado, Marcos prefere caminhar aproximadamente a 40 km de distância das pessoas para não sentir um julgamento negativo. A “opção” tomada por esse sujeito é uma das vias encontradas para lidar com a marcação abjeta. O sentimento de vergonha orienta suas ações. Pelo crivo da meritocracia, os sujeitos acabam acreditando no âmbito da escolha. Mas, seria mesmo uma opção? Esse quadro de privação social não tem implicações mais contundentes na impossibilidade de mobilidade social?

Na ausência de leis, de uma ordem social que regule as interações, esses sujeitos assumem o papel do Estado. Desse modo, é no contato com o “mundo de fora” que surgem as inquietações. Nas impossibilidades de inserção, no preconceito marcado em seus corpos, em seu tom de pele, e na discriminação de apenas ter alguma visibilidade. A visibilidade desses sujeitos enquanto pertencentes à favela somente é permitida pela objetivação da imagem do bandido que cria uma ameaça ou pelo viés da superação dessa condição, algo que, diante das desigualdades, torna-se praticamente impossível de ser alcançado. Por isso, ao falar do tráfico e dos crimes, eles ressaltam as aberturas propiciadas por essas práticas: é a droga que torna viva a favela.

Ôxe… eu acho que não existiria não. Favela não… porque ali às vezes… muitas pessoas que moram em favela adquire as coisas através da droga. Porque não tem um estudo, não tem um trabalho… não tem, como é que é? O que movimenta a favela é droga. É a desgraça do outro, falando bem… é a desgraça do outro, do próximo, no caso, o próximo, o que tá consumindo ela (Roberto, Grupo 3).

Como descrevem Jodelet e Moscovici (1990Jodelet, D., & Moscovici, S. (1990). Les représentations sociales dans les champ social. Revue Internacionale de Psychologie Sociale, 3(3), 285-288.), as práticas são sistemas estruturados e instituídos em relação às regras. Por meio das representações, o que se evidencia no caso ilustrado de uma identidade marcada pela ameaça, ocorre a regulação das práticas. Nesse sentido, as representações orientam as práticas, ao mesmo tempo que emergem das diferentes práticas cotidianas.

Os sujeitos organizam e constroem representações que regulam tomadas de decisão consideradas favoráveis e desfavoráveis em seus cotidianos, de modo que aquelas são justificadas, reafirmadas ou transformadas diante dessas. É um sistema que gera, justifica e legitima o outro reciprocamente. Nesse confronto, em articulação com essas práticas, parece atuar a dimensão afetiva, regulando as possibilidades de ação no mundo. É a humilhação de ser pobre e a raiva de ser estigmatizado que sustentam uma identidade rejeitada, mas, ao mesmo tempo, assumida. Desse modo, os sujeitos acabam construindo suas identidades com essa marcação da alteridade, legitimando suas práticas pela impossibilidade de serem inseridos em outra categoria.

A regulação afetiva e as práticas sociais: a dimensão ética nos contextos de significação

A prática de crimes foi outro aspecto prevalente no discurso analisado. Os sujeitos declaram que desde a infância são inseridos em um contexto de práticas desviantes e o uso da violência se torna prática banal. Do mesmo modo, o ato de roubar ou traficar é comumente vivido e valorizado.

A construção do sentido dessa prática parece se refletir na própria delimitação dos efeitos do consumo de drogas, em particular o crack. A imagem objetivada do sujeito que a consome tem implicações na afirmação de práticas específicas, como o roubo. Como demonstrado em estudo anterior, a imagem desse usuário é marcada pela figura do “ladrão”. Existe, de acordo com Acioli Neto e Santos (2015Acioli Neto, M. L., & Santos, M. F. S. (2015). As máscaras da pobreza: O crack como mecanismo de exclusão social. Psicologia em Estudo, 20(4), 611-623. https://doi.org/10.4025/psicolestud.v20i4.28292
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), uma espécie de construção simbólica amalgamada entre o crime e a droga.

Dessa forma, o contexto de pertença desses sujeitos propicia e legitima a iniciação ao uso dessas representações. O sujeito que se torna usuário aprende quais os efeitos decorrentes do consumo. Não se trata de um reflexo orgânico ou de uma reação neuroquímica; existe um “contrato” social estabelecido e uma eficácia simbólica decorrente das normas partilhadas. Nesse âmbito, o que pode ser observado no discurso analisado é que a droga se estabelece desde a primeira infância, destacada como meio de sobrevivência e como modo de destruição - de si e do outro. O trecho da fala de João ilustra bem isso: “Então como eu me expandi foi dentro dodas drogas, do crimeentão, pra mim eu não sou pobre, eu simplesmente fui humilde por nascer numa favela” (João, Grupo 1).

Eu mesmo, tipo, quando foi na minha infância assim de 10, 11 anos, 12eu sempre passei no meio de muita gente usando droga, fumando maconha, outros tomando arma, mexendo pra lá e pra cá, entendeu? E tipo, a pessoa bota aquilo na cabeça, você tá vivendo aquilo, entãovocê vai passar por aquilo, né? Entendeu? Vai pro colégio, se tá no colégio não quer estudar, só quer bagunçar, como senão quer saber de nada, não liga pra vida, como se tipose você voltar pra sua favela é melhor do que “cê” “tá” no colégio, entendeu? Aí por isso que eu entrei na vida errada, foi bem assim (Pedro, Grupo 1).

Torna-se necessário analisar o papel de regulação que os afetos desempenham na modulação de práticas e representações. Esse papel é derivado de sua natureza social. No apanágio dos afetos, processo de mudança ou modificação na interação do corpo com os sentidos do mundo, os sentimentos expressam e mobilizam um estado de preparação para o ato (Comte-Sponville & Ferry, 1998Comte-Sponville, A., & Ferry, I. (1998). La sagesse modernes: Dix uqestions pour notre temps. Lafont.).

Como destaca Hochschild (1983Hochschild, A. R. (1983). The managed heart: Commercialization of human feeling. University of California Press.), os afetos têm um papel preponderante na tomada de decisões, que informam sobre o que e como o sujeito se sente, preparando-o para lidar com elas. Esses afetos, deve-se destacar, não são um elemento intrasubjetivo, mas um processo relacional, decorrente da interação do sujeito e seus contextos. Eles se inserem na partilha social do mundo, mediando essa experiência. Não são, assim, uma dimensão exclusiva de uma subjetividade privada, mas a de um processo intersubjetivo que influencia na elaboração de representações (Rimé, 1993Rimé, B. (1993). Le partage social des émotions. In B. Rime (Org.), Les émotions (pp. 271-300). Delachaux et Niestlé.).

Dessa forma, ao desenvolver uma avaliação de um objeto social, tal qual o contato com esse “outro” - a população que vive fora da favela -, pode-se dizer que uma dimensão afetiva é ativada (Campos & Rouquette, 2003Campos, P. H, & Rouquette, M. (2003). Abordagem estrutural e componente afetivo das representações sociais. Psicologia: Reflexão e Crítica, 16(3), 435-445. https://doi.org/10.1590/S0102-79722003000300003
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), dimensão essa que circunscreve esses sujeitos em um processo identitário: ela delimita modos de ser. Ao falar dessas experiências, os sentimentos de vergonha e humilhação criam marcas de uma identidade, um estigma que se consolida na forma de ver e agir no mundo. Esse sujeito é compreendido como um conjunto de representações de si, as quais são sempre de valor e imersas em investimento afetivo (La Taille, 2006La Taille, Y. (2006). Moral e ética: Dimensões intelectuais e afetivas. Artmed.), estabelecendo uma dinâmica intersubjetiva com as bases culturais em que se insere. É nesse circuito afetivo-representacional-vivencial que emerge a identidade. É no contexto interacional, na demarcação pelo outro de suas impressões, de suas representações acerca daquele que vive na favela, mas também do que é sentido ao ser inserido nesse campo representacional.

Eu acho que se eu sair na rua… botar uma roupa, uma calça, um tênis pra arrumar um emprego, entregar um currículo… eu creio que eles não vão me…me julgar como um drogado. Não vão nem saber se eu não falar. E ainda tem a cor também, né? (Lucas, Grupo 2) Tem a cor… tem a cor da pele também… (Vitor, Grupo 2) Exato! (Leonardo, Grupo 2) Não… é a mesma coisa de você… entrar no shopping. Você assim tá “becado”, “pá”, você entra. Agora se você for assim (aponta para si mesmo). E: agora se for assim é barrado! Já fui barrado muitas vezes… (Lucas, Grupo 2) Fui entrar de… de chinela e bermuda, assim, no shopping… e eles não deixaram a minha ausência. Eles só perguntaram: “você vai aonde?”. “Não, eu vou ali numa loja de sapato, comprar um sapato”. Aí ele disse: “É? Qual é a loja?”. Aí: “tal loja”. Aí ele: “copia aí um rapaz aí, que tá aí andando…”. Passa logo um rádio pra o cara que tá lá na loja que você vai comprar, tu entendeu? E ele ficava aqui olhando se tu tá indo mesmo comprando um sapato. Ou coisa assim de dizer: “oa”, “brother”, porra… “não dá pra tu entrar assim não, vai…” (Lucas, Grupo 2) […] quando você se depara com uma situação o inverso dessa você fica… eu por exemplo, eu me sinto… com vergonha, não vou mentir. com vergonha. Tanto é que nem dentro de casa eu entro, ainda sou convidado pra entrar, mas eu não entro, com vergonha!

A vergonha, portanto, organiza essas experiências, desempenhando um papel de construção de inquietações sobre o modo de vida desejado. Como apontado, é a droga que se destaca como responsável por essa condição, algo que merece ser debatido, mas que se institui como norma, terminando por regular o sentimento inicial de vergonha, o qual adquire potencial de humilhação e a resposta do ódio.

Nessa perspectiva, são as experiências vividas de humilhação que despertam a revolta. As desigualdades e os diferentes sistemas de opressão e subordinação social que incidem sobre os participantes são subjetivamente apropriados em termos sociais, de classe e de raça, reiterando a experiência de viver em um mundo em que a inclusão social é branca e a marca da alteridade radical racializada no corpo negro. São as inúmeras situações de confronto com o escárnio alheio que trazem à tona esse sentimento. É uma via de mão dupla: o medo do outro e o ódio por esse medo. São sujeitos abjetos à sociedade e que, ao estabelecerem furos nos mecanismos de exclusão e conseguirem ser observados, criam medo. O contato com a pobreza gera o pânico social pela objetivação do criminoso estampado na pobreza, no corpo negro e na sua vinculação com as drogas, em especial, o crack.

Então tem aquele preconceito de quem mora na favela e quem mora na área nobre (José). Essa semana, essa semana rolou uma situação comigo bem… constrangedora. Aí a minha esposa ia na frente, a minha esposa tem um celular né, tem um celular desse grandão, aí ela ia na frente, aí eu vinha atrás, porque não sei o que foi que ela foi falar comigo, aí na hora eu corri, pra seguir ela, fui, abracei ela e peguei o celular dela, “oxe, tas doido homem” (risos) e o casal, tinha um casal e eu na frente, menino, eita carreira! Parecia mais que ali vinha uns quarenta ladrão, tudo armado, pistola, faca, a porra toda. Lá de baixo ele ainda ficou cochichando com outra pessoa “oa que fulano ali, pá, tá roubando, não sei o que, ba ba”, daqui a pouco, minha gente, uma viatura pô, me enquadrou e já botou na cabeça e tal e “não, que foi?”, aí “não, porque tá aqui, é, você vai receber uma ocorrência de, de uma pessoa que ia roubar uma mulher…” (Pedro). Vê só! (Alberto)… Aí viu foto do meu filho, foto da minha esposa, d’eu com ela, aí fez “não, tranquilo, me desculpe” aí ele foi, me pediu desculpa, tal, e isso eu segui meu caminho, mas eu fiquei muito… Eu vou mentir não, fiquei meio com raiva. me senti constrangido né, constrangido porque, pô velho, eu tô andando, tava andando de boa na rua… (Pedro, Grupo 1).

O sujeito, marcado pela sua vinculação com a pobreza e pela experiência da raça em um mundo branqueado, sente a humilhação que o cerca por ser reduzido ao estigma com o qual não se reconhece, mas que, muitas vezes, serve de parâmetro para estabelecer a sua identidade. Trata-se da experiência constante de ser confrontado com um estereótipo criminalizador de usuário/traficante de drogas que se objetiva culturalmente na juventude negra e periférica (Sousa, Santos, & Apostolidis, 2020Sousa, Y. S. O., Santos, M. F. S., & Apostolidis, T. (2020). Drogas no espaço público: Consumo, tráfico e política na imprensa brasileira. Psicologia: Ciência e Profissão, 40, 1-16. https://doi.org/10.1590/1982-3703003201819
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; Sousa, Barreto, Mendes, & Techio, 2020Sousa, Y. S, Barreto, L. H., Mendes, A. C., & Techio, E. M. (2020). Quem são os usuários e traficantes de drogas? Representações sociais e estereótipos difundidos na mídia impressa. In M. E. O. Lima, D. X. de França, & R. M. K. Freitag (Orgs.), Processos psicossociais de exclusão social (pp. 47-72). Blucher.).

Os saberes construídos pelos usuários em dada rede interacional desempenham papel normativo, prescrevendo ações desenvolvidas em torno do certo/errado, normal/anormal, aceito/excluído e adquirindo, assim, eficácia simbólica por meio de sistemas de significação e práticas partilhados pelos sujeitos. Apesar de o usuário ser representado como o ladrão, o bandido, no processo de identificação e diferenciação, essa caracterização é atribuída ao outro. Essa relação com a experiência e suas representações relacionadas coloca o usuário em um lugar de conflitos identitários. Em um movimento de defesa, as dimensões negativas do outro se intensificam e é transferida toda a carga indesejada para fora de seu grupo de pertença. Assim, alguns usuários, mesmo inseridos em redes que legitimavam a prática de crimes, tomavam decisões que divergiam dessa norma informal: roubar para fumar.

Desse modo, apesar de os usuários afirmarem que suas ações não se determinam em relação a essas normas, as representações hegemônicas de seus contextos de uso remetem essas atividades como verdades sobre suas identidades. As normas sociais vigentes na informalidade desses campos convocam os usuários a se tornarem dependentes, criminosos e incapazes de construir planos de vida. Esses resultados remetem à problematização da implicação do sujeito em um sistema normativo que orienta a consolidação de ações divergentes de seu código de conduta, de sua ética. Essa condição de conflito diante de um éthos termina por trazer questionamentos a respeito dos processos de significação que constroem e legitimam a capacidade ética de fazer escolhas diante desses sistemas (Acioli Neto & Santos, 2016Acioli Neto, M. L., & Santos, M. F. S. (2016). Os usos de crack em um contexto de vulnerabilidade: Representações e práticas sociais entre usuários. Psicologia: Teoria e Pesquisa, 32(3), 1-9. https://doi.org/10.1590/0102-3772e32326
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).

Evidencia-se, nesse processo, que essas duas dimensões são articuladas: os afetos atuam na regulação das normas ao mesmo tempo que instituem sentidos para a vida desses sujeitos. Como destaca Festinger (1957Festinger, L. (1957). A theory of cognitive dissonance. Stanford University Press.), as normas sociais surgem de modo arbitrário, sendo investidas de uma racionalidade e/ou moralidade aparente que satisfaz a necessidade de coerência do mundo. Contudo, o que se observa é que essas normas são edificadas com base em cargas afetivas que modulam as condições de ação, determinando interdições (Fernández-Dols, 2012Fernández-Dols, J. (2012). Normas formais e informais vs. normas explícitas e implícitas: uma tipologia de normas alternativas. In C. Pereira & R. Costa-Lopes (Orgs.), Normas, atitudes e comportamento social (pp. 25-44). Imprensa de Ciências Sociais.).

Assim, a experiência de se identificar no contexto da favela parece ser conformada pela carga afetiva da humilhação, culminando na negação dessa condição. Nesse processo de exclusão e delimitação da identidade como uma figura de alteridade, o sujeito atribui à droga a responsabilidade dessa marcação. Essa atribuição parece se realizar pela negação do status de pobre, como se evidencia na fala de Marcos:

Pobre? Pobre?… Eu não. Pobreza pra mim é miséria. Fome, doença… ser pobre é a pessoa não ter nada, não ter nem perspectiva de nada, não tá nem aí pra nada…pra mim pobreza é isso aí. Eu não me considero pobre não. assim, ao meu ver, uma pessoa pobre eu acho que aqui, aqui no Brasil não existe uma pessoa pobre, a gente é humilde. Nessa humildade a gente consegue arrumar um trabalho, um bico pra fazer… Sempre tem como arrumar um dinheiro. Pobre, pra mim, eu vejo na situação da África. As pessoas ali, realmente são pobres, comem da terra, da terra mesmo. Então a gente não é pobre, o meu ver é esse. Eu nasci na favela, mas eu nasci nas condições que me limitava ali, então eu tinha aquilo só que eu não podia me expandir. Então como eu me expandi foi dentro do… das drogas, do crime… Então, pra mim eu não sou pobre, eu simplesmente fui humilde por nascer numa favela (Marcos, Grupo 1).

A pergunta realizada no contexto do grupo focal - “alguém se considera pobre?” - teve como propósito provocar esse incômodo, tensionando a experiência dos sujeitos com o estigma da pobreza. Como resposta, houve um momento de bastante constrangimento pelos participantes, que terminaram com a negação desse quadro, circunscrevendo suas realidades como “humildes”. A humildade, como descrevem os sujeitos entrevistados, é descrita em torno da possibilidade de aquisição de bens e pela liberdade de circulação pelos espaços da favela.

A resposta apresentada quase em unanimidade em todos os grupos realizados converge com as afirmações de Souza (2009Souza, J. (2009). A ralé brasileira: Quem é e como vive. Editora UFMG.) sobre a dificuldade de assumir a realidade da pobreza no Brasil. O traço distintivo da cultura brasileira é delimitado pelo mito da brasilidade, um conjunto de representações construídas ao longo de séculos que circunscrevem a população em um quadro de conformismo otimista.

Apesar da nítida rejeição à denominação de pobre, os sujeitos expressam viver cotidianamente com o preconceito de classe, raça, território e geracionalidade. Por isso, as desigualdades sociais são um aspecto inerente em suas vivências sociais. Como alguns destacam, são os “nobres” e o morador da favela. A condição de moradia em favelas apresenta uma dimensão de valoração da desigualdade que é hierarquicamente distinta. Assim, ser jovem e associado aos marcadores de território, raça e classe torna ainda mais dramáticas as condições de vulnerabilidade vividas por esses sujeitos, incluindo quando circulam nos ditos “bairros nobres”. A justificação dessa diferença é destacada pela estética corporal e comportamental, que condensa vestimentas, cor da pele, modos de falar e agir, traços tidos como capazes de distinguir aquele que vive na favela do morador dos bairros nobres. São elementos marcantes da representação da alteridade que esses indivíduos assimilam porque se conformam, apesar de não os tolerarem. Tal representação é também ilustrada pela mídia, como reforçam os sujeitos.

Nesse sentido, emerge um sentimento ambivalente em relação à vida na favela, que oscila entre aspectos positivos, decorrentes dessa liberdade propiciada pelas “leis próprias” desse contexto e pelo “clima” que se forma nesse ambiente, e as experiências vividas ao sair dele, acentuadas quando os sujeitos se deparam com a realidade externa, com o encontro com o “outro do outro” que vive nos “bairros nobres”.

Mas o que influencia muito a venda da droga dentro da favela é justamente a propaganda que tem na televisão daquelas marca tudo massa. Vê o… vê o playboyzinho andando com um sapato massa, uma bermuda massa, o pobre da favela que não tem condições de ter… (Lucas). Não tá de graça (Leonardo). Me dá uma bolsa de crack, vou pegar aquela grana vou comprar aquela bermuda que eu vi na televisão. Ou então, muitas vezes tá lá na televisão, uma coisa que tá maquiada, ela vê o crack… e vai dizer: oh, fica mais fácil pra tu conseguir aquela beca e andar de boa pra arrumar as nega. Pra mim a favela representa muita dignidade, mas muita fuleragem tem aí (Vitor). A mídia, né? A mídia que bota isso (Lucas). A mídia passa pra gente e a gente fica tudo punk (Vitor). A mídia ela diz muitas coisas que a cabeça do ser humano vai além. Parar um tempo pra pensar. É um sinal vermelho, parei? Tanto ela mostra, quanto esconde (Lucas, Grupo 2).

Como descrevem, é a estereotipia da imagem do usuário que reforça os estigmas. A norma que rege as condições de possibilidade da manutenção desse “furo” à exclusão é nomeada pelos usuários entrevistados como “a lei da favela”: o silêncio, que é o modo como esses sujeitos superam as limitações impostas diante da condição socioeconômica vivida.

Na favela é: ver e ouvir, e não saber de nada. Se eu fiz alguma coisa com ele, você viu, você fechou os olhos, tapou os ouvidos e fechou a boca. Só respira o nariz, porque é o necessário. Você for falar você é um peso morto. Na favela não… não tem vez. Aquilo dali é uma garantia de que eu posso sobreviver ali dentro sem que mexam comigo. Aí é assim, sempre… é assim (José, Grupo 1).

Nessa perspectiva, destaca-se a rejeição, a rechaça ao enquadramento no lugar da diferença. A nítida negação desse status racial e de classe como marcas da exclusão e da alteridade radical. Por meio dessa negação, instauram-se mecanismos de ruptura que são os aparatos disponibilizados por seus meios culturais. Por um lado, encontram-se separados da elite do país, pois são classificados como uma ameaça. Ao mesmo tempo, estão sintonizados com toda a cultura midiática, sendo apresentados a um mundo que não podem acessar. Diante da privação e da necessidade de se inserir, a via de acesso legitimado no discurso analisado foi o crime.

O sentimento de humilhação termina por desencadear a raiva de ser colocado nessa condição, do enclausuramento nessa ordem. Esse sentimento, novamente, regula as condutas e torna legítima a prática. Como foi apontado no discurso, se já é concebido que esse sujeito é um ladrão, por que não assumir essa identidade?

Eu já me deparei, tipo, com outra situação assim… eu tava andando na orla da praia e vinha uma madame em encontro a mim, entendeu? Ela vinha caminhando, quando ela viu a aparência da minha pessoa, lá do outro lado tinha já outra madame com um monte de cachorro, assim… aí ela preferiu atravessar a rua pra ir lá pra cima dos cachorros, sem saber se os cachorro era feroz ou não, se ela atravessasse na hora da agonia, do pânico e um cachorro tentasse defender a dona e morder ela, do que passar por perto de mim, entendesse, como é que é? Então ela fez isso, eu olhei pra ela assim, aí me veio aquela mágoa e eu disse coisa com ela, não vou mentir. E eu não tava nem com o pensamento nisso, entendeu senhora? Eu tava com pensamento de na hora que eu ia… direto pra o estacionamento já, encostar carro pra trabalhar, não tava com pensamento de roubar ninguém, roubar sicrano, ou aprontar aquilo outro, ou ir atrás dos amigos não… eu tava com outros pensamentos, e ela me fez a minha ira sair (Grupo 2).

Com isso, os sujeitos se deparam com relações de classe, território e raça que hierarquizam as condições de humanidade e suas formas de visibilidade e invisibilidade, de modo que a raiva se apresenta como um afeto que regula as possibilidades de relação com a opressão. Por sua vez, a droga assume uma posição ambivalente: é o caminho de solução e de destruição em relação à condição de opressão vivida. Por um lado, ela permite se defender desse cárcere simbólico ao conduzir e mobilizar a economia da favela - as privações materiais são parcialmente superadas. Por outro, ela destrói a vivência daqueles que iniciam seu consumo. Assim, por ambos os caminhos, ela legitima o ódio a essa construção identitária. Como é descrito pelos entrevistados: é a desgraça do outro que mobiliza a favela.

Os sujeitos organizam e constroem representações que regulam tomadas de decisão consideradas favoráveis e desfavoráveis em seus cotidianos, de modo que aquelas são justificadas, reafirmadas ou transformadas diante destas. Nesse confronto, em articulação com essas práticas, parece atuar a dimensão afetiva, regulando as possibilidades de ação no mundo. É a humilhação de ser pobre e a raiva de ser estigmatizado que sustentam uma identidade rejeitada, mas, ao mesmo tempo, assumida.

Desse modo, os sujeitos acabam construindo suas identidades com essa marcação da alteridade radical, legitimando suas práticas pela impossibilidade de serem inseridos em outra categoria. Trata-se de um jogo circular de conformação e confronto: negação da pobreza, da raça e do território pelo morador da favela; invisibilidade e medo desse sujeito, a partir do crivo de quem não vive nessas condições; vergonha e raiva de ser reduzido a essa figura. O crack surge, então, como um vetor a essa circularidade.

Considerações finais

O estudo apresentado investigou as implicações da dimensão ética dos processos de construção de representações sociais sobre o crack entre usuários da rede socioassistencial. Os resultados apontam o papel dos afetos na regulação das normas instituídas nesse contexto e das práticas sociais desempenhadas. A dimensão ética analisada indica que o sentido de vida que circunscreve as experiências desses sujeitos se conforma pela busca de um status social valorizado, o que se articula com a dimensão moral da inserção na criminalidade, destacada como um furo no sistema de exclusão.

O usuário, nesse contexto de vulnerabilidade e risco social, não aceita os estigmas atribuídos a sua condição social, racial e territorial, rejeitando a identidade que lhe é hegemonicamente reservada. Ao mesmo tempo, não consegue evitar os confrontos com essa identificação pelo olhar do outro, de modo que os conflitos aí produzidos terminam por gerar modos específicos de ação. A dimensão ética se situa exatamente nesse plano. São os sentidos que organizam a vida, que significam a realidade e sua própria existência. Ao se deparar com as marcas das desigualdades, os usuários acabam atuando por meio do sentimento de humilhação de ser concebido como um sujeito perigoso e indesejado. A humilhação de ser criminalizado e desumanizado pela condição de ser negro e pobre desencadeia o ódio de ser representado dessa forma e de viver em um contexto de favela, o que orienta suas ações devido à falta de oportunidades de mobilização. O crime se torna uma forma de se inserir socialmente, de criar um furo no sistema e de instituir uma identidade que não seja uma falsa ameaça, mas potencialmente ativa no meio social.

O plano ético tem arranjos específicos que se configuram diretamente pelos afetos e estabelecem a pertença desses sujeitos em suas existências. O afeto demonstra ter um papel crucial na regulação dos planos ético e moral. Por meio da regulação das práticas desempenhadas pelos sujeitos, os afetos terminam por atuar nos sentidos de vida e, consequentemente, nas prescrições e ordenações que sustentam o plano moral. É evidente o modo como os sistemas normativos se dirigem ao contexto de inserção dos sujeitos e suas possibilidades de ação. A moral se insere na ética pela necessidade de estabelecer as normas que vão organizar os sentidos da vida, mas a regulação desses deveres é feita pela carga afetiva atribuída a essas experiências. Os afetos se tornam centrais nesse processo de significação - em outras palavras, na partilha social de representações. Logo, as representações do crack emergem como vetores que organizam um conjunto de experiências marcadas por relações sociais, raciais, de classe e território. Esse objeto social atua, a partir desse entrelaçamento, na ativação de afetos, que direcionam a uma construção do sentido de vida desses sujeitos.

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  • 1
    Todos os nomes utilizados são fictícios.
  • Errata

    No artigo “A Dimensão Ética das Representações Sociais: O Crack entre Usuários da Rede Socioassistencial”, com número de DOI: 10.1590/1982-3703003235993, publicado na Revista Psicologia: Ciência e Profissão, 42: primeira página, nome do autor:
    Onde se lia:
    “Yuri Sá Oliveira Souza”
    Leia-se:
    “Yuri Sá Oliveira Sousa”

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    14 Nov 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    01 Abr 2020
  • Aceito
    09 Set 2021
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