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Violência contra Mulheres: Diretrizes Políticas da Psicologia para o Exercício Profissional

Violence Against Women: The Political Psychology Guidelines for Professional Practice

Violencia Contra la Mujer: Las Directrices Políticas de la Psicología para el Ejercicio Profesional

Resumo

Este artigo relata uma pesquisa exploratória documental que teve como objetivo apresentar e discutir as diretrizes políticas da Psicologia, no que diz respeito à violência contra as mulheres. O conjunto de diretrizes aprovadas nos Congressos Nacionais da Psicologia (CNP), de 1994 a 2019, direciona a atuação do Sistema Conselhos na orientação do exercício profissional em Psicologia e expressa o compromisso ético-político da categoria. O caminho metodológico deste estudo foi concretizado por meio da técnica de análise de conteúdo e foi dividido em dois momentos: em 2016, na análise das diretrizes aprovadas até 2013; e, posteriormente, em 2020, por meio do software Atlas.ti de análise qualitativa, de modo atualizar o conjunto de diretrizes aprovadas. Os dois momentos de análise envolveram a leitura integral do material, a categorização temática em torno dos eixos: violência, mulher e gênero, e foram seguidos da análise interpretativa das pesquisadoras. Notamos que o debate da Psicologia sobre o fenômeno, por meio das categorias elencadas, passou aumentar consideravelmente a partir do 6º CNP (2007), tendo em vista a implementação da Lei Maria da Penha e, mais recentemente, no último Congresso (2019), devido à proibição do debate de gênero nas escolas brasileiras. Desse modo, observamos que o fenômeno social destacado esteve presente no conteúdo das diretrizes políticas da Psicologia por meio da transversalidade no campo dos direitos humanos e das políticas públicas.

Palavras-chave:
Violência contra Mulheres; Psicologia Crítica; Direitos Humanos

Abstract

This article presents the report of an exploratory documentary research that aimed to present and discuss the political guidelines of Psychology, regarding violence against women. The set of guidelines approved at the National Psychology Congresses (CNP), from 1994 to 2019, directs the work of the Council System in guiding professional practice in Psychology and expresses the ethical-political commitment of the category. The methodological path of this study was accomplished by the use of the content analysis technique and was divided into two moments: in 2016, in the analysis of the guidelines developed until 2013; and, later in 2020, using the ATLAS.ti qualitative analysis software, to update the set of approved guidelines. The two moments of analysis involved the full reading of the material, the thematic categorization around the axes: violence, women and gender, and were followed by the interpretative analysis of the researchers. We note that the Psychology debate regarding the phenomenon, by using the listed categories, started to increase considerably from the 6th CNP (2007), in view of the implementation of Law Maria da Penha and, more recently, at the last Congress (2019) due to the prohibition of the gender debate in Brazilian schools. Thus, we observed that the social phenomenon highlighted was present in the content of the political guidelines of Psychology in the transversality in the field of human rights and public policies.

Keywords:
Violence Against Women; Critical Psychology; Human Rights

Resumen

Este artículo presenta el informe de una investigación documental exploratoria que tuvo como objetivo presentar y discutir las pautas políticas de la psicología, con respecto a la violencia contra las mujeres. El conjunto de directrices aprobadas en los Congresos Nacionales de Psicología (CNP), de 1994 a 2019, dirige el trabajo del Sistema del Consejo para guiar la práctica profesional en Psicología y expresa el compromiso ético-político de la categoría. La ruta metodológica de este estudio se logró mediante el uso de la técnica de análisis de contenido y se dividió en dos momentos: en 2016, en el análisis de las directrices desarrolladas hasta 2013; y más tarde en 2020, utilizando el software de análisis cualitativo Atlas T.I., para actualizar el conjunto de directrices aprobadas. Los dos momentos de análisis involucraron la lectura completa del material, la categorización temática en torno a ejes: violencia, mujeres y género y fueron seguidos por el análisis interpretativo de las investigadoras. Observamos que el debate de Psicología sobre el fenómeno, a través de las categorías enumeradas, comenzó a tener un aumento considerable desde el 6º CNP (2007), en vista de la implementación de la Ley Maria da Penha y, más recientemente, en el último Congreso (2019) debido a la prohibición del debate de género en las escuelas brasileñas. Así, observamos que el fenómeno social destacado estaba presente en el contenido de las directrices políticas de Psicología a través de la transversalidad en el campo de los Derechos Humanos y las Políticas Públicas.

Palabras clave:
Violencia Contra la Mujer; Psicología Crítica; Derechos Humanos

Introdução

O problema social de crescente violência contra as mulheres é parte histórica e concreta da realidade brasileira, e exige como resposta profissional uma prática qualificada das(os) psicólogas(os) diante desse cenário. Tendo em vista o compromisso ético-político da Psicologia firmado, principalmente a partir da década de 1990 no país, a presença das(os) psicólogas(os) no campo das políticas governamentais se tornou realidade. O aprimoramento da atuação nesse campo deve acompanhar o desenvolvimento ético, político e social da Psicologia nos meios de construção coletiva da profissão, como nos Congressos Nacionais da Psicologia. É nessa perspectiva que este artigo se realiza: na inspiração de práticas transformadoras e no comprometimento do fazer psicológico diante da complexidade e especificidade das demandas emergentes da realidade brasileira. Para sulear1 1 A expressão “sulear” foi utilizada pelo educador popular brasileiro Paulo Freire no livro Pedagogia da esperança (1992), em referência à crítica levantada pelo físico Marcio D’Olne Campos em A arte de sulear-se (1991), em relação à expressão “nortear”, que indica que o hemisfério norte estaria acima, envolvendo uma noção de superioridade em comparação ao hemisfério sul. nossas discussões, revisitaremos a investigação do fenômeno de violência realizada pelo psicólogo salvadorenho Ignácio Martín-Baró (1988/2017Martín-Baró, I. (2017). A violência na América Central: Uma visão psicossocial. In F. Lacerda Júnior (Org.), Crítica e libertação na psicologia: Estudos psicossociais. Vozes. (Trabalho original publicado em 1988), 1996Martín-Baró, I. (1996). O papel do psicólogo. Estudos de Psicologia, 2(1), 27-29.) na realidade latino-americana e as ideias de algumas teóricas feministas, como Heleith Saffioti (2001Saffioti, H. I. B. (2001). Contribuições feministas para o estudo da violência de gênero. Cadernos Pagu, (16), 115-136., 2004/2015Saffioti, H. I. B. (2015). Gênero, patriarcado, violência (2a ed.). São Paulo: Expressão Popular. (Trabalho original publicado em 2004)) e Joan Scott (1995Scott, J. (1995). Gênero: Uma categoria útil de análise histórica. Educação & Realidade, 20(2), 71-99.), sobre a problemática da violência contra as mulheres. Essas(es) autoras(es) promoveram importantes reflexões sobre a necessidade de historicizar o desenvolvimento de conceitos como gênero, mulher e violência, de modo a retomar o caráter concreto e real desses fenômenos sociais. Desse modo, a seguir, apresentaremos um breve panorama do cenário social no qual estamos inseridas rumo ao objetivo de investigação das diretrizes políticas que orientam a atuação profissional em Psicologia.

Violência contra as mulheres: uma realidade histórica e material

“Aquelas pessoas que se propõem a codificar os sentidos das palavras lutam por uma causa perdida, porque as palavras, como as ideias e as coisas que elas pretendem significar, têm uma história” (Scott, 1995Scott, J. (1995). Gênero: Uma categoria útil de análise histórica. Educação & Realidade, 20(2), 71-99., p. 71) - com essa frase, a historiadora feminista Joan Scott (1995Scott, J. (1995). Gênero: Uma categoria útil de análise histórica. Educação & Realidade, 20(2), 71-99.) inicia a discussão na qual ela enfatiza a necessidade de olhar para qualquer palavra ou conceito sempre para além de sua aparência ou dedução imaginativa a priori, de modo a compreender o desenvolvimento de seus significados ao decorrer da história da humanidade. Sem a condição histórica de desenvolvimento de significados, a tarefa de compreender os sentidos envolvidos na palavra “gênero”, por exemplo, seria impossível. Para Scott (1995Scott, J. (1995). Gênero: Uma categoria útil de análise histórica. Educação & Realidade, 20(2), 71-99.), tentar naturalizar a categoria gênero como classificação social de corpos sexuados pela divisão binária entre feminino e masculino, e, com exceções, gênero neutro, foi importante para o desenvolvimento da crítica feminista mediante a ideia determinista dos sexos como algo natural e inerente à condição humana. Naquela época, em especial na década de 1980, a categoria gênero foi utilizada pelos estudos feministas, muitas vezes, como substitutiva da categoria “mulheres”, fator esse que, de acordo com a autora, encobriria o tom político feminista que apontava para a desigualdade entre os sexos. Outro ponto de destaque apresentado por Scott (1995Scott, J. (1995). Gênero: Uma categoria útil de análise histórica. Educação & Realidade, 20(2), 71-99.) diz respeito ao equívoco de articular as categorias classe, raça e gênero como se fossem fenômenos da mesma natureza. Essa crítica está ligada à hegemonia de reflexões descritivas, causais e universais das categorias raça, classe e gênero, e a ausência de articulações teóricas e históricas desses fenômenos. Há o reconhecimento da importância da intersecção dessas categorias na compreensão da atual estrutura de poder e opressão, mas não há aprofundamento em seus significados e nos diferentes fundamentos teóricos envolvidos em seu processo histórico. No resgate histórico da categoria gênero, Scott (1995Scott, J. (1995). Gênero: Uma categoria útil de análise histórica. Educação & Realidade, 20(2), 71-99.) indica três perspectivas principais no debate sobre gênero: 1) feminista, que “empenha-se em explicar as origens do patriarcado”; 2) marxista, que “busca um compromisso com as críticas feministas”; 3) pós-estruturalista francesa e “teorias anglo-americanas de relação do objeto (object-relation theories)” (p. 77).

No caso da violência contra mulheres, a socióloga marxista e feminista Heleith Saffioti (2004/2015Saffioti, H. I. B. (2015). Gênero, patriarcado, violência (2a ed.). São Paulo: Expressão Popular. (Trabalho original publicado em 2004)) traz à tona o conceito de patriarcado como a ideologia que mascara a desigualdade entre homens e mulheres na sociedade brasileira. Para a autora, o regime de domínio masculino patriarcal perpassa todas as esferas da sociedade, inclusive o Estado. Portanto a violência está diretamente relacionada às estruturas sociais nas quais está inserida e se manifesta na vida cotidiana (Santiago, 2009Santiago, D. E. (2009). A violência segundo a perspectiva de Martin-Baró: Possíveis contribuições ao serviço social. ETIC - Encontro de Iniciação Científica, 5(5), 1-9.). Para Saffioti (2004/2015Saffioti, H. I. B. (2015). Gênero, patriarcado, violência (2a ed.). São Paulo: Expressão Popular. (Trabalho original publicado em 2004)), o patriarcado serve para a manutenção de interesses de grupos dominantes sobre grupos marginalizados, binômio de dominação-exploração dos homens sobre as mulheres, na sustentação de um modelo de sujeito universal que se caracteriza na figura do homem branco, rico e heterossexual. É, ainda, importante destacar que, apesar da manutenção do fenômeno de violência contra mulheres na sociedade capitalista, o patriarcado se manifestou de diferentes modos na história da humanidade. Aos homens, ao longo dos anos, destinou-se a esfera pública e política, aspecto valorizado e relacionado à produção da vida, enquanto às mulheres coube a reprodução da vida no espaço privado e doméstico (Souza & Sousa, 2015Souza, T. M. C., & Sousa, Y. L. R. (2015). Políticas públicas e violência contra a mulher: A realidade do sudoeste goiano. Revista da Spagesp, 16(2), 59-74.).

Com isso, a historiadora Silvia Federici (2019Federici, S. (2019). O ponto zero da revolução: Trabalho doméstico, reprodução e luta feminista. Elefante.) ressalta os impactos da globalização nos novos modos da divisão sexual do trabalho, o que a autora intitula de “uma nova ordem colonial”. Desse modo, Federici (2019Federici, S. (2019). O ponto zero da revolução: Trabalho doméstico, reprodução e luta feminista. Elefante.) critica as tentativas de cooptação da agenda feminista por agências globais, por meio de “posições reformistas que condenam a discriminação de gênero, mas mantém intacta a hegemonia mundial das relações capitalistas” (p. 137).

Por conseguinte, o psicólogo salvadorenho Ignácio Martín-Baró (1988/2017Martín-Baró, I. (2017). A violência na América Central: Uma visão psicossocial. In F. Lacerda Júnior (Org.), Crítica e libertação na psicologia: Estudos psicossociais. Vozes. (Trabalho original publicado em 1988)) também ressalta a importância de compreender a violência, não como um fenômeno individual, abstrato ou isolado da totalidade histórica e concreta do desenvolvimento da humanidade, mas como fruto das condições construídas pelo gênero humano ao longo de seu desenvolvimento histórico e social. Martín-Baró (1988/2017Martín-Baró, I. (2017). A violência na América Central: Uma visão psicossocial. In F. Lacerda Júnior (Org.), Crítica e libertação na psicologia: Estudos psicossociais. Vozes. (Trabalho original publicado em 1988)), no que se refere ao processo de dominação colonial no continente americano, fala sobre a necessidade de substantivar a violência, torna-la palpável, concreta, tendo em vista o caráter abstrato de seu significado disseminado no senso comum. Para o psicólogo salvadorenho, “as abstrações - que não é o mesmo que teorizações - muitas vezes, ao invés de desvelarem, tendem a ocultar a realidade” (1988/2017Martín-Baró, I. (2017). A violência na América Central: Uma visão psicossocial. In F. Lacerda Júnior (Org.), Crítica e libertação na psicologia: Estudos psicossociais. Vozes. (Trabalho original publicado em 1988), p. 290). Isso significa dizer que o fenômeno da violência está intrinsecamente relacionado ao modo de organização da vida social e se manifesta de múltiplas e diferentes formas, de acordo com sua materialidade histórica. Logo, ao tratar o fenômeno da violência estrutural, Martín-Baró tornou nítido como o modo de funcionamento de determinada sociedade pode servir tanto como instrumento de manutenção ideológica quanto como instrumento de libertação e emancipação humana.

No Brasil, pesquisas recentes realizadas por organizações governamentais e não governamentais apontaram que o país ocupa uma das primeiras colocações quando se traa do número de notificações sobre a violência contra a mulher (DataSenado, 2013DataSenado. (2013). Violência doméstica e familiar contra a mulher. Senado Federal.; Waiselfisz, 2012Waiselfisz, J. J. (2012). Mapa da violência 2012: Atualização homicídio de mulheres no Brasil. Instituto Sangari. https://www12.senado.leg.br/institucional/omv/entenda-a-violencia/pdfs/mapa-da-violencia-2012-atualizacao
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, 2015Waiselfisz, J. J. (2015). Mapa da Violência 2015: Homicídio de mulheres no Brasil. Instituto Sangari. http://www.onumulheres.org.br/wp-content/uploads/2016/04/MapaViolencia_2015_mulheres.pdf
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). No ano de 2015, o Brasil deixou a sétima posição e passou a ocupar a quinta colocação, entre 83 países, em número de notificações de denúncias. Nota-se que os países comparados têm em comum a fonte de dados utilizada como parâmetro, que se configura de acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS) e a Base Internacional de Dados. A base de informações utilizada no Brasil foi o Sistema de Informações de Mortalidade, por meio da Secretaria de Vigilância em Saúde do Ministério da Saúde (MS). Comparando-se as taxas de notificação de países considerados desenvolvidos, como Reino Unido, Irlanda e Dinamarca, encontram-se taxas de 48, 24 e 24 vezes menor do que as taxas brasileiras, respectivamente (Waiselfisz, 2012Waiselfisz, J. J. (2012). Mapa da violência 2012: Atualização homicídio de mulheres no Brasil. Instituto Sangari. https://www12.senado.leg.br/institucional/omv/entenda-a-violencia/pdfs/mapa-da-violencia-2012-atualizacao
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).

Nas últimas décadas, no cenário macroestrutural ocorreram notáveis acontecimentos em direção ao enfrentamento à violência contra as mulheres no que se refere à centralidade política de ações governamentais. A promoção dos direitos humanos em geral, inclusive os das mulheres, passou a ser uma preocupação global, com maior destaque depois da Segunda Guerra Mundial (Souza & Sousa, 2015Souza, T. M. C., & Sousa, Y. L. R. (2015). Políticas públicas e violência contra a mulher: A realidade do sudoeste goiano. Revista da Spagesp, 16(2), 59-74.). A partir de então, foram criadas e desenvolvidas conferências, pactos, políticas governamentais e leis por todo o mundo. Após a Convenção para a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher, em 1979, esse fenômeno social passou a ser considerado crime contra a humanidade.

Desde a década de 1980, as políticas sociais têm tomado maior espaço na agenda governamental brasileira. Porém, por sua condição de país periférico, de acordo com Faleiros (2013Faleiros, V. P. (2013). O que é política social (5a ed.). Brasiliense.), as políticas sociais no Brasil se expressam como políticas “categoriais” direcionadas para uma “clientela” específica, como políticas para crianças, doentes, trabalhadores etc. No que se refere ao desenvolvimento de políticas públicas para mulheres no Brasil, no ano de 1985, foi construída a primeira delegacia de atendimento para mulheres, localizada na cidade de São Paulo, criada pelo Conselho Nacional dos Direitos da Mulher, por meio da Lei nº 7.353Lei n. 7.353, de 29 de agosto de 1985. (29 ago. 1985). Cria o Conselho Nacional dos Direitos da Mulher - CNDM e dá outras providências. Diário Oficial da União. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/1980-1988/L7353.htm
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, de 29 de agosto de 1985. Todavia foi a partir da Constituição Federal de 1988 que o Estado passou a ouvir mais enfaticamente a voz de milhares de mulheres auto-organizadas e, desse modo, uma parcela das políticas sociais passaram a ter como foco as demandas específicas das mulheres brasileiras (Carneiro, 2003Carneiro, S. (2003). Mulheres em movimento. Estudos Avançados, 17(49), 117-133.). A Declaração de Direitos Humanos de Viena de 1993, a Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher - conhecida como a Convenção de Belém do Pará de 1994 - e a 4ª Conferência Mundial sobre a Mulher de Pequim, de 1995, também foram marcos na promoção do reconhecimento social e da especificidade da violência contra a mulher baseada na desigualdade histórica entre os gêneros (Souza & Sousa, 2015Souza, T. M. C., & Sousa, Y. L. R. (2015). Políticas públicas e violência contra a mulher: A realidade do sudoeste goiano. Revista da Spagesp, 16(2), 59-74.).

Portanto observa-se que, nas últimas décadas, a violência contra as mulheres deixou de ser tratada como fenômeno reservado apenas à esfera doméstica e familiar e passou a ser considerada um problema de caráter público e social na agenda governamental, por meio da centralidade política das políticas públicas e dos direitos humanos da categoria “mulheres”.

Do feminismo às políticas governamentais para mulheres

O fenômeno da violência se manifesta de diversas maneiras e de modo multifacetado, desse modo, os processos históricos de resistência e transformação dessa realidade também são variados. No caso da violência específica de gênero contra mulheres, foram os movimentos auto-organizados de mulheres, em especial os feministas, que se manifestaram contra as opressões e desigualdades proporcionadas pelo domínio masculino ou patriarcado (Miguel & Biroli, 2014Miguel, L. F., & Biroli, F. (2014). Feminismo e política. Boitempo.; Silva, 2010Silva, S. G. (2010). Preconceito e discriminação: As bases da violência contra a mulher. Psicologia: Ciência e Profissão, 30(3), 556-571.; Souza & Sousa, 2015Souza, T. M. C., & Sousa, Y. L. R. (2015). Políticas públicas e violência contra a mulher: A realidade do sudoeste goiano. Revista da Spagesp, 16(2), 59-74.). Além de explicitar as desigualdades sociais entre homens e mulheres na sociedade, os movimentos feministas, de modo geral, contribuíram substancialmente no processo de ruptura do discurso naturalista hegemônico entre os gêneros, baseado nas diferenças biológicas, tanto no desenvolvimento das ciências como na sociedade civil. O feminismo se caracterizou, então, como um movimento plural filosófico, social e político que proporcionou às mulheres, ao longo da história, romper o silêncio das opressões no ambiente doméstico por meio da construção de suas reivindicações nas esferas pública e política (Miguel & Biroli, 2014Miguel, L. F., & Biroli, F. (2014). Feminismo e política. Boitempo.). Essa ação tem tentado romper com o imaginário ainda presente no Brasil de que “em briga de marido e mulher não se mete a colher” (Saffioti, 2001Saffioti, H. I. B. (2001). Contribuições feministas para o estudo da violência de gênero. Cadernos Pagu, (16), 115-136., 2004/2015Saffioti, H. I. B. (2015). Gênero, patriarcado, violência (2a ed.). São Paulo: Expressão Popular. (Trabalho original publicado em 2004)), identificado em levantamento realizado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (2014Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada. (2014). Tolerância social à violência contra as mulheres. Ipea. http://ipea.gov.br/portal/images/stories/PDFs/SIPS/140327_sips_violencia_mulheres.pdf
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), cujos resultados mostraram que 82% dos entrevistados se manifestaram favoráveis a tal ditado popular.

Ainda sobre o desenvolvimento de ações governamentais, em 1990, o Estado brasileiro implementou sua primeira rede de atendimento em defesa da igualdade de gênero por meio de serviços nos campos da Saúde, Assistência e Justiça, como: as delegacias da defesa da mulher, a Defensoria Pública, as casas-abrigo, os juizados especializados, os Centros de Referências Multiprofissionais, Centros de Saúde, Política Nacional de Atenção Integral à Saúde da Mulher e o Instituto Médico Legal (Carneiro, 2003Carneiro, S. (2003). Mulheres em movimento. Estudos Avançados, 17(49), 117-133.). Até que, em 2002, ao final de seu mandato, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso criou a Secretaria de Estado de Direitos da Mulher (Sedim), vinculada ao Ministério da Justiça pela Lei nº 10.539 (2002Lei n. 10.539, de 23 de setembro de 2002. (23 set. 2002). Dispõe sobre a estruturação de órgãos, cria cargos em comissão no âmbito do Poder Executivo Federal, e dá outras providências. Diário Oficial da União. https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10539.htm.
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). E em 2003, na organização dos órgãos constituintes da Presidência da República e Ministérios, foi reformulada e criada a Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres (SPM) da Presidência da República pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. A SPM foi regulamentada por meio da Lei nº 10.683 (2003Lei n. 10.683, de 23 de maio de 2003. (23 maio 2003). Dispunha sobre a organização da Presidência da República e dos Ministérios, e dá outras providências. Diário Oficial da União. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2003/l10.683.htm
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), assim como a Secretaria de Direitos Humanos e a Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial.

No ano seguinte à criação da SPM, em 2004, um processo participativo envolveu mais de 120 mil mulheres na construção da 1ª Conferência Nacional de Políticas para as Mulheres (CNPM), que resultou no 1º Plano Nacional de Políticas para as Mulheres (PNPM) (Secretaria Especial de Políticas para Mulheres, 2011Secretaria Especial de Políticas para Mulheres. (2011). Política Nacional de Enfrentamento à Violência contra as Mulheres. Presidência da República.). Em 2007, foi realizada a 2º Conferência, com a participação de 200 mil mulheres, procedendo o 2º PNPM; e, por último, em 2011, aconteceu a 3ª CNPM e criou-se o 3º Plano Nacional em 2013 (Secretaria Especial de Políticas para Mulheres, 2013Secretaria Especial de Políticas para Mulheres. (2013). III Plano Nacional de Políticas para as Mulheres. Presidência da República.).

Durante esse período, concretizou-se uma das maiores conquistas no cenário brasileiro de proteção aos direitos humanos das mulheres: foi promulgada a Lei nº 11.340 (2006), conhecida como Lei Maria da Penha. De caráter protetivo, essa Lei tem como objetivo coibir e prevenir a violência doméstica e familiar contra as mulheres brasileiras. A Lei Maria da Penha também caracteriza os diversos tipos de violência que podem acometer as mulheres em razão de seu gênero feminino, como as violências físicas, psicológicas, sexuais, patrimoniais e morais.

Em 2007, foi criado o Pacto Nacional pelo enfrentamento à violência contra as mulheres, que contou com o desenvolvimento e a integração dos serviços voltados a mulheres em situação de violência. Além disso, em 2015, o feminicídio - homicídio qualificado cometido contra mulheres em razão da condição do sexo feminino - foi incluído no rol de crimes hediondos da Constituição Federal Brasileira de 1988, pela Lei nº 13.104 (2015Lei n. 13.104, de 9 de março de 2015. Altera o art. 121 do Decreto-Lei n. 2.848, de 7 de dezembro de 1940 - Código Penal, para prever o feminicídio como circunstância qualificadora do crime de homicídio. Diário Oficial da União. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/L13104.htm
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).

Todavia, em 2016, em meio ao processo de impeachment, a ex-presidenta Dilma Rousseff assinou a Lei nº 13.266 (2016aLei n. 13.266, de 5 de abril de 2016. (5 abr. 2016). Extingue e transforma cargos públicos. Diário Oficial da União. https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2016/lei/l13266.htm
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), alterando a Lei 10.683/2003, extinguindo a SPM e transformando-a no Ministério das Mulheres, da Igualdade Racial, da Juventude e dos Direitos Humanos, de acordo com o Art. 3º. Entretanto, apenas cinco meses após a criação desse Ministério, o ex-presidente interino Michel Temer o extingue e o insere no novo Ministério da Justiça e Cidadania, de acordo com a Lei nº 13.341 (2016Lei n. 13.341, de 29 de setembro de 2016. (29 set. 2016). Altera as Leis n. 10.683, de 28 de maio de 2003, que dispõe sobre a organização da Presidência da República e dos Ministérios. Diário Oficial da União. https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2016/lei/l13341.htm
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). Somente em 2017, o ex-presidente interino remove as Políticas para as Mulheres do Ministério da Justiça e Cidadania e cria a Secretaria Nacional de Políticas para Mulheres como parte da Secretaria de Governo da Presidência da República (Lei n. 13.502, 2017Lei n. 13.502, de 1º de novembro de 2017. (1 nov. 2017). Estabelecia a organização básica dos órgãos da Presidência da República e dos Ministérios. Diário Oficial da União. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2017/Lei/L13502.htm
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).

Atualmente, as legislações apresentadas foram revogadas, entrando em vigência a Lei nº 13.844 (2019Lei n. 13.844, de 18 de junho de 2019. (18 jun. 2019). Estabelece a organização básica dos órgãos da Presidência da República e dos Ministérios. Diário Oficial da União. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2019/lei/L13844.htm
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), assinada pelo atual presidente do Brasil, Jair Bolsonaro, que retomou o caráter ministerial das Políticas para as Mulheres com o Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos. A partir de então, o Ministério passou a contar com um departamento específico de combate à violência contra as mulheres, de acordo com o Decreto-Lei nº 10.174 (2019Decreto-Lei n. 10.174, de 13 de dezembro de 2019. (13 dez. 2019). Aprova a estrutura regimental e o quadro demonstrativo dos cargos em comissão e das funções de confiança do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos. Diário Oficial da União. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2019-2022/2019/Decreto/D10174.htm#art8
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).

A Psicologia diante da realidade brasileira: o projeto ético-político da profissão

Por meio do processo de modernização ocorrido no Brasil nas décadas de 1950 e 1960, os saberes técnicos foram convocados para o desenvolvimento de práticas sociais a serviço dos grupos mais privilegiados, a chamada “elite brasileira”. Bastos, Yamamoto e Rodrigues (2013Bastos, A. V. B., Yamamoto, O. H., & Rodrigues, A. C. A. (2013). Compromisso social e ético: Desafios para a atuação em psicologia organizacional e do trabalho. In L. D. O. Borges & L. Mourão, O trabalho e as organizações: Atuações a partir da psicologia. SBPOT.) recordam que os campos profissionais são criados, desenvolvidos e moldados por seus agentes, historicamente, expressando uma profunda relação entre a sociedade e as práticas profissionais nela existentes. Desse modo, desde a regulamentação da Psicologia no Brasil por meio da Lei nº 4.119 (1962Lei n. 4.119, de 27 de agosto de 1962. (27 ago. 1962). Dispõe sobre os cursos de formação em psicologia e regulamenta a profissão de psicólogo. Diário Oficial da União. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/1950-1969/l4119.htm
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/lei...
), a formação em Psicologia manteve uma tendência privatista, oriunda da sociedade moderna elitista, destinada aos interesses da lógica do mercado de trabalho, ao mesmo tempo em que a representação social da categoria profissional construída foi o da figura da(o) psicóloga(o) clínica(o) e liberal, de consultório particular (Lisboa & Barbosa, 2009Lisboa, F. S., & Barbosa, A. J. G. (2009). Formação em psicologia no Brasil: Um perfil dos cursos de graduação. Psicologia: Ciência e Profissão, 29(4), 718-737.).

Todavia, a partir da década de 1970, a Psicologia brasileira passou a se organizar em espaços decisórios democráticos e, em 1971, foi criado o Sistema Conselhos - que engloba o Conselho Federal de Psicologia (CFP) e os demais Conselhos Regionais de Psicologia (CRP) - pela Lei nº 5.766Lei n. 5.766, de 20 de dezembro de 1971. (20 dez. 1971). Cria o Conselho Federal e os Conselhos Regionais de Psicologia e dá outras providências. Diário Oficial da União. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l5766.htm
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/lei...
e regulamentado pelo Decreto nº 79.822Decreto-Lei n. 79.822, de 17 de junho de 1979. (17 jun. 1979). Regulamenta a Lei n. 5.766, de 20 de dezembro de 1971, que criou o Conselho Federal e os Conselhos Regionais de Psicologia e dá outras providências. Diário Oficial da União. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1970-1979/D79822.htm
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/dec...
, em 1979. Um dos principais objetivos estabelecidos pela autarquia está descrito no Art. 3º do citado decreto, a saber: “o Conselho Federal de Psicologia tem por finalidade orientar, supervisionar e disciplinar o exercício da profissão de psicólogo, em todo o território nacional”. Nesse cenário, o CFP representa o órgão central do Sistema Conselhos e é a instância máxima de orientação aos CRP e à classe profissional de psicólogas(os). No que se refere à organização participativa e democrática da categoria profissional na construção e deliberação de diretrizes orientadoras ao Sistema Conselhos, em 1994, foi realizado o 1º Congresso Nacional da Psicologia, intitulado Processo Constituinte: Repensando a Psicologia e, por meio da decisão de aproximadamente 150 profissionais, foi aprovado o funcionamento democrático e participativo das decisões do Sistema. Após o 2º CNP, em 1996, foi instituída a Assembleia de Políticas, da Administração e das Finanças (Apaf), que é o órgão deliberativo e responsável pelo processo de prestação de contas da autarquia. Em dezembro de 2005, a Apaf foi responsável por criar o Centro de Referência Técnica em Psicologia e Políticas (Crepop), instituição incumbida pela qualificação técnica do profissional de Psicologia que atua nas Políticas Públicas.

Os cadernos deliberativos representam a sistematização do conjunto de diretrizes aprovadas nos CNP para o triênio de atuação do Sistema Conselhos. O conjunto de diretrizes aprovadas define o direcionamento das ações políticas que orientam, fiscalizam e normatizam o exercício profissional da Psicologia prestado à população civil brasileira, por meio do Sistema Conselhos, que engloba o CFP como instância máxima deliberativa e os demais Conselhos Regionais.

O processo de construção das diretrizes envolve a participação de um grande número de psicólogas(os) por todo o país. Esse caminho se inicia nos eventos preparatórios seguidos pelos eventos pré-congressuais, em que são eleitas(os) delegadas(os) para os Congressos Regionais da Psicologia (Corep), que são os espaços onde são votados e eleitos os delegados representantes para o Congresso Nacional. Este se configura como palco para a eleição das chapas que constituirão os Conselhos Regionais e Federal da Psicologia, para a gestão da área profissional no próximo período de três anos, cujo objetivo é discutir e debater as propostas temáticas e teses encaminhadas pelos representantes dos Conselhos e Congressos Regionais.

Desse modo, um novo projeto ético-político tem sido construído pela Psicologia desde o começo da década de 1990 e foi intitulado de “Compromisso Social da Psicologia” (Bastos et al., 2013Bastos, A. V. B., Yamamoto, O. H., & Rodrigues, A. C. A. (2013). Compromisso social e ético: Desafios para a atuação em psicologia organizacional e do trabalho. In L. D. O. Borges & L. Mourão, O trabalho e as organizações: Atuações a partir da psicologia. SBPOT.). O “compromisso social” teve como propósito transformar os alicerces do projeto ético-político da Psicologia construídos até então no Brasil, ao ter como principais focos as demandas emergentes da maioria da população, a constante inserção e participação da Psicologia nas Políticas Públicas, a ética na sociedade moderna e a garantia e defesa dos Direitos Humanos (Bastos et al., 2013Bastos, A. V. B., Yamamoto, O. H., & Rodrigues, A. C. A. (2013). Compromisso social e ético: Desafios para a atuação em psicologia organizacional e do trabalho. In L. D. O. Borges & L. Mourão, O trabalho e as organizações: Atuações a partir da psicologia. SBPOT.; Bock, 2008Bock, A. M. B. (2008). O compromisso social da psicologia: Contribuições da perspectiva sócio-histórica. Revista Psicologia em foco, 1(1), 1-5.).

Nesse sentido, para Martín-Baró (1996Martín-Baró, I. (1996). O papel do psicólogo. Estudos de Psicologia, 2(1), 27-29.), o papel da psicologia deveria ser o de se contrapor às compreensões e atuações baseadas em aspectos biológicos ou sistêmicos, para que não permaneça a conivência da área com considerações individualizantes em torno dos fenômenos sociais, como o caso da violência. Lawthom (1999Lawthom, R. (1999). Using the “F” word in organizational psychology: Foundations for critical feminist research. Annual review of Critical Psychology, 1, 65-78.) converge com o posicionamento do psicólogo salvadorenho ao defender uma postura crítica da Psicologia que seja contrária à Psicologia hegemônica e elitista, que se expressou, em linhas gerais, como positivista, empirista, apolítica, não dinâmica e individualista. Ao pregar princípios de neutralidade e objetividade, a Psicologia acabou por marginalizar os múltiplos aspectos que constituem os indivíduos, deixando de lado os determinantes sociais, econômicos e políticos (Timm, Pereira, & Contijo, 2011Timm, F. B.; Pereira, O. P., & Gontijo, D. C. (2011). Psicologia, violência contra mulheres e feminismo: Em defesa de uma clínica política. Revista Psicologia Política, 11(22), 247-259.).

Desse modo, Saffioti (2004/2015Saffioti, H. I. B. (2015). Gênero, patriarcado, violência (2a ed.). São Paulo: Expressão Popular. (Trabalho original publicado em 2004)) aponta que o discurso de neutralidade científica desconsidera o comprometimento político-ideológico existente nas ciências, fruto de construções históricas, políticas e sociais. Portanto a autora considera que a produção intelectual acadêmica ocidental corre o risco de se manter como instrumento a serviço dos interesses do sistema capitalista global, na reprodução ideológica de relações sociais baseadas pela lógica dominante. No caso das mulheres, essa ideologia reproduzida nas relações é ainda mais problemática, devido à manutenção patriarcal das condições desiguais de gênero.

Posto isso, Lisboa e Barbosa (2009Lisboa, F. S., & Barbosa, A. J. G. (2009). Formação em psicologia no Brasil: Um perfil dos cursos de graduação. Psicologia: Ciência e Profissão, 29(4), 718-737.) pontuam o profundo abismo existente entre a formação acadêmica e a atividade profissional exercida nos diversos contextos de trabalho, tendo em vista o distanciamento entre essas esferas diante da realidade social e das demandas emergentes da sociedade brasileira, apesar da construção desse novo projeto ético-político na Psicologia. Contudo o objetivo deste trabalho foi identificar e discutir essas diretrizes políticas da Psicologia, que refletem o novo projeto ético-político da profissão no que diz respeito à violência contra as mulheres.

Caminho metodológico

A construção de um método científico requer um trabalho sistemático a ser percorrido em direção ao objetivo da pesquisa, a fim de garantir o rigor científico próprio do âmbito das ciências (Campos, 2010Campos, C. J. G. (2010). Metodologia qualitativa e método clínico-qualitativo: Um panorama geral de seus conceitos e fundamentos. Anais do II Seminário Internacional de Pesquisa e Estudos Qualitativos. Sociedade de Estudos e Pesquisas Qualitativos.). Para Paulo Netto (2011Paulo Netto, J. (2011). Introdução ao estudo do método de Marx. Expressão Popular.), o método de pesquisa deve servir de instrumento ao alcance da essência do objeto para além de sua aparência. O papel da(o) pesquisador(a), nesse sentido, é reproduzir a estrutura e dinâmica do movimento real do objeto de estudo, por meio da construção dialética do conhecimento.

No que se refere à técnica de análise de conteúdo, para Gibbs (2009Gibbs, G. (2009). Análise de dados qualitativos. Artmed.), ela pode ser utilizada para: 1) análise da história de indivíduos e/ou grupos; 2) observação de um fenômeno; e 3) investigação de documentos e/ou materiais textuais. Caregnato e Mutti (2006Caregnato, R. C. A., & Mutti, R. (2006). Pesquisa qualitativa: Análise de discurso versus análise de conteúdo. Texto & Contexto - Enfermagem, 15(4), 679-84.), Gibbs (2009Gibbs, G. (2009). Análise de dados qualitativos. Artmed.) e Pádua (2012Pádua, E. M. M. (2012). Análise de conteúdo, análise de discurso: Questões teórico-metodológicas. Revista de Educação, (13), 21-30.) apontam convergência na concepção das etapas centrais do procedimento de análise de conteúdo: 1) a pré-análise é definida como o primeiro contato com os documentos a serem analisados por meio da leitura integral e sua posterior descrição; 2) a codificação corresponde à etapa da exploração, organização e sistematização do material em categorias temáticas; e 3) a interpretação envolve a descrição sistemática e analítica do material em relação ao delineamento teórico-metodológico da pesquisa.

Desse modo, o procedimento metodológico de análise de conteúdo se caracterizou em três etapas divididas em dois momentos temporais 2016 e 2020, sendo elas: a) pré-análise - leitura integral das fontes de informações, ou seja, dos cadernos deliberativos dos CNP; b) codificação - elaboração de categorias temáticas e sistematização; e c) interpretação - articulação dos resultados e discussão. Os dois momentos distintos de análise ocorreram pela necessidade de atualizar a pesquisa desenvolvida por meio do software Atlas.ti2 2 O Atlas.ti é um software de organização de dados qualitativos desenvolvido em 1989 na Alemanha por Thomar Mur. Mais informações em https://atlasti.com. , que proporciona maior rigor à análise frequencial qualitativa realizada manualmente pelo(a) pesquisador(a). Os critérios de inclusão das categorias violência, mulher e gênero foram determinados a fim de observar o conteúdo relevante à discussão em torno da categoria violência em relação às mulheres, por isso foi escolhida a categoria mulher e, também, utilizou-se a categoria gênero, pois, como apontado por Scott (1995Scott, J. (1995). Gênero: Uma categoria útil de análise histórica. Educação & Realidade, 20(2), 71-99.) e Saffioti (2004/2015Saffioti, H. I. B. (2015). Gênero, patriarcado, violência (2a ed.). São Paulo: Expressão Popular. (Trabalho original publicado em 2004)), a palavra “gênero” foi utilizada como substitutivo à palavra “mulher” na área de produção científica. Por isso, os critérios de exclusão caminharam no mesmo sentido, as diretrizes que não articulam as duas categorias, violência e gênero ou violência e mulher, não foram alvos de destaque nesse momento, na análise interpretativa das fontes de informações. A finalidade da escolha dessas categorias de análise foi explorar o conteúdo dos Cadernos de Deliberação, produzidos pelo Sistema Conselhos, quanto à atuação profissional diante do fenômeno da violência contra mulheres, tendo em vista a ausência de referenciais teórico-metodológicos no processo de formação superior em Psicologia, na época da realização da pesquisa, em 2016.

Posto isso, a primeira etapa de análise se constituiu da leitura integral e orientada do conteúdo manifesto dos dez cadernos deliberativos, de 1994 a 2019. A segunda etapa do procedimento metodológico teve como objetivo identificar a frequência das categorias temáticas elencadas no conteúdo manifesto dos dez cadernos deliberativos investigados. O procedimento utilizado foi a verificação do número de repetições das palavras violência, mulher e gênero em cada caderno de deliberação. Por último, o terceiro passo metodológico foi discutir a descrição dos dados sistematizados e a respectiva análise interpretativa temática. A seguir, vamos observar de que modo as categorias violência, mulher e gênero aparecem nas diretrizes políticas deliberadas trienalmente nos CNP por meio do conteúdo manifesto do conjunto de diretrizes orientadoras do Sistema Conselhos.

Resultados e discussão

A síntese dos temas e eixos debatidos nos dez Congressos Nacionais da Psicologia, de 1994 a 2019, aparece descrita no Quadro 1.

Quadro 1
Histórico dos temas e eixos temáticos dos CNP do período de 1994 a 2019.

Somente a partir do 3º CNP, Psicologia: Interfaces - políticas públicas e globalização, foi possível observar o início do debate, ainda incipiente, sobre as categorias relacionadas às questões de violência, mulher e gênero. Uma das diretrizes aprovadas no subeixo Direitos Humanos e Cidadania no Congresso Nacional, realizado em 1998, refere-se à necessidade de debater a violência contra mulheres:

O Conselho Federal e os Regionais de Psicologia devem implementar um eixo de trabalho, assim como participar efetivamente dos Fóruns que tratam em nível nacional e regional de temas relativos à: pobreza, prostituição infantil, trabalho infantil, violência contra a mulher, exclusão do doente mental, violência no campo, crianças em situação de risco, portadores de deficiência e terceira idade. E, transformar essa participação em políticas e diretrizes de ação (Conselho Federal de Psicologia, 1998Conselho Federal de Psicologia. (1998). Psicologia: Interfaces, políticas públicas, globalização. Caderno de Deliberações. CFP. https://online.unisc.br/acadnet/anais/index.php/jornada_psicologia/article/download/17606/4484
https://online.unisc.br/acadnet/anais/in...
, p. 23, grifo nosso).

De acordo com o procedimento metodológico de identificação e categorização temática dos conteúdos manifestos, do total de 2.405 diretrizes e 158 moções aprovadas nos dez cadernos deliberativos de 1994 a 2019, foi possível identificar a frequência de citações às categorias violência, mulher e gênero, como mostra o Gráfico 1.

Gráfico 1
Diretrizes identificadas com as categorias violência, mulher e/ou gênero nos Congressos Nacionais da Psicologia de 1994 a 2019.

Na investigação dos Cadernos de Deliberação, no que diz respeito à inserção da(o) psicóloga(o) nas políticas governamentais, foi possível observar que, por meio das diretrizes políticas correspondentes ao 5º CNP - Protagonismo Social da Psicologia (2004), foi implementado o Crepop (http://crepop.pol.org.br/novo/conheca-o-crepop). A criação deste órgão institucional da Psicologia foi fruto de um intenso debate construído pelo Sistema Conselhos, por meio do processo democrático com a categoria profissional e os conselhos regionais, que envolveu os eventos preparatórios, os eventos pré-congressuais e os congressos regionais até a realização trienal do Congresso Nacional (Pinheiro, 2004Pinheiro, M. (2004). Notícia: V congresso nacional da psicologia: Protagonismo social da psicologia. Psicologia: Teoria e Pesquisa, 20(1), 89-90.). O principal objetivo do Crepop, desde então, foi qualificar a inserção e a atuação da(o) psicóloga(o) nas políticas públicas brasileiras e produzir documentos e referências técnicas que orientem a atuação profissional no contexto das políticas públicas e, consequentemente, das políticas públicas para as mulheres.

Entretanto, foi a partir do 6º CNP Do discurso do Compromisso Social à produção de referências para a prática: construindo o projeto coletivo para a profissão, em 2007, que aumentou consideravelmente esse debate nas diretrizes, fato esse que acompanha o período de implantação da Lei Maria da Penha (Lei n. 11.340, 2006Lei n. 11.340 de 7 de agosto de 2006. (7 ago. 2006). Cria mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher. Diário Oficial da União. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2006/lei/l11340.htm
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_at...
).

Desse modo, na esfera jurídica, a Lei nº 11.340 (2006Lei n. 11.340 de 7 de agosto de 2006. (7 ago. 2006). Cria mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher. Diário Oficial da União. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2006/lei/l11340.htm
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_at...
) garantiu consideráveis avanços na proteção e garantia de direitos às mulheres brasileiras. Em seu Art. 6º, é descrito que “a violência doméstica e familiar contra a mulher constitui uma das formas de violação dos direitos humanos”. E, no 2º capítulo da referida lei, no Art. 7º, são descritas as formas de violência que acometem as mulheres: a violência física, sexual, psicológica, moral e patrimonial, assim como a inserção do profissional de Psicologia na equipe de atendimento à mulher em situação de violência. Observe o 5º parágrafo, que dispõe sobre a equipe de atendimento multidisciplinar, no Art. 29º:

Os Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher que vierem a ser criados poderão contar com uma equipe de atendimento multidisciplinar, a ser integrada por profissionais especializados nas áreas psicossocial, jurídica e de saúde.

Todavia, foi no 8º caderno Psicologia, ética e cidadania: práticas profissionais a serviço da garantia de direitos em que o uso de uma escrita gendrada - baseada na questão de gênero, como aponta o caderno deliberativo - passou a constar no conjunto de sistematização das diretrizes, tendo em vista que a relevante maioria da categoria profissional de psicólogas(os) é composta por indivíduos do gênero feminino (Conselho Federal de Psicologia, 2013Conselho Federal de Psicologia. (2013). Psicologia, ética e cidadania: Práticas profissionais a serviço da garantia de direitos. Caderno de Deliberações. CFP. Recuperado de https://site.cfp.org.br/wp-content/uploads/2013/08/MinutaCadernodelibera%C3%A7oes14.08.pdf
https://site.cfp.org.br/wp-content/uploa...
). Veja o trecho a seguir, retirado do 3º eixo, do 8º CNP, a Ampliação da participação da Psicologia e sociedade nas Políticas Públicas, do subeixo Políticas Públicas - Gênero, localizado nas das diretrizes políticas do 8º caderno deliberativo:

Que o Sistema Conselhos estimule a inserção e permanência da discussão de gênero e diversidade sexual no âmbito da categoria, incentivando a participação da Psicologia nas discussões sobre mídia, violência simbólica, saúde mental e empoderamento das mulheres, inserindo o Sistema em conjunto com outras entidades e movimentos sociais no desenvolvimento de ações de viabilização das mulheres, de prevenção e erradicação, enfrentamento ao tráfico de pessoas e às diversas formas de violência e de violações de direitos (Conselho Federal de Psicologia, 2013Conselho Federal de Psicologia. (2013). Psicologia, ética e cidadania: Práticas profissionais a serviço da garantia de direitos. Caderno de Deliberações. CFP. Recuperado de https://site.cfp.org.br/wp-content/uploads/2013/08/MinutaCadernodelibera%C3%A7oes14.08.pdf
https://site.cfp.org.br/wp-content/uploa...
, p. 53).

Em 2011, o CRP-SP lançou a coletânea Psicologia, violência e direitos humanos, fruto de um trabalho de quatro anos, iniciado pela comemoração aos 60 anos da Declaração dos Direitos Humanos de 1948. De acordo com Sposito (2011Sposito, S. E. (2011). Notas sobre psicologia e direitos humanos no âmbito do Conselho Regional de Psicologia de São Paulo. In K. M. Dotto, P. C. Endo, & S. Elana (Orgs.), Psicologia, violência e direitos humanos (pp. 15-21). CRP-SP.), a relevância do debate entre Psicologia e Direitos Humanos se deu no campo ético-político e foi legitimada por meio dos princípios dispostos no Código de Ética do Psicólogo em 1987. Foi criada, em 1998, a Comissão de Direitos Humanos pelo Conselho Federal de Psicologia. Como bem pontuado pela autora, a implementação de diretrizes ético-políticas, que regulamentam e orientam a Psicologia, não são suficientes para o impedimento de ações de conivência e naturalização de violências e violações de direitos por parte das(os) psicólogas(os). Por isso é necessário o diálogo da Comissão de Direitos Humanos com um órgão de fiscalização profissional, no caso, a Comissão de Orientação e Fiscalização (COF) do Conselho Federal de Psicologia.

De acordo com Saffioti (2001Saffioti, H. I. B. (2001). Contribuições feministas para o estudo da violência de gênero. Cadernos Pagu, (16), 115-136., 2004/2015Saffioti, H. I. B. (2015). Gênero, patriarcado, violência (2a ed.). São Paulo: Expressão Popular. (Trabalho original publicado em 2004)), a violência de gênero é a categoria social mais ampla entre os diferentes tipos de violência, pois se refere às relações entre todos os gêneros, como, por exemplo, homem-homem, mulher-homem etc. Logo o conceito descritivo da categoria gênero não trata somente da violência cometida contra as mulheres, e ela, por si, só pode não explicitar a desigualdade de poder entre homens e mulheres existentes em uma sociedade patriarcal. Por isso, retomamos o que versa Scott (1995Scott, J. (1995). Gênero: Uma categoria útil de análise histórica. Educação & Realidade, 20(2), 71-99.) sobre a importância da categoria gênero, assim como as categorias mulher e violência serem acompanhadas de fundamentos teóricos e históricos, de modo a significar conceitos que possam ser utilizados abstratamente.

Acreditamos que a publicação do documento Referências técnicas para atuação de psicólogas(os) em Programas de Atenção à Mulher em situação de Violência (Centro de Referência Técnica em Psicologia e Política Pública, 2013Centro de Referência Técnica em Psicologia e Política Pública. (2013b). Referências técnicas para atuação de psicólogas(os) em programas de atenção à mulher em situação de violência. CFP. http://crepop.pol.org.br/novo/cat/publicacoes/referencias-tecnicas
http://crepop.pol.org.br/novo/cat/public...
) serviu a esse propósito diante da necessidade de discutir e qualificar a atuação da Psicologia diante do fenômeno. A elaboração desse marco técnico foi fruto de uma consulta pública, entre o período de 15 de dezembro de 2011 a 15 de fevereiro de 2012, realizada a partir da experiência de 103 psicólogas(os) que atuavam em programas de atenção à mulher em situação de violência. De acordo com as Referências Técnicas:

A temática sobre atenção à mulher em situação de violência emergiu como tema de investigação do Crepop no VI Congresso Nacional de Psicologia - CNP devido à necessidade de fomentar a discussão sobre gênero e oferecer atendimento especializado da Psicologia nos diferentes fenômenos de violência. Além disso, havia o grande debate acerca da implementação de programas de proteção à mulher em virtude da aprovação da Lei Maria da Penha. (Centro de Referência Técnica em Psicologia e Política Pública, 2013Centro de Referência Técnica em Psicologia e Política Pública. (2013b). Referências técnicas para atuação de psicólogas(os) em programas de atenção à mulher em situação de violência. CFP. http://crepop.pol.org.br/novo/cat/publicacoes/referencias-tecnicas
http://crepop.pol.org.br/novo/cat/public...
, p. 22)

Nesse documento de orientação à categoria profissional, há ênfase na dimensão ético-política envolvida diante do fenômeno de violência contra as mulheres, assim como um aprofundamento conceitual-teórico sobre a categoria gênero enquanto categoria de análise, a partir de três autoras principais citadas: Joan Scott, Lia Zanotta Machado e Heleith Saffioti (Centro de Referência Técnica em Psicologia e Política Pública, 2013Centro de Referência Técnica em Psicologia e Política Pública. (2013b). Referências técnicas para atuação de psicólogas(os) em programas de atenção à mulher em situação de violência. CFP. http://crepop.pol.org.br/novo/cat/publicacoes/referencias-tecnicas
http://crepop.pol.org.br/novo/cat/public...
).

Como podemos observar, as categorias elencadas foram identificadas na maior parte dos conteúdos das diretrizes produzidas pela categoria profissional de psicólogas. Assim como é perceptível que as políticas para mulheres têm sido pauta das agendas governamentais no Brasil, seja por meio de Secretarias ou Ministérios, na formulação, implementação e avaliação dessas políticas e legislações. Por isso é importante destacar que a cada novo governo eleito, assim como a cada nova chapa eleita para compor CFP, observa-se como os compromissos ético-políticos em relação a essas categorias podem mudar. No caso das políticas governamentais, por exemplo, no atual governo, criou-se o Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos e um ataque ao conceito de gênero, em especial nas agendas educacionais. De acordo com Miguel (2016Miguel, L. (2016). Da “doutrinação marxista” à “ideologia de gênero” - Escola Sem Partido e as leis da mordaça no parlamento brasileiro. Revista Direito e Práxis, 7(3), 590-621. https://doi.org/10.12957/dep.2016.25163
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), há um crescente avanço conservador em diversas esferas da sociedade e, principalmente, desde 2010, na política brasileira marcada pelo fundamentalismo religioso. Para o autor: “Embora a sensibilidade em relação à igualdade de gênero tenha se tornado transversal a muitas políticas governamentais a preocupação central dos conservadores religiosos é com a educação (e, em menor medida, com os meios de comunicação de massa)” (Miguel, 2016Miguel, L. (2016). Da “doutrinação marxista” à “ideologia de gênero” - Escola Sem Partido e as leis da mordaça no parlamento brasileiro. Revista Direito e Práxis, 7(3), 590-621. https://doi.org/10.12957/dep.2016.25163
https://doi.org/10.12957/dep.2016.25163...
, p. 599).

Nesse sentido, há uma defesa pelas pautas das “mulheres”, mas de modo a reforçar os papeis tradicionais de gênero que colocam as mulheres e a população LGBTQIA+3 3 A sigla LGBTQIA+ significa lésbicas, gays, bissexuais, trans e travestis, queer, intersexuais e assexuais; e + é uma abreviação a tantas outras categorias, como Pansexuais etc. em posição de desigualdade na sociedade e em situação de uma violência estrutural legitimada pelo próprio Estado. Um dos principais movimentos, além de setores religiosos conservadores evangélicos e católicos, é o Movimento Escola Sem Partido (Mesp), fundado em 2014, que afirma combater a ideologização da educação e garantir o papel da família tradicional. Na eleição do CFP, observamos, em 2019, o avanço dessas posições conservadoras na disputa eleitoral, por meio da defesa de práticas como a “cura gay”, reafirmando papéis conservadores de gênero e heteronormativos.

Em suma, concluímos que não basta apenas tratar de violência, mulher ou gênero, é preciso resgatar a historicidade dessas categorias e compreender o projeto ético-político que as subsidia. Se na década de 1980 o conceito de gênero era mais bem aceito nos estudos acadêmicos, atualmente ele é visto como uma ameaça aos setores políticos mais conservadores que estão no poder do Estado. Percebemos, nesse sentido, que o debate sobre violência contra as mulheres nos Cadernos Deliberativos do Sistema Conselhos avança nas diretrizes políticas de orientação em relação à atuação da psicologia brasileira, o que expressa seu compromisso ético-político a partir da perspectiva da centralidade da emancipação política. Baima analisa esse processo no desenvolvimento histórico da psicologia comunitária, no período após a redemocratização do país na década de 1990, intitulando-o de “inflexão política conservadora”, pois a psicóloga considera que houve o “abandono de uma perspectiva revolucionária, com horizonte na emancipação humana, em nome da perspectiva da emancipação política” (Baima, 2019Baima, L. S. (2019). Psicologia e luta de classes no Brasil: Uma análise histórica da inflexão política da psicologia comunitária [Tese de doutorado, Pontifícia Universidade Católica de Campinas]., p. 242). Desse modo, a centralidade política tomou o lugar da perspectiva da totalidade da questão social, operando assim mediante determinados grupos sociais considerados vulneráveis e excluídos socialmente. Silvia Federici (2019Federici, S. (2019). O ponto zero da revolução: Trabalho doméstico, reprodução e luta feminista. Elefante.) nos alerta- sobre os perigos dessa perspectiva reformista, pois ela pode mascarar a realidade social do sistema capitalista neoliberal:

Existe uma tendência a agrupar os problemas confrontados pelas mulheres em escala mundial dentro das questões de “direitos humanos” e a privilegiar a reforma jurídica como o principal meio de intervenção governamental. Essa abordagem, entretanto, não questiona a ordem econômica internacional, causa fundamental das novas formas de exploração a que as mulheres estão sujeitas (p. 139).

Contudo observamos que o debate de violência contra as mulheres tem sido evidenciado em seu caráter político-jurídico, com o avanço formal de legislações que visam a punição individual dos(as) autores(as) de atos de violência. Todavia não podemos perder o ponto de vista da totalidade do desenvolvimento capitalista neoliberal, em sua lógica global de acumulação imperialista, que utiliza a violência estrutural pela divisão sexual do trabalho, no caso das mulheres, na reprodução social do trabalho doméstico não remunerado.

Considerações finais

Tendo em vista, a violência contra as mulheres como fenômeno perpetuado historicamente e manifesto de diversas maneiras na realidade brasileira, ressaltamos a importância do debate, cada vez mais comprometido da Psicologia, diante desse contexto, não apenas em documentos oficiais, mas, sobretudo, com a participação de todas as profissionais desse sistema, seja pela coerência em suas práticas profissionais e na defesa dos direitos humanos, assim como da construção de uma sociedade humanamente emancipada.

Consideramos que a inserção das perspectivas críticas feministas na produção de conhecimento em psicologia e o diálogo com outras áreas e campos profissionais têm o potencial de romper com o naturalismo biológico de práticas discursivas sobre os indivíduos e coletividades. Assumir esse problema envolve um fazer psicológico contrário ao saber hegemônico desenvolvido na área da Psicologia, na contramão de perspectivas individualizantes e biologizantes sobre os seres humanos. Reforçamos a importância da ampliação do debate sobre a violência contra mulheres na prática profissional da psicologia, na defesa de uma profissão e ciência comprometidas com a diversidade da realidade brasileira e o combate e prevenção de toda e qualquer forma de discriminação e violência. Por último, ressaltamos o potencial das práticas educativas na defesa de uma educação pública e de qualidade que promova a equidade no desenvolvimento humano entre meninas e meninos, como sujeitos de direitos e atuantes na transformação social. Entretanto consideramos indispensável a articulação do fenômeno da violência com os modos de produção capitalista que se sustentam pelo processo histórico e estrutural da divisão sexual do trabalho, que cria barreiras invisíveis à emancipação humana.

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  • 1
    A expressão “sulear” foi utilizada pelo educador popular brasileiro Paulo Freire no livro Pedagogia da esperança (1992Freire, P. (1992). Pedagogia da esperança: um reencontro com a pedagogia do oprimido (8a ed.). Paz e Terra.), em referência à crítica levantada pelo físico Marcio D’Olne Campos em A arte de sulear-se (1991), em relação à expressão “nortear”, que indica que o hemisfério norte estaria acima, envolvendo uma noção de superioridade em comparação ao hemisfério sul.
  • 2
    O Atlas.ti é um software de organização de dados qualitativos desenvolvido em 1989 na Alemanha por Thomar Mur. Mais informações em https://atlasti.com.
  • 3
    A sigla LGBTQIA+ significa lésbicas, gays, bissexuais, trans e travestis, queer, intersexuais e assexuais; e + é uma abreviação a tantas outras categorias, como Pansexuais etc.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    14 Nov 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    20 Abr 2020
  • Aceito
    06 Jul 2021
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