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A “Profecia Cyberpunk”: da Tecnomodernidade Distópica ao Humano-Máquina do Século XXI

The “Cyberpunk Prophecy”: from Dystopian Techno-Modernity to the 21st Century Human-Machine

La “Profecía Ciberpunk”: de la Tecno-Modernidad Distópica a la Máquina Humana del Siglo XXI

Resumo

Buscamos, a partir da revisão teórica em plataformas acadêmicas on-line, apresentar proximidades entre os elementos constituintes da categoria de conhecimento cyberpunk, enfocando sua ficção, e a tecnomodernidade do século XXI, alertando sobre problemáticas decorrentes da dominação tecnológica e do processo de “coisificação” do humano. Para tal empreitada teórica e acessibilidade de leitura, utilizamos exemplos cotidianos e metáforas, elucidando terminologias como ciberespaço, distopia e algoritmos. Concluímos que a antiga ficção cyberpunk “profetizou” quanto à tecnomodernidade que vivenciamos, denunciando a nocividade do uso irrefletido das tecnologias. Também compreendemos que a tecnologia empregada em regimes totalitários guarda semelhanças com a sociedade de controle atual. Podemos, portanto, caminhar para uma sociedade continuamente afirmativa quanto ao avanço tecnológico e seu consumismo, conforme a lógica de maior produção e desempenho, no entanto sem acrescer, necessariamente, ao bem-estar social. Alternativa mais dignificante é trabalharmos nossa potência de negação diante do mau emprego tecnológico, opondo-nos a um presente insustentável e a um futuro mais catastrófico e desigual.

Palavras-chave:
Cyberpunk; Cibercultura; Ciberespaço; Fascismo; Coisificação

Abstract

This work sought, from the theoretical review on online academic platforms, to present the proximity between the constituent elements of the cyberpunk knowledge category, focusing on its fiction components, and the 21st century techno-modernity, warning about problems arising from technological domination and the process of “reification” of the human. For this theoretical endeavor, and for increasing the reading accessibility, we used everyday examples and metaphors, elucidating terminologies, such as cyberspace, dystopia, and algorithms. We concluded that the old cyberpunk fiction “prophesied” about the techno-modernity we experience, denouncing the harmfulness of the thoughtless use of technologies. We also understood that the technology used in fictional totalitarian regimes has similarities with the current control society. Therefore, we can move towards a society that is continually affirmative regarding technological advancement and consumerism, according to the logic of greater production and performance. However, without necessarily adding to social welfare. Thus, a more dignified alternative is to work on the power of negation that the society and the individuals have in the face of bad technological employment, opposing an unsustainable present and a more catastrophic and unequal future.

Keywords:
Cyberpunk; Cyberculture; Cyberspace; Fascism; Reification

Resumen

A partir de una revisión teórica en las plataformas académicas en línea, este trabajo pretende presentar la proximidad entre los elementos constitutivos de la categoría de conocimiento ciberpunk enfocándose en su ficción y la tecno-modernidad del siglo XXI, advirtiendo sobre los problemas derivados de la dominación tecnológica y el proceso de “reificación” de lo humano. Para tal esfuerzo teórico y accesibilidad a la lectura, se utilizan ejemplos y metáforas cotidianas, aclarando terminologías como las de ciberespacio, distopía y algoritmos. Se concluye que la vieja ficción ciberpunk “profetizó” la tecno-modernidad que experimentamos, denunciando la nocividad del uso irreflexivo de las tecnologías. También se pudo comprender que la tecnología utilizada por los regímenes totalitarios ficcionales guarda similitudes con la sociedad de control actual. Por lo tanto, es posible avanzar hacia una sociedad que sea continuamente afirmativa respecto al avance tecnológico y al consumismo, de acuerdo con la lógica de mayor producción y rendimiento. Pero esto no aumenta necesariamente el bienestar social. Una alternativa mejor sería trabajar el poder de negación que tiene nuestra sociedad y sus individuos frente al uso inadecuado de la tecnología, oponiéndonos a un presente insostenible y a un futuro más catastrófico y desigual.

Palabras clave:
Ciberpunk; Cibercultura; Ciberespacio; Fascismo; Cosificación

Introdução

No presente trabalho, apresentamos a categoria de conhecimento intitulada cyberpunk, principalmente quanto subgênero da ficção científica, e sua identificação com a contemporaneidade. Dessa maneira, ponderamos sobre a dominação tecnológica e o fenômeno de coisificação do humano. Por fim, propomos desenvolver uma postura ativa, visando superar estes e outros caracteres futuristas presentes na atualidade.

Cyberpunk: como defini-lo? Filmes como Matrix1 1 Mais sobre o filme em Matrix (1999). https://www.imdb.com/title/tt0133093/ e Blade Runner2 2 Mais sobre o filme em Blade Runner (1982). https://www.imdb.com/title/tt0083658/?ref_=nv_sr_srsg_3 , ou os seriados “Black Mirror”3 3 Mais sobre o seriado em Black Mirror (2011-?). https://www.imdb.com/title/tt2085059/ e “Altered Carbon”4 4 Mais sobre o seriado em Altered Carbon (2018-?). https://www.imdb.com/title/tt2261227/ são exemplares da chamada ficção cyberpunk. Entretanto, para começarmos, é necessário esclarecer que o conceito de cyberpunk não se limita à ficção e ramifica-se em múltiplas vertentes. Kellner (2001Kellner, D. (2001). A cultura da mídia (I. C. Benedetti, Trad.). Edusc. (Trabalho original publicado em 1995)) comenta uma das definições, decompondo o termo em dois: cyber denota a subcultura5 5 Não há uma definição única para o termo subcultura, porém as definições assentem sobre a existência de grupos que contrastam e promovem estranhamento, conforme comportamentos, crenças e valores, diante dee práticas hegemônicas de determinada cultura, sendo que as culturas ou subculturas podem compor o cenário real ou ficcional. http://www.intercom.org.br/papers/nacionais/2007/resumos/R1118-1.pdf. imbuída em alta tecnologia e o punk abarca a brutal vida urbana, entre drogadição, modificações corporais e criminalidade. Sinteticamente, temos a confluência da subcultura altamente tecnológica com “as culturas marginalizadas das ruas” (Kellner, 2001, p. 383). As práticas comuns envolvem a alteração dos sentidos com o uso de drogas e implantes tecnológicos. Lançado em 2021, o jogo eletrônico de gênero RPG intitulado “Cyberpunk 2077” revela a influência das definições superpostas na atual indústria de entretenimento:

Em 2077, a América está arruinada. Megacorporações controlam a vida em todos os aspectos, do topo de seus arranha-céus até as atividades ilícitas que acontecem nas ruas. O mundo entre esses dois extremos é onde a decadência, sexo e a cultura popular se misturam com crimes violentos, pobreza extrema e a promessa inatingível do Sonho Americano (Mattos, 2018Mattos, B. (12 jun. 2018). CD Projekt RED revela sinopse oficial e novas imagens de Cyberpunk 2077. Meu Playstation. https://www.meups4.com.br/noticias/cd-projekt-red-revela-sinopse-oficial-e-novas-imagens-de-cyberpunk-2077/
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).

Ademais, o cyberpunk é uma ampla categoria de conhecimentos, a qual abrange conceitos de artes e ciências, e cuja complexidade engloba sociabilidades incluídas na ficção e fora dela. Em suma, temos particularidades que tipificam um gênero da ficção científica. No entanto, a nascente do termo em análise e seus caracteres mantêm intensa relação com o presente, funcionando, ainda que com hipérboles, como uma caracterização da vida cotidiana. Inicialmente, podemos caracterizar essa categoria pelo massivo uso das tecnologias, sendo estas aqui entendidas como artefatos físicos e virtuais, constantemente aprimorados, a exemplo dos celulares e da internet. Nesse cenário, as máquinas tornam-se uma extensão do humano, ou melhor, uma parte dele, como um órgão imprescindível para sobrevivência e cidadania. Em paralelo com a realidade, observa-se que para a inserção em novos mercados de trabalho, demanda-se acesso à internet, número de WhatsApp e PIX para recebimento do salário. Incluídas nessa composição de elementos, estão diversas expressões artísticas, literárias, cinematográficas e game designs. As subculturas dedicadas ao uso da tecnologia como meio de subversão, tal como os hackativistas e crackers, também compõem a presente categoria. Além disso, reforçando a intersecção entre realidade e ficção, a arte cyberpunk influencia o modo pelo qual nos relacionamos e idealizamos a tecnologia, ou seja, contribui para como concebemos a cibercultura. É demonstrativo como muitos dos dispositivos eletrônicos da atualidade, como nossos celulares, apresentam equivalências em sua forma e funcionamento com as antigas idealizações ficcionais. Buscamos, a título de exemplo, reproduzir a ficção: criar carros que voam e armas que disparam feixes de luz (Amaral, 2006Amaral, A. (2006). Visões perigosas: para uma genealogia do cyberpunk. Revista da Associação Nacional dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação, 20 (2), 1-20. https://doi.org/10.30962/ec.81
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).

Segundo Lévy (1999Lévy, P. (1999). Cibercultura (C. I. Costa, Trad.). Editora 34. (Trabalho original publicado em 1997)), nossas concepções, valores e relações com as tecnologias são modificadas com o crescimento do ciberespaço - um universo virtual produto das extensas redes de telecomunicações, tal qual a principal nesse caso: a internet (Monteiro, 2007Monteiro, S. D. (2007). O ciberespaço: o termo, a definição e o conceito. DataGramaZero, 8(3), 1-18.). Simplifiquemos: vemos que na atualidade temos uma larga relação com redes sociais, tais quais Facebook e Instagram. Essa conexão virtual alterou nossa convivência profundamente: diante de poucos cliques podemos saber o que o outro está fazendo, seus humores - reais ou não - e até mesmo quais são suas preferências na Netflix. Desse modo, contribuímos para a ampliação da cibercultura ao aprofundarmos nossa relação com a tecnologia e o ambiente virtual, tal qual a internet. E mais: somamos para o crescimento do ciberespaço ao alimentá-lo com fotos, comentários, tweets e tantas outras expressões da vida virtual.

O termo cyberspace foi criado por William Gibson, um escritor norte-americano, o qual apresentou em sua produção artística um ambiente fluído, virtual, com inúmeras possibilidades de conexão entre os diferentes seres, incluindo a conectividade com as máquinas (Monteiro, 2007Monteiro, S. D. (2007). O ciberespaço: o termo, a definição e o conceito. DataGramaZero, 8(3), 1-18.). Visando salientar a importância de Gibson e sua ficção cyberpunk, é necessário apontarmos que sua produção permite

A desconstrução das posições nítidas entre literatura e teoria social, mostrando que grande parte da teoria social contém uma visão narrativa do presente do futuro, e que certos tipos de literatura apresentam um mapeamento convincente do ambiente contemporâneo e, no caso, do cyberpunk, das tendências futuras (Kellner, 2001Kellner, D. (2001). A cultura da mídia (I. C. Benedetti, Trad.). Edusc. (Trabalho original publicado em 1995), p. 381).

A produção cyberpunk de William apresenta uma visão de mundo que, intencionalmente ou não, deu indicativos das relações entre sociedade e tecnologia na contemporaneidade. Mesmo que a primeira utilização do termo cyberpunk seja creditada ao escritor Bruce Bethke em 1983, foi Gibson que aprofundou o universo da temática, trazendo uma sociedade profundamente arraigada no virtual, proporcionada pelo interacionismo humano-máquina que causa uma incorporeidade nos sujeitos: vidas em um ambiente virtual, excesso de velocidade e instabilidade físico-moral (Amaral, 2006Amaral, A. (2006). Visões perigosas: para uma genealogia do cyberpunk. Revista da Associação Nacional dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação, 20 (2), 1-20. https://doi.org/10.30962/ec.81
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; Kellner, 2001Kellner, D. (2001). A cultura da mídia (I. C. Benedetti, Trad.). Edusc. (Trabalho original publicado em 1995); Monteiro, 2007Monteiro, S. D. (2007). O ciberespaço: o termo, a definição e o conceito. DataGramaZero, 8(3), 1-18.). No livro “Neuromancer” de Gibson (2003) temos um futuro projetado sobre a base de um “universo abstrato da ‘informação’” (Gibson, 2003, p. 5), ou melhor: “uma representação gráfica de dados abstraídos dos bancos ... de todos os computadores do sistema humano.” (Gibson, 2003, p. 67). Lemos sobre um ambiente imaginário criado pela rede universal de computadores, o qual poderia ser adentrado e possibilitaria a transmissão de informações diretamente para algum computador alvo, seja para um usuário específico ou em grupos. Observa-se, por conseguinte, que a lógica do famoso aplicativo de comunicação WhatsApp tem raízes literárias anteriores ao século XXI (Monteiro, 2007).

O livro de Gibson teve sua primeira edição publicada em 1984, aproximadamente 15 anos após a criação da primeira rede de computadores com a ARPANET, uma comunidade virtual militar (Almeida, 2005Almeida, J. M. F. (2005). Breve história da Internet. https://repositorium.sdum.uminho.pt/bitstream/1822/3396/1/INTERNET.pdf
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). Mesmo sem saber que em 2018, quase 35 anos após a publicação da primeira edição de “Neuromancer”, de acordo com os sites We Are Social e Hootsuite, mais de 4 bilhões de usuários utilizaram a internet ao redor do mundo. Dados recentes do site GlobalWebIndex, apresentados por Kemp (2018Kemp, S. (30 jan. 2018). Digital in 2018: world’s internet users pass the 4 billion mark. We Are Social. https://wearesocial.com/blog/2018/01/global-digital-report-2018
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), explicitam que o usuário médio passa seis horas por dia conectado a serviços e dispositivos continuamente ligados à internet: aproximadamente um terço das vidas ativas, enquanto acordados, conectados ostensivamente à tecnologia. Gibson previu uma realidade similar em sua obra de 1984: a tecnologia como “espinha dorsal” da vida humana.

O fetiche e o habitat dos refugos humanos

Theodor Adorno (1995Adorno, T. W. (1995). Educação e emancipação (W. L. Maar, Trad.). Paz e Terra.), expoente da Escola de Frankfurt, expôs uma realidade enviesada pelo que chamou de “véu tecnológico”: indivíduos profundamente aficionados a técnicas - “meios dirigidos à autoconservação da espécie humana.” (Adorno, 1995, p. 133) -, a ponto de as fetichizar6 6 O conceito de fetiche na sociologia marxista referencia o maior investimento afetivo em objetos inanimados - vide os celulares - em detrimento da vida humana (Feenberg, 2003). , vivendo sob a lógica do “fazer pelo fazer”, repetidamente, em que pouco importa refletir sobre si e a tarefa desempenhada. Levando em conta a influência marxista de Adorno, ampliamos a discussão sobre o fetiche da tecnologia a partir de outro autor que também coaduna com a mesma inspiração: Andrew Feenberg (2003Feenberg, A. (2003). Do essencialismo ao construtivismo: A filosofia da tecnologia numa encruzilhada (N. R. Oliveira, Trad.). EdUFSCar. (Trabalho original publicado em 1999) https://www.researchgate.net/publication/260983394_Do_essencialismo_ao_construtivismo_A_filosofia_da_tecnologia_numa_encruzilhada
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). Este dita que a tecnologia é apresentada aos sujeitos como politicamente neutra, ligada a valores apenas técnicos, embora esteja atrelada também a uma construção histórico-social de dominação.

Na ficção cyberpunk de Bethke (Amaral, 2006Amaral, A. (2006). Visões perigosas: para uma genealogia do cyberpunk. Revista da Associação Nacional dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação, 20 (2), 1-20. https://doi.org/10.30962/ec.81
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) e Gibson (2003Gibson, W. (2003). Neuromancer (2a ed., A. Antunes, Trad.). Aleph. (Trabalho original publicado em 1984)), a realidade é modelada constantemente por meio da tecnologia, e Feenberg (2003Feenberg, A. (2003). Do essencialismo ao construtivismo: A filosofia da tecnologia numa encruzilhada (N. R. Oliveira, Trad.). EdUFSCar. (Trabalho original publicado em 1999) https://www.researchgate.net/publication/260983394_Do_essencialismo_ao_construtivismo_A_filosofia_da_tecnologia_numa_encruzilhada
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) apresenta que o mesmo ocorre para além da ficção. O autor esclarece que a inserção da tecnologia na estrutura da sociedade capitalista modela as relações entre as pessoas. Tomemos como exemplo o uso dos celulares na atualidade e a comunicação facilitada que permitem. A ausência desses artefatos altera substancialmente as nossas possibilidades e relacionamentos, afinal nos servem como “memórias secundárias” - o bloco de notas e agenda -, cartões virtuais, jornais, televisão e até correio.

Para compreender a conexão entre o sistema capitalista e o lidar com a tecnologia, basta pensar no lançamento constante de novos modelos de smartphones. Caso estejamos imersos na ideia de que nossos dispositivos móveis perdem valor quando há o lançamento de um supostamente melhor, nossa relação com o aparelho girará sobre o lampejo da estima e do desprezo, constantemente impelidos a injetar mais capital no ostensivo mercado eletrônico.

Nesse ínterim, o que se dá com os objetos considerados ultrapassados? Bauman (2005Bauman, Z. (2005). Vidas desperdiçadas (C. A. Medeiros, Trad.). Zahar.) apontou que são substituídos e relegados ao descarte. No entanto, há outro problema como consequência do véu tecnológico, que nos contou Adorno (1995Adorno, T. W. (1995). Educação e emancipação (W. L. Maar, Trad.). Paz e Terra.), ou do fetiche da tecnologia, que Feenberg (2003Feenberg, A. (2003). Do essencialismo ao construtivismo: A filosofia da tecnologia numa encruzilhada (N. R. Oliveira, Trad.). EdUFSCar. (Trabalho original publicado em 1999) https://www.researchgate.net/publication/260983394_Do_essencialismo_ao_construtivismo_A_filosofia_da_tecnologia_numa_encruzilhada
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) pontua: tratarmos o humano como mais um objeto, mais uma máquina na linha de produção. Sujeitos à inferiorização e ao desprezo caso não acompanhem o mercado de trabalho, cada vez mais mecanizado e virtualizado. Dessa maneira, são tornadas imprescindíveis, a depender da atividade desempenhada, capacitações para manejo de máquinas e perfis atualizados nas redes sociais.

Vivenciamos uma demanda contínua pela hiperprodutividade, tratando com obrigatoriedade a imersão tecnológica para a manutenção dos sujeitos dentro dos novos mercados de trabalho. Byung-Chul Han (2017Han, B. (2017). Sociedade do cansaço (2a ed., E. P. Gianchini, Trad.). Vozes.) chega a afirmar que no século XXI há sujeitos de produção e desempenho, sob a lógica de que podem sempre ter mais, porém, aqueles sem uma via que os permita se familiarizar com as tecnologias e acompanhar os avanços científico-tecnológicos são empurrados a baixos salários, desemprego e marginalização. Para Han (2017) o cansaço é inerente a esse processo, em que o avanço tecnológico-produtivo nunca permite um basta na angústia humana - o pensador afirma que é necessário enveredar nossa potência na contramão da produção desenfreada.

Rotinas tecnológicas: “bom dia, cyberpunk!”

De modo geral, dispositivos eletrônicos ligados à internet são acessados, movidos e experimentados, atualmente, por mais de 4 bilhões de indivíduos. A zona urbana concentra a maioria dessas tecnologias, principalmente as megacidades metropolitanas. A metrópole, na ficção cyberpunk, é “caótica, sombria, poluída e desorganizada em sua arquitetura gigantesca e claustrofóbica” (Amaral, 2005Amaral, A. (2005). A metrópole e o triunfo distópico: a cidade como útero necrosado na ficção cyberpunk. Intexto, 2 (13), 1-14. https://seer.ufrgs.br/intexto/article/view/4211/4465
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, p. 2), servindo de metáfora para o ciberespaço, espaço de tramas obscuras e bombardeado pela desordem de tantas informações. Deparados com tal distopia, facilmente identificável com a realidade, a humanidade presencia um alerta quanto aos perigos da vida tecnomoderna (Hilário, 2013Hilário, L. C. (2013). Teoria crítica e literatura: a distopia como ferramenta de análise radical da modernidade. Anuário de Literatura, 18 (2), 201-215. http://dx.doi.org/10.5007/2175-7917.2013v18n2p201
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). De volta à ficção, conflitos entre corporações fustigadas sob ditames de poder e dinheiro resultam em desserviços ao bem comum, corroendo diversos seguimentos sociais de modo parasitário. Nesse meio, a tecnologia é desenvolvida ostensivamente e o poder da elite se consolida sobre bases perecíveis: a aquisição material e a exploração humana. O urbano também serve de palco para aqueles à margem da sociedade, em busca de “bicos”, satisfações baratas e expressão do desgosto por via das artes. Não se pense, porém, que apenas as elites fomentam a decadência moral no cenário cyberpunk, pois há aqueles que, em posições menos abastadas, também se comprazem no crime e almejam os altivos condomínios verticais que simbolizam o acúmulo de riquezas. Ainda assim, como ferramenta narrativa-reflexiva, o excedente material não dissipa o tom soturno das personagens. O cyberpunk, enfim, não é apenas sobre o excesso “corrosivo”, mas sobre repensarmos nossas prioridades enquanto indivíduos e sociedade (Amaral, 2005Amaral, A. (2005). A metrópole e o triunfo distópico: a cidade como útero necrosado na ficção cyberpunk. Intexto, 2 (13), 1-14. https://seer.ufrgs.br/intexto/article/view/4211/4465
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).

Observam-se semelhanças da ficção com o atual cenário global a partir dos dados da AFP (“Desigualdades crescem no mundo, especialmente nos Estados Unidos.”, 2017), os quais apresentam que a desigualdade de distribuição de riqueza foi acentuada com o passar dos anos. Em outra via, o colunista Thomas Friedman, do New York Times, exclamou: “A tecnologia está evoluindo mais rápido do que a capacidade humana” (Frabasile, 2018Frabasile, D. (1 mar. 2018). “A tecnologia está evoluindo mais rápido do que a capacidade humana”, diz Friedman. Época Negócios. https://epocanegocios.globo.com/Tecnologia/noticia/2018/03/tecnologia-esta-evoluindo-mais-rapido-do-que-capacidade-humana-diz-friedman.html
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), explicitando que o desenvolvimento social-tecnológico está negativamente descompassado com o desenvolvimento de outras tecnologias físicas - clichê cyberpunk7 7 Uma ferramenta narrativa constantemente empregada na ficção cyberpunk é o descompasso entre o desenvolvimento tecnológico e o bem-estar social — a base: high tech, low life/alta tecnologia, baixa qualidade de vida. : a produção de dispositivos eletrônicos não indica, necessariamente, a melhora da qualidade de vida global.

Portanto, é possível perceber que a ficção cyberpunk esbanja contornos reais em relação ao espectro global, este marcado por desigualdade, mas também pelo avanço da tecnologia, que desempenha importante papel na configuração das vivências tecnomodernas (García, López, & Luján, 1996García, M. I. G., López, C. J. A., & Luján, L. J. L. (Eds.). (1996). Ciencia, tecnologia y sociedad: una introducción al estudio social de la ciencia y la tecnología. Tecnos.). Aliás, salientou Bauman (2005Bauman, Z. (2005). Vidas desperdiçadas (C. A. Medeiros, Trad.). Zahar.) que, a depender do emprego tecnológico, há uma potencialização da degradação social.

Ademais, o que justifica nosso empenho em estudar a tecno-modernidade e suas características lesivas? Leister e Costa (2010Leister, M. A., & Costa, A. (2010). “A banalidade do mal”: uma releitura da expressão criada por Hannah Arendt. Revista Mestrado em Direito, 10 (2), 185-199. http://www.academia.edu/3670369/_A_Banalidade_do_Mal_._Uma_releitura_da_express%C3%A3o_criada_por_Hannah_Arendt
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) trazem que Hannah Arendt, pensadora do século XX, estudou a intitulada “banalidade do mal” - expressão que denota a indiferença de sujeitos quanto às consequências deletérias provocadas por seus comportamentos, afetando o cenário social. Embora Arendt tenha cunhado o termo para designar a indiferença dos nazistas quanto à eliminação categórica de inúmeros judeus, ela mesma apresentou que nasce uma nova “espécie de criminoso”, essa que abarca os indivíduos que, mesmo sem traços de perversão ou sadismo, podem promover atos de extrema violência. Arendt (1999)Arendt, H. (1999). Eichmann em Jerusalém: um relato sobre a banalidade do mal (J. R. Siqueira, Trad.). Companhia das Letras. (Trabalho original publicado em 1963/1964) ao estudar a postura de Eichmann, um dos calamitosos articuladores do holocausto nazista, indicou o ponto fundamental para a existência da banalidade do mal: a ausência de um norteador da existência humana na civilização moderna, um pensamento coerente que escape do vazio desprovido de sentido. Ao tratar sobre a atualidade do pensamento arendtiano, pode-se dizer que ainda resiste algum vazio de pensamento nas sociedades humanas?

Talvez na atualidade pela qual estamos envolvidos, a incapacidade de pensar possa ser encobertada pelas futilidades presentes nas conversas cotidianas, não sendo “conditio sinequa non” seu conluio à incapacidade de falar, todavia esta pode ser evidenciada quando levada ao crivo do senso crítico, o que obviamente revelaria inúmeros partidários do “modus vivendi” eichmanniano (Pereira & Oliveira, 2007Pereira, P. H. S., & Oliveira, J. L. (5 maio 2007). Adolf Eichmann: como pensar sua criminalidade frente à solução final? Consciência.org. http://www.consciencia.org/hanna-arendt-julgamento-caso-adolf-eichmann
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).

A partir da possibilidade de recorrência da banalidade do mal, e do possível aparecimento de novas iniciativas destrutivas, é necessária uma consciência geral, como apresenta Adorno (1995Adorno, T. W. (1995). Educação e emancipação (W. L. Maar, Trad.). Paz e Terra.), visando evitar a reprodução de atos funestos de qualquer natureza. Logo, impõe-se a importância do presente estudo, justificado pela iniciativa de conscientizar sobre a presença massiva dos artifícios tecnológicos, que, caso empregados com hediondez, participarão de processos violentos característicos de sociedades totalitárias (Marcuse & Kellner, 1999Marcuse, H., & Kellner, H. (Eds.). (1999). Tecnologia, guerra e fascismo: coletânea de artigos de Herbert Marcuse (M. C. V. Borba, Trad.). Editora Unesp.). Ainda, a aproximação feita entre tecnomodernidade e ficção cyberpunk visa evidenciar que tal produção ficcional pode ser objeto de análise, indicando características, sintomas e possibilidades sobre a vida humana. Talvez a tecnomodernidade distópica seja o passado redivivo - a antiga ficção - e “o passado de que se quer escapar ainda permanece muito vivo” (Adorno, 1995, p. 29).

A distopia technoir: delineando o controle e a estética

“Por mais curioso e paradoxal, parece que o mais distante é aquilo que está mais próximo do nosso futuro” (Alves, 1987Alves, R. (1987). Conversas com quem gosta de ensinar. Cortez Editora. (Trabalho original publicado em 1987), p. 25).

A estética technoir presente nos filmes do universo cyberpunk, popularizada por longas metragens como o “Blade Runner” de 1982, é sinalizada pelo obscuro urbano, engolfado na criminalidade. Sua característica marcante é a união entre a temática cyberpunk e a produção cinematográfica de clima noir (Amaral, 2005Amaral, A. (2005). A metrópole e o triunfo distópico: a cidade como útero necrosado na ficção cyberpunk. Intexto, 2 (13), 1-14. https://seer.ufrgs.br/intexto/article/view/4211/4465
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, 2006). Rickman (2004Rickman, G. (2004). “I think, Therefore I Am” - Cartesian motifs in the filmed science fiction of Philip K. Dick. In G. Rickman (Ed.), The science fiction film reader (Part 9, pp. 287-311). Limelight.), explanando sobre o technoir, afirma que essa estética crítica revela distopias, alertando sobre as consequências do avanço científico irrefletido.

A estética noir, por sua vez, é caracterizada pela iluminação artificial não apenas nas sequências noturnas, e uma fotografia constantemente contrastada, enfocando a construção de sombras e a claustrofobia dos interiores, como se o teto oprimisse as personagens (Lira, 2008Lira, B. S. (2008). Luz e sombra: uma interpretação de suas significações imaginárias nas imagens do cinema expressionista alemão e do cinema noir americano. [Tese de doutorado, Universidade Federal do Rio Grande do Norte]. Repositório Institucional da Universidade Federal do Rio Grande do Norte. https://repositorio.ufrn.br/jspui/handle/123456789/13678.
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). A união desse traço com a perspectiva tecnológica permite afirmar que, nesse terreno melancolicamente opressor, um dos elementos constituintes do cenário é a onipotência da tecnologia de ponta. Segundo Bukatman (1988Bukatman, S. (1988). Terminal identity: the virtual subject in post-modern science fiction (4a ed.). Duke University Press.), nessa construção geográfica e climática, impera a personagem principal: a própria cidade, onde “a cultura dominante é definida pela acelerada mudança tecnológica, especialmente eletrônica.” (Amaral, 2005Amaral, A. (2005). A metrópole e o triunfo distópico: a cidade como útero necrosado na ficção cyberpunk. Intexto, 2 (13), 1-14. https://seer.ufrgs.br/intexto/article/view/4211/4465
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, p. 8). Mesmo que as temáticas pontuadas confluam com a produção artística, a ficção está relacionada a fenômenos além do imagético: há paralelos com a vida urbana, o uso das tecnologias e o rumo dos movimentos sociais8 8 A difusão das redes sociais e as práticas de hackativismo — forma de protesto que envolve o uso de conhecimentos de computação e a exposição de dados sigilosos, invasão de sites e outras práticas virtuais — delineiam novas possibilidades aos movimentos sociais (Freitas, 2003). . Ou seja, o cyberpunk ficcional, além de ser ambientado em uma subcultura baseada na ficção científica, escapou desse orbe restrito e influenciou a estruturação da sociedade tecnomoderna, sendo também produzido por esta. Em acréscimo, quando se trata do conceito de cyberpunk e suas influências, é necessário trazer o que Deleuze (1992Deleuze, G. (1992). Conversações (P. P. Pelbart, Trad.). Editora 34. (Trabalho original publicado em 1990)) desenvolveu sobre os “conceitos”: aparentemente sólidos e sem pontas soltas, no entanto, maleáveis, provenientes de um intenso jogo de poderes históricos. Por extensão, podemos afirmar que, se a ficção cyberpunk assumiu papel constituinte da tecnomodernidade e se estabelece a partir do avanço tecnológico, há uma influência bilateral. Em outras palavras, a sociedade influencia os universos ficcionais, assim como as ficções influenciam as sociabilidades entre os homens.

Hilário (2013Hilário, L. C. (2013). Teoria crítica e literatura: a distopia como ferramenta de análise radical da modernidade. Anuário de Literatura, 18 (2), 201-215. http://dx.doi.org/10.5007/2175-7917.2013v18n2p201
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) afirma que os pensadores da Escola de Frankfurt defenderam que a estética, principalmente das literaturas - sem necessariamente serem científicas -, permite que estudemos as experiências subjetivas e suas manifestações para além da ficção. Dessa maneira, ao pensar sobre o technoir e sua caracterização distópica, a qual marca presença na literatura, é possível tecer análises sobre a subjetividade contemporânea, bombardeada pelo controle truculento sobre os corpos e suas produções. “Em suma, a narrativa distópica busca chamar nossa atenção para as relações heterônomas entre subjetividade, sociedade, cultura e poder.” (Hilário, 2013, p. 203).

Mas, como definir “distopia”, alicerce de tantas ficções? A partir de Benhabib (2012Benhabib, S. (2012). Utopia e distopia em nossos tempos. Revista Cadernos de Estudos Sociais e Políticos, 1 (2), 1-18. https://www.e-publicacoes.uerj.br/index.php/CESP/article/view/19042
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), a distopia pensada de forma geral é um futuro imagético deteriorado, em que a vida - e a morte - da maior parte da humanidade é assolada pela liberdade cerceada, pelo ostracismo e pela política do ódio e da segregação. A autora exemplifica com o presente:

Se a distopia para os Estados Unidos é a de uma comunidade política militarizada pós-democrática, para a Europa é o crescimento do egoísmo regional e o crescente conflito entre o Norte e o Sul, Leste e Oeste.... A distopia europeia também se manifesta por meio do ódio com relação a estrangeiros, e em particular ao Islã; na crescente marginalização daqueles que não conseguem voltar a entrar no mercado de trabalho (Benhabib, 2012Benhabib, S. (2012). Utopia e distopia em nossos tempos. Revista Cadernos de Estudos Sociais e Políticos, 1 (2), 1-18. https://www.e-publicacoes.uerj.br/index.php/CESP/article/view/19042
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, p. 15).

A pensadora também defende que

Possibilidades distópicas também existem para nações como China, Brasil e Índia...]. Nesses países e em muitos outros, uma elite relacionada mundialmente está isolada - na verdade, protegida - das massas miseráveis por guarda-costas e por uma segurança especial que guarda seus condomínios fechados (Benhabib, 2012Benhabib, S. (2012). Utopia e distopia em nossos tempos. Revista Cadernos de Estudos Sociais e Políticos, 1 (2), 1-18. https://www.e-publicacoes.uerj.br/index.php/CESP/article/view/19042
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, p. 15).

Segundo Kellner (2001Kellner, D. (2001). A cultura da mídia (I. C. Benedetti, Trad.). Edusc. (Trabalho original publicado em 1995)), nessa “distopia concreta” e globalizada, é fomentado o capitalismo tecnológico, em que o maior poder aquisitivo significa mais tecnologia, portanto, mais poder, mesmo que também indique desigualdade, manipulação e invisibilidade social dos oprimidos. A seguir, vejamos algumas implicações.

Marcuse, direcionado a responder a relação entre tecnologia, fascismo e guerra, apresentou que podemos tratar a tecnologia como modo de produção, o qual possibilita normatizar e reproduzir relações sociais. O autor exemplifica citando os instrumentos de terror utilizados no Terceiro Reich, cujos desenvolvimentos visavam maior eficácia tecnológica: o que importava era produção e destruição progressivas, em massa. Tal regime totalitário, segundo o pensador, foi uma tecnocracia: uma articulada manipulação do poder atrelada à tecnologia. Levemos em conta a hierarquia nazista e a posição avantajada do general, símbolo do poder. O objetivo dos subalternos, ao cumprir as ordens, era basicamente agradá-lo. O bem-estar do general, na tecnocracia nazista, estava diretamente ligado ao uso das técnicas e suas capacidades produtivas/destrutivas. Grande parte dos intentos científicos visavam a produção de ferramentas de morticínio, cada vez mais velozes e letais. Os ideais nazistas, refletidos nos genocídios operados, não foram vigentes apenas por força bruta, mas também pela proeminência tecnológica, que permitiu maior produtividade, propaganda - a articulação da mídia - e processos genocidas e industriais (Marcuse & Kellner, 1999Marcuse, H., & Kellner, H. (Eds.). (1999). Tecnologia, guerra e fascismo: coletânea de artigos de Herbert Marcuse (M. C. V. Borba, Trad.). Editora Unesp.).

Esses autores não foram os únicos a alertarem sobre o perigo da afeição puramente à técnica e sua eficiência. Guattari (1990Guattari, F. (1990). As três ecologias (M. C. F. Bittencourt, Trad.). Papirus. (Trabalho original publicado em 1989)) tratou do que denominou “consciência maquínica”, derivada do pensamento positivista9 9 Relativo ao sistema de pensamento de Auguste Comte. , caracterizada pela ausência de consideração crítica acerca das ações que podem gerar mal a si e/ou aos outros. Tal consciência é norteada por um pensamento que visa o poder, o que importa são posições elevadas em uma hierarquia valorativa. Em um sistema tecnocrata, humanos e máquinas estão na mesma categoria, “maquinando” para cumprir o expediente, independente de qual seja ele - logo, ocorre o fenômeno de “coisificação do humano”.

Mansano (2007Mansano, S. R. V. (2007). Sociedade de controle e linhas de subjetivação. [Tese de Doutorado, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo]. Repositório PUCSP. https://sapientia.pucsp.br/handle/handle/15633
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) complementa expondo a sociedade de controle. A autora, assim como Hilário (2013Hilário, L. C. (2013). Teoria crítica e literatura: a distopia como ferramenta de análise radical da modernidade. Anuário de Literatura, 18 (2), 201-215. http://dx.doi.org/10.5007/2175-7917.2013v18n2p201
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), rememora as obras distópicas: “1984” de George Orwell (2005Orwell, G. (2005 1984 ). (29a ed., W. Veloso, Trad.). Companhia Editorial Nacional. (Trabalho original publicado em 1949)) e “Admirável mundo novo” de Aldous Huxley (2001Huxley, A. (2001). Admirável mundo novo (2a ed., L. Vallandro & V. Serrano Trads.). Globo. (Trabalho original publicado em 1932)), as quais evidenciam uma sociedade ostensivamente monitorada, com mecanismos de vigilância e controle sobre os corpos. Deslumbramos, atualmente, semelhante às ficções literárias citadas, uma realidade concatenada entre vigilância, consumismo e proteção aos sujeitos e patrimônios adquiridos (Mansano, 2007). Contudo, a soberania estatal é também marcada por controlar a mortalidade, eliminando aqueles que ameaçam de alguma forma o sistema, além daqueles que são considerados desnecessários. Não há uma proteção à vida igualmente dividida entre todos os segmentos sociais (Mbembe, 2017Mbembe, A. (2017). Necropolítica. Arte & Ensaios, 32 (2), 123-151 https://revistas.ufrj.br/index.php/ae/article/view/8993
https://revistas.ufrj.br/index.php/ae/ar...
; Bauman, 2005Bauman, Z. (2005). Vidas desperdiçadas (C. A. Medeiros, Trad.). Zahar.).

O controle se complica e se expande, afinal, além do universo físico: a interface virtual da realidade, o dito ciberespaço, toma proeminências e povoamento descomunais (Rabaça & Barbosa, 2002Rabaça, C. A., & Barbosa, G. G. (2002). Dicionário de comunicação (2a ed.). Campus.), como se nascesse “um ambiente futurístico no imaginário” - parafraseando Monteiro (2007Monteiro, S. D. (2007). O ciberespaço: o termo, a definição e o conceito. DataGramaZero, 8(3), 1-18.) -, distante do palpável. No excesso de informações e em sua desordem inerente, surge uma abstração por controle informacional.

Desse modo, na atual sociedade distópica, a vigilância se desdobra em figuras de autoridade formalmente legitimadas, destacadas para vigiar e reprimir. No entanto, seja qual for o cidadão, ele mesmo pode funcionar como o próprio agente de vigilância ou o alvo desta (Mansano, 2007Mansano, S. R. V. (2007). Sociedade de controle e linhas de subjetivação. [Tese de Doutorado, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo]. Repositório PUCSP. https://sapientia.pucsp.br/handle/handle/15633
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). É o panoptismo10 10 Mais sobre o “panoptismo” no livro Vigiar e Punir, de Foucault (1987), capítulo III na Terceira Parte da obra. dissertado por Foucault (1987Foucault, M. (1987). Vigiar e punir: nascimento da prisão (20a ed., R. Ramalhete, Trad.). Vozes. (Trabalho original publicado em 1975)) a partir das ideias de Jeremy Bentham (2019Bentham, J. (2019). O panóptico (2a ed., T. Tadeu, Trad.). Autêntica.). O panóptico, originalmente, foi pensado como uma torre que, graças ao seu posicionamento e design, possibilitaria observar a totalidade de um espaço a partir de um único ponto. Foi empregado, por exemplo, em presídios: um agente, no alto da estrutura, vigiava celas e habitações de maneira privilegiada, sem que os detentos pudessem vê-lo com clareza. Foucault (1987)Foucault, M. (1987). Vigiar e punir: nascimento da prisão (20a ed., R. Ramalhete, Trad.). Vozes. (Trabalho original publicado em 1975) e Caracristi (2014Caracristi, M. F. A. (2014). Teoria do panóptico: Sorria, você está sendo vigiado. In R. M. V. Souza (Org.), Teorias da comunicação: correntes de pensamento e metodologias de ensino (Vol. 14, Cap. 9, pp. 438-452). Intercom.) apontam que o produto da vigilância panóptica se disseminou socialmente como uma estrutura de pensamento, em que, mesmo sem uma torre visível, temos a sensação de estarmos sobre monitoramento constante.

Bentham (2019Bentham, J. (2019). O panóptico (2a ed., T. Tadeu, Trad.). Autêntica.) bem pontuou que o ideal de perfeição da vigilância é a constância da inspeção dos que monitoram sobre os monitorados. No entanto, se essa continuidade não é possível, para o monitor alcançar seus objetivos, os vigiados precisam crer estar sempre na condição de observados. Logo, Foucault (1987Foucault, M. (1987). Vigiar e punir: nascimento da prisão (20a ed., R. Ramalhete, Trad.). Vozes. (Trabalho original publicado em 1975)) elevou a teoria sobre o panóptico ao trabalhá-lo como uma estrutura de pensamento, ou seja, “transpõe o modelo da arquitetura idealizada por Bentham para um complexo sistema de pensamento, determinado pela ideia de vigilância permanente, sem quaisquer áreas cinzentas ou zonas de obscurantismo.” (Oliveira & Carneiro, 2016Oliveira, E. C., & Carneiro, I. L. B. (2016). Sobre o caráter persuasivo da estrutura panóptica: Bentham, Foucault e as novas tecnologias. Revista Ideação, 1(33), 101-125. http://periodicos.uefs.br/index.php/revistaideacao/article/view/1284
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, p. 107). Essa é a base da regulamentação social tecnomoderna (Sousa & Meneses, 2010Sousa, N. C., & Meneses, A. B. N. T. (2010). O poder disciplinar: Uma Leitura em Vigiar e Punir. Revista Saberes, 1(4), 18-35. https://periodicos.ufrn.br/saberes/article/view/561
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). Além da nossa própria autovigilância, há olhos anônimos e sofisticados equipamentos de inspeção, como câmeras e alarmes automáticos, em um amplo circuito de redes interligadas - das pequenas mercearias aos descomunais complexos high-tech (Mansano, 2007Mansano, S. R. V. (2007). Sociedade de controle e linhas de subjetivação. [Tese de Doutorado, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo]. Repositório PUCSP. https://sapientia.pucsp.br/handle/handle/15633
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). Vivenciamos também, nesse meio, um controle algorítmico.

Algoritmos são sequências finitas, com ações a serem executadas, em busca de solucionar uma problemática - tais comandos podem ser equiparados a uma receita culinária. Em computação, os comandos correspondem às curtidas e compartilhamentos dos usuários do Facebook, seguidos de suas preferências de acesso e, por conseguinte, quais anúncios personalizados serão mais atrativos (Mazzotti, 2004Mazzotti, T. B. (2004). Lógica natural ou algoritmo. Educação e Cultura Contemporânea, 1 (2), 1-27. https://www.researchgate.net/publication/268181645_Logica_natural_ou_algoritmo
https://www.researchgate.net/publication...
). Robert Kurz (2002Kurz, R. (13 jan. 2002). A ignorância da sociedade do conhecimento. Folha de São Paulo. https://www1.folha.uol.com.br/fsp/mais/fs1301200211.htm
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) esclarece que estamos vivendo uma vida mais algorítmica e padronizada. O autor nota que baseamos parcelas do nosso conhecimento em meras descrições - “tecle isso, tecle enter e pronto” - sem realmente sabermos o porquê e as implicações dos nossos atos. Não poucas as vezes, recebemos estímulos que orientam nosso agir de forma quase automática, mesmo que estejamos em outra tarefa - basta que pensemos nas notificações de mensagem que nos motivam a acessar o WhatsApp, largando o que cumpríamos. Na realidade, é importante que exista esse automatismo, por exemplo, em impressoras, motores de automóveis e em casos médicos, psicológicos e afins. Entretanto, quando o nosso comportamento - tratado como previsível e programável, tanto quanto uma máquina qualquer - é sistematizado para servir aos abusos de controle, “estamos diante de uma concretização de visões de terror das modernas utopias negativas.” (Kurz, 2002).

Em represália a esses sistemas de controle distópicos, o movimento cyberpunk norteia o uso da tecnologia para diminuir o controle exorbitante, rearticulando “um senso de ameaça, de intensidade.” (McCaffery, 1994, p. 289, citado por Amaral, 2006Amaral, A. (2006). Visões perigosas: para uma genealogia do cyberpunk. Revista da Associação Nacional dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação, 20 (2), 1-20. https://doi.org/10.30962/ec.81
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, p. 15). Comumente, utilizam-se programas, por exemplo, que embaralham os rastros de conexões do usuário para que não sejam localizados11 11 O emprego das chamadas “redes privadas virtuais”, mais conhecidas como VPN, dificultam o rastreio do IP, que é, basicamente, um endereço virtual que os dispositivos eletrônicos conectados a internet apresentam. ou anulem propagandas12 12 Aplicativos como Adblock disponível gratuitamente em lojas virtuais. O Adblock impede o aparecimento de um grande número de propagandas em sites, inclusive as alimentadas com nossas preferências de compra coletadas conforme navegamos na internet. em sites acessados.

Considerando todo contexto, o uso plural da tecnologia nos coloca diante da questão: como iremos empregá-la? Como almejamos viver?

O capital tecnológico-informacional e os corpos-máquinas

Willian Irwin (2003Irwin, W. (Ed.). (2003). Matrix: Bem-vindo ao deserto do real (M. M. Leal, Trad.). Madras.), analisando o filme Matrix (1999)The Wachowski Brothers (Directors). (1999). Matrix [Filme]. Warner Bros; Village Roadshow Pictures; Groucho Film Partnership; Silver Pictures; 3 Arts Entertainment., de temática cyberpunk, indica que o protagonista, “Neo”, necessita de softwares13 13 “Conjunto de instruções, programas e dados ..., empregados durante a utilização do computador. O mesmo que programa ou aplicativo.” (parágrafo 46), definição presente em Dicweb. http://www.dicweb.com/ss.htm para vencer a ilusão da “matrix”. Em síntese, aponta que para sobrepor o aparato tecnológico que o mantinha sob o jugo de ilusões, ele empregou a própria tecnologia de outro modo. Ou seja, praticamente deu início a uma empreitada de “domesticação” da tecnologia: aprendeu a não ser dominado por ela, empregando-a de maneira conscienciosa. Paralelamente, submeteu-se a uma educação de consciência para aceitar a realidade degradada com a intenção de transformá-la.

Diferente do protagonista, a personagem “Cypher” escolhe retornar à matrix, mesmo enxergando o que há por trás dela, pois prefere, em suas palavras, a ignorância e as emoções artificiais. O filme alça voo a uma ideia filosófico-pedagógica: sem conscientização sobre o emprego dos meios tecnológico-informacionais, a margem para usá-los para o abuso e manutenção de irrealidades - fake news - se abrange enormemente.

Antes do ano em que Matrix foi lançado, os Estados Unidos, sem contar as outras nações, contabilizavam altas estatísticas de mortalidade, cada vez mais elevadas pela atividade militar estadunidense (Lucas, 2007Lucas, J. A. (24 abr. 2007). U.S. regime has killed 20-30 million people since World War Two. Sott. https://www.sott.net/article/273517-Study-US-regime-has-killed-20-30-million-people-since-World-War-Two
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); Blade Runner de 1982, possivelmente inspirado nesse contexto, não poupou efeitos especiais e ação frenética para demonstrar a truculência dos armamentos usados para abater os “replicantes”14 14 O termo indica, no universo do filme, clones humanos criados para servir a humanidade em trabalho escravo. - aqueles que não cumpriam o dever imposto, no caso, a subserviência. Blade Runner 204915 15 Mais sobre a película em Blade Runner 2049 (2017). https://www.imdb.com/title/tt1856101 , continuação da obra oitentista, simboliza a informação como acesso ao mundo. Na trama, o jovem-adulto caçador de andróides alcança Deckard, o protagonista de 1982, a partir do processamento de informações e cruzamento de dados. Presenciamos, superando a ficção, o progressivo desenvolvimento “de novos artefatos tecnológicos ... colaborando para a adoção de formas progressivamente mais complexas e eficazes de maximização de lucro a partir da administração de informações disponíveis” (Freitas, 2004Freitas, C. S. de. (2004). O capital tecnológico-informacional. Estudos de Sociologia, 9 (17), 115-132. https://periodicos.fclar.unesp.br/estudos/article/view/133
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, p. 115).

Freitas (2003Freitas, C. S. (2003). Práticas sociais no ciberespaço: novas redes de organização e circulação do conhecimento científico-tecnológico. [Tese de doutorado, Universidade de Brasília]., 2004) alarma que o gerenciamento das informações obtidas é equivalente às produções energéticas que marcaram as revoluções industriais e os primórdios capitalistas. A tecnologia, segundo a pensadora, desempenha efeito e causa do acúmulo informacional. Como parte desse processo, a evolução dos computadores faz com que sejam considerados inteligentes diante da comunicação aprimorada, que não permite distinguir, de antemão, se é uma máquina ou um humano do outro lado da tela.

Nesse campo de saber, o filme Gattaca16 16 Mais sobre o longa-metragem em Gattaca (1997). https://www.imdb.com/title/tt0119177/ trata sobre o emprego das informações orientadas a tecnologias genéticas - paradoxalmente, a personagem “Vicent” ao mesmo tempo em que representa o avanço da ciência e genética no comando da evolução humana, também indica sua insuficiência: a baixa sobrevida e fragilidade do humano “quase-perfeito”. Na ficção, aqueles com baixo quociente genético - ditos inválidos e inferiores - são relegados a funções consideradas condizentes às suas deficiências. Neste sentido, a segregação futurista de Gattaca é continuamente alimentada, dirigida por três tópicos principais: a) a tradição hegemônica de pensamento considera que as vidas humanas têm valores destoantes; b) os avanços científicos visam à manutenção do status quo - manipulam-se códigos genéticos, antes mesmo do parto, e os considerados melhores assumem posições sócio-políticas mais avantajadas; c) a estrutura social é fundamentada sob o quociente genético, ou seja, há limitações de espaço, serviço e relações àqueles que apresentam quocientes baixos (Diniz, 2001Diniz, D. (2001). A profecia genética: um comentário ao filme Gattaca. In Costa, S. I. F. & Diniz, D. (Eds.), Bioética: ensaios (pp. 97-104). Letras Livres.). Em suma, produzem-se organismos com características ideais para o “berço-sociedade”, também estruturado para recebê-los com maior harmonia e comodidade. Será que, semelhantemente, além da ficção, não há uma separação entre aqueles que usufruem de direitos e aqueles que são apartados dessa possibilidade antes mesmo de nascer?

Souza (2003Souza, J. (2003). A construção social da subcidadania: por uma sociologia política da modernidade periférica. Editora UFMG., 2006Souza, J. (2006). A gramática social da desigualdade brasileira. In J. Souza (Org.), A invisibilidade da desigualdade brasileira (pp. 23-53). Editora UFMG.) pontua que há construções sociais que forjam uma hierarquia valorativa de pessoas, em que uma parcela diminuta é considerada digna de acesso aos bens simbólicos e materiais ofertados na sociedade capitalista. Ainda, podemos refletir, conforme o apresentado, que as diferentes posições hierárquicas são constituídas levando em conta também a inserção tecnológica. A título de exemplo, o desconhecimento acerca do uso das redes sociais limita consideravelmente o acesso a serviços na atualidade.

Como se não bastasse, sublinhou Bauman (2005Bauman, Z. (2005). Vidas desperdiçadas (C. A. Medeiros, Trad.). Zahar.), assim como as máquinas, os seres humanos estão sendo significados como objetos facilmente descartáveis quando se deseja adquirir um mais “rápido, estético, superior”. Manejar os sujeitos como mais uma mercadoria dentro de um sistema de produção, desconsiderando que sentem e sofrem, é um marcante sinal da coisificação do humano.

Conclusão

Foi possível perceber que há inúmeras produções científicas e ficcionais que permitem traçar paralelos entre a ficção cyberpunk e a tecnomodernidade do século XXI, além de evidenciar a alarmante situação resultante de tratar o humano como máquina. Identificou-se a ficção cyberpunk em contornos reais com os regimes autoritários e as sociedades de controle, no aspecto estético-vivencial. Analisou-se como a coisificação dos sujeitos soma ao funcionamento lucrativo desses sistemas, embora o lucro esteja substancialmente distante de variados segmentos societários. Por fim, concluiu-se que a antiga ficção cyberpunk “profetizou” sobre a tecnomodernidade distópica que vivenciamos.

Em tom de alarme, Kurz (2002Kurz, R. (13 jan. 2002). A ignorância da sociedade do conhecimento. Folha de São Paulo. https://www1.folha.uol.com.br/fsp/mais/fs1301200211.htm
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) aponta que um dos produtos da ação irrefletida é a produção de um humano cada vez mais “algoritmizado”, condicionado a estímulos para suas ações, porém sem realmente estar ciente do que cumpre e suas implicações. Esse humano mais próximo de máquina emprega seus esforços em atividades repetitivas que o esgotam pouco a pouco, no paradoxo desempenho-cansaço e vazio (Han, 2017Han, B. (2017). Sociedade do cansaço (2a ed., E. P. Gianchini, Trad.). Vozes.).

Han (2017Han, B. (2017). Sociedade do cansaço (2a ed., E. P. Gianchini, Trad.). Vozes.) concorda que a única maneira de estruturarmos vidas mais dignas, é trabalharmos nossa potência de negação. A oposição se torna uma chave de fenda lançada à grande maquinaria mundial. O “não” a todas as implicações tecnológicas e sociais que nos tratam como máquinas de produção e consumo. De oposição a oposição, de consciência a consciência, reconheceremos o valor de uma vida antidistópica.

Em síntese, para estruturarmos uma sociedade superior, que atenda à dignidade geral, precisamos repensar nosso trato com a tecnologia e escolher conscientemente qual caminho desejamos seguir.

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  • The Wachowski Brothers (Directors). (1999). Matrix [Filme]. Warner Bros; Village Roadshow Pictures; Groucho Film Partnership; Silver Pictures; 3 Arts Entertainment.
  • 1
    Mais sobre o filme em Matrix (1999)The Wachowski Brothers (Directors). (1999). Matrix [Filme]. Warner Bros; Village Roadshow Pictures; Groucho Film Partnership; Silver Pictures; 3 Arts Entertainment.. https://www.imdb.com/title/tt0133093/
  • 2
    Mais sobre o filme em Blade Runner (1982). https://www.imdb.com/title/tt0083658/?ref_=nv_sr_srsg_3
  • 3
    Mais sobre o seriado em Black Mirror (2011-?). https://www.imdb.com/title/tt2085059/
  • 4
    Mais sobre o seriado em Altered Carbon (2018-?). https://www.imdb.com/title/tt2261227/
  • 5
    Não há uma definição única para o termo subcultura, porém as definições assentem sobre a existência de grupos que contrastam e promovem estranhamento, conforme comportamentos, crenças e valores, diante dee práticas hegemônicas de determinada cultura, sendo que as culturas ou subculturas podem compor o cenário real ou ficcional. http://www.intercom.org.br/papers/nacionais/2007/resumos/R1118-1.pdf.
  • 6
    O conceito de fetiche na sociologia marxista referencia o maior investimento afetivo em objetos inanimados - vide os celulares - em detrimento da vida humana (Feenberg, 2003Feenberg, A. (2003). Do essencialismo ao construtivismo: A filosofia da tecnologia numa encruzilhada (N. R. Oliveira, Trad.). EdUFSCar. (Trabalho original publicado em 1999) https://www.researchgate.net/publication/260983394_Do_essencialismo_ao_construtivismo_A_filosofia_da_tecnologia_numa_encruzilhada
    https://www.researchgate.net/publication...
    ).
  • 7
    Uma ferramenta narrativa constantemente empregada na ficção cyberpunk é o descompasso entre o desenvolvimento tecnológico e o bem-estar social — a base: high tech, low life/alta tecnologia, baixa qualidade de vida.
  • 8
    A difusão das redes sociais e as práticas de hackativismo forma de protesto que envolve o uso de conhecimentos de computação e a exposição de dados sigilosos, invasão de sites e outras práticas virtuais — delineiam novas possibilidades aos movimentos sociais (Freitas, 2003Freitas, C. S. (2003). Práticas sociais no ciberespaço: novas redes de organização e circulação do conhecimento científico-tecnológico. [Tese de doutorado, Universidade de Brasília].).
  • 9
    Relativo ao sistema de pensamento de Auguste Comte.
  • 10
    Mais sobre o “panoptismo” no livro Vigiar e Punir, de Foucault (1987)Foucault, M. (1987). Vigiar e punir: nascimento da prisão (20a ed., R. Ramalhete, Trad.). Vozes. (Trabalho original publicado em 1975), capítulo III na Terceira Parte da obra.
  • 11
    O emprego das chamadas “redes privadas virtuais”, mais conhecidas como VPN, dificultam o rastreio do IP, que é, basicamente, um endereço virtual que os dispositivos eletrônicos conectados a internet apresentam.
  • 12
    Aplicativos como Adblock disponível gratuitamente em lojas virtuais. O Adblock impede o aparecimento de um grande número de propagandas em sites, inclusive as alimentadas com nossas preferências de compra coletadas conforme navegamos na internet.
  • 13
    “Conjunto de instruções, programas e dados ..., empregados durante a utilização do computador. O mesmo que programa ou aplicativo.” (parágrafo 46), definição presente em Dicweb. http://www.dicweb.com/ss.htm
  • 14
    O termo indica, no universo do filme, clones humanos criados para servir a humanidade em trabalho escravo.
  • 15
    Mais sobre a película em Blade Runner 2049 (2017). https://www.imdb.com/title/tt1856101
  • 16
    Mais sobre o longa-metragem em Gattaca (1997). https://www.imdb.com/title/tt0119177/

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    16 Dez 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    17 Jul 2020
  • Aceito
    15 Jun 2021
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