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Do Teste ao Processo de Avaliação Psicológica: Memórias sobre a Formação do Psicólogo no Brasil

From Test to Process in Psychological Assessment: Memories on Psychology Training in Brazil

Del Test al Proceso de Evaluación Psicológica: Memorias sobre la Formación del Psicólogo en Brasil

Resumo

A temática da formação do psicólogo no Brasil no campo da avaliação psicológica ocupa importante lugar na literatura científica da área, com enfoques e levantamentos diversos. Este trabalho procura agregar conhecimento ao campo por meio de reflexão teórica e vivencial sobre diretrizes formativas em avaliação psicológica, acompanhando a construção da própria Psicologia no país. Recorreu-se a um levantamento de informações disponíveis em periódicos, anais de eventos científicos e em sites de associações científicas de Psicologia, selecionando produções qualitativamente relevantes para retratar uma perspectiva longitudinal sobre a formação em processos de avaliação psicológica, acrescentando vivências e memórias construídas ao longo de várias décadas de atuação na área. Procurou-se caracterizar algumas ações implementadas no campo desde a regulamentação da profissão até os desafios contemporâneos, enfatizando contribuições significativas de diferentes pesquisadores e grupos de investigação científica no país. O principal destaque deste trabalho está em evidenciar que a área de avaliação psicológica se movimentou no sentido de alterar sua atenção sobre os instrumentais (testes e materiais psicológicos) para os processos psicológicos envolvidos nessa prática profissional exclusiva da Psicologia no Brasil. Finaliza-se o trabalho com novos desafios impostos para essa especialidade profissional na contemporaneidade.

Palavras-chave:
Formação Profissional; Avaliação Psicológica; Teste Psicológico; Processos Avaliativos

Abstract

Professional training occupies an important place in the field of psychological assessment, appearing in the scientific literature under various approaches and surveys. This study seeks to add knowledge to this topic by means of a theoretical and experiential reflection on education guidelines, following the constitution of Psychology itself in Brazil. A bibliographical survey was carried out on journals, annals of scientific events and websites of Psychology scientific associations, selecting relevant academic productions to portrayal longitudinal perspective on training in psychological assessment, adding experiences and memories built over several decades of work. The text characterizes some actions implemented in Psychology, from its regulation to contemporary challenges, emphasizing significant contributions from different researchers and research groups in the country. Its main highlight is in revealing that psychological assessment changed its focus from instruments (psychological tests and materials) towards psychological processes involved in this professional practice that are exclusive to Brazilian Psychology. In conclusion, the paper points to contemporary new challenges imposed to this profession.

Keywords:
Professional training; Psychological assessment; Psychological test; Assessment process

Resumen

La formación de psicólogos en Brasil en el campo de la evaluación psicológica es un tema que ocupa un lugar destacado en la literatura científica del área, con diferentes enfoques y planteamientos. Este trabajo pretende contribuir con la reflexión teórica y experiencial sobre los planteamientos de formación en evaluación psicológica, siguiendo la construcción de la propia Psicología en el país. Se recogió la información disponible en revistas, anales de eventos científicos y en las páginas web de asociaciones científicas de Psicología, seleccionando las producciones cualitativamente relevantes para caracterizar una perspectiva longitudinal sobre la formación en procesos de evaluación psicológica, sumándose a experiencias y memorias construidas a lo largo de décadas de experiencia en el campo. Se buscó caracterizar algunas acciones puestas en marcha en el campo desde la regulación de la profesión hasta los desafíos contemporáneos, destacando los aportes significativos de diferentes investigadores y grupos de investigación científica del país. El principal destaque de este trabajo es mostrar que el área de evaluación psicológica pasó a trasladar su atención de las herramientas (tests y materiales psicológicos) a los procesos psicológicos involucrados en esta práctica profesional exclusiva de la Psicología en Brasil. Se finaliza con los nuevos retos impuestos para esta especialidad profesional en la contemporaneidad.

Palabras clave:
Formación Profesional; Evaluación Psicológica; Test Psicológico; Procesos de Evaluación

A história da avaliação psicológica no Brasil se entremeia com a história da própria profissão de psicólogo. Mesmo antes de existir essa carreira oficializada, existiam profissionais (médicos, pedagogos, administradores, educadores) que executavam o “fazer psicológico”, que, entre outras atividades, envolvia a aplicação e interpretação de testes psicológicos com fins de seleção e diagnóstico psicológico (Mancebo, 2008Mancebo, D. (2008). Formação em Psicologia: gênese e primeiros desenvolvimentos. In A. M. Jacó-Vilella, F. Jabur, & H. B. C. Rodrigues (Orgs.), Clio-psyché: Histórias da psicologia no Brasil (pp. 54-71). Centro Edelstein de Pesquisas Sociais. http://grupodetrabalhoeorientacao.com.br/Virginia_Fontes/capitulos-livros/Clio-e-Psyche.pdf
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). Não foi à toa que essas tarefas passaram a constar como atividades exclusivas do psicólogo a partir da formal regulamentação de nossa profissão (Bandeira, Andrade, & Peixoto, 2021Bandeira, D. R., Andrade, J. M., & Peixoto, E. M. (2021). O uso de testes psicológicos: Formação, avaliação e critérios de restrição. Psicologia: Ciência e Profissão, 41(spe1), e252970, 1-12. https://doi.org/10.1590/1982-3703003252970
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).

Desde então, muito já foi escrito sobre o tema, tanto do ponto de vista histórico quanto da prática profissional, além de textos sobre a formação do psicólogo no Brasil (Ambiel, Baptista, Bardagi, & Santos, 2018Ambiel, R. A. M., Baptista, M. N., Bardagi, M. P., & Santos, A. A. A. (2018). Ensino da avaliação psicológica: Dificuldades relatadas por uma amostra de docentes brasileiros. Estudos e Pesquisas em Psicologia, 18(2), 516-531.; Borsa, 2016Borsa, J. C. (2016). Considerações sobre a formação e a prática em avaliação psicológica no Brasil. Trends in Psychology, 24(1), 131-143. https://doi.org/10.9788/TP2016.1-09
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; Borsa, 2021Borsa, J. C. (2021). Formação profissional em avaliação psicológica: IntegrAÇÃO entre ensino, pesquisa e extensão universitária. Revista Brasileira de Orientação Profissional, 22(1), 73-83. http://dx.doi.org/10.26707/1984-7270/2021v22n107
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; Bueno & Peixoto, 2018Bueno, J. M. H., & Peixoto, E. M. (2018). Avaliação psicológica no Brasil e no mundo. Psicologia: Ciência e Profissão , 38(3), 108-121. https://doi.org/10.1590/1982-3703000208878
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; Cardoso & Gomes, 2019Cardoso, L. M., & Gomes, G. V. A. (2019). O ensino de avaliação psicológica nas instituições de ensino superior do Ceará. Psicologia da Educação, (48), 57-68. https://dx.doi.org/10.5935/2175-3520.20190007
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; Castro, 2013Castro, P. F. (2013). Caracterização do ensino de avaliação psicológica no estado de São Paulo. Boletim de Psicologia, 63(138), 81-102. http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0006-5943 2013000100008&lng=pt&tlng=pt
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; Freires, Silva, Monteiro, Loureto, & Gouveia, 2017Freires, L. A., Silva, J. H., Filho, Monteiro, R. P., Loureto, G. D. L , & Gouveia, V. V. (2017). Ensino da avaliação psicológica no norte brasileiro: Analisando as ementas das disciplinas. Avaliação Psicológica, 16(2), 205-214. https://dx.doi.org/10.15689/AP.2017.1602.11
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; Noronha, Carvalho, Miguel, Souza, & Santos, 2010Noronha, A. P. P., Carvalho, L. F., Miguel, F. K., Souza, M. S., & Santos, M. A. (2010). Sobre o ensino de avaliação psicológica. Avaliação Psicológica , 9(1), 139-146. http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1677-04712010000100015&lng=pt&tlng=pt
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; Primi, 2018Primi, R. (2018). Avaliação psicológica no século XXI: De onde viemos e para onde vamos? Psicologia: Ciência e Profissão , 38(spe), 87-97. https://doi.org/10.1590/1982-3703000209814
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; Reppold & Noronha, 2018Reppold, C. T., & Noronha, A. P. P. (2018). Impacto dos 15 anos do Satepsi na avaliação psicológica brasileira. Psicologia: Ciência e Profissão , 38(spe), 6-15. https://doi.org/10.1590/1982-3703000208638
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). Porém, não temos conhecimento de material escrito mostrando os passos e as decisões tomadas em perspectiva longitudinal sobre o ensino dos processos de avaliação psicológica, acompanhando a construção da própria psicologia no Brasil. Então, com esse objetivo, foi pensado este artigo. Buscaremos apresentar as informações, respeitando dentro do possível alguma ordenação cronológica dos acontecimentos, permitindo-nos a articulação autoral desses achados.

Histórico por meio de eventos e congressos científicos

Para compreender os múltiplos movimentos que constituíram a profissão do psicólogo no Brasil, é preciso considerar aspectos históricos registrados por várias perspectivas, destacando-se o papel significativo que eventos científicos exerceram nesse processo. Será difícil ofertar o devido reconhecimento institucional aos inúmeros colegas que construíram esses passos da Psicologia e da avaliação psicológica no Brasil, mas certamente chegamos até aqui pelo esforço de muitos desbravadores nessa Ciência. Exemplo típico desse empenho pode ser depreendido das considerações históricas elaboradas por Custódio (2000Custódio, E. M. (2000). A história da psicologia no Brasil a partir dos primeiros boletins da sociedade de psicologia de São Paulo. Boletim de Psicologia , 50(112), 37-51., 2007Custódio, E. M. (2007). Avaliação psicológica: Ensino e pesquisa na década de sessenta. Boletim da Academia Paulista de Psicologia, 27(2), 49-66.), com destaque para a seguinte passagem de um trabalho mais recente de sua autoria:

A Sociedade de Psicologia de São Paulo (criada em 1945) passou a centralizar conhecimentos, organizar debates, formular estratégias éticas para a atuação, criar Divisões de conhecimentos, tal como ocorre até hoje na APA. Dessa maneira, a partir dela foi delineada a grade curricular dos primeiros cursos voltados para a formação dos futuros psicólogos no Brasil. Em 1957, a partir de Lei Estadual, foi possível criar o curso de Graduação em Psicologia e, em 1958, a USP criou o primeiro deles por proposta da Dra. Annita de Castilho e Marcondes Cabral. (Custódio, 2016Custódio, E. M. (2016). Os 70 anos da associação de psicologia de São Paulo, antiga sociedade de psicologia de São Paulo. Boletim de Psicologia , 66(144), 1-6., p. 2).

Fruto de várias articulações entre os profissionais que exerciam a Psicologia no Brasil, em 1962 houve a regulamentação da profissão de psicólogo no Brasil. Alguns anos mais tarde (1971) foram criados os Conselhos Federal e Regionais de Psicologia, cuja atividade regular, no entanto, iniciou-se em 1973, congregando e fortalecendo diretrizes e ações em prol da área no país.

A Sociedade de Psicologia de São Paulo, hoje Associação de Psicologia de São Paulo, desempenhou papel fundamental nesse processo, inspirada na Associação Psicológica Americana (APA) e suas Divisões Especializadas. Foi responsável por produzir a revista científica “Boletim de Psicologia”, a mais antiga do país, que atua até hoje, completando mais de sete décadas de trabalhos ininterruptos.

Nos primeiros cursos de Psicologia, os candidatos eram selecionados, além das provas de conhecimento, por avaliação psicológica para exame de suas competências para a carreira, destacando esse campo técnico-científico da área. O retrato dessa experiência nos é compartilhado por colegas que se formaram nas décadas de 1960 na Pontifícia Universidade Católica (PUC), como mostra Custódio (2007Custódio, E. M. (2007). Avaliação psicológica: Ensino e pesquisa na década de sessenta. Boletim da Academia Paulista de Psicologia, 27(2), 49-66.): “Demonstrava-se a confiança nos resultados dos testes, inclusive os projetivos, entre eles uma forma de aplicação coletiva do Rorschach, o Harrover, publicado em 1943, ou o Z-Teste de Zulliger, de 1948” (p. 50). Havia grande ênfase formativa em pesquisa na Universidade de São Paulo (USP), afinal se fazia necessário produzir conhecimento psicológico no Brasil, muito dele embasado em diferentes instrumentos de avaliação psicológica. A prática, durante a graduação em Psicologia, também envolvia desenvolvimento de estudos de caso, com realização completa de psicodiagnósticos.

É interessante acompanhar os registros disponíveis sobre esse processo nos vários cursos iniciais de Psicologia instituídos no Brasil. Nesse sentido, sugere-se a consulta ao material disponibilizado pelo Centro de Memória (2001-2015) e pelo Museu de Psicologia (2015-2020) do Instituto de Psicologia da USP (IPUSP), idealizado e, inicialmente, coordenado pelo Prof. César Ades. O Museu se encontra sediado na Biblioteca Dante Moreira Leite no IPUSP, e tem um imenso acervo, em que se resgata, preserva e divulga a memória da Psicologia na USP, destacando-se os vídeos produzidos com grandes pesquisadores do Brasil, integrando ações articuladas pela instituição em parceria com o Conselho Regional de Psicologia de São Paulo e a Academia Paulista de Psicologia (Sabadini, 2020Sabadini, A. A. Z. P. (2020). De centro de memória a museu de psicologia do instituto de psicologia da universidade de São Paulo. In M. P. R. Souza, A. E. A. Antúnez, & A. A. Z. P. Sabadini (Orgs.), 50 Anos do instituto de psicologia da universidade de São Paulo (pp. 130-179). Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo.). Vale comentar que o IPUSP instituiu locais específicos para acervo de materiais de avaliação psicológica, preservando seu acesso a estudantes e profissionais autorizados, com salas destinadas para livros, manuais, dissertações e teses, além dos próprios instrumentos. Esses cuidados institucionais forneceram respaldo técnico para a qualidade da formação oferecida nesse campo, como atesta o histórico de seus profissionais.

Paralelamente aos estudos realizados na região de São Paulo, havia sido criado um curso de Psicologia na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto (FFCLRP) da Universidade de São Paulo, com primeiro ano letivo em 1964, com a colaboração da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP). Buscava-se integrar a Psicologia às demandas socioculturais da época, fomentando o espírito de investigação científica e seu potencial transformador da realidade.

No desenrolar das atividades formativas realizadas durante a graduação em Psicologia, docentes e discentes ligados à FFCLRP e à FMRP se motivaram para criar a Sociedade de Psicologia de Ribeirão Preto (SPRP) em 1971, hoje Sociedade Brasileira de Psicologia - SBP (https://www.sbponline.org.br/). Essa associação exerceu papel essencial na articulação dos profissionais de Psicologia no Brasil e, por conseguinte, na formação ofertada nos cursos de graduação, com muitos investimentos em estudos voltados à qualificação dos psicólogos. Inicialmente de alcance local, essa associação científica se organizou em Divisões Especializadas e em Divisões Regionais, agregando os diferentes Estados da Federação em suas variadas perspectivas de estudo do comportamento, estimulando a pesquisa e a aplicação do conhecimento. Entre as diversas divisões, existia uma Divisão de Técnicas de Exame Psicológico (TEP), responsável por desenvolver atividades na área de avaliação psicológica durante as Reuniões Anuais (RA), funcionando como embrião de movimentos de articulação entre docentes e pesquisadores da área (Otero, 2010Otero, V. R. L. (2010). Sociedade brasileira de psicologia, 40 anos: Da semente aos frutos. Temas em Psicologia, 18(2), 277-282. https://www.sbponline.org.br/arquivos/v18n2a03.pdf
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).

Em 1973, durante a III Reunião Anual da SPRP, houve uma Mesa Redonda voltada aos Currículos dos Cursos de Psicologia no Brasil, coordenada pelo Prof. Reinier Rozestraten, cujo foco foi a qualificação profissional no país, em especial na área de Avaliação Psicológica. Essas iniciativas ocorreram também em anos posteriores, existindo sempre alguma atividade voltada à temática da formação do profissional de Psicologia, emergindo o debate entre as normativas institucionais e as demandas da sociedade, em especial no campo dos testes psicológicos. Basta acompanhar os resumos dos trabalhos publicados nas reuniões anuais da SBP (https://www.sbponline.org.br/anais-e-resumos) para acompanhar esse processo. No início da década de 1980, houve investimentos importantes na discussão sobre os chamados “exames psicotécnicos”, sendo o coordenador da Divisão de Técnicas de Exame Psicológico o Professor André Jacquemin.

Segundo Wechsler, Hutz e Primi (2019Wechsler, S. M., Hutz, C. S., & Primi, R. (2019). O desenvolvimento da avaliação psicológica no Brasil: Avanços históricos e desafios. Avaliação Psicológica , 18(2), 121-128. https://dx.doi.org/10.15689/ap.2019.1802.15466.02
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), por parte do Sistema Conselhos, também havia ações que revelavam cuidados relacionados com a qualidade da avaliação psicológica no país nessa mesma época. Um exemplo de ações nesse sentido é lembrado por Pasquali (2016Pasquali, L. (2016). Os testes psicológicos no Brasil. In L. Pasquali (Ed.), TEP-técnicas de exame psicológico: Os fundamentos (2ª ed.), (pp. 201-220). Vetor Editora.), revelando que, no início da década de 1980, o Conselho Regional de Psicologia-01 (CRP-01) trouxe pesquisadores de destaque, como Aroldo Rodrigues e Carolina Bori, para participarem de reuniões de definição de políticas para a área.

Nesse mesmo período, teve início uma sequência de eventos na área de testes psicológicos no Rio Grande do Sul, por iniciativa da Comissão de Métodos e Técnicas Psicológicas do Conselho Regional de Psicologia 07 (CRP-07) (década de 1980). Essa comissão organizou os tradicionais “Encontros sobre Testes Psicológicos” (Bandeira, Trentini, Winck, & Lieberknetch, 2006Bandeira, D. R., Trentini, C. M., Winck, G. E., & Lieberknetch, L. (2006). Considerações sobre as técnicas projetivas no contexto atual. In A. P. P. Noronha, A. A. A. Santos, & F. F. Sisto (Org.), Facetas do fazer em avaliação psicológica (pp. 125-139). Vetor Editora.). O primeiro deles se deu em 1986, tendo como palestrante Jurema Alcides Cunha. Teve como tema central discussões em pequenos e grandes grupos sobre o uso e o ensino de testes psicológicos. Os grupos foram formados especialmente por profissionais e professores da área vindos do Rio Grande do Sul e de Santa Catarina. Além de discutir a situação dos testes psicológicos na época, as diferentes metodologias de ensino e a necessidade de um encontro nacional sobre a temática, verificou-se a necessidade de atualização e melhorias em seus manuais, inclusive com a introdução de referencial teórico dos testes. Falava-se na época em uma “maré antiteste”, causada em especial por instrumentos psicológicos mal adaptados à realidade brasileira, desconhecimento da técnica por parte dos profissionais e o fato de o teste servir como “depositário das críticas à Psicologia como um todo” (CRP-07, 1987Conselho Regional de Psicologia 7ª Região. (1987). I encontro sobre testes psicológicos e II encontro sobre testes psicológicos. CRP-07., p. 12).

Enquanto, por um lado, avançavam os conhecimentos e a pesquisa científica na área de avaliação psicológica, por outro, coexistia um movimento no Brasil que se contrapunha a esse desenvolvimento e posicionava-se contrário aos testes psicológicos como conteúdo relevante para a formação profissional de Psicologia. Caracterizava-se o que ficou conhecido como “movimento antitestes”, de acordo com Custódio (2007Custódio, E. M. (2007). Avaliação psicológica: Ensino e pesquisa na década de sessenta. Boletim da Academia Paulista de Psicologia, 27(2), 49-66.) e CRP-07 (1987Conselho Regional de Psicologia 7ª Região. (1987). I encontro sobre testes psicológicos e II encontro sobre testes psicológicos. CRP-07.). Os pesquisadores e professores da área de avaliação psicológica realizavam, então, manifestos e produções científicas evidenciadoras da necessidade de formação qualificada, problematizando os currículos de Psicologia vigentes.

Com relação ao ensino, o foco da formação estava na aplicação e correção de testes psicológicos, mas já naquela época se falava da importância de se enfatizar uma visão mais humanista nos processos de avaliação psicológica, em que a técnica estaria a serviço da pessoa. Além disso, os argumentos apontavam para a necessidade de se unir técnica e teoria, integrando a formação em testagem psicológica com outras disciplinas do currículo de graduação em Psicologia, na época seguindo as diretrizes mínimas instituídas do currículo vigente para a graduação em Psicologia.

O “II Encontro sobre Testes Psicológicos”, coordenado pelo Conselho Regional do Rio Grande do Sul, ocorreu em 1987, um ano após o primeiro, e recebeu número considerável de palestrantes de outros estados (por exemplo, Eva Nick, André Jacquemin, Odette Lourenção Van Kolck), além de palestrantes locais (Cícero Vaz, Jurema Alcides Cunha, Irani Argimon, entre outros). Nesse evento, foram realizadas palestras sobre o uso de testes em diferentes contextos, validade dos testes, dificuldades no uso de testes no Brasil e a importância dos testes no psicodiagnóstico. Interessante perceber que, apesar de o ensino de testes ser uma preocupação, os anais desse evento científico não registram a existência de um grupo de discussão entre professores de testes psicológicos (CRP-07, 1987Conselho Regional de Psicologia 7ª Região. (1987). I encontro sobre testes psicológicos e II encontro sobre testes psicológicos. CRP-07.).

Eventos semelhantes foram organizados por vários anos consecutivos por essa comissão do CRP-07, de que não foram encontrados registros sistemáticos (1988, 1989, 1992). As reuniões temáticas entre professores de testes psicológicos passaram a se constituir um dos pontos altos desses eventos, permitindo troca de experiências e articulação nas estratégias de ensino na área, fortalecendo um movimento que se expandia para as demais regiões do Brasil, visto que ali havia participação de diversos Estados. Uma das estratégias pensadas para aprimorar a pesquisa e a formação qualificada em avaliação psicológica foi a criação de novas associações científicas voltadas a esse conteúdo, com representatividade nacional, argumento que sensibilizou vários pesquisadores e gerou iniciativas nessa direção.

Nesse contexto, teve também grande importância o Grupo de Trabalho (GT) “Perspectivas de Avaliação e Diagnóstico em Psicologia”, criado e atuante na Associação Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Psicologia (Anpepp), com reuniões realizadas em 1988, 1989, e mais regularmente a partir de 1998, com o nome de GT “Pesquisa em Avaliação Psicológica”. Podemos dizer que as reuniões da Anpepp por meio dos GTs voltados para avaliação psicológica constituíram outro fator de desenvolvimento da área. Nomes como Odette Lourenção Van Kolck, Cláudio Hutz, Latife Yazigi, Luiz Pasquali e André Jacquemin estão entre os pioneiros dos GTs da área. Relatos detalhados das atividades desses GTs e seu impacto na avaliação no Brasil são apresentados nos trabalhos de Nascimento e Vasconcelos (2016Nascimento, E., & Vasconcelos, A. G. (2016). O percurso da avaliação psicológica nos Simpósios da Anpepp. Avaliação Psicológica , 15(1), 125-128. https://doi.org/10.15689/ap.2016.1501.13
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) e Noronha, Reppold, Bandeira e Santos (no prelo)Noronha, A. P. P., Reppold, C. T., Bandeira, D. R., & Santos, A. A. A. (no prelo). The development of psychological assessment in Brazil and its challenges for the future. Psicologia: Teoria e Pesquisa.. Suas atividades se proliferaram de modo que, em 2008, já existiam três GTs dirigidos ao campo da Avaliação Psicológica nos Simpósios da Anpepp, tendência que permitiu o nascimento de novos GTs em anos posteriores, hoje totalizando seis GTs na área.

Retomando os elementos constitutivos desse desenvolvimento, há que se relembrar que, paralelamente aos eventos científicos sobre testes psicológicos realizados na região Sul do Brasil desde a década de 1980, existiam os esforços de aprimoramento da área em atividades da Sociedade Brasileira de Psicologia, reforçando a necessidade de maior articulação entre professores e pesquisadores da área de avaliação psicológica. Um fruto dessa mobilização da época e dos encontros dos GTs da Anpepp foi a criação, no ano de 1993, da Associação Brasileira de Rorschach e Métodos Projetivos (ASBRo), inicialmente com o nome de Sociedade Brasileira de Rorschach e Métodos Projetivos (https://www.asbro.org.br/historico). Merecem ser lembrados como fundadores dessa associação científica os professores André Jacquemin, Latife Yazigi, Sonia Regina Loureiro, Cícero Emidio Vaz, Sonia Regina Pasian e Anna Elisa de Villemor Amaral. A ASBRo impulsionou o ensino, a pesquisa e a formação qualificada em processos de avaliação psicológica, filiando-se, desde seu início, à International Society of Rorschach (ISR), acompanhando os avanços técnico-científicos nacionais e internacionais na área de métodos projetivos.

Ainda em 1993, por estímulos de vários colegas da área, também foi constituída a Associação Brasileira de Orientação Profissional (Abop, https://abopbrasil.org.br/quem-somos/), caminhando em busca de aprimoramentos nos instrumentais utilizados nessa área de aplicação da avaliação psicológica. Cabe lembrar que essas aproximações entre diferentes campos de aplicação dos processos psicodiagnósticos era articulada também nos GTs da Anpepp.

Na linha do crescimento nacional do campo da avaliação psicológica, também em 1993, o estado de Minas Gerais passou a figurar como um dos importantes polos para o desenvolvimento da área. Recuperava, assim, um protagonismo já anteriormente exercido no início do século XIX pela psicóloga e pedagoga Helena Antipoff, com seus estudos sobre inteligência, provas intelectuais e excepcionalidade, como bem nos lembra Campos (2003Campos, R. H. F. (2003). Helena Antipoff: Razão e sensibilidade na psicologia e na educação. Estudos Avançados, 17(49), 209-231. https://doi.org/10.1590/S0103-40142003000300013
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) em seu artigo intitulado “Helena Antipoff: razão e sensibilidade na psicologia e na educação”. Ao se concretizar o I Encontro Mineiro “O Uso de Testes Psicológicos” em 1993 articulavam-se quatro instituições e cursos de Psicologia do Estado: Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC-MG), Faculdades Integradas Newton Paiva (Finp) e Fundação Mineira de Educação e Cultura (Fumec). Mais uma vez, essa iniciativa partiu de professores de disciplinas de testes psicológicos que, em reuniões periódicas, discutiam os problemas da área (Nascimento, Poelman, Lopes, & Nogueira, 1995Nascimento, E., Poelman, A. M. S., Lopes, W. M. G., & Nogueira, T. G. (1995). Anais do III Encontro Mineiro: O uso de testes psicológicos - Tendências atuais nas avaliações psicológicas. Sapsi.). Esses encontros foram se sucedendo, ano a ano, inicialmente com uma preocupação em revelar a importância dos testes psicológicos na produção científica e, posteriormente, voltando-se para os processos avaliativos da Psicologia. Dessa forma, no ano 2000 houve a mudança de nome do evento para “Encontro Mineiro de Avaliação Psicológica” (EMAP), não mais focalizando apenas a testagem psicológica em si. Nomes como Elizabeth Nascimento, Wilma Maria Guimarães Lopes, Ana Paula Pereira Passos, Carmen Flores-Mendoza e Álvaro José Lelé sempre estiveram à frente desses eventos.

Mais uma vez, voltando aos eventos produzidos na região Sul do Brasil, nota-se que ganharam maior corpo a partir de 1994, com participação de diversos professores nacionais (Latife Yazigi, Luiz Pasquali, Claudio Hutz, André Jacquemin e Cícero Vaz) e um internacional (Sidney Blatt), assim como inscritos de vários estados do Brasil. O crescimento da importância do evento foi reconhecido pela comissão organizadora, que decidiu inserir a palavra “Nacional” no seu título a partir desse ano, intitulando-se: “VI Encontro Nacional sobre Testes Psicológicos” (CRP-07, 1994Conselho Regional de Psicologia 7ª Região. (1994). Livro de programa e temas livres. CRP-07.). Nesse encontro também foram realizadas as tão esperadas reuniões de professores de testes, congregando todos os interessados em discutir essa temática, em que muito se reclamava e pouco se conseguia de efetividade em mudanças (Alchieri & Bandeira, 2002Alchieri, J., & Bandeira, D. R. (2002). Ensino da avaliação psicológica no Brasil. In R. Primi (Org.), Temas em avaliação psicológica (pp. 35-39). Ibap.). Um trecho do relatório técnico do evento mostra a importância dessas reuniões:

Um momento importantíssimo propiciado pelo Prof. Jacquemin foi sua proposição de criar-se uma comissão nacional para estudo e pesquisa sobre testes psicológicos, fala que iniciou enquanto participava da mesa-redonda e que foi complementada durante a reunião de professores de testes. Sua proposição foi clara no sentido de sugerir que esta comissão deveria estar radicada aqui no Rio Grande do Sul, vinculada à Comissão de Métodos e Técnicas Psicológicas do Conselho Regional de Psicologia - Região 07, organizadora deste Encontro. (Bandeira, 1994Bandeira, D. R. (1994). Relatório técnico do VI encontro nacional sobre testes psicológicos [Manuscrito não publicado]. Universidade Federal do Rio Grande do Sul., pp. 3-4).

Logo a seguir, em 1996, como destacam Wechsler et al. (2019Wechsler, S. M., Hutz, C. S., & Primi, R. (2019). O desenvolvimento da avaliação psicológica no Brasil: Avanços históricos e desafios. Avaliação Psicológica , 18(2), 121-128. https://dx.doi.org/10.15689/ap.2019.1802.15466.02
https://doi.org/https://dx.doi.org/10.15...
), o Conselho Regional de Psicologia de São Paulo (CRP-06) tomou a iniciativa de realizar uma reunião que tinha como pauta a urgência de estimular a pesquisa na área de avaliação psicológica, até então incipiente. Participaram desta reunião André Jacquemin, Claudio Hutz, Luiz Pasquali e Solange Wechsler. Como resultado, foi montado um grupo de trabalho encarregado de elaborar o projeto de uma entidade que assumisse a liderança para essa tarefa, ocasião em que foi constituído, em reunião da Sociedade Brasileira de Psicologia (SBP), o Instituto Brasileiro de Avaliação e Pesquisa em Psicologia (IBAPP), em 1997.

É interessante notar como essas iniciativas regionais voltadas aos aprimoramentos da avaliação psicológica no Brasil ocorreram em movimentos de avanços e recuos. Assim, enquanto o CRP-06 fortalecia a área com a criação do IBAPP (denominação inicial), existia a “maré antitestes” (Custódio, 2007Custódio, E. M. (2007). Avaliação psicológica: Ensino e pesquisa na década de sessenta. Boletim da Academia Paulista de Psicologia, 27(2), 49-66.), levando o CRP-07 (Rio Grande do Sul) a optar pela extinção da Comissão de Métodos e Técnicas Psicológicas, declinando de sua função de organizar os encontros regionais de testes. Nesse momento, parte dessa comissão (professores Denise Bandeira, Blanca Werlang, Irani Argimon, Margareth Oliveira e João Carlos Alchieri) se organizou para tomar a frente do evento, integrando as três universidades do Rio Grande do Sul com cursos de Psicologia na época, a saber: Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS) e Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos). Com isso, foi organizado em 1997 o “VII Encontro Nacional sobre Testes Psicológicos e I Congresso Ibero Americano de Avaliação Psicológica”, em conjunto com a Associación Iberoamericana de Evaluación Psicológica. Apesar de constar o termo “teste psicológico” em seu nome, as temáticas de tal evento passaram a valorizar mais os processos de avaliação psicológica, sendo que 19 das 26 diferentes atividades ofertadas no congresso (conferências, simpósios, mesas redondas e sessões abertas) apresentavam o termo “avaliação” em seu título. As mudanças de foco eram em parte advindas dos processos discutidos nas reuniões de professores de testes psicológicos e nos grupos de trabalho da Anpepp, além da influência de diferentes pesquisadores de vários países da América Latina.

O último evento organizado pela mesma comissão foi o “VIII Congresso Nacional de Avaliação Psicológica”, realizado em 1999. Foi então que o congresso fez uma virada mais radical em seu nome, representando uma necessidade da época. Passou a se chamar Congresso Nacional de Avaliação Psicológica, fortalecendo o termo Avaliação Psicológica (AP) em oposição ao termo Teste Psicológico, e alcançando representatividade nacional. As famosas reuniões de professores de testes se mantiveram e passaram a ter uma importância maior, já que foi nelas que se decidiu que o IBAPP herdaria o evento, passando a organizá-lo no formato bianual.

Em 2001, durante sua Assembleia Geral, o nome dessa entidade foi alterado para Instituto Brasileiro de Avaliação Psicológica (IBAP), tendo entre seus primeiros presidentes os professores Luiz Pasquali, Solange Wechsler e Claudio Hutz. Com o propósito de reunir e incentivar as iniciativas científicas e profissionais da área, o Ibap definiu estrategicamente o lançamento de um periódico denominado “Avaliação Psicológica” durante o I Congresso Brasileiro de Psicologia, Ciência e Profissão, que ocorreu em 2002 na cidade de São Paulo. Essa revista científica permanece atuante e profícua até hoje, e é muito bem classificada pela área de Psicologia na Coordenação de Aperfeiçoamentos de Pessoal de Nível Superior (CAPES).

Simultaneamente, fruto desse amplo movimento de fortalecimento da Avaliação Psicológica, foi reconhecido formalmente no ano de 2002, na Universidade São Francisco em Itatiba, SP, o primeiro curso de pós-graduação stricto-sensu em Psicologia, com área de concentração em Avaliação Psicológica. O curso está até hoje em funcionamento, no campus de Campinas da referida universidade, com oferta de mestrado e doutorado, sendo reconhecido pela Capes no último quadriênio (2013-2016) como um curso de excelência (nota 7).

Apesar de todas essas iniciativas (e de muitas outras que certamente existiram e aqui não foram nominadas por nossos limites de alcance histórico), os processos de avaliação psicológica continuam como área preocupante na formação profissional em Psicologia. Há muito tempo os pesquisadores e professores da área externalizam suas preocupações em manifestos e produções científicas que evidenciam a necessidade de formação qualificada, problematizando os currículos de Psicologia vigentes. Um claro resultado desse movimento foi uma nota técnica publicada na revista Avaliação Psicológica (Noronha et al., 2002Noronha, A. P. P., Ziviani, C., Hutz, C. S., Bandeira, D., Custódio, E. M., Alves, I. B., Alchieri, J. C., Borges, L. O., Pasquali, L., Primi, R., & Domingues, S. (2002). Em defesa da avaliação psicológica. Avaliação Psicológica , 1(2), 173-174. http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1677-04712002000200010&lng=pt&tlng=pt
http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?scr...
), cujo conteúdo permanece atual, mesmo após vinte anos de sua publicação.

Quanto à avaliação psicológica, este grupo entende que o perito na área é o psicólogo, mas ele precisa se valer de instrumentos adequados, entre os quais, os testes psicológicos, como auxiliares necessários para tomar decisões baseadas em normas objetivas e não no subjetivismo pericial do profissional. Evidentemente os instrumentos possuem uma série de limitações inerentes à sua condição de técnica. Por isso mesmo, a competência dos profissionais, condicionada à qualidade da sua formação, possibilitará uma compreensão mais ampla e contextualizada do processo de avaliação no qual ele está inserido, permitindo uma interpretação mais adequada dos resultados. (Noronha et al., 2002Noronha, A. P. P., Ziviani, C., Hutz, C. S., Bandeira, D., Custódio, E. M., Alves, I. B., Alchieri, J. C., Borges, L. O., Pasquali, L., Primi, R., & Domingues, S. (2002). Em defesa da avaliação psicológica. Avaliação Psicológica , 1(2), 173-174. http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1677-04712002000200010&lng=pt&tlng=pt
http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?scr...
, p. 173).

Reiteramos, portanto, a necessidade de treinar e capacitar professores na área da avaliação, aprimorar currículos, desenvolver e validar instrumentos e dar condições técnicas e éticas para que os psicólogos possam exercer a profissão com dignidade e em benefício da população. (p. 174).

Ao longo dos 60 anos de reconhecimento da profissão do psicólogo no Brasil, se faz necessário, portanto, recuperar esses passos construídos por antecessores, evitando deslizes repetitivos. Há clareza sobre o positivo impacto social do significativo conhecimento construído pela Psicologia, não apenas para um curso ou região específica do país, fazendo-se urgente retomar esses princípios em favor da formação qualificada e cientificamente fundamentada de novos profissionais, que zelem pela área e por sua aplicação em benefício à sociedade.

Neste trabalho retomamos essas breves considerações históricas de forma a resgatar o sólido trabalho desenvolvido até o momento, com clara contribuição das associações científicas nesse percurso. A seguir, enfatizamos diretrizes institucionais que nortearam os currículos de Psicologia e seus impactos nos trabalhos desenvolvidos na área de avaliação psicológica.

A formação profissional do psicólogo - do currículo mínimo às diretrizes curriculares

Para iniciar esse tópico torna-se relevante citar um trecho do trabalho desenvolvido por Rudá, Coutinho e Almeida (2015Rudá, C., Coutinho, D., & Almeida, N., Filho. (2015). Formação em psicologia no Brasil: O período do currículo mínimo (1962-2004). Memorandum, 29, 59-85.) sobre a temática. Em suas palavras:

É possível dividir a narrativa sobre a formação de psicólogos no Brasil em três períodos: (1) o período heróico - tomando emprestado o termo de Lourenço Filho (1971) -, que compreende as primeiras experiências formativas, pouco sistemáticas e de fraca regulamentação; (2) o período do Currículo Mínimo, instituído a partir da Lei n. 4.119 (1962, 27 de agosto) e do Parecer n. 403 do antigo Conselho Federal de Educação (CFE); e (3) o período das Diretrizes Curriculares Nacionais, instituídas em 2004 e reformuladas em 2011. (p. 61).

Seu trabalho argumenta sobre o impacto dessas diretrizes na prática profissional da Psicologia no país, dentro do contexto sociocultural e as mudanças vivenciadas no país. Nosso foco neste trabalho será mais circunscrito, voltando-nos a refletir sobre as consequências dessas diretrizes na qualificação do psicólogo no campo da avaliação psicológica, tendo como preocupação o acompanhamento dos avanços científicos da área que deveriam ser incorporados no processo formativo, como evidenciamos pelos movimentos e esforços realizados pelas associações científicas.

O Conselho Federal de Educação em 1962 aprovou a oferta de cursos de Psicologia, que deveriam obedecer a um Currículo Mínimo que estabelecia regras concernentes à formação na área. Na ocasião, foi deliberado que haveria um número determinado de disciplinas, formando um núcleo comum, que forneceria conhecimentos básicos de Psicologia, bem como disciplinas de formação para professores, visto que ao final dos quatro primeiros anos obtinha-se o diploma de licenciatura na área. Com mais um ano de curso era possível a obtenção do grau de psicólogo, quando eram oferecidas disciplinas específicas de formação profissional e realizados estágios supervisionados (Cury & Ferreira, 2014Cury, B. M., & Ferreira, J. L., Neto. (2014). Do currículo mínimo às diretrizes curriculares: Os estágios na formação do psicólogo. Psicologia em Revista, 20(3), 494-512. https://dx.doi.org/DOI-10.5752/P.1678-9523.2014V20N3P494
https://doi.org/https://dx.doi.org/DOI-1...
; Rudá, Coutinho & Almeida, 2015Rudá, C., Coutinho, D., & Almeida, N., Filho. (2015). Formação em psicologia no Brasil: O período do currículo mínimo (1962-2004). Memorandum, 29, 59-85.; Weber, 1985Weber, S. (1985). Currículo mínimo e o espaço da pesquisa na formação do psicólogo. Psicologia: Ciência e Profissão , 5(2). https://doi.org/10.1590/S1414-98931985000200004
https://doi.org/https://doi.org/10.1590/...
).

O Currículo Mínimo dos cursos de Psicologia foi estabelecido pelo Parecer n° 403, do Conselho Federal de Educação (CNE), acompanhado pela respectiva resolução, que passou a vigorar a partir de 1963. De acordo com essa resolução, o Currículo Mínimo do curso de Psicologia para Bacharelado e Licenciatura compreenderia sete matérias: Fisiologia; Estatística; Psicologia Geral e Experimental; Psicologia do Desenvolvimento; Psicologia da Personalidade; Psicologia Social; e Psicopatologia Geral. Por sua vez, para a obtenção do diploma de Psicólogo, seria necessário acrescentar as seguintes disciplinas obrigatórias: Técnicas de Exame e Aconselhamento Psicológico, Ética Profissional e mais três matérias (a se escolher dentre: Psicologia do Excepcional; Dinâmica de Grupo e Relações Humanas; Pedagogia Terapêutica; Psicologia do Escolar e Problemas de Aprendizagem; Teorias e Técnicas Psicoterápicas; Seleção e Orientação Profissional; e Psicologia da Indústria). Embora o conteúdo atrelado a cada disciplina citada não estivesse definido, era possível identificar que o histórico acadêmico dos profissionais de Psicologia no Brasil era bastante semelhante em termos formais, embora com qualidade questionável na medida em que os cursos foram se proliferando exponencialmente, sobretudo na rede particular de ensino superior. As dificuldades decorrentes desse processo se encontram documentadas pela literatura científica, como apontam Rudá, Coutinho e Almeida (2015Rudá, C., Coutinho, D., & Almeida, N., Filho. (2015). Formação em psicologia no Brasil: O período do currículo mínimo (1962-2004). Memorandum, 29, 59-85.), entre outros.

Críticas foram feitas a esse modelo de formação, considerando-o engessado em disciplinas com carga horária mínima pré-determinada. Dentre elas, Weber e Carraher (1982Weber, S., & Carraher, T. N. (1982). Reforma curricular ou definição de diretrizes? Uma proposta para o curso de psicologia. Psicologia, 8(1), 1-13.) julgavam que o Currículo Mínimo previa o ensino de instrumental, que embora reconhecido como científico, não favorecia o contato dos alunos com a pesquisa e a produção do conhecimento, o que dependia apenas da iniciativa de alguns professores e instituições. Vale lembrar que a iniciativa que traz à baila a discussão do que depois viria a se transformar nas diretrizes curriculares surgiu na Universidade Federal de Pernambuco, capitaneada por Weber (1985)Weber, S. (1985). Currículo mínimo e o espaço da pesquisa na formação do psicólogo. Psicologia: Ciência e Profissão , 5(2). https://doi.org/10.1590/S1414-98931985000200004
https://doi.org/https://doi.org/10.1590/...
.

Rudá, Coutinho e Almeida (2015Rudá, C., Coutinho, D., & Almeida, N., Filho. (2015). Formação em psicologia no Brasil: O período do currículo mínimo (1962-2004). Memorandum, 29, 59-85.) se referem à existência de várias experiências de reformulação de cursos de Psicologia, como as da Universidade Federal da Bahia; Universidade Federal de Pernambuco; Universidade Federal de Santa Catarina; Universidade Federal do Rio Grande do Sul, entre outras. É notório que foram as universidades públicas que se adiantaram na discussão sobre a importância de novos rumos para a formação de psicólogos. A grande defesa sobre a necessidade de mudanças foi mais intensamente abordada durante a década de 1990, quando a defesa da noção de diretrizes nacionais era feita como contestação ao currículo mínimo existente, procurando fugir das amarras de conteúdos em disciplinas previamente estabelecidos e defendendo a ideia de uma formação mais aberta e focada no desenvolvimento de habilidades que deveriam resultar em competências exigidas (Costa et al., 2012Costa, J. P., Costa, A. L. F., Lima, F. C., Seixas, P. S., Pessanha, V. C., & Yamamoto, O. H. (2012). A produção científica sobre a formação de psicólogos no Brasil. Psicologia em Pesquisa, 6(2), 130-138. https://doi.org/10.5327/Z1982-12472012000200006
https://doi.org/https://doi.org/10.5327/...
; Rocha, 1999Rocha, A., Júnior. (1999). Das discussões em torno da formação em psicologia às diretrizes curriculares. Psicologia: Teoria e Pesquisa, 1(2), 3-8.).

Desse processo resultaram novas iniciativas de revisão dos currículos de Psicologia, assunto que nunca deixou de pautar eventos científicos relevantes da área. Importante salientar que simultaneamente a mudanças ocorridas em decorrência da atuação de entidades científicas e profissionais, alterações na legislação educacional para o ensino superior também impactaram os cursos de formação em Psicologia. Em 07 de novembro de 2001 o Conselho Nacional de Educação (CNE) aprovou a primeira das versões das Diretrizes Curriculares Nacionais (DCNs) da Psicologia, retificada em fevereiro de 2002.

Embora aprovada pelo CNE, essa versão, que previa três terminalidades para o curso de Psicologia (Bacharelado, Licenciatura e Formação de Psicólogo), não chegou a ser homologada, tendo sido devolvida ao CNE para novas discussões. Resultante do trabalho de entidades reunidas no Fórum de Entidades Nacionais da Psicologia (FENPB), uma nova versão das Diretrizes Curriculares, prevendo terminalidade única, a de Formação de Psicólogo, foi homologada pelo Ministro da Educação em abril de 2004.

Gestões posteriores da Associação Brasileira de Ensino de Psicologia (Abep) e demandas do Ministério da Justiça, em razão da possibilidade de atuação em Juizados Especiais do Poder Judiciário, levaram à nova atualização das Diretrizes Curriculares Nacionais (DCNs). Desta feita, em setembro de 2007, foi incluída a possibilidade de que estágios supervisionados em outras instituições, desde que consonantes com o projeto pedagógico do curso, poderiam ser reconhecidos como estágios curriculares. Essa decisão abriu um importante espaço para a atuação de estagiários de psicologia, inclusive para a realização de processos de avaliação psicológica.

No final de 2009, um novo parecer do CNE traz especificações referentes à formação do professor de Psicologia, sendo que essa alteração só foi homologada pelo Ministro da Educação em fevereiro de 2011, quando passou a vigorar. Vale ainda salientar que, em 2019, várias entidades de Psicologia, dentre elas a Associação Brasileira de Ensino em Psicologia (Abep); Associação Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Psicologia (Anpepp); Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional (Abrapee); Conselho Federal de Psicologia (CFP); Sociedade Brasileira de Psicologia (SBP); e o Instituto Brasileiro de Avaliação Psicológica (IBAP) obtiveram aprovação do CNE para revisão das Diretrizes Curriculares Nacionais para os cursos de Psicologia. Pretendia-se o estabelecimento de normas para o Projeto Pedagógico Complementar para a Formação de Professores de Psicologia. No entanto, tal proposta ainda não foi homologada pelo MEC.

Nas Diretrizes Curriculares aprovadas em 2004 foram estabelecidas cinco possíveis ênfases para os cursos de Psicologia, sendo que em cada curso deveriam ser oferecidas, pelo menos, duas ênfases curriculares, garantindo a possibilidade de escolha por parte do aluno. Duas das ênfases então estabelecidas apresentam menção clara de atividades que dizem respeito à Avaliação Psicológica, direta ou indiretamente.

A quarta ênfase mencionada é referente à

Psicologia e processos clínicos, que envolve a concentração em competências para atuar, de forma ética e coerente com referenciais teóricos, valendo-se de processos psicodiagnósticos, de aconselhamento, psicoterapia e outras estratégias clínicas, frente a questões e demandas de ordem psicológica apresentadas por indivíduos ou grupos em distintos contextos. (Resolução n. 5, 2011Resolução n. 5, de 15 de março de 2011. (16 mar. 2011). Institui as diretrizes curriculares nacionais para os cursos de graduação em psicologia. Diário Oficial da União. http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_docman&view=download&alias=7692-rces005-11-pdf&Itemid=30192
http://portal.mec.gov.br/index.php?optio...
).

Nela, os processos psicodiagnósticos dependem expressivamente de habilidades a serem desenvolvidas no curso, de forma a garantir o estabelecimento de competências referentes ao processo de avaliação psicológica.

A quinta e última ênfase diz respeito especificamente à

Psicologia e processos de avaliação diagnóstica, que implica na concentração em competências referentes ao uso e ao desenvolvimento de diferentes recursos, estratégias e instrumentos de observação e avaliação úteis para a compreensão diagnóstica em diversos domínios e níveis de ação profissional. (Resolução n. 5, 2011Resolução n. 5, de 15 de março de 2011. (16 mar. 2011). Institui as diretrizes curriculares nacionais para os cursos de graduação em psicologia. Diário Oficial da União. http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_docman&view=download&alias=7692-rces005-11-pdf&Itemid=30192
http://portal.mec.gov.br/index.php?optio...
).

Nessa ênfase há referência direta a habilidades que precisam ser desenvolvidas nos alunos, para que apresentem todas as competências nela previstas.

Mesmo com esses avanços e possibilidades formativas, permanece atual um trecho escrito por colegas há quase duas décadas. É o seguinte:

Atualmente a situação brasileira em AP é muito diferente do observado nas primeiras visões críticas das décadas de setenta e oitenta. Longe de termos uma carência de artigos e livros, estamos com uma das maiores produções na área da América Latina, existem mais sociedades e instituições científicas na área com representação nacional, o número de dissertações e teses sobre a questão da AP permite que se preveja uma massa crítica de pesquisadores e docentes capazes de conduzir pesquisa de ponta na área e que com isto, o número de instrumentos e técnicas psicológicas tenha um correspondente de qualidade comparável e de nível internacional. Contudo, como está o ensino de avaliação psicológica, representado pelos instrumentos ensinados nos cursos de graduação? (Noronha & Alchieri, 2004Noronha, A. P. P., & Alchieri, J. C. (2004). Conhecimento em avaliação psicológica. Estudos de Psicologia, 21(1), 43-52. https://doi.org/10.1590/S0103-166X2004000100004
https://doi.org/https://doi.org/10.1590/...
, pp. 45-46).

No movimento de fortalecer a formação ofertada em processos de avaliação psicológica, houve a produção de “Diretrizes para o Ensino da Avaliação Psicológica” no Brasil. Desse documento, permitimo-nos transcrever dois importantes trechos, para reflexão neste momento:

O primeiro contato do estudante de psicologia com a avaliação psicológica, geralmente se dá por meio de um conjunto de disciplinas, que recebe denominações diferentes, de acordo com a instituição formadora, mas que tem basicamente o mesmo objetivo: desenvolver a compreensão sobre técnicas de coleta de informações, integração de dados provenientes de diferentes fontes, relato de resultados e devolução de informações, com vistas ao entendimento de um indivíduo ou grupo, proposição de intervenção e/ou tomada de decisão em relação às pessoas avaliadas. (Nunes et al., 2012Nunes, M. F. O., Muniz, M., Reppold, C. T., Faiad, C., Bueno, J. M. H., & Noronha, A. P. P. (2012). Diretrizes para o ensino de avaliação psicológica. Avaliação Psicológica , 11(2), 309-316. http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1677-04712012000200016&lng=pt&tlng=pt
http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?scr...
, p. 309).

Este documento apresenta uma proposta de diretrizes para o ensino de avaliação psicológica no Brasil. Foram respeitadas e indicadas todas as resoluções do Conselho Federal de Psicologia e o Código de Ética Profissional do psicólogo. As orientações descritas neste documento foram feitas com base em referências bem difundidas e aceitas pela comunidade científica da área. Este documento foi escrito como uma proposta de conteúdos desejáveis para as disciplinas de avaliação psicológica ao longo do curso. (Nunes et al., 2012Nunes, M. F. O., Muniz, M., Reppold, C. T., Faiad, C., Bueno, J. M. H., & Noronha, A. P. P. (2012). Diretrizes para o ensino de avaliação psicológica. Avaliação Psicológica , 11(2), 309-316. http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1677-04712012000200016&lng=pt&tlng=pt
http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?scr...
, pp. 309-310).

A partir da necessidade de melhor qualificar a formação dos psicólogos interessados na área de avaliação psicológica, pesquisadores e professores de avaliação psicológica (AP) passaram a defender a ideia de que fosse criada a Especialidade em Avaliação Psicológica. Inicialmente, tal solicitação foi veementemente negada pela Assembleia de Políticas, da Administração e das Finanças (Apaf) do Sistema Conselhos, com o argumento de que, se a avaliação psicológica é atividade exclusiva da profissão de psicólogo, não teria motivo para ser uma especialidade. A ideia defendida era a de que todo psicólogo deveria ser especialista na área!

Após a tentativa frustrada de criação da especialidade no ano de 2007, novos esforços foram feitos nos anos que se seguiram, especialmente por entidades e pesquisadores da área de Avaliação Psicológica em congressos e eventos científicos, sendo incansáveis na luta pelo reconhecimento da especialidade. Finalmente, no ano de 2018, duas entidades, a saber, a Associação Brasileira de Rorschach e Métodos Projetivos (ASBRo) e o Instituto Brasileiro de Avaliação Psicológica (Ibap) conseguiram o apoio da grande maioria das entidades do Fórum das Entidades Nacionais de Psicologia (FENPB) e obtiveram o compromisso do Conselho Federal de Psicologia de submeter, mais uma vez, à Apaf realizada em dezembro de 2018, a apreciação de um novo pedido de criação da especialidade. Desta feita, a aprovação foi obtida de forma quase unânime, sendo que, finalmente, em setembro do ano seguinte foi publicada a Resolução CFP nº 18/2019, que reconheceu a Avaliação Psicológica como especialidade da Psicologia.

A especialidade em Avaliação Psicológica contribuiu para apontar a necessidade de formação contínua e atualizada sobre a área, como fortemente argumentado em favor dos processos nela envolvidos para garantir sua adequada validade e precisão técnica. No entanto, concretamente ainda não trouxe grandes acréscimos, sobretudo diante de recentes acontecimentos. Prestes a completar 60 anos de profissão, a área de avaliação psicológica sofreu um baque. Em março de 2021, a Resolução nº 002/2003 do Conselho Federal de Psicologia (CFP) “foi parcialmente considerada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal (STF) a partir do julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI 3481)” (Noronha, Resende, Oliveira, Muniz, & Reppold, 2021Noronha, A. P. P., Resende, A. C., Oliveira, K. L., Muniz, M., & Reppold, C. T. (2021). Os impactos da ação direta de inconstitucionalidade n. 3481 na psicologia e na sociedade. Psicologia: Ciência e Profissão , 41(spe1), e252730, 1-11. https://doi.org/10.1590/1982-3703003252730
https://doi.org/https://doi.org/10.1590/...
, p. 1). O STF entendeu que restringir os testes psicológicos seria ofensivo à liberdade de manifestação do pensamento e do acesso à informação. Com isso, pela decisão do STF sobre essa ADI, os testes psicológicos podem ser adquiridos por não psicólogos, mas sem permissão legal para seu uso em prática profissional, respeitando a especificidade de atuação do psicólogo nesse campo. Essa decisão já está dada, porém ainda aguardamos os Embargos de Declaração solicitados pelo Conselho Federal de Psicologia para circunscrever, com clareza, as diretrizes anunciadas pelo STF. Esclarecimentos adicionais podem ser encontrados nas várias notícias divulgadas no site do Conselho Federal de Psicologia sobre essa temática, principalmente o número especial 01 do volume 41 de 2021 da Revista Psicologia: Ciência e Profissão (CFP, 2021Conselho Federal de Psicologia. (2021). Revista Psicologia: Ciência e Profissão lança dossiê sobre avaliação psicológica. CFP. https://site.cfp.org.br/revista-psicologia-ciencia-e-profissao-lanca-dossie-sobre-avaliacao-psicologica/
https://site.cfp.org.br/revista-psicolog...
).

Apesar de não ser uma realidade de outros países, essa jabuticaba brasileira obrigará a área de avaliação psicológica a se reinventar. Isso vem ao encontro do que foi aqui descrito em registros e em vivências: uma área que busca, de forma incessante, seu aprimoramento, desde a preocupação com a melhoria da qualidade dos testes e instrumentos avaliativos até o entendimento de que os processos de avaliação psicológica devem ser aperfeiçoados. Esse deve ser o foco de formação do profissional de Psicologia. Claro que os testes e os instrumentos psicológicos em geral devem ser estudados e validados, mas devem ser considerados como parte das técnicas necessárias para a realização de processos de avaliação psicológica. A outra parte é o próprio profissional, que necessita se especializar para melhor conduzir essa atividade que é de exclusividade da nossa profissão. Talvez esse seja o caminho a traçar e a construir para um futuro próximo.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    01 Ago 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    10 Maio 2022
  • Aceito
    10 Maio 2022
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