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Psicóloga(o) Escolar na Educação Inclusiva: Contribuições e Perspectivas da Profissão no Brasil

School Psychologist in Inclusive Education: Contributions and Perspectives of the Profession in Brazil

Psicóloga(o) Escolar en la Educación Inclusiva: Contribuciones y Perspectivas de la Profesión en Brasil

Resumo

Este estudo tem como objetivo realizar algumas reflexões sobre as contribuições da(o) psicóloga(o) escolar na educação inclusiva, bem como discutir brevemente acerca das perspectivas futuras da profissão no Brasil. Para tanto, foi realizado um estudo teórico documental de natureza crítico-reflexiva. Foram utilizadas fontes de dados nacionais e internacionais, tais como: livros, artigos de periódicos, páginas eletrônicas, legislações e documentos oficiais. Apresentam-se, neste texto, quatro seções: a) Conhecendo o contexto da educação inclusiva no Brasil: breve percurso histórico e marcos legais; b) Breves reflexões sobre a psicologia escolar e sua interlocução com a educação inclusiva no Brasil; c) Contribuições da(o) psicóloga(o) escolar na educação inclusiva brasileira: dos caminhos trilhados aos desafios; e d) Reflexões finais em torno da atuação da(o) psicóloga(o) escolar na educação inclusiva brasileira: conquistas, desafios e perspectivas futuras. Diante do exposto nessas seções, para que haja escolas inclusivas no país, é necessário confrontar as práticas discriminatórias e criar alternativas que as modifiquem, para que assim a educação inclusiva assuma lugar central nas discussões da comunidade escolar. Para tanto, se reconhece o papel de importância da(o) psicóloga(o) e da escola na superação e modificação da lógica da exclusão. Nessa direção, defende-se que a(o) psicóloga(o) escolar, em sua futura prática profissional, utilize métodos de avaliação para identificar pontos fortes e necessidades das(os) estudantes com deficiência, de maneira que seja possível o desenvolvimento de intervenções, serviços e programas eficazes na promoção de inclusão escolar.

Palavras-chave:
Atuação do Psicólogo; Psicologia Escolar; Educação Inclusiva; História da Psicologia-Brasil; Psicologia-Teoria

Abstract

This study reflects on the contributions brought by the school psychologist to inclusive education, and discuss, albeit briefly, the future prospects of the profession in Brazil. For this purpose, a theoretical-documentary, reflexive-critical study was carried out. Data were collected from national and international sources, such as: books, journal articles, websites, legislation and official documents. This text is divided into four sections: a) The context of inclusive education in Brazil: a brief historical overview and legal milestones; b) Brief reflections on school psychology and its intersection with inclusive education in Brazil; c) Contributions of the school psychologist in Brazilian inclusive education: from the paths taken to the challenges; and d) Final reflections on the performance of the school psychologist in Brazilian inclusive education: achievements, challenges and future prospects. Based on this discussion, inclusive schools can only thrive in the country if we confront discriminatory practices and create alternatives to them, thus placing inclusive education in the center of school community debates. In such a process, the psychologist and the school play an important role in overcoming and changing this logic of exclusion. In this regard, the school psychologist in their future professional practice must use assessment methods to identify the strengths and needs of students with disabilities, so that they can develop effective interventions, services and programs to promote school inclusion.

Keywords:
Psychologist Performance; School Psychology; Inclusive Education; History of Psychology-Brazil; Psychology-Theory

Resumen

Este estudio pretende hacer algunas reflexiones sobre las contribuciones del(la) psicólogo(a) escolar en la educación inclusiva, así como discutir brevemente sobre las perspectivas futuras de la profesión en Brasil. Para ello, se realizó un estudio teórico-documental, de carácter reflexivo-crítico. Se utilizaron fuentes de datos nacionales e internacionales, como libros, artículos de revistas, páginas electrónicas, legislación y documentos oficiales. Este texto está dividido en cuatro secciones: a) Conocer el contexto de la educación inclusiva en Brasil: breve recorrido histórico e hitos legales; b) Breves reflexiones sobre la psicología escolar y su interlocución con la educación inclusiva en Brasil; c) Contribuciones del(la) psicólogo(a) escolar en la educación inclusiva brasileña: de los caminos recorridos a los desafíos; y d) Reflexiones finales en torno a la actuación del(la) psicólogo(a) escolar en la educación inclusiva brasileña: logros, desafíos y perspectivas de futuro. Teniendo en cuenta estos apartados, la existencia de escuelas inclusivas en el país está condicionada al enfrentamiento de las prácticas discriminatorias y la creación de alternativas que las cambien, para que la educación inclusiva ocupe un lugar central en las discusiones de la comunidad escolar. Por ello, se reconoce el importante papel del(la) psicólogo(a) y de la escuela en la superación y cambio de la lógica de la exclusión. En esta dirección, se defiende que del(la) psicólogo(a) escolar en su futura práctica profesional utilice métodos de evaluación para identificar los puntos fuertes y las necesidades de los(las) alumnos(as) con discapacidad, de manera que sea posible el desarrollo de intervenciones.

Palabras clave:
Desempeño del Psicólogo; Psicología Escolar; Educación Inclusiva; Historia de la Psicología-Brasil; Psicología-Teoría

Introdução

Este trabalho se dedica a comemorar os 60 anos da regulamentação da profissão de psicóloga(o) no Brasil. Para celebrar esse marco, pretendemos discutir sobre os caminhos trilhados e possíveis direções para área da psicologia escolar. O objetivo deste texto é realizar algumas reflexões sobre as contribuições da(o) psicóloga(o) escolar na educação inclusiva, bem como discutir brevemente acerca das perspectivas futuras da profissão no Brasil. Para tanto, metodologicamente, trata-se de um estudo teórico documental de natureza crítico-reflexiva, com vistas a refletir teoricamente a temática da pesquisa. São utilizadas fontes de dados nacionais e internacionais, tais como: livros, artigos de periódicos, páginas eletrônicas, legislações e documentos oficiais.

Iniciamos este artigo destacando que a profissão de psicóloga(o) foi regulamentada pela Lei nº 4.119/62 (Lei n. 4.119, 1962Lei n. 4.119, de 27 de agosto de 1962. (5 set. 1962). Dispõe sobre os cursos de formação em psicologia e regulamenta a profissão de psicólogo. Diário Oficial da União. https://www2.camara.leg.br/legin/fed/lei/1960-1969/lei-4119-27-agosto-1962-353841-publicacaooriginal-1-pl.html
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), e vem se revelando como uma profissão que tem uma vasta gama de área de atuação que se amplia a cada ano. Atualmente, no Brasil, de acordo com os dados do Conselho Federal de Psicologia (CFP) (2022Conselho Federal de Psicologia. (2022). A psicologia brasileira apresentada em números. CFP. http://www2.cfp.org.br/infografico/quantos-somos/
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), estima-se que 414.627 psicólogas(os) atuam no país. Mediante esse breve panorama, quando pensamos na área da psicologia escolar, somos levados às últimas décadas, marcadas por debates entre profissionais e pesquisadores que buscam construir saberes e práticas respondentes às demandas desse vasto contexto de atuação.

A psicologia escolar é uma área de atuação profissional da(o) psicóloga(o) e um campo de produção científica, que busca mediar os processos de desenvolvimento humano e de aprendizagem, colaborando para sua promoção (Zonta & Zanella, 2021Zonta, G. A., & Zanella, A. V. (2021). Oficinas de leitura e escrita: Prática psicológica de assistência estudantil na universidade. Psicologia: Teoria e Pesquisa, 37, e372119, 1-11. https://doi.org/10.1590/0102.3772e372119
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). Com base nisso, compreendemos que a(o) psicóloga(o) atuante na área da educação ganha papel de suma importância na escola, ao orientar-se para a construção de práticas e produção de conhecimentos sobre e para os indivíduos, no constante movimento de transformação formado pelos processos de aprendizagem.

Um fato importante a ser mencionado é que, conforme os estudos de Bisinoto e Marinho-Araujo (2015Bisinoto, C., & Marinho-Araujo, C. (2015). Psicologia escolar na educação superior: Panorama da atuação no Brasil. Arquivos Brasileiros de Psicologia, 67(2), 33-46. http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1809-52672015000200004&lng=pt&nrm=iso&tlng=pt
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), tradicionalmente, as(os) psicólogas(os) escolares focam suas ações na orientação aos estudantes. No entanto, ao longo dos últimos anos, se reconhece a necessidade de práticas voltadas às relações entre os participantes dos contextos educacionais, em olhares institucionais e transformadores, momento que vem demandando o investimento em estudos que procurem identificar as atividades definidas pelos profissionais da área.

Estudiosas(os) na área de psicologia escolar como Barroco e Souza (2012Barroco, S. M. S., & Souza, M. P. R. (2012). Contribuições da psicologia histórico-cultural para a formação e atuação do psicólogo em contexto de educação inclusiva. Psicologia USP, 23(1), 111-132. https://doi.org/10.1590/S0103-65642012000100006
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) e Braz-Aquino, Ferreira e Cavalcante (2016Braz-Aquino, F. S., Ferreira, I. R. L., & Cavalcante, L. A. (2016). Concepções e práticas de psicólogos escolares e docentes acerca da inclusão escolar. Psicologia: Ciência e Profissão, 36(2), 255-266. https://doi.org/10.1590/1982-3703000442014
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) lembram que esse campo vem avançando, ao se inserir no contexto da inclusão na educação brasileira e, ao fazê-lo, colabora com o método da ciência do comportamento, na construção de um novo modelo de administração escolar inclusiva. Assim, é importante esclarecer que o fazer da(o) psicóloga(o) escolar assume um papel primordial, levando em conta as bases metodológicas e instrumentos de investigação que ele possui e que aplicadas devem favorecer a aprendizagem dos alunos com deficiência de forma significativa a seu desempenho escolar.

Por sua vez, esse profissional precisa se voltar para o desenvolvimento biopsicossocial da criança e adolescente, sem rótulos ou medições da inteligência das(os) estudantes, mas um desenvolvimento direcionado para sua integração na escola (Forlin, 2010Forlin, C. (2010). The role of the school psychologist in inclusive education for ensuring quality learning outcomes for all learners. School Psychology International, 31(6), 617-630. https://doi.org/10.1177/0143034310386535
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). Isso significa que a(o) psicóloga(o) escolar deve desenvolver seu fazer direcionado à construção social e pessoal mais justa, nesse caso, no âmbito da educação inclusiva, que garanta aos estudantes com deficiência uma integração, pensando sempre em seu bem-estar na comunidade escolar em que se insere.

É no bojo dessas discussões teóricas que buscamos destacar como a(o) psicóloga(o) escolar pode contribuir para o campo da educação inclusiva no país. O interesse em desbravar essa temática insurge a partir de nossa experiência com pesquisa em psicologia, educação e inclusão, bem como a experiência empírica de um dos autores em docência na educação inclusiva.

Contextualmente, a psicologia escolar tem o objetivo de ampliar o escopo do suporte aos estudantes com deficiência e os demais atores da escola, o que possibilita espaços de aprendizagem cooperativa e a formação de um ambiente em que todos se sintam bem-vindos, seguros, e alcancem o sucesso. Ainda, quando falamos nessa área de atuação, torna-se imprescindível citar que ainda é recente sua inserção no campo da educação inclusiva. Existem atualmente poucos profissionais da psicologia atuantes nesse contexto no país. O que nos faz esperançar que este estudo possa contribuir fornecendo reflexões sobre a importância das(os) psicólogas(os) para formação de ambientes escolares mais inclusivos e indicação de quais seriam os possíveis caminhos a serem trilhados. Por fim, almeja-se que essa área continue crescendo no decorrer dos próximos anos e colabore para promoção da inclusão escolar.

Posto isso, para discorrer sobre a temática, este artigo está estruturado em quatro seções. Na primeira seção, se conhece o contexto da educação inclusiva no Brasil por meio de um breve percurso histórico e marcos legais. Em seguida, na segunda seção, realiza-se breves reflexões sobre a psicologia escolar e sua interlocução com a educação inclusiva no Brasil. Na terceira seção, contextualiza-se acerca das contribuições da(o) psicóloga(o) escolar na educação inclusiva brasileira, apontando desde caminhos trilhados até desafios. A última seção traz algumas reflexões finais em torno da atuação da(o) psicóloga(o) escolar na educação inclusiva brasileira, apresentando aspectos entre conquistas, desafios e perspectivas futuras.

Conhecendo o contexto da educação inclusiva no Brasil: breve percurso histórico e marcos legais

A princípio, consideramos que, inserida dentro da educação tradicional, emergiu a chamada educação inclusiva, tornando-se uma perspectiva a mais de integralidade e diversidade com que todos estão expostos. Nesse sentido, recordamos que a partir da década de 1990, foi observado um movimento em direção à inclusão, defendendo a educação de crianças e adolescentes com deficiência na sala de aula do ensino regular (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura [Unesco], 1990Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura. (1990). Declaração mundial sobre educação para todos. Unesco. https://www.unicef.org/brazil/declaracao-mundial-sobre-educacao-para-todos-conferencia-de-jomtien-1990
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). Quatro anos depois (1994), foi firmado um compromisso internacional com a educação inclusiva a partir da Declaração de Salamanca, que é considerada como o ponto de partida em relação aos caminhos da educação inclusiva (Unesco, 1994Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura. (1994). Declaração de Salamanca e enquadramento da acção na área das necessidades educativas especiais. Unesco. http://pnl2027.gov.pt/np4/%7B$clientServletPath%7D/?newsId=1011&fileName=Declaracao_Salamanca.pdf
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). Assim, a declaração foi um grande avanço internacional para a educação inclusiva, e desde sua promulgação vem gerando importantes debates em países da América Latina, inclusive no Brasil.

A declaração é um compromisso que marca uma mudança conceitual no pensamento sobre educação inclusiva, de uma história sobre crianças e adolescentes com necessidades especiais para uma narrativa sobre escolas inclusivas e ambientes de aprendizagem inclusivos para indivíduos com diferentes aspectos cognitivos, sociais, afetivos, motores e culturais. Ou seja, soluções educacionais segregadas deviam ser evitadas, e a sala de aula deve se abrir à diversidade. Então, a inclusão é um processo contínuo de aumentar a frequência, participação e desempenho de todas as crianças e adolescentes nas escolas.

Nesse momento, é importante apresentarmos os principais marcos legais que garantem o acesso às políticas de educação inclusiva no Brasil. Iniciamos citando a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), Lei nº 9.394/1996, que no artigo 59º afirma que os sistemas de ensino devem assegurar aos estudantes currículos, métodos, recursos e organização específicos para atender suas necessidades (Lei n. 9.394, 1996Lei n. 9.394, de 20 de dezembro de 1996. (23 dez. 1996). Estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. Diário Oficial da União. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9394.htm
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). Posteriormente, em 2011, foi implementada a Educação Especial e Atendimento Educacional Especializado (AEE), por meio do Decreto nº 6.711/11 (Decreto n. 6.711, 2011) que afirma que é dever do Estado a educação das pessoas da educação especial, garantindo um sistema educacional inclusivo em todos os níveis, sem discriminação. Assegurar o atendimento educacional especializado a pessoas com deficiências, transtornos globais do desenvolvimento, com altas habilidades e superdotação.

Dando continuidade, em 2015, foi decretada a Lei nº 13.146/15 - Lei Brasileira de Inclusão e da Pessoa com Deficiência (LBI) (Lei n. 13.146, 2015Lei n. 13.146, de 6 de julho de 2015 (7 jul. 2015). Institui a lei brasileira de inclusão da pessoa com deficiência (estatuto da pessoa com deficiência). Diário Oficial da União. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13146.htm
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), cujo texto busca garantir a inclusão da pessoa com deficiência no Brasil, assegurar e promover, em condições de igualdade, o exercício dos direitos e das liberdades fundamentais por pessoa com deficiência, objetivando sua inclusão social e cidadania. Logo depois, em 2018, foi instituído o Plano Nacional de Educação Especial (PNEE) na Perspectiva da Educação Inclusiva (Comissão de Defesa dos Direitos das Pessoas com Deficiência [CPD], 2018Comissão de Defesa dos Direitos da Pessoas com Deficiência. (2018). Política nacional de educação especial na perspectiva da educação inclusiva. Câmara dos Deputados. https://www.idea.ufscar.br/arquivos/politicas-eesp/separata-2-paginas-compactado.pdf
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), que busca favorecer o acesso do aluno, a participação e a aprendizagem das(os) estudantes com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades/superdotação nas escolas regulares.

E, por fim, recentemente, em 2020, foi promulgado o Decreto n. 10.502, que institui a PNEE: Equitativa, Inclusiva e com Aprendizado ao Longo da Vida (Decreto n. 10.502, 2020Decreto n. 10.502, de 30 de setembro de 2020. (1 out. 2020). Institui a política nacional de educação especial: equitativa, inclusiva e com aprendizado ao longo da vida. Diário Oficial da União. https://www.in.gov.br/en/web/dou/-/decreto-n-10.502-de-30-de-setembro-de-2020-280529948
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); trazendo consigo um grande retrocesso no que tange aos direitos conquistados por meio das anteriores políticas de educação inclusiva do nosso país. Uma vez que o texto proposto enfrenta forte oposição de educadores e profissionais atuantes no contexto da educação, inclusive as(os) psicólogas(os) que tratam do assunto, para quem a nova redação (receber atendimento educacional em classes e escolas especiais ou em classes e escolas bilíngues de surdos) voltaria a estimular a volta da separação das pessoas com deficiência, indo na contramão da perspectiva social, que aponta para a eliminação das barreiras e na promoção da acessibilidade, e não separação dos alunos com e sem deficiência.

Não podemos deixar de mencionar, também, que o termo “educação inclusiva” é polissêmico e pode ser entendido e conceituado de modo amplo, referindo-se a diferentes grupos sociais historicamente excluídos da escola. Nesse contexto, temos observado a emergência de todos lutarem pelo direito de acesso e permanência na escola para todos os cidadãos, sendo garantido aos indivíduos com deficiência o atendimento educacional especializado, preferencialmente na rede regular de ensino.

Ainda voltamos no tempo e partimos da ideia de Malarz (1996Malarz, L. (1996). Using staff development to create inclusive schools. Journal of Staff Development, 17(3), 8-11. https://eric.ed.gov/?id=EJ533412
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), de que a inclusão não deve envolver a alocação de alunos com deficiência em uma classe especial por causa de supostamente haver uma integração que acaba segregando ainda mais estes indivíduos. Considerando essa visão, defendemos que, como cidadãos brasileiros, esses estudantes têm o direito de frequentar o ensino regular com os apoios e serviços necessários para atender suas especificidades. Por outro lado, destacamos que não se pode esperar que as(os) professoras(es) da educação básica ensinem crianças com deficiência na sala de aula regular sem formação (em educação especial e inclusão escolar) e o apoio adequado (tecnologias assistivas e apoio de profissionais que atuem na educação inclusiva), para que consigam desenvolver um ensino inclusivo de modo efetivo.

Nessa perspectiva, recomendamos a essencial parceria entre o(a) professor(a) e a(o) psicóloga(o) escolar para o desenvolvimento de estratégias e atividades psicopedagógicas que encorajem e apoiem a participação das(os) alunas(os) com deficiência na escola; bem como realizar oficinas em promoção de saúde mental, que busquem conhecer as dimensões psicológicas implicadas no processo de ensino e aprendizagem; e atividades que estimulem uma maior participação dos pais no processo de formação e educação das crianças e adolescentes com deficiência. A partir desses princípios, acreditamos que todos necessitam firmar o compromisso com a inclusão em educação, adaptando-se aos diversos ritmos e estilos de aprendizagens de cada aluna(o), a fim de que possam adquirir autonomia com vistas a seu desenvolvimento pleno.

Ao longo das décadas de 2000 e 2010, houve uma variedade de métodos e práticas inclusivas utilizadas pelas escolas, conforme indicam as pesquisas de Hilt (2014Hilt, L. T. (2014). Included as excluded and excluded as included: Minority language pupils in Norwegian inclusion policy. International Journal of Inclusive Education, 19(2), 165-182. https://doi.org/10.1080/13603116.2014.908966
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) e Qvortrup e Qvortrup (2017Qvortrup, A., & Qvortrup, L. (2017). Inclusion: Dimensions of inclusion in education. International Journal of Inclusive Education , 22(7), 803-817. https://doi.org/10.1080/13603116.2017.1412506
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). Diante desse cenário, concordamos com Lyons, Thompson e Timmons (2016Lyons, W. E., Thompson, S. A., & Timmons, V. (2016). “We are inclusive. We are a team. Let’s just do it”: Commitment, collective efficacy, and agency in four inclusive schools. International Journal of Inclusive Education , 20(8), 889-907. https://doi.org/10.1080/13603116.2015.1122841
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), ao defenderem sete importantes práticas para tornar o ambiente escolar inclusivo, tais como: a) uma visão clara focada em todas(os) as(os) estudantes e apoiada por todo o grupo de funcionários da escola; b) todas(os) as(os) alunas(os) são membros valorizados nas salas de aula e são educados juntos; c) assistência em saúde mental para crianças, adolescentes e professoras(es); d) uma abordagem de equipe colaborativa nas escolas; e) currículos flexíveis e instrução de alta qualidade usando abordagens baseadas em evidências; f) liderança de apoio que inclui tomada de decisão compartilhada; e g) foco no desenvolvimento profissional de qualidade das(os) professoras(es) por meio de formação continuada e de bonificação salarial.

O exposto até aqui culmina na necessidade de reescrever as dimensões da educação inclusiva, sendo que elas têm de se referir não apenas às dimensões físicas e sociais da prática educativa, devendo incluir a dimensão psicológica (a experiência subjetiva de ser incluído). Adicionalmente, é importante abordar não apenas atividades dentro da sala de aula, mas ações em outros contextos dentro da ou relacionados à escola. Os espaços educacionais precisam se organizar na perspectiva do acolhimento da demanda diversificada, respeitando e criando oportunidades (no sentido da equidade) para que possamos conviver com as diferenças; e, principalmente, reconhecer as reais condições de cada estudante.

Afirmamos, a partir de Nilholm (2020Nilholm, C. (2020). Research about inclusive education in 2020: How can we improve our theories in order to change practice? European Journal of Special Needs Education, 36(3), 358-370. https://doi.org/10.1080/08856257.2020.1754547
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), que a educação inclusiva atualmente é marcada por falta de pesquisas que demonstrem de forma metodologicamente robusta como podem ser formados na prática ambientes inclusivos envolvendo todos os alunos. Diante dessa realidade, por duas razões recomendamos a necessidade de novas investigações empíricas, especificamente que contemplem a realidade do Brasil. Em primeiro lugar, toda a noção de inclusão tem a ver com a mudança de práticas. Em segundo lugar, fornecer evidências de que as práticas inclusivas podem ser estabelecidas é provavelmente o melhor argumento a favor de um sistema escolar inclusivo. De forma sintética, deixamos como sugestão que novos estudos se concentrem mais diretamente na questão de como ambientes mais inclusivos envolvendo todos os alunos podem ser construídos.

Precisamos também lançar nosso olhar para a importância de as(os) psicólogas(os) escolares avaliarem as atitudes dos alunos em relação à deficiência, explorando o modo que as(os) estudantes em geral veem a deficiência e como isso pode afetar a inclusão ou exclusão social daqueles com deficiências e/ou indivíduos que acessam apoios educacionais (por exemplo, tecnologias assistivas e provas adaptadas). Além de que as(os) estudantes com deficiência tendem a enfrentar desafios para formar amizades com seus colegas na escola. Sendo assim, é fundamental que a(o) psicóloga(o) escolar elabore ações educativas que se concentrem nas relações interpessoais e no clima relacional em sala de aula.

Breves reflexões sobre a psicologia escolar e sua interlocução com a educação inclusiva no Brasil

A psicologia é o estudo científico do comportamento humano e dos processos mentais. Tem sua própria área de atuação e aplicação, considerando a complexidade de seu objeto de estudo. Sua base metodológica aplica instrumentos para investigar a memória, a aprendizagem, a motivação, a percepção, a linguagem, a inteligência, o comportamento social e os aspectos psicológicos (Santrock, 2017Santrock, J. (2017). Educational psychology (6th ed.). McGraw Hill.).

Nessa direção, a psicologia educacional pode ser considerada como uma subárea da psicologia, que busca compreender o ensino e aprendizagem em ambientes educacionais. Foi fundada por vários pioneiros da ciência psicológica no final do século XIX, pouco antes do início do século XX. Dentre eles, destacamos William James (1842-1910), John Dewey (1859-1952), Edward L Thorndike (1874-1949) e Lev Vygotsky (1896-1934); que exerceram importantes papéis na história da psicologia educacional (Dewey, 1997Dewey, J. (1997). Experience and education. Free Press.; James, 1950James, W. (1950). The principles of psychology. Dover Publications.; Thorndike, 1903Thorndike, E. L. (1903). Educational psychology . ‎Kessinger Publishing.; Vygotsky, 1997Vygotsky, L. (1997). Educational psychology . St. Lucie Press.), uma vez que suas contribuições teóricas são fundamentais para a compreensão dos processos educacionais e escolares.

Diferentemente, a psicologia escolar se estabelece pelo âmbito profissional e se refere a um campo de ação estabelecido, isto é, o processo de escolarização, tendo por objeto a escola e as relações que aí se estabelecem (Antunes, 2008Antunes, M. A. M. (2008). Psicologia escolar e educacional: História, compromissos e perspectivas. Psicologia Escolar e Educacional, 12(2), 469-475. https://doi.org/10.1590/S1413-85572008000200020
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; Santrock, 2017Santrock, J. (2017). Educational psychology (6th ed.). McGraw Hill.). Partindo dessa concepção, Marinho-Araujo (2010Marinho-Araujo, C. (2010). Psicologia escolar: Pesquisa e intervenção. Em Aberto, 23(83), 17-35.) complementa que se trata de uma área de produção de conhecimento, intervenção e pesquisa. Assim, as(os) psicólogas(os) escolares fundamentam suas atuações nos conhecimentos produzidos pela psicologia da educação, por outras subáreas da psicologia e por outras áreas de conhecimento, como, por exemplo a psicologia do desenvolvimento, mediante suas teorias sobre o desenvolvimento das crianças e dos adolescentes.

Historicamente, no Brasil, a literatura sobre psicologia e educação se torna mais profícua a partir da década de 1970 do século XX e vai se intensificando, ao longo dos últimos vinte anos, principalmente a partir da década de 1990, tendo como pano de fundo a LDB (Lei n. 9.394, 1996Lei n. 9.394, de 20 de dezembro de 1996. (23 dez. 1996). Estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. Diário Oficial da União. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9394.htm
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; Dazzani, 2010Dazzani, M. V. M. (2010). A psicologia escolar e a educação inclusiva: Uma leitura crítica. Psicologia: Ciência e Profissão , 30(2), 362-375. http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1414-98932010000200011&lng=pt&nrm=iso&tlng=pt
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). Esse movimento suscitou uma relevante reflexão sobre a formação e a identidade dos profissionais atuantes no contexto da educação, incluindo a(o) psicóloga(o), e, particularmente, seu fazer na educação.

É preciso citar um grande marco para história da psicologia educacional e escolar no Brasil, com a fundação da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional (Abrapee) na década de 1990, por um grupo de psicólogas(os) interessadas(os) em reunir as(os) estudiosas(os) e profissionais da área, buscando o reconhecimento legal da necessidade das(os) psicólogas(os) escolares nas instituições de ensino, como também estimular e divulgar pesquisas nas áreas de psicologia escolar e educacional (Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional [Abrapee], 2022aAssociação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional . (2022a). O que é a ABRAPEE? Abrapee. https://abrapee.wordpress.com/sobre/o-que-e-a-abrapee-2/
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).

A Abrapee foi originalmente fundada pela pesquisadora e psicóloga Solange Múglia Wechsler, pregando sua missão de incentivar o crescimento da ciência e da profissão de psicóloga(o) escolar e educacional, como um meio de promoção do bem-estar e do desenvolvimento humano, realçando para isso o processo educacional no seu sentido mais abrangente (Witter, 1996Witter, G. P. (1996). Entrevista com a fundadora da ABRAPEE Prof. Dra. Solange Múglia Wechsler. Psicologia Escolar e Educacional , 1(1), 83-86. http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1413-85571996000100014&lng=pt&nrm=iso&tlng=pt
http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?scr...
). Ademais, sublinhamos que atualmente, a Abrapee tem como presidenta em exercício a pesquisadora e psicóloga Roseli Fernandes Lins Caldas, com gestão entre os anos de 2020 e 2022 (Abrapee, 2022bAssociação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional . (2022b). Diretoria. Abrapee. https://abrapee.wordpress.com/sobre/diretoria/
https://abrapee.wordpress.com/sobre/dire...
).

Entre o final da década de 1990 e o início da década de 2000, as produções da psicologia escolar argumentaram a importância de se olhar para os diversos aspectos históricos e culturais constituintes dos processos de aprendizagem e de desenvolvimento dos indivíduos dentro dos contextos educacionais (Feitosa & Araujo, 2018Feitosa, L. R. C., & Araujo, C. M. M. (2018). O papel do psicólogo na educação profissional e tecnológica: Contribuições da psicologia escolar. Estudos de Psicologia, 35(2), 181-191. https://doi.org/10.1590/1982-02752018000200007
https://doi.org/https://doi.org/10.1590/...
; Petroni, Lucia, & Souza, 2014Petroni, A. P., & Souza, V. L. T. (2014). Psicólogo escolar e equipe gestora: Tensões e contradições de uma parceria. Psicologia: Ciência e Profissão , 34(2), 444-459. https://doi.org/10.1590/1982-3703000372013
https://doi.org/https://doi.org/10.1590/...
). No século XXI, uma conquista importante que merece ser mencionada é que, em 2019, foi promulgada a Lei nº 13.935, que instituiu os serviços de psicologia e de serviço social nas redes públicas de educação básica (Lei n. 13.935, 2019Lei n. 13.935, de 11 de dezembro de 2019. (12 dez. 2019). Dispõe sobre a prestação de serviços de psicologia e de serviço social nas redes públicas de educação básica. Diário Oficial da União . http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2019/lei/L13935.htm
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_at...
). Ressalta-se que de acordo com o artigo 1º, inciso 1º, as equipes multiprofissionais deverão desenvolver ações para a melhoria da qualidade do processo de ensino-aprendizagem, com a participação da comunidade escolar, atuando na mediação das relações sociais e institucionais (Lei n. 13.935, 2019Lei n. 13.935, de 11 de dezembro de 2019. (12 dez. 2019). Dispõe sobre a prestação de serviços de psicologia e de serviço social nas redes públicas de educação básica. Diário Oficial da União . http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2019/lei/L13935.htm
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_at...
, art. 1).

De fato, a psicologia tem papel de suma importância na educação, por desenvolver ações que permitem a melhoria dos processos de ensino e aprendizagem, e a criação de intervenções que buscam a superação de processos de exclusão, patologização e estigmatização social, nas escolas públicas e privadas, o que justifica a criação da lei que assegura a presença desse profissional nas escolas. Ainda que de maneira breve, cabe comentarmos que o CFP e a Abrapee vêm se mobilizando a favor de sua verdadeira implementação nas escolas brasileiras, mas ainda há um árduo caminho a ser percorrido, no sentido da inserção da(o) psicóloga(o) na educação básica.

Recentemente, tivemos uma vitória para a atuação dos profissionais de psicologia em escolas públicas do nosso país, com a publicação do edital do Processo Seletivo Simplificado pelo Governo do Estado de Minas Gerais, em 19 de janeiro de 2022, destinado à contratação em regime temporário de psicólogas(os) e assistentes sociais para atuarem em escolas da rede estadual (Governo do Estado de Minas Gerais, 2022Governo do Estado de Minas Gerais. (2022). Edital secretária de estado de educação de Minas Gerais n. 02, de 19 de janeiro de 2022. SEE. https://www2.educacao.mg.gov.br/images/SEI_GOVMG_-_40955083_-_Edital.pdf
https://www2.educacao.mg.gov.br/images/S...
). O referido edital propõe que serão contratados 230 psicólogas(os) para atuar em núcleos espalhados por todas as 47 Superintendências Regionais de Ensino, a fim de desenvolver ações que auxiliem no processo de ensino-aprendizagem, almejando prevenir e minimizar os problemas educacionais, assim como orientar a equipe gestora na mediação de conflitos.

Consideramos ainda que a(o) psicóloga(o) escolar pode propor ações junto aos atores educativos, pautadas nos pressupostos teóricos da psicologia social e no compromisso com as demandas sociais e institucionais. Além disso, concordamos com Feitosa e Araujo (2018Feitosa, L. R. C., & Araujo, C. M. M. (2018). O papel do psicólogo na educação profissional e tecnológica: Contribuições da psicologia escolar. Estudos de Psicologia, 35(2), 181-191. https://doi.org/10.1590/1982-02752018000200007
https://doi.org/https://doi.org/10.1590/...
), ao defender a necessidade de a(o) psicóloga(o) escolar voltar seu fazer para a saúde psicológica, na construção de estratégias de intervenção que promovam um melhor bem-estar dos alunos e professoras(es). Além disso, esse profissional deve atuar como mediador da construção de diversas estratégias formativas e das possibilidades de aprendizagens dos indivíduos.

Torna-se relevante citarmos que as(os) estudiosas(os) da educação e psicologia em consenso reconhecem a necessidade da interlocução entre a psicologia escolar e a educação inclusiva no país (Acuna, 2020Acuna, J. T. (2020). Perspectivas de professores sobre o suporte do psicólogo escolar ao processo de inclusão educacional. Revista de Psicologia da UNESP, 19(1), 88-100. https://doi.org/10.5935/1984-9044.20200007
https://doi.org/https://doi.org/10.5935/...
; Gomes & Souza, 2011Gomes, C., & Souza, V. L. T. (2011). Educação, psicologia escolar e inclusão: Aproximações necessárias. Revista Psicopedagogia, 28(86), 185-193. http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-848620110 00200009&lng=pt&nrm=iso&tlng=pt
http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?scr...
; Souza et al., 2014Souza, M. P. R., Ramos, C. J. M., Lima, C. P., Barbosa, D. R., Calado, V. A., & Yamamoto, K. (2014). Atuação do psicólogo na educação: Análise de publicações científicas brasileiras. Psicologia da Educação, (38), 123-138. https://revistas.pucsp.br/index.php/psicoeduca/article/view/22808
https://revistas.pucsp.br/index.php/psic...
). De maneira geral, consideramos que a psicologia deve disponibilizar suas técnicas para uma melhor adaptação do aluno com deficiência, visando sua socialização, ao contribuir com o desenvolvimento psicossocial no processo de ensino e aprendizagem.

Por outro lado, chamamos a atenção para a importância da capacitação da(o) psicóloga(o) escolar para atuar em escolas inclusivas. Dessa forma, recomendamos a importância dos espaços de formação continuada em educação inclusiva que oportunizam não somente a atualização e o desenvolvimento de novas competências para as(os) psicólogas(os) escolares, mas também a busca pela melhoria da qualidade e da funcionalidade dos serviços prestados à sociedade, baseado no compromisso social da psicologia (Matos & Rossato, 2020Matos, C. A., & Rossato, M. M. (2020). A dimensão subjetiva da profissão de psicólogo escolar: Desafios aos processos formativos. Psicologia Escolar e Educacional , 24, e220140, 1-8. https://doi.org/10.1590/2175-35392020220140
https://doi.org/https://doi.org/10.1590/...
).

Cabe ainda destacar que, em 2003, a campanha “Educação Inclusiva - Direitos Humanos na Escola!”, lançada pelo CFP, resultou em um importante passo para o debate sobre a inclusão escolar e a atuação das(os) psicólogas(os) (CFP, 2004Conselho Federal de Psicologia. (2004). 3 anos de compromisso social: Relatório de gestão. CFP. http://www.pol.org.br/publicacoes/pdf/relatorio_gestao.pdf
http://www.pol.org.br/publicacoes/pdf/re...
). A campanha originou a obra Psicologia e Direitos Humanos: Educação Inclusiva, Direitos Humanos na Escola (Machado et al., 2005Machado, A. M., Veiga Neto, A. J., Neves, M. M. B. J., Silva, M. V. O., Prieto, R. G., Ranńa, W, & Abenhaim, E. (2005). Psicologia e direitos humanos: Educaçăo inclusiva, direitos humanos na escola. Casa do Psicólogo.). Dessa obra, consideramos que a psicologia deve colaborar no processo de inclusão, de que todas(os) as(os) estudantes possam se beneficiar, mesmo diante das diversidades e individualidades na escola. Além disso, argumentamos que a diversidade e a complexidade das relações entre fatores biológicos, psicológicos e ambientais envolvidos no atendimento de alunos com deficiência explicam a importância do fazer psicológico para o processo de inclusão escolar.

Do exposto, concluímos que a interlocução entre psicologia e educação visa promover uma educação inclusiva, integradora, efetiva e transformadora. A união dessas duas ciências que fazem parte da vivência humana é a chance para se construir uma educação para todos e de todos.

Contribuições da(o) psicóloga(o) escolar na educação inclusiva brasileira: dos caminhos trilhados aos desafios

Pensar nas contribuições da atuação das(os) psicólogas(os) escolares para uma educação inclusiva no Brasil demanda, inicialmente, discutir de forma breve sobre a formação desses profissionais. Nesse sentido, em 1962, a partir da implementação da Lei n° 4.119, a profissão de psicóloga(o) e o curso de psicologia são oficialmente regulamentados no país (Lei n. 4.119, 1962Lei n. 4.119, de 27 de agosto de 1962. (5 set. 1962). Dispõe sobre os cursos de formação em psicologia e regulamenta a profissão de psicólogo. Diário Oficial da União. https://www2.camara.leg.br/legin/fed/lei/1960-1969/lei-4119-27-agosto-1962-353841-publicacaooriginal-1-pl.html
https://www2.camara.leg.br/legin/fed/lei...
). Desde então, é cada vez maior a demanda por cursos de graduação em psicologia em nosso país. Sobre isso, o Ministério da Educação, em 2020, reportou que há 937 cursos de psicologia cadastrados no Brasil e 118 ainda estão em processo de abertura, o que indica uma progressiva ampliação (Brasil, 2020Brasil. (2020). Ministério da Educação. Cadastro nacional de cursos e instituições de educação superior: Cadastro e-MEC. e-MEC. http://emec.mec.gov.br/
http://emec.mec.gov.br/...
). Em decorrência disso, um levantamento realizado pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), em 2020, revelou que 34.136 indivíduos concluíram sua graduação em psicologia, o que se reflete no crescimento de novos profissionais atuantes em território nacional (Inep, 2020Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira. (2020). Censo da educação superior 2020. Ministério da Educação. https://download.inep.gov.br/educacao_superior/censo_superior/documentos/2020/tabelas_de_divulgacao_censo_da_educacao_superior_2020.pdf
https://download.inep.gov.br/educacao_su...
).

De modo sintético, a esse respeito, observamos uma preocupação por parte das instituições de ensino superior públicas e privadas com a formação profissional em psicologia. Todavia, esse número de cursos requer que nos preocupemos com seus fundamentos teórico-metodológicos e os rumos desse campo disciplinar no nosso país. Por outro lado, sabe-se que todos os cursos de psicologia estão às voltas com o Parecer Conselho Nacional de Educação (CNE)/Câmara de Educação Superior (CES) nº 0062, de 7 de maio de 2004 (Parecer n. 62, 2004Parecer CNE/CES n. 62/2004, aprovado em 19 de fevereiro de 2004. (12 abr. 2004). Institui diretrizes curriculares nacionais do curso de graduação em psicologia. Diário Oficial da União . http://portal.mec.gov.br/cne/arquivos/pdf/ces062.pdf
http://portal.mec.gov.br/cne/arquivos/pd...
), que institui as Diretrizes Curriculares Nacionais (DCNs) para os cursos de graduação em psicologia. De acordo com as DCNs, os cursos devem estruturar uma matriz curricular que contemple uma formação ampla para a(o) psicóloga(o), respeitando a multiplicidade de suas concepções teóricas e metodológicas, originadas em diferentes paradigmas e formas distintas de entender a ciência, assim como a diversidade de suas práticas e contextos de atuação.

Diante desse documento, ressaltamos ainda, para este estudo, a ênfase de formação “Psicologia e Processos Educativos”, que se configura como responsável pela formação em psicologia escolar. De acordo com o item b do artigo 12º, essa ênfase compreende a concentração nas competências para diagnosticar necessidades, planejar condições e realizar procedimentos que envolvam o processo de educação e de ensino-aprendizagem por meio do desenvolvimento de conhecimentos, habilidades, atitudes e valores de indivíduos e grupos em distintos contextos institucionais em que tais necessidades sejam detectadas (Parecer n. 62, 2004Parecer CNE/CES n. 62/2004, aprovado em 19 de fevereiro de 2004. (12 abr. 2004). Institui diretrizes curriculares nacionais do curso de graduação em psicologia. Diário Oficial da União . http://portal.mec.gov.br/cne/arquivos/pdf/ces062.pdf
http://portal.mec.gov.br/cne/arquivos/pd...
, p. 9).

Por conseguinte, emerge-se o Parecer CNE/CES nº 1.071, de 4 de dezembro de 2019, que reforça e recomenda expressamente a necessidade de instituições com cursos de graduação em psicologia assegurarem aos discentes uma formação que congrega estrutura curricular, conteúdos e estratégias de ensino-aprendizagem que propiciem o saber contextualizado nas transformações sociais e ancorado na diversidade de instrumentos que promovam a inclusão, autonomia, pensamento crítico e ética (Parecer n. 1.071, 2019Parecer CNE/CES n. 1071/2019, aprovado em 4 de dezembro de 2019. (4 dez. 2019). Revisão das diretrizes curriculares nacionais (DCNs) dos cursos de graduação em psicologia e o estabelecimento de normas para o projeto pedagógico complementar (PPC) para a formação de professores de psicologia. Ministério da Educação. http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_docman&view=download&alias=139201- pces1071-19&category_slug=dezembro-2019-pdf&Itemid=30192
http://portal.mec.gov.br/index.php?optio...
). Ademais, informamos que até o momento que escrevemos este texto, o parecer ainda permanece aguardando homologação pelo Ministério da Educação.

Tomando por base tudo que foi exposto até aqui, é possível pensar que, embora os documentos mencionados não destaquem diretamente a necessidade de discutir acerca da educação inclusiva nesse nível de ensino, contemplam que a(o) psicóloga(o) deve desenvolver habilidades específicas, dentre elas, ser capaz de atuar no contexto educacional, levando em consideração os aspectos sociais e os direitos humanos e dando importância à promoção da qualidade de vida dos indivíduos, grupos, organizações e comunidades. Considerando essa visão de atuação, cabe à(ao) psicóloga(o) lutar pela defesa da sociedade e da educação inclusiva, se concentrando no respeito às diferenças que a raça, o nível socioeconômico, a cultura, a religião, a orientação sexual, a idade, a deficiência ou as necessidades educacionais especiais suscitam na busca de uma vida mais digna para todas(os) (Barroco & Souza, 2012Barroco, S. M. S., & Souza, M. P. R. (2012). Contribuições da psicologia histórico-cultural para a formação e atuação do psicólogo em contexto de educação inclusiva. Psicologia USP, 23(1), 111-132. https://doi.org/10.1590/S0103-65642012000100006
https://doi.org/https://doi.org/10.1590/...
). Isso posto, compreendemos a necessidade de abordar conteúdos acerca da educação inclusiva em uma atualização futura das DCNs dos cursos de psicologia no país, podendo fazer parte da disciplina psicologia escolar.

Nesse contexto, é relevante citar que a formação em psicologia escolar, dentre as várias especialidades da área de psicologia, é aquela que lida mais diretamente com as(os) alunas(os) com deficiência, que tem sido alvo do apoio da educação inclusiva. No sentido mais amplo, a atuação de psicóloga(o) escolar, no Brasil, possui uma longa história, expressando caminhos e desafios na trajetória da psicologia como ciência e profissão no interior da constituição do Estado Brasileiro, ao voltar seus olhos para importantes discussões, como por exemplo, a inclusão escolar no país, em prol de melhorias de acesso e assistência aos alunos com deficiência. Diante dessa breve contextualização, emerge-se a importância da atuação da(o) psicóloga(o) escolar na educação inclusiva para que seja possível desenvolver uma perspectiva crítica do processo de educação dentro do contexto do país, levando em consideração os problemas existentes (Souza et al., 2014Souza, M. P. R., Ramos, C. J. M., Lima, C. P., Barbosa, D. R., Calado, V. A., & Yamamoto, K. (2014). Atuação do psicólogo na educação: Análise de publicações científicas brasileiras. Psicologia da Educação, (38), 123-138. https://revistas.pucsp.br/index.php/psicoeduca/article/view/22808
https://revistas.pucsp.br/index.php/psic...
). Por isso, afirmamos que a(o) psicóloga(o) inserida(o) na escola precisa colaborar com o processo de ensino e aprendizagem das crianças e adolescentes com deficiência, ou aquelas que, por algum motivo, encontrarem dificuldades de aprender e conviver com as demais.

Partindo dessa premissa, explanamos que, ao entrar em contato com o contexto de diversidade, deve-se ter o cuidado para que esses indivíduos se sintam acolhidos com suas particularidades. Assim, a inclusão é uma temática que necessita ser debatida com bastante sensibilidade, já que nem todas(os) as(os) estudantes têm seu processo de socialização igual e que nem todos se apresentam dentro de um padrão, mas sim sempre inseridos e limitados à sua potencialidade intelectual. É no campo da educação inclusiva que a(o) psicóloga(o) escolar pode utilizar de intervenções e técnicas específicas da ciência psicológica para compreender os processos de escolarização visando não focar nas limitações, e sim nas oportunidades de transformação e mudança. Corroboram com essas reflexões Minghetti e Kanan (2010Minghetti, L. R., & Kanan, L. A. (2010). Atuação do psicólogo no contexto da inclusão escolar de crianças com necessidades especiais. Visão Global, 13(2), 419-440. https://portalperiodicos.unoesc.edu.br/visaoglobal/article/view/968
https://portalperiodicos.unoesc.edu.br/v...
), ao defenderem a importância desse profissional auxiliar para melhoria da qualidade da educação, o que prioriza a construção de uma educação positiva e para o desenvolvimento saudável das crianças e dos adolescentes com deficiência na escola.

Diante disso, pontuamos a importância da avaliação psicológica feita por profissionais em psicologia escolar ao promover informações relevantes sobre as especificidades desses alunos, para que possam receber as práticas educativas adequadas à sua condição (Gomes & Souza, 2011Gomes, C., & Souza, V. L. T. (2011). Educação, psicologia escolar e inclusão: Aproximações necessárias. Revista Psicopedagogia, 28(86), 185-193. http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-848620110 00200009&lng=pt&nrm=iso&tlng=pt
http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?scr...
). Por sua vez, recomendamos que esses profissionais priorizem o entendimento da aprendizagem como um processo complexo que respeita a individualidade da subjetividade humana e promovam o desenvolvimento.

Para tanto, reforçamos a necessidade do trabalho conjunto entre as(os) psicólogas(os), professoras(es), familiares e as(os) gestoras(es) escolares. Ainda, apoiados em Chaves, Silva e Cavalcante (2018Chaves, J. R., Silva, P. F., & Cavalcante, A. C. S. (2018). “Na essência somos iguais, na diferença nos respeitamos”: Estágio em psicologia escolar. Psicologia Escolar e Educacional , 22(3), 643-645. https://doi.org/10.1590/2175-35392018035060
https://doi.org/https://doi.org/10.1590/...
), argumentamos a necessidade de se entender como os fatores biológicos, psicológicos e sociais interferem no processo de aprendizagem e geram repercussões sobre a subjetividade do estudante com deficiência, considerando uma visão de que o indivíduo se encontra inserido em determinado contexto social com suas próprias particularidades.

Nesse mesmo contexto, a psicologia escolar acompanha e auxilia alunos que apresentam alguma especificidade, com subsídios teóricos e métodos adequados para a concretização da inclusão desses alunos nas escolas regulares. Como mencionam Minghetti e Kanan (2010Minghetti, L. R., & Kanan, L. A. (2010). Atuação do psicólogo no contexto da inclusão escolar de crianças com necessidades especiais. Visão Global, 13(2), 419-440. https://portalperiodicos.unoesc.edu.br/visaoglobal/article/view/968
https://portalperiodicos.unoesc.edu.br/v...
), para que se haja a inclusão das(os) estudantes com deficiência, deve-se considerar sua história de vida, nível socioeconômico, cultura, etnia e raça.

A(O) psicóloga(o) escolar deve realizar um trabalho interdisciplinar com destaque para as relações interpessoais (Medeiros & Aquino, 2011Medeiros, L. G., & Aquino, F. S. B. (2011). Atuação do psicólogo escolar na rede pública de ensino: Concepções e práticas. Psicologia Argumento, 29(65), 227-236. https://periodicos.pucpr.br/psicologiaargumento/article/view/20377
https://periodicos.pucpr.br/psicologiaar...
). Ocorre que a prática interdisciplinar abre espaço para o desenvolvimento de ações junto aos professores e outros profissionais da escola, e pode-se elaborar espaços de diálogos para que os problemas experienciados na instituição possam ser debatidos e compartilhados na busca de soluções, e juntos possam determinar novos modos de olhar o aluno, evitando rótulos associados à deficiência.

Em contrapartida, temos a inexistência de recursos adequados e de apoio das(os) gestoras(es) escolares, assim como as dificuldades da realização de serviços de atendimento psicológico e a diminuição do número de alunas(os) com deficiência na classe regular devido aos obstáculos encontrados pelos pais para realizar matrículas nas instituições públicas ou privadas de ensino regular. São alguns dos grandes desafios enfrentados pelas(os) psicólogas(os) escolares para realizar ações inclusivas nas escolas brasileiras (Acuna, 2020Acuna, J. T. (2020). Perspectivas de professores sobre o suporte do psicólogo escolar ao processo de inclusão educacional. Revista de Psicologia da UNESP, 19(1), 88-100. https://doi.org/10.5935/1984-9044.20200007
https://doi.org/https://doi.org/10.5935/...
).

É preciso lembrar que ainda existe tendência de a(o) psicóloga(o) escolar utilizar em sua prática intervenções de caráter corretivo e/ou de adaptação comportamental, o que foge da proposta de inclusão escolar. Nesse caso, é preciso que esse profissional saia do ambiente do atendimento clínico e esteja mais presente no processo de aprendizado das(os) alunas(os) com deficiência, por meio da observação dos contextos interativos em sala de aula, entre as(os) estudantes com/sem deficiência, professoras(es) e atores educacionais.

Diante do exposto e por considerar os desafios da educação inclusiva no país, entendemos que a(o) psicóloga(o) escolar necessita desenvolver seu exercício profissional guiado pela ética e pelo compromisso social, para colaborar significativamente no processo de inclusão das(os) estudantes com deficiência na escola, refletindo criticamente e se esforçando e contribuindo para uma educação mais igualitária, combatendo a segregação que permeia o indivíduo com deficiência na comunidade escolar.

Pensar nas contribuições da(o) psicóloga(o) escolar na educação inclusiva brasileira é ter em mente a adoção de uma prática profissional mais comprometida socialmente como elemento central no processo educacional, ao entender as diferentes e complexas dinâmicas das representações sociais dos indivíduos acerca da deficiência, e que a partir disso, poderão ser realizadas ações de uma perspectiva teórica consistente, que opere na compreensão do desenvolvimento humano e de relações escolares de fato inclusivas.

Reflexões finais em torno da atuação da(o) psicóloga(o) escolar na educação inclusiva brasileira: conquistas, desafios e perspectivas futuras

O movimento de inclusão educacional no Brasil, que surgiu na década de 1990, com a implementação da LDB, refere-se a uma busca incessante pela melhor forma de responder à diversidade. Com esse propósito, a ideia de mudança nas escolas ao redor do país e as propostas de políticas que contemplassem a educação inclusiva têm sido pensadas para promovê-la. Baseia-se no princípio da equidade, para responder às necessidades pessoais e sociais de cada estudante e ajudar a ultrapassar os obstáculos que o impedem de aprender. Também apela à justiça social por meio da implementação de atividades que permitam a aquisição de um nível básico de competências, o que exige novas abordagens de ensino-aprendizagem que proporcionem sucesso escolar a todas(os) as(os) alunas(os) mediante uma educação mais equitativa e de qualidade.

Indo ao encontro a esse contexto, ao longo dos anos foram implementadas diversas políticas de educação inclusiva no país (AEE, LBI e PNEE na Perspectiva da Educação Inclusiva) (Decreto n. 7.611, 2011Decreto n. 7.611, de 17 de novembro de 2011. (18 nov. 2011). Dispõe sobre a educação especial, o atendimento educacional especializado e dá outras providências. Diário Oficial da União. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2011/decreto/d7611.htm
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_at...
; CPD, 2018; Lei n. 13.146, 2015Lei n. 13.146, de 6 de julho de 2015 (7 jul. 2015). Institui a lei brasileira de inclusão da pessoa com deficiência (estatuto da pessoa com deficiência). Diário Oficial da União. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13146.htm
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_at...
). Essas políticas incentivaram a inserção de profissionais na educação inclusiva, dentre eles a(o) psicóloga(o). Nesse contexto inclusivo, no que se refere à prática do profissional de psicologia escolar, há uma forte sustentação da necessidade de uma visão crítica acerca da realidade brasileira, com o compromisso do entendimento da diversidade humana para o desenvolvimento de uma sociedade mais igualitária e inclusiva.

Concordamos com Conceição et al. (2021Conceição, P. W. R., Santos, J. S., Magalhães, G. S., Carvalho, W. S., Alves, B. M. S., Santos, A. M., Mota, L. A., Carvalhos, K. R., Ferreira, L. C., Araujo. Z. A. M., & Said, E. C. B. (2021). A prática da psicologia escolar e sua contribuição na inclusão escolar de crianças atípicas. Research, Society and Development, 10(4), 1-8. https://doi.org/10.33448/RSD-V10I4.14026
https://doi.org/https://doi.org/10.33448...
) e Schmitz, Clopton, Skaar, Dredge e VanHorn (2021), quando destacam a importância do fazer da psicologia na educação inclusiva, romper com antigas tradições (modelo da clínica psicológica) e refletir sobre a necessária reformulação da prática da psicologia escolar para atender a dinâmica das mudanças ocorridas na educação básica brasileira nos últimos anos. Assim, é importante frisarmos que não é necessário a(o) psicóloga(o) trazer um saber ou uma resposta pronta, mas que ele interaja com os demais participantes da escola e elabore uma solução viável dentro do contexto da educação inclusiva. Sob essa ótica, consideramos que a atuação da(o) psicóloga(o) na escola deve estar voltada para a prevenção e intervenção nos processos de ensino e aprendizagem, buscando minimizar as dificuldades de aprendizagem e assim promover uma inclusão efetiva. Os processos psicológicos da aprendizagem dizem respeito à atuação da(o) psicóloga(o) escolar, visto que engloba aspectos como a memória, linguagem, atenção e emoções.

Destacamos ainda que, indo na contramão das conquistas das políticas de educação inclusiva no nosso país, a promulgação do Decreto nº 10.502/20, que institui a PNEE: Equitativa, Inclusiva e com Aprendizado ao Longo da Vida (Brasil 2020Brasil. (2020). Ministério da Educação. Cadastro nacional de cursos e instituições de educação superior: Cadastro e-MEC. e-MEC. http://emec.mec.gov.br/
http://emec.mec.gov.br/...
), transgride o direito à matrícula das pessoas com deficiência nas salas comuns do ensino regular, concedendo a volta do ensino regular em escolas especializadas, produzindo ainda mais segregação. Assim, qualquer modo de exclusão fere o direito à educação. A escola não pode comparar alunas(os), a instituição de ensino básico deve trabalhar e desenvolver os indivíduos segundo a capacidade de cada um. O público-alvo da educação inclusiva são estudantes que precisam de suporte para atender suas necessidades, e a escola deve buscar um ambiente para todas e todos.

Em face ao exposto, inferimos que a implementação da educação inclusiva no país é repleta de desafios, em meio a conquistas e retrocessos. Por isso, é de suma importância a(o) psicóloga(o) escolar assumir o compromisso de desenvolver ações em prol de combater práticas de culpabilização e de segregação das(os) estudantes com deficiência, ou seja, aqueles que não se enquadram em padrões normativos de desempenho social e acadêmico. A respeito disso, estudiosos(as) na área como Hashizume e Morais (2021Hashizume, C. M., & Morais, C. S. (2021). In-exclusão escolar: Reflexões epistemológicas e práticas sobre a aprendizagem do aluno com deficiência auditiva na escola regular. Cadernos de Pós-Graduação, 20(1), 111-127. https://doi.org/10.5585/cpg.v20n1.18665
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) e Mantoan (2017Mantoan, M. T. E. (2017). Inclusão, diferença e deficiência: Sentidos, deslocamentos, proposições. Inclusão Social, 10(2), 37-46. http://revista.ibict.br/inclusao/article/view/4030
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) lembram que nas escolas as diferenças se apresentam, e que serão ainda mais acentuadas pelo novo decreto instituído em 2020 pelo Governo Federal Brasileiro.

Diante dessa nova realidade, percebemos, cada vez mais, que a psicologia tem um papel de suma importância na garantia de direitos das pessoas com deficiência, na eliminação de barreiras que dificultam seu pleno exercício cidadão e aprendizagem, e no enfrentamento ao preconceito estrutural que provoca sofrimento psicológico e exclusão. Melhor dizendo, devemos seguir os princípios do código de ética da psicologia que embasa nossa prática em respeito, liberdade, dignidade e integridade do ser humano (CFP, 2005Conselho Federal de Psicologia. (2005). Código de ética profissional do psicólogo. CFP. https://site.cfp.org.br/wp-content/uploads/2012/07/codigo-de-etica-psicologia.pdf
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). Sendo assim, somos convocados e comprometidos em nosso fazer a promover saúde e colaborar para eliminação de quaisquer modos de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.

Dessa forma, devemos nos unir com professoras(es), gestoras(es) escolares e demais profissionais da educação inclusiva na luta contra as pessoas com deficiência serem matriculadas em classes e escolas especializadas. Ainda é preciso nos comprometermos em realizar debates que mobilizem os profissionais da psicologia e chamem a atenção da população brasileira para a importância da manutenção e garantia do direito ao acesso à educação regular a todas(os) as(os) estudantes com deficiência. Na prática, não podemos deixar de citar que, em 30 de outubro de 2020, o CFP realizou um debate em formato de livestream, com o tema “Educação Inclusiva: Implicações do Decreto 10.502 no Fazer da Psicologia”, no seu canal do Youtube, discutindo os impactos da nova política de educação especial, na prática da psicologia (CFP, 2020Conselho Federal de Psicologia. (2020). CFP discute impactos da nova política de educação especial no fazer da Psicologia. CFP. https://site.cfp.org.br/cfp-discute-impactos-da-nova-politica-de-educacao-especial-no-fazer-da-psicologia/
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). Assim, esse tornou-se um importante passo para iniciar as discussões sobre o referido decreto entre pesquisadores e profissionais atuantes na área da psicologia.

Sabemos que, no decorrer dos próximos anos, teremos grandes desafios pela frente para a efetivação do fazer da psicologia na educação básica que busquem a mediação das relações sociais e institucionais, pensando na construção de espaços que promovam um maior diálogo com a comunidade escolar, pretendendo promover um local de respeito às diferenças para o fortalecimento de uma escola inclusiva que possibilite a todas as crianças e todos os adolescentes com deficiência o acesso igualitário do ensino regular. Por conseguinte, salientamos que a evolução da educação inclusiva deve ser considerada uma luta diária para nós psicólogas(os), afinal, como dito anteriormente neste estudo, o objetivo da psicologia escolar é contribuir com ações e ferramentas para a inclusão das(os) alunas(os) com deficiência.

Resumidamente, em nosso país, para que haja escolas inclusivas é essencial confrontar as práticas discriminatórias e criar alternativas que venham modificá-las, para que com isso, a educação inclusiva possa assumir seu lugar central nas discussões da comunidade escolar. Exatamente por isso, ressaltamos o papel fundamental da(o) psicóloga(o) e da escola na superação e modificação da lógica da exclusão. Consequentemente, esclarecemos que não há possibilidade de inclusão e desenvolvimento de relações sociais saudáveis sem o diálogo entre os sujeitos que compõem a escola, para tanto, a mediação é a ferramenta que melhor irá pensar o contexto das(os) estudantes com deficiência na escola regular. Portanto, o processo de inclusão escolar se dá por intermédio de estratégias que priorizem fazer estas(es) alunas(os) se sentirem parte da vivência educacional.

Acreditamos que as experiências em ambiente escolar se tornam instrumentos fundamentais para o processo da formação humana, assim como da construção das identidades individuais de crianças e de adolescentes com deficiência. Nesse ínterim, a escola necessita ser um espaço seguro, isento de qualquer tipo de discriminação e segregação, sendo o lugar que deve oportunizar o desenvolvimento cognitivo, emocional, social e cultural das(os) alunas(os). Ademais, defendemos que é na escola que indivíduos em construção identitária poderão ser educados para aceitar e lidar com as diferenças, e é nossa função, como agentes educacionais, auxiliar no preparo de pessoas mais humanizadas e desfeitas de preconceitos.

Devemos passar a olhar e entender os processos de escolarização visando não focar nas limitações, e sim nas possibilidades de transformação e mudança. Sugerimos então que é necessária a união de esforços entre a psicologia e educação para um atendimento que rompa com o modelo clínico de atendimento às queixas escolares, direcionado somente para os processos de adoecimento psicológico e fracasso escolar; e passe a ser voltado para a tríade saúde mental, bem-estar e sucesso. Para tanto, é imprescindível que a(o) psicóloga(o) escolar desenvolva ações que intentem promover um vínculo afetivo e de confiança entre professor(a) e alunos(as) com deficiência, estreitando e fortalecendo as relações positivas entre os sujeitos do processo de ensino e aprendizagem. Um clima positivo em sala de aula pode influir positivamente na saúde mental e no desempenho escolar destes estudantes. Em suma, essas práticas precisam ser o presente e o futuro compromisso social da(o) psicóloga(o).

Com base nessa perspectiva, argumentamos em favor de que esse profissional deve utilizar métodos de avaliação para identificar pontos fortes e necessidades das(os) estudantes com deficiência em sua futura prática, de maneira que seja possível o desenvolvimento de intervenções, serviços e programas eficazes na promoção de inclusão escolar. Por fim, esperamos que este artigo possa contribuir para novas discussões e que possa servir de inspiração a todos aqueles que desejem atuar na área de psicologia escolar no Brasil numa perspectiva de educação inclusiva para todas(os) as(os) alunas(os) com deficiência.

Referências

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    01 Ago 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    28 Abr 2022
  • Aceito
    29 Abr 2022
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