Acessibilidade / Reportar erro

Roubando o Nome aos Bois - Gerações e Inflexões na História da Análise Institucional no Brasil

To Call a Spade by Any Other Name: Generations and Inflections in the History of Institutional Analysis in Brazil

Llamar las Cosas por Otro Nombre - Generaciones e Inflexiones en la Historia del Análisis Institucional en Brasil

Resumo

O artigo caracteriza dois momentos na história da Análise Institucional (AI) no Brasil, com ênfase no panorama da cidade do Rio de Janeiro: o do início do século XXI, quando a AI poderia ser considerada como um “paradigma sem passado”; e o dos últimos seis anos, aproximadamente, quando se “rouba o nome aos bois”, tecendo uma rede entre a AI e outros discursos e práticas, como as lutas ligadas a concepções não jurídicas de direitos humanos, as racializadas e/ou generificadas, as decoloniais-anticoloniais etc., que repotencializam o paradigma. Em paralelo, essa abordagem se volta para a caracterização das diferentes gerações de institucionalistas brasileiros, principalmente a partir de experiências em universidades públicas. O intuito do texto é efetuar um diagnóstico do presente, e esta primeira experimentação, decerto parcial, está voltada principalmente à construção de uma genealogia ético-política da AI em nosso país, em articulação com os percursos da psicologia como saber e profissão.

Palavras-chave:
Análise Institucional; Diagnóstico do Presente; Psicologia; Ética; Política

Abstract

This paper characterizes two moments in the history of Institutional Analysis (IA) in Brazil, focusing on the city of Rio de Janeiro: the early 21st century, when IA could be considered a “paradigm without a past”; and the last six years, when it “calls a spade by any other name”, weaving a network between IA and other discourses and practices, such as those linked to non-legal conceptions of human rights, to racial and/or gender struggles, decolonial-anticolonial movements, etc, which revive the paradigm. At the same time, this approach seeks to characterize the different generations of Brazilian institutionalists, mainly based on experiences in public universities. The text strives to diagnose the present, and this first experimentation, certainly partial, seeks to build an ethical-political genealogy of IA in Brazil, in articulation with the paths of psychology as knowledge and profession.

Keywords:
Institutional Analysis; Diagnosis of the Present; Psychology; Ethics; Politics

Resumen

Este artículo plantea dos momentos de la historia del Análisis Institucional (AI) en Brasil, con énfasis en el panorama de Río de Janeiro: el del inicio del siglo XXI, cuando el AI puede considerarse como un “paradigma sin pasado”; y el de los últimos seis años aproximadamente, cuando “llama las cosas por otro nombre”, tejiendo una red entre el AI y otros discursos y prácticas, como las luchas relacionadas con las concepciones no jurídicas de los derechos humanos, las racializadas y/o generizadas, las decoloniales-anticoloniales, etc., que repotencian el paradigma. Paralelamente, esto se centra en la caracterización de las diferentes generaciones de institucionalistas brasileños, basándose principalmente en las experiencias en las universidades públicas. El propósito de este texto es hacer un diagnóstico del presente, y esta primera experimentación, ciertamente parcial, está orientada hacia la construcción de una genealogía ético-política de la AI en el país, en articulación con los caminos de la psicología como saber y profesión.

Palabras clave:
Análisis Institucional; Diagnóstico del Presente; Psicología; Ética; Política

Inflexões, guinadas, descontinuidades

A ocasião dos 60 anos da psicologia no Brasil, objeto desta edição especial da revista Psicologia, Ciência e Profissão, poderia nos remeter às consagradas dimensões cronológicas do tempo: passado, presente e futuro. É clássico, em datas comemorativas como esta, recorrer a um conhecido roteiro: revisitar o passado, celebrando os passos dados até aqui; diagnosticar o presente, analisando conquistas e limites; projetar o futuro, delineando desafios e tarefas para as gerações vindouras, na esperança de “algo melhor”.

No entanto, ao começar a construir este artigo, por nos interessarem os efeitos e implicações ético-políticas da Análise Institucional (AI)1 1 Usaremos alternativamente, neste artigo, Análise Institucional, institucionalismo e paradigma institucionalista, pois eventuais diferenças não são relevantes para a problematização proposta. nesses 60 anos da psicologia brasileira - e sendo nós mesmas afeitas ao movimento institucionalista, além de leitoras de Michel Foucault -, subverte-se a lógica linear de chronos, instaurando-se outra temporalidade: a da genealogia (Foucault, 1979Foucault, M. (1979). Microfísica do poder. Graal.) e da pesquisa-intervenção (Rodrigues & Souza, 1987Rodrigues, H. B. C., & Souza, V. L. B. (1987). A análise institucional e a profissionalização do psicólogo. In V. R. Kamkhagi, & O. Saidon (Orgs.), Análise institucional no Brasil (pp. 27-47). Espaço e Tempo.). Propusemo-nos então, de início, a analisar quais seriam os impactos de uma “primeira geração” brasileira de socioanalistas, formada no final da ditadura empresarial-militar e começo dos anos 1980, caracterizada por uma postura crítica e libertária sobre a seguinte. Essa última geração estava concluindo a graduação em psicologia no início dos anos 2000, quando o Partido dos Trabalhadores (PT) ascendeu ao governo federal e os espaços de resistência passaram a assumir novas feições. Por fim, chegaríamos aos efeitos sobre a juventude hoje em formação psi e à sua importância no enfrentamento do árido cenário político e social.

Porém, diferente desse plano inicial, e entendendo que a AI é sempre polifônica e singular (Rodrigues, 2005Rodrigues, H. B. C. (2005). “Sejamos realistas, tentemos o impossível!” Desencaminhando a Psicologia através da Análise Institucional. In A. M. Jacó-Vilela, A. A. L. Ferreira, & F. T. Portugal (Orgs.), História da psicologia: rumos e percursos (pp. 609-657). Nau.), operamos uma guinada metodológica. Determinadas situações-interpelações do presente nos convocam a ver e contar a história desses acoplamentos com outras lentes (e mais vozes), visto também sermos impelidas a transformações de nós mesmas no encontro com nosso campo de análise (Passos & Barros, 2000Passos, E., & Barros, R. B. (2000). A construção do plano da clínica e o conceito de transdisciplinaridade. Revista Psicologia: Teoria e Pesquisa, 16(1), 71-79. https://doi.org/10.1590/S0102-37722000000100010
https://doi.org/https://doi.org/10.1590/...
). Tal circunstância, por sua vez, nos faz lançar mais perguntas do que oferecer respostas quanto a um porvir. Afinal, historicizar o que se passou - mediante a construção de gêneses tanto teóricas quanto sociais e políticas - assume função de abertura para a possibilidade de modificação do presente e consequente fabricação de outros futuros.

Sendo assim, nossa questão-proposta se modula em direção ao que a AI pôde e pode ainda hoje aportar para a psicologia e para o enfrentamento dos desafios de nosso tempo, mas igualmente se volta ao que o presente faz pensar sobre o movimento institucionalista, seus limites e as possibilidades de contar sua história. Veremos, portanto, que relações singulares se estabelecem, atualmente, entre psicologia, política, Análise Institucional e movimentos de insubordinação.

A primeira das situações-interpelações com que nos deparamos recentemente ocorreu durante a participação em uma banca de concurso para professor adjunto numa universidade pública. Tendo a área do certame - consequentemente, a ementa e a bibliografia - grande proximidade com a Análise Institucional e apesar de as muitas provas (escritas e didáticas) dos(as) candidatos(as) mostrarem qualidade conceitual, originalidade e ligação com exemplos atuais, percebemos, com preocupação, o quanto o ato de recorrer a conceitos institucionalistas pode ser automático, desencarnado, redundando em instituídos, cristalizações e esvaziamentos. Sem menosprezar impactos de outras ordens, indagamo-nos o quanto tal circunstância poderia estar dizendo acerca do tipo de formação de certa geração (a da mais jovem das autoras deste artigo), que começa a ingressar na docência universitária ou nela está há poucos anos. Embora associada a outros fatores, teria a geração anterior favorecido, de alguma maneira, os efeitos mencionados?

Evitando estancar na narcísica pergunta “em que erramos?”, fazemos de tais efeitos um analisador. Ele nos desloca para outras prioridades, tais como: atualizar conexões com as problemáticas de nosso tempo e do nosso território latino-americano e brasileiro; recuperar o entusiasmo e o prazer na sala de aula e no processo formativo2 2 bell hooks (2017) problematiza a formação conteudista tradicional, vendo-a como modelo que reforça os sistemas de dominação, disciplinarização e subalternização. Sua proposta vai na direção de uma pedagogia anticolonial, crítica e feminista, atenta às diferenças e singularidades do corpo discente, engajada com o contexto e os desafios da sociedade - aposta revolucionária em que o prazer e o entusiasmo são combustíveis para uma educação como prática de liberdade. (hooks, 2017hooks, b. (2017). Ensinando a transgredir: a educação como prática de liberdade (2a. ed.). Martins Fontes.); rejuvenescer as palavras, revendo e criando conceitos-ferramenta para que o referencial não vire teorização etérea e/ou pura reprodução. Afinal, é preciso que os conceitos sirvam, que funcionem (Foucault & Deleuze, 1979Foucault, M., & Deleuze, G. (1979). Os intelectuais e o poder. In M. Foucault, Microfísica do poder (pp. 41-45). Graal.). Tudo isso torna urgente que façamos e refaçamos a pergunta: com que dimensões e práticas o institucionalismo se conecta no presente, e qual a nossa tarefa, hoje, como formadoras (não só no ensino como na pesquisa, na extensão, na militância e nas intervenções em geral), em nossas relações com a geração ainda mais nova? Por sua vez, tais indagações nos levam necessariamente a pensar com o que a AI se conectou no passado.

Gerações

Quando a mais velha das autoras deste artigo, no começo do século XXI, fez uma tentativa, em parte frustrada, de forjar uma história da Análise Institucional no Brasil, acabou por dizê-la “um paradigma sem passado” (Rodrigues, 2002Rodrigues, H. B. C. (2002). No rastro dos cavalos do diabo: Memória e história para uma reinvenção de percursos do grupalismo-institucionalismo no Brasil. (Tese de Doutorado), Universidade de São Paulo.). Até aquele momento, esse intuito historicizante, mais do que dificultado, se achava obstaculizado por um panorama discursivo que aprisionava a AI em configurações prévias. Entre elas, a de maior capacidade de absorção era a Psicanálise.

Embora tal panorama vá ser caracterizado adiante, vale dizer que em muito se modificou desde então: livros brasileiros de história da psicologia (Jacó-Vilela, Ferreira, & Portugal, 2005Jacó-Vilela, A. M., Ferreira, A. A. L., & Portugal, F. T. (Orgs.) (2005). História da psicologia: rumos e percursos. Nau.) passaram a dedicar capítulos à AI, assim como pesquisas se voltaram para aspectos singulares do institucionalismo - os grupos (Barros, 2009Barros, R. B. (2009). Grupo: A afirmação de um simulacro. Sulina.), a formação (Rossi, 2021Rossi, A. (2021). Formação em esquizoanálise: Pistas para uma formação transinstitucional. Appris.), as relações com o campo da saúde coletiva (L’Abbate, Mourão, & Pezzato, 2013L’Abbate, S., Mourão, L. C., & Pezzato, L. M. (Orgs.) (2013). Análise institucional e saúde coletiva. Hucitec.), com as clínicas do trabalho (Silva, Zamboni, & Barros, 2016Silva, C. O., Zamboni, J., & Barros, M. E. B. (Orgs.) (2016). Clínicas do trabalho e análise institucional. Nova Aliança.) etc. Traduções e coletâneas (Altoé, 2004Altoé, S. (Org.) (2004). René Lourau: Analista institucional em tempo integral. Hucitec.; Altoé & Rodrigues, 2004Altoé, S., & Rodrigues, H. B. C. (Orgs.) (2004). SaúdeLoucura vol. 8: Análise institucional. Hucitec.) tampouco devem ser omitidas como partes desse acervo renovado.

A tese de doutorado da mais jovem das autoras deste artigo, logo transformada em livro (Souza, 2018Souza, A. M. P. (2018). Modulações militantes por uma vida não fascista. Criação Humana.), ao propor uma análise da instituição militância em grande medida ancorada em conceitos e dispositivos da AI, situa-se em um momento-dobradiça: não só é uma dessas novas produções sobre/com o paradigma institucionalista, como faz parte de uma série de acontecimentos (discursivos e não-discursivos) que conduzem tal paradigma, antes “sem passado”, para certo passado e certos presente e futuro. Como como sugere Foucault (1980Foucault, M. (1980). Interview with Lucette Finas. In M. Morris, & P. Patton (Eds.), Michel Foucault: power, truth and strategy (pp. 67-75). Feral Publications.), “ficciona-se a história partindo de uma realidade política que a torna verdadeira; ficciona-se uma política que ainda não existe partindo de uma verdade histórica” (p. 75).

A série de acontecimentos a que acima nos referimos tem duas características principais: a primeira remete à inserção da AI em um conjunto de debates voltados à contestação, à revolta, e à desobediência (Gros, 2018Gros, F. (2018). Desobedecer. Ubu.; Rodrigues, 2020Rodrigues, H. B. C. (2020). As subjetividades em revolta. Institucionalismo francês e novas análises. Lamparina.). Tais produções estão em busca de uma política para o presente que constitua também uma ética; talvez, mais propriamente, percebam a ética como uma política. No plano internacional, depois de algumas décadas de conflitos internos e de certo isolamento, novos trabalhos elaborados na Universidade de Paris 8 rompem as fronteiras, com frequência paralisantes, da tradição e ousam relacionar a AI socioanalítica à genealogia foucaultiana (Schaepelynck, 2018Schaepelynck, V. (2018) L’institution renversée: Folie, analyse institutionelle et champ social. Eterotopie france.), a micropolítica de Deleuze e Guattari à promoção do comum (Nicolas-Le Strat, 2015Nicolas-Le Strat, P. (2015). Agir em comum/agir o comum. Lugar Comum , (45), 207-220. https://revistas.ufrj.br/index.php/lc/article/view/49943
https://revistas.ufrj.br/index.php/lc/ar...
) etc.

A segunda característica, em cuja descrição privilegiaremos o âmbito nacional, remete, como antecipamos, a situações ligadas à formação em universidades públicas. Elas vêm mostrando que provavelmente é ética e politicamente desejável, hoje, deixar de privilegiar o projeto de construção de uma história singular da AI no Brasil - “dando nome aos bois”, por assim dizer. Talvez seja preferível, como faremos neste artigo, acatar, como positividade, a mistura da AI com outras lutas. Porque ela vem sendo, nos últimos anos, desejavelmente apropriada por movimentos articulados a direitos humanos e, mais recentemente, a gênero, sexualidade, raça, etnia, ecologia, decolonialidade/anticolonialidade etc. - ou melhor dizendo, incorporada às “esferas da insurreição” (Rolnik, 2018Rolnik, S. (2018). Esferas da insurreição: Notas para uma vida não cafetinada. n-1 edições.). Mediante tal estratégia, “rouba-se o nome aos bois” ao invés de conferi-lo, o que parece propiciar, no entanto, um aumento de potência.

Como primeiro ensaio nessa direção, o presente escrito estará provavelmente sujeito a críticas. Se isso ocorrer, ele terá atingido seu objetivo: o de ampliar o escopo do que se deseja acoplar ao debate a fim de compor certa história da AI no Brasil.

Um paradigma sem passado

O subtítulo se inspira em um filme alemão, Uma cidade sem passado, dirigido por Michael Verhoeven (1989). Trata-se da história de uma jovem que descobre que sua cidade abrigou um campo de concentração durante a Segunda Guerra Mundial e, ao tentar saber mais a respeito, se vê boicotada pelos habitantes que viveram o sinistro episódio.

No Brasil, ao menos até a passagem do século XX ao XXI, a AI era um paradigma sem passado. A despeito de já existirem, por exemplo, trabalhos sobre as trajetórias das práticas grupais e das organizações de formação, dificilmente o institucionalismo era neles abordado como pensamento-prática singular. Defrontada com tal problemática, a mais velha das autoras deste artigo abriu espaço, em sua tese de doutorado (Rodrigues, 2002Rodrigues, H. B. C. (2002). No rastro dos cavalos do diabo: Memória e história para uma reinvenção de percursos do grupalismo-institucionalismo no Brasil. (Tese de Doutorado), Universidade de São Paulo.), para analisar algumas produções historiográficas. Afora raríssimos trabalhos singularizantes (Augusto, 1996Augusto, J., Bisneto. (1996). Serviço Social e Análise Institucional: estudo das contribuições ao debate contemporâneo e ao processo de renovação no Brasil. (Dissertação de Mestrado). Escola de Serviço Social, Universidade Federal do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, RJ, Brasil.; Baremblitt, 1989Baremblitt, G. (1989). SaúdeLoucura vol. 1: Apresentação do movimento institucionalista. Hucitec.; Moraes, 1994Moraes, L. M. O. (1994). Institucionalismo carioca: Uma novela familiar. (Dissertação de Mestrado), Universidade do Estado do Rio de Janeiro.), concluiu que a AI, no Brasil, aparecia mergulhada em escritos relativos à expansão da cultura psicológica ou, mais nitidamente, à difusão da Psicanálise nas grandes cidades brasileiras.

Durante os anos 1980 e 1990, foi profícuo um tipo de produção acadêmica ligado à antropologia social e/ou à sociologia urbana, dedicado aos processos de psicologização da realidade em nosso país (Duarte, 2000Duarte, L. F. D. (2000). Dois regimes históricos das relações da antropologia com a psicanálise no Brasil: Um estudo de regulação moral da pessoa. In P. Amarante (Org.), Ensaios: Subjetividade, saúde mental, sociedade (pp. 107-140). Fiocruz.). Destacavam-se trabalhos que, ao analisar organizações e/ou tendências do âmbito psi, recorriam a conceitos sociológicos globalizantes - urbanização, modernização, individualização etc. -, aliados aos provenientes da economia das trocas simbólicas de Pierre Bourdieu - mercado de bens simbólicos, capital cultural, legitimação, distinção, entre outros. Sem desmerecer tais trabalhos, cumpre assinalar que redundaram, quase invariavelmente, em um indesejável apagamento de diferenças no que tange à nossa problemática. Para justificar tal afirmação, apreciaremos quatro focos: Psyché e a mão invisível; Dividindo para reinar; A César o que é de César e Usted preguntará por qué cantamos.

Psyché e a mão invisível

Em um artigo pertencente ao conjunto acima mencionado, Russo (1999Russo, J. A. (1999). Uma leitura antropológica do mundo psi. In A. M. Jacó-Vilela, F. Jabur, & H. B. C. Rodrigues (Orgs.), Clio-Psyché: Histórias da psicologia no Brasil (pp. 37-42). NAPE/UERJ.) assim se refere ao encontro entre os intelectuais do campo psi e a literatura socioantropológica:

Dentre as questões que eram problematizadas estavam a difusão da psicanálise e outras teorias ou práticas psi; a medicalização/psiquiatrização do social; o atendimento psicológico às classes populares; a demanda por atendimento psi; de um modo geral, a história das práticas psi. (p. 68).

Segundo a metáfora manejada pela autora, tais questões criaram uma “lua de mel” entre psis e cientistas sociais. Porém o casamento se desfez após breve convívio, porque Psyché já obtivera aquilo de que precisava. As questões que pouco antes a tinham fascinado ganham, nesse momento, funções estritas: a) afirmar que a International Psychoanalytical Association (IPA) tem uma visão limitada a respeito da formação psicanalítica - ao contrário de Psyché, que, divorciada, recebera, como herança, signos de distinção; b) concluir que a saída para seus percalços anteriores - amara platonicamente a IPA antes de desposar o cientista social - estaria na Psicanálise, ornada por uma refundação lacaniana que, embora nouveau riche se comparada à tradição ipeísta, se capitalizara simbolicamente a ponto de relegitimar Psyché, agora crítica radical de adaptacionismos e/ou psicologismos praticados em seu funesto passado. O pedido de divórcio às ciências sociais se conjuga, pois, com um novo romance: refundado por Lacan, o campo psicanalítico dispensa Psyché do exercício de outras suspeitas - por exemplo, a de que, em suas bem-intencionadas práticas de atenção à subjetividade, esteja produzindo os (e sendo produzida pelos) alvos de sua terapêutica, seus cuidados, sua investigação. Mas que fiquem os cientistas sociais com sua relativização e os antipsiquiatras com sua crítica desprofissionalizante (e tão anacronicamente contracultural) - Psyché faz novo pacto nupcial e sonha em adquirir eterna maestria pela e na Psicanálise.

A narrativa de Russo (1999Russo, J. A. (1999). Uma leitura antropológica do mundo psi. In A. M. Jacó-Vilela, F. Jabur, & H. B. C. Rodrigues (Orgs.), Clio-Psyché: Histórias da psicologia no Brasil (pp. 37-42). NAPE/UERJ.) é sedutora, mas algo decepcionante: buscávamos uma arena povoada de rivalidades e paixões em torno do saber-poder; ao fim e ao cabo, encontramos uma feira de produção, distribuição e consumo de bens de salvação, mero mercado capitalista.

Será que a memória invariavelmente ilude? Pois certas Psychés cariocas forjaram um roteiro mnemônico diverso. Qual Eduardo Coutinho (1997Coutinho, E. (1997). O cinema documentário e a escuta sensível da alteridade. Projeto História, (15), 165-191. https://revistas.pucsp.br/index.php/revph/article/view/11228/8234
https://revistas.pucsp.br/index.php/revp...
), engajaram-se menos em uma totalizante filmagem da verdade relativa àqueles tempos do que em uma fragmentária verdade da filmagem. E assim os recordam:

A partir daquele momento, encontramos novos personagens . . . . No plano discursivo, os escritos de Foucault, Castel, Deleuze, Guattari, Lourau, Lapassade, Goffman . . . bem como aqueles das vibrantes antropologia urbana e história crítica da psiquiatria brasileira nos transformaram . . . de aspirantes à maestria na “fabricação de interiores”, em “mestres da suspeita” quanto a nossos próprios dizeres e fazeres, sempre suscetíveis de nos configurar enquanto “guardiães da ordem”, “empresários morais”, “alugadores de orelhas” ou . . . “psico-tiras”. (Rodrigues, 1999aRodrigues, H. B. C. (1999a). A oficina da história: Método e ficção. In A. M. Jacó-Vilela, F. Jabur, & H. B. C. Rodrigues (Orgs.), Clio-Psyché: Histórias da psicologia no Brasil (pp. 20-24). NAPE/UERJ., p. 41).

Nessa verdade da filmagem - a que tenta mostrar “em que momento ela se dá e todo o aleatório que pode acontecer nela” (Coutinho, 1997Coutinho, E. (1997). O cinema documentário e a escuta sensível da alteridade. Projeto História, (15), 165-191. https://revistas.pucsp.br/index.php/revph/article/view/11228/8234
https://revistas.pucsp.br/index.php/revp...
, p. 167) - entreveem-se conjugações, em lugar de hierarquizações; descentramentos e devires em que alguém se perde do reto caminho, em vez de estar ortodoxamente casado (e dependente) ou divorciado (e autossuficiente).

Experiência ingênua de acreditar que se está fazendo o que se está fazendo e/ou recordando o efetivamente ocorrido, enquanto a mão invisível dos mercados de bens simbólicos promove tanto as ações como as evocações? Deveríamos concluir que as Psychés de ontem e de hoje a nada mais aspiravam (ou aspiram) do que a um bem-sucedido golpe do baú?

No intuito de contraefetuar tais conclusões, avaliamos que, a partir da segunda metade dos anos 1970, abrem-se ao menos dois percursos: o primeiro permanece no interior dos limites, por mais que re-hierarquizados, das continuidades psicanalíticas; já o segundo dá a partida aos galopes dos cavalos do diabo. Com a última expressão, faz-se uma referência figurada à visita de Lapassade a nosso país, em 1972, momento em que já se fazia o canter - apresentação pública dos concorrentes, antes do páreo - do institucionalismo. Por esses galopes também é responsável, em grande proporção, um conjunto de agentes chamado de segunda geração de argentinos.

Dividindo para reinar

A dissertação de mestrado de Figueiredo (1984Figueiredo, A. C. C. (1984). Estratégias de difusão do movimento psicanalítico no Rio de Janeiro 1970-1983. (Dissertação de Mestrado), Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro.) é a primeira pesquisa dedicada ao processo de difusão da Psicanálise, nas décadas de 1970 e 1980, no Rio de Janeiro. Esse boom, que faculta falar em uma cultura psicológica (ou psicanalítica), é apresentado como produto de dois fatores: a acelerada modernização das classes médias urbanas e a pressão exercida pela categoria dos psicólogos, que aspira a uma legitimação até então recusada pelos estabelecimentos oficiais de formação (leia-se IPA). Se ativarmos detalhes relativos ao último fator, encontraremos, no trabalho de Figueiredo (1984)Figueiredo, A. C. C. (1984). Estratégias de difusão do movimento psicanalítico no Rio de Janeiro 1970-1983. (Dissertação de Mestrado), Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro., dois aspectos de maior relevo: a instauração das Comunidades Terapêuticas (CTs) e a influência dos argentinos.

Ao lado das terapias grupais, breves ou focais; da estratégia clínica em orientação vocacional; das ações sobre a infância, a adolescência, os casais, as famílias; das intervenções preventivas e/ou diagnósticas em organizações de diversos tipos, as Comunidades Terapêuticas3 3 As primeiras CTs cariocas se instalam em 1968, no Hospital Odilon Gallotti, do Centro Psiquiátrico Pedro II (Engenho de Dentro), sob a supervisão de Oswaldo dos Santos e Wilson Simplício, e em 1969, no Hospital Pinel (Botafogo), sob a direção de Eustachio Portella Nunes e Roberto Quilelli Corrêa. emergem, na dissertação em pauta, como experiências inegavelmente ligadas à Psicanálise: “São os próprios psicanalistas que se colocam à frente do movimento e fornecem subsídios teóricos para seu funcionamento” (Figueiredo, 1984Figueiredo, A. C. C. (1984). Estratégias de difusão do movimento psicanalítico no Rio de Janeiro 1970-1983. (Dissertação de Mestrado), Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro., p. 38). Além dessa liderança, outros elementos colaboram para que as CTs se apresentem como parte de uma irrefreável difusão psicanalítica, quais sejam: a criação da categoria auxiliar psiquiátrico, em geral recrutado entre estudantes (agora, estagiários) de Psicologia; a ruptura da polarização saúde-doença, sugerindo a necessidade de um confronto com a própria patologia para desenvolver práticas de cuidado com doentes mentais; a ênfase na compreensão psicodinâmica das relações que os pacientes estabelecem com o médico e com a instituição; a reinterpretação das estruturas do hospital com base em conceitos como fantasmática inconsciente e identificações interiorizadas. Apoiada nesses indícios, comenta Figueiredo (1984)Figueiredo, A. C. C. (1984). Estratégias de difusão do movimento psicanalítico no Rio de Janeiro 1970-1983. (Dissertação de Mestrado), Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro.: “. . . o movimento . . . funcionou como via privilegiada de acesso dos psicólogos ao campo da psicopatologia clínica . . ., o que só foi possibilitado pela intervenção da psicanálise, e de seus agentes, no campo do asilo” (p. 42).

Passemos agora às considerações relativas à influência dos argentinos. Ao longo da dissertação são subsumidos sob tal rubrica aspectos bastante díspares, a saber: presença dos psicanalistas do país vizinho em seminários e supervisões sobre infância e adolescência no começo dos anos 1970; participação dos mesmos agentes, no mesmo período, em grupos de formação paralelos às sociedades oficiais; repercussão de algumas características da formação argentina sobre a carioca, como maior ênfase na ação social junto a comunidades e organizações do que em profissionalização sob o modelo do consultório privado; dissidências políticas, por parte de psicanalistas de corte socialista e/ou marxista, que culminaram na ruptura com a Associação Psicanalítica Argentina (APA) e a IPA, efetuada em 1971 pelos grupos Plataforma e Documento; criação, no ano seguinte, do Centro de Docência e Investigação (CDI), propiciando uma formação alternativa para trabalhadores de saúde mental; presença de psicólogas argentinas na Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC/RJ), para realizar um diagnóstico institucional do Instituto de Psicologia Aplicada em 1971; sucesso da orientação vocacional sob estratégia clínica praticada pelo psicólogo Rodolfo Bohoslavsky, convidado, a partir de 1971, à PUC/RJ; criação da Associação de Psiquiatria e Psicologia da Infância e da Adolescência (Appia), que mostrava fortes vínculos com a Asappia (Associação Argentina de Psiquiatria e Psicologia da Infância e Adolescência), no começo dos anos 1970.

Essa enumeração faculta perceber que a influência dos argentinos é situada por Figueiredo (1984Figueiredo, A. C. C. (1984). Estratégias de difusão do movimento psicanalítico no Rio de Janeiro 1970-1983. (Dissertação de Mestrado), Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro.) notadamente no período inicial (1970-1976)4 4 Para Figueiredo (1984), nesse período se destaca a ampliação do campo profissional, que passa a se caracterizar por enorme ecletismo; já no seguinte (1977-1983), acentua-se a desestabilização da hegemonia das sociedades psicanalíticas oficiais, pois surgem seis novos grupos de formação, todos organizados por psicólogos. do boom psicanalítico e que os analistas do país vizinho são tratados em bloco, entendidos como amostra da população de agentes de expansão da cultura psi. A bem da precisão, frise-se que a expressão “os argentinos” emerge pela primeira vez, no texto em apreço, associada à criação e ao sucesso da Appia. Paralelamente, outras organizações - como o CDI -, bem como agentes específicos - qual Bohoslavsky - são englobados pelo mesmo rótulo, a despeito da variedade das posturas teóricas adotadas e da heterogeneidade das alianças político-institucionais estabelecidas. Por fim, ressalte-se que o Ibrapsi (Instituto Brasileiro de Psicanálise, Grupos e Instituições), fundado em 1978 por um argentino exilado (Gregório Baremblitt) e dois brasileiros (Chaim Katz e Luiz Fernando Mello Campos), é mencionado, ao lado da Appia e da PUC/RJ, como simples foco de difusão das “influências argentinas”. Portanto, embora diferenças não sejam totalmente ignoradas, iniciativas extremamente díspares são citadas como tendo “a Psicanálise por suporte comum” (Figueiredo, 1984Figueiredo, A. C. C. (1984). Estratégias de difusão do movimento psicanalítico no Rio de Janeiro 1970-1983. (Dissertação de Mestrado), Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro., p. 67). Mediante tal procedimento, é rejeitada, por antecipação, qualquer possibilidade de apreensão de uma eventual singularidade do institucionalismo, como se evidencia no seguinte fragmento:

Os argentinos trazem duas contribuições fundamentais. A primeira é a ampliação e diversificação das técnicas de intervenção com base na psicanálise, principalmente as técnicas grupais . . .; as técnicas focais, terapias breves mais diretivas; e a análise institucional, ainda incipiente no Brasil até o final da década de 70 . . . . A segunda contribuição . . . é o próprio projeto de politização e a consequente autonomização da classe dos psicólogos . . . . Mais que nunca a psicanálise vai operar num campo flexível e progressivamente ampliável que vai desde o investimento nos indivíduos ditos normais até as instituições - análise institucional - e isto através de profissionais que poderiam ser definidos, no máximo, como psicanalíticos. (Figueiredo, 1984Figueiredo, A. C. C. (1984). Estratégias de difusão do movimento psicanalítico no Rio de Janeiro 1970-1983. (Dissertação de Mestrado), Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro., pp. 78-79).

Por um lado, a AI é dita “incipiente no Brasil até o final da década de 70”; por outro, a prática dos psicólogos é percebida como abarcando desde o trabalho com os normais até a análise institucional. Aparentemente, há sentidos diferentes designados pela mesma expressão5 5 Na aproximação às instituições, é possível encontrar várias disciplinas - Psicologia Institucional, Sociologia das Organizações, Análise Institucional estrito senso etc. Sobre o tema, consultar Coimbra (1980). , embora todos sejam arrastados pelo redemoinho de uma vocação difusionista (confusionista?) da Psicanálise. Quais são, afinal, os limites do pensável delimitados por formas determinadas de historicização?

A César o que é de César

O movimento da Psicoterapia Institucional costuma ser considerado a contraparte francesa das CTs inglesas. Mas conquanto ambas possam ser retratadas como intervenções sobre o meio hospitalar, procurando instaurar um ambiente favorável à recuperação dos internados, suas condições histórico-políticas de implantação foram muito diversas. A respeito disso, sublinha Roudinesco (1988Roudinesco, E. (1988). História da psicanálise na França vol. 2: A batalha dos cem anos 1925-1985. Zahar.): “. . . visto que ela [a Psicoterapia Institucional francesa] se expande num país onde a ocupação alemã é vivida como um ‘grande enclausuramento’, não veicula, pelo menos a princípio, os mesmos ideais adaptativos de sua homóloga” (p. 210).

Na França ocupada pelos nazistas, sob o governo colaboracionista de Vichy e cuja psiquiatria ainda se encontrava, nos anos 1940, sob a hegemonia da doutrina da hereditariedade-degenerescência, os degenerados maiores foram, em sua imensa maioria, abandonados à própria sorte, morrendo de fome em hospitais concentracionários. Em um único asilo as coisas se passaram de outro modo. Ali, paradoxalmente, as peripécias da(s) guerra(s) favoreceram encontros transformadores. Em 1940 chega à França, fugido do franquismo triunfante na Guerra Civil Espanhola, François Tosquelles. A princípio em companhia do católico Paul Balvet e, depois de 1942, do novo diretor, o comunista Lucien Bonnafé, o psiquiatra catalão cria, no Hospital de Saint-Alban, a primeira experiência francesa de Psicoterapia Institucional. Durante o conflito mundial ali se mesclam diversos tipos de resistentes - comunistas, socialistas, anarquistas, cristãos progressistas. Entre eles, surrealistas como Paul Éluard e Georges Sadoul, que incentivam a produção escrita dos pacientes, organizam edições clandestinas, criam oficinas de teatro etc. Todos formam um coletivo de ação que, rompendo as cadeias asilares, sai pelos campos à procura de comida e de alianças, o que tanto favorece a sobrevivência como desempenha papel de destaque na resistência ao nazismo.

Finalizada a guerra, entretanto, assiste-se não a uma radicalização da legitimidade do discurso da loucura, mas à tecnologização da Psicoterapia Institucional via técnicas de grupo, bem como ao ingresso, na psiquiatria, de tratamentos ligados ao choque insulínico, à eletronarcose e, pouco depois, aos neurolépticos e antidepressivos. Rompe-se também, por efeito da Guerra Fria, a aliança entre psiquiatria, psicanálise e marxismo: o Partido Comunista Francês (PCF), obediente a Moscou, condena a Psicanálise como “ideologia reacionária” e passa a exaltar, como verdadeira psicologia materialista, um estranho pavlovismo. Com tudo isso, a segunda experiência francesa de Psicoterapia Institucional - a Clínica de La Borde, criada em 1953 por Jean Oury e Félix Guattari - já estará inteiramente desvinculada do comunismo partidário. Pouco depois, a Psicoterapia Institucional, entendida como revolução psiquiátrica, será palco de cisões ligadas tanto às rupturas no seio da IPA - com a saída de Lacan e seu grupo da Sociedade Psicanalítica de Paris (SPP) - quanto aos descaminhos do Partido Comunista da União Soviética (PCUS) - com a invasão de Berlim Oriental (1953), o relatório Krushev sobre os crimes do stalinismo (1956) e a ocupação soviética em Budapeste (1956).

Referindo-se a esse processo, Robert Castel (1978Castel, R. (1978). O psicanalismo. Graal.) ressalta a existência de duas versões da Psicoterapia Institucional em solo francês: enquanto nas primeiras experiências de Saint-Alban mesclavam-se materialismo - via pavlovismo dos comunistas -, Psicanálise e até mesmo Fenomenologia e Psicologia da Gestalt - antigas referências de Tosquelles -, a partir de 1953 essas misturas passam a ser consideradas absurdas de um ponto de vista simultaneamente teórico e político. Encerra-se assim o que o sociólogo denomina “Psicoterapia Institucional primeira versão” - eclética, com dominância da filosofia marxista e forte presença de militantes comunistas - e se passa à “segunda versão” - muito influenciada pela Psicanálise Lacaniana e inteiramente desvinculada do PCF. A respeito disso, conclui Castel (1978)Castel, R. (1978). O psicanalismo. Graal.: “Não há razão alguma em monopolizar para os analistas institucionais [“segunda versão”] uma marca surgida com a ‘revolução psiquiátrica’ . . . que nada tinha a ver com a psicanálise” (p. 150).

Por mais que essa apresentação não tenha a pretensão de encontrar um modelo para nossas CTs, cumpre notar que Figueiredo (1984Figueiredo, A. C. C. (1984). Estratégias de difusão do movimento psicanalítico no Rio de Janeiro 1970-1983. (Dissertação de Mestrado), Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro.) enfatiza semelhanças: “. . . aqui, de modo análogo à França, o movimento das Comunidades Terapêuticas está indissoluvelmente ligado à Psicanálise” (p. 38). A autora conhece o trabalho de Castel, presente na bibliografia de sua dissertação, então qual o motivo da insistência em afirmar um vínculo indissolúvel entre CTs e Psicanálise, ignorando as advertências do sociólogo sem lhes fazer menção nem objeção?

Não obstante Figueiredo (1984Figueiredo, A. C. C. (1984). Estratégias de difusão do movimento psicanalítico no Rio de Janeiro 1970-1983. (Dissertação de Mestrado), Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro.) repudie análises internalistas (epistemológico-metodológicas) da Psicanálise, opta por circunscrever sua pesquisa ao interno ao campo profissional. Apesar de sermos parte de seus inúmeros leitores, julgamos indispensável expor nossas reticências quanto à delimitação apriorística, em pesquisas históricas, entre um externo e um interno. Quando Castel enfatiza a necessidade de adicionar o complemento “primeira versão” ou “segunda versão” a cada menção à Psicoterapia Institucional, não o vemos introduzindo preciosismos. Avaliamos que o sociólogo nos adverte do risco que corremos quando tomamos internalidades disciplinares como ponto de partida, desconsiderando as lutas por hegemonia constituintes de tais internalidades; melhor dizendo, quando deixamos de levar em conta a internalização do interno.

Vejamos os efeitos produzidos pelo ativo desconhecimento dessa admoestação. Nas práticas em saúde mental perscrutadas, Figueiredo (1984Figueiredo, A. C. C. (1984). Estratégias de difusão do movimento psicanalítico no Rio de Janeiro 1970-1983. (Dissertação de Mestrado), Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro.) encontra a expansão da Psicanálise, assim como as aspirações (psicanalíticas) da categoria dos psicólogos. Por nossa parte, pensamos ser tal descoberta inevitável em razão do ponto de partida adotado por ela: serão encontradas no campo profissional (interno), como explicação de um processo, aquelas perspectivas e práticas que obtiveram hegemonia como resultado das lutas, alianças e confrontos constituintes do próprio processo. A dominância obtida, que deveria ser explicada, torna-se explicante devido a uma esperada, por mais que não desejada, “empatia com os vencedores” (Benjamin,1994Benjamin, W. (1994). Sobre o conceito de história. In W. Benjamin, Obras escolhidas, vol. 1: Magia e técnica, arte e política (pp. 222-232). Brasiliense., p. 225).

Quando estudante de psicologia na Universidade Federal do Rio de Janeiro, a mais velha das autoras deste artigo foi estagiária da CT do Hospital Pinel. E é difícil acatar que ela tenha constituído um tranquilo campo de difusão psicanalítica. Além de ser inseparável dos relâmpagos de maio de 1968, cumpre também evocar, quanto a essa experiência, faíscas menos espetaculares, como as críticas permanentes à Psiquiatria Asilar, Manicomial, Organicista e Farmacológica. Quais eram as bases para tais críticas? Humanistas, marxistas, anti-imperialistas, contraculturais, libertárias, antipsiquiátricas e, em uma curiosa mescla, também psicanalíticas, sem que essa teratologia político-epistemológica redundasse em dominâncias definidas. Porém a memória, embora intempestivamente resista, sabe-se frágil como justificação. Recorre, portanto, a histórias alternativas, à procura daquela polifonia que a liberte da eventual acusação de ser mero monólogo intimista.

Cristal de várias faces, a dissertação de Teixeira (1993Teixeira, M. O. L. (1993). O cristal de várias faces. A psicanálise, o campo de saber psiquiátrico e o modelo assistencial das comunidades terapêuticas. (Dissertação de Mestrado), Universidade Federal do Rio de Janeiro.) se apresenta, de início, como reflexão epistemológica sobre o saber psiquiátrico e a psicanálise; a segunda parte do escrito, contudo, se inclina a uma discussão do modelo proposto pelas Comunidades Terapêuticas no Brasil, fazendo das experiências ocorridas na Seção Olavo Rocha do Hospital Odilon Gallotti seu campo e problema de pesquisa. Na passagem da primeira à segunda parte, o texto ganha um sentido “descritivo e de registro histórico” em que despontam respeito e admiração para com os profissionais que implantaram as CTs, sem “a intenção de louvar a César nem a de enterrá-lo” (Teixeira, 1993Teixeira, M. O. L. (1993). O cristal de várias faces. A psicanálise, o campo de saber psiquiátrico e o modelo assistencial das comunidades terapêuticas. (Dissertação de Mestrado), Universidade Federal do Rio de Janeiro., p. 13).

Da segunda parte da dissertação jorram miudezas-impurezas que se mesclam ao caráter minoritário-molecular das memórias. Desmancham-se os consensos redutores, pois, se algum consenso existia nas CTs, dava-se “quanto à denúncia da brutalidade dos asilos, da ineficácia dos grandes hospitais, do volume absurdo de internações, da necessidade de escapar ao modelo biológico estrito”, e não “quanto às formulações teóricas, nem quanto às práticas assistenciais alternativas prioritárias” (Teixeira, 1993Teixeira, M. O. L. (1993). O cristal de várias faces. A psicanálise, o campo de saber psiquiátrico e o modelo assistencial das comunidades terapêuticas. (Dissertação de Mestrado), Universidade Federal do Rio de Janeiro., p. 146). Em lugar de doutrina, campo ou tendência - termos idealizados e unificantes -, fala-se de um

. . . conglomerado [a reunir pessoas] com princípios derivados de diversas modalidades da psiquiatria dita alternativa: práticas de ação comunitária, epidemiologia, interações sociais, formulações da antipsiquiatria, da psiquiatria democrática, compreensão fenomenológica do homem, avanços da psicofarmacologia, terapia ocupacional e, last but not least, da compreensão psicanalítica do adoecer mental. (Teixeira, 1993Teixeira, M. O. L. (1993). O cristal de várias faces. A psicanálise, o campo de saber psiquiátrico e o modelo assistencial das comunidades terapêuticas. (Dissertação de Mestrado), Universidade Federal do Rio de Janeiro., p. 146).

A diversidade das forças que se conjugam na enfermaria de um hospital do subúrbio carioca ganha, em acréscimo, traços sociopolíticos, a saber: projetos de penetração na comunidade extra-hospitalar, vinculados a uma concepção ampliada (política e socioantropológica) de Saúde Mental; apostas de que, por meio da promoção de uma micro-sociedade com características autonomistas e igualitárias, poderiam ser visibilizadas as contradições com a realidade ditatorial extra-hospitalar; lutas contra a psiquiatria organicista, armadas de modelos psicodinâmicos, relacionais e/ou sociopsicanalíticos; estratégias diversas para preservar a existência oficial dos projetos de CTs, já que eram atividades sobre as quais as instâncias governamentais exerciam permanente suspeição; criação de serviços alternativos - hospitais-dia, hospitais-noite, cooperativas de trabalho -, contrapondo-se à tutela psiquiátrica; redução da pressão colonizadora dos saberes psi sobre a cultura da clientela, abrindo brechas, no próprio hospital, para a preservação de hábitos e símbolos dos grupos subalternizados; geração de uma espécie de escola alternativa de formação profissional, em que os estudantes, na função de auxiliares psiquiátricos, recebiam aulas e material, mas, fundamentalmente, encontravam um lugar de livre expressão; produção de grande número de comunicações científicas para apresentação em Congressos de Psiquiatria, procurando garantir, por essa forma de oficialização, a sobrevivência dos autores, em tempos de desaparecimento, tortura e morte; valorização da produção científica grupal, aliada a uma ética comunitarista que implicava que os textos fossem discutidos e aprovados pelo coletivo, incluindo os pacientes. Essa plêiade de ensaios disruptivos, ocorrida no auge de um milagre econômico forjado à base de anos de chumbo, quiçá dê conta do apelido atribuído à seção Olavo Rocha por alguns profissionais de outros pavilhões, indignados com o que ali se implementava: “As pirações de uma comunidade terapêutica” (Teixeira, 1993Teixeira, M. O. L. (1993). O cristal de várias faces. A psicanálise, o campo de saber psiquiátrico e o modelo assistencial das comunidades terapêuticas. (Dissertação de Mestrado), Universidade Federal do Rio de Janeiro., p. 235).

Usted preguntará por qué cantamos6 6 Verso de Porque cantamos, de Mario Benedetti (1989).

Na concretização de um trabalho crítico que favoreça um deslocamento quanto ao segundo obstáculo com que nos defrontamos - a denominação “os argentinos” -, recorreremos a uma ampliação do olhar em direção ao panorama internacional e latino-americano, e a um manejo nuançado do conceito de geração.

Ao final dos anos 1960, assiste-se à eclosão da turbulência mundial sintetizada na expressão maio de 68: assembleias, passeatas e barricadas selam alianças entre estudantes, intelectuais, artistas e trabalhadores para contestar a autoridade em toda a parte. A centralização do poder, a tecnocracia, o consumismo, o cientificismo, entre outros são recusados em todas as suas manifestações, do Estado à vida cotidiana. Na Argentina, contudo, a segunda metade da década começa sob o signo de tudo o que será contestado. Em 1966, o presidente eleito Arturo Illia é deposto, alvo de uma conspiração militar-sindical. Instala-se a autodenominada Revolução Argentina, sob a presidência do general Onganía, que exerce violenta repressão sobre a universidade e os trabalhadores associados ao sindicalismo combativo. Mas se em termos do calendário instituído o período até 1968 transcorre sem que sejam visíveis as barricadas do desejo (Matos, 1981Matos, O. C. E. (1981). Paris 1968: As barricadas do desejo. Brasiliense.), os meses de abril e maio de 1969 se tornam palco de atos de protesto. Partindo de Córdoba, multiplicam-se as manifestações - apelidadas Cordobazo -, atingindo Tucumán, Corrientes, Rosário e Buenos Aires. É decretada uma greve geral para o dia 30 de maio e até mesmo a APA repudia a violência exercida sobre estudantes e trabalhadores, publicando uma nota nos jornais e suspendendo por um dia as atividades de seus membros (Carpintero & Vainer, 1999Carpintero, E., & Vainer, A. (25 maio 1999). El dia que hubo huelga de psicoanalistas. Página 12. https://www.pagina12.com.ar/1999/suple/psico/99-05/99-05-27/psico01.htm
https://www.pagina12.com.ar/1999/suple/p...
).

Ainda em 1969, realiza-se o XXVI Congresso Internacional da IPA, em Roma, ocasião em que grupos descontentes com a política da associação organizam um contracongresso para discutir temas como: a formação psicanalítica; o significado, função e estrutura das sociedades psicanalíticas; o papel social dos psicanalistas; e as relações entre psicanálise e instituições. Os debates redundam em uma contundente rejeição à postura da psicanálise oficializada e na criação de uma comissão internacional encarregada de conectar os grupos de diferentes países. Elabora-se uma pauta de reivindicações, ou plataforma, assim batizando o movimento: Plataforma Internacional. De volta a Buenos Aires, Armando Bauleo e Hernán Kesselman - candidatos que haviam participado do contracongresso - fundam o Plataforma Argentino.

Dois anos depois, no XXVII Congresso Internacional da IPA, em Viena, Plataforma Internacional volta a se reunir, firmando posições que vão muito além de contestações organizacionais: ressalta que sua atitude não passa por meras revoltas internas, mas “pelo compromisso dos psicanalistas com os povos empenhados em suas lutas de libertação” (Kesselman, 1973Kesselman, H. (1973). Plataforma internacional: Psicanálise e anti-imperialismo. In A. Bauleo, & M. Langer (Orgs.), Questionamos a psicanálise e suas instituições (pp. 246-250). Vozes., p. 248). Com efeito, em 4 de novembro de 1971, os 18 membros7 7 Entre eles, Emilio Rodrigué (didata) e Gregório Baremblitt (candidato), que buscarão exílio no Brasil. Rodrigué faleceu em 21 de fevereiro de 2008, em Salvador, Bahia, onde vivia desde 1974. Já Baremblitt faleceu em 4 de outubro de 2021, em Belo Horizonte, onde passara a residir nos anos 1980, após período no Rio de Janeiro. do Plataforma Argentino renunciam formalmente à APA/IPA por meio de uma declaração pública, em que denunciam a ideologia burguesa da instituição nos níveis teórico, técnico, investigativo, didático e econômico. Pouco depois, os analistas ligados ao grupo Documento, também questionadores do presumido apoliticismo da APA, abandonam a psicanálise oficializada.

Se o Brasil teve seu 1968 pontualmente, embora o país estivesse sob uma ditadura empresarial-militar, as lutas contra ela na forma de discursos, conclamações e passeatas logo foram interrompidas. Ao final do ano, o Ato Institucional nº 5 e o decreto nº 477 começaram a esmagar, com braços militares e paramilitares, as batalhas até então visíveis travadas por parlamentares, intelectuais, religiosos, trabalhadores e estudantes. Restou, como recusa, a luta armada - urbana ou rural -, sob a inspiração dominante do foquismo guevarista, combatida com uma ferocidade de que até hoje são ignorados detalhes sórdidos e protagonismos particulares.

No momento, portanto, em que alguns psicanalistas argentinos passam a frequentar o solo carioca, as inovações propostas, que em seu país são objeto de um debate acirrado, aqui encontram um milagre brasileiro a aliar, paradoxalmente, contestação e silenciamento: a categoria dos psicólogos luta contra sua exclusão da formação psicanalítica; a cultura psi, que reivindica a expressão livre, se encontra em franca expansão; mas os anos são de desaparecimento e tortura, e não de plataformas que, embora também combatidas nas terras do Prata, ainda ousam por lá, pelo menos até o golpe militar de 1976, tornar públicos certos sonhos de transformação. Nesse sentido, será apropriado, em trabalhos sob perspectiva histórica, falar, de forma generalizada, no papel dos “psicanalistas argentinos”?

A fim de divisar alternativas, tomemos as indagações formuladas por Baremblitt (1987Baremblitt, G. (1987). Ato psicanalítico, ato político. Segrac.), um dos “argentinos” atuantes no Brasil:

Creio que cabe perguntarmo-nos, em primeiro lugar, se alguma vez existiu ou existe algo como “um grupo de colegas que chegaram da Argentina” . . . . Em segundo lugar, nos caberia interrogar se existe ou existiu algo como “Escola Argentina” ou “os argentinos”. (p. 53).

A tais perguntas, ele mesmo contesta: percebe os compatriotas, no Brasil, “comportando-se de forma feliz ou desafortunadamente heterogênea” e apresenta uma extensa relação de referências bibliográficas, cujos fundamentos se estendem do kleinismo à Análise Institucional francesa, passando por vertentes do freudo-marxismo e/ou do lacanismo-althusserianismo, desestabilizando, assim, qualquer intuito de afirmar tendências unitárias entre os psicanalistas de seu país (Baremblitt, 1987Baremblitt, G. (1987). Ato psicanalítico, ato político. Segrac.).

Outros estudos se esforçam por delimitar campos de forças apelando ao conceito de geração (Sirinelli, 1996Sirinelli, J. F. (1996). A geração. In M. M. Ferreira, & J. Amado (Orgs.), Usos e abusos da história oral (pp. 131-137). FGV.). Cecília Coimbra (1995Coimbra, C. M. B. (1995). Guardiães da ordem: Uma viagem pelas práticas “psi” do Brasil do milagre. Oficina do Autor.), por exemplo, distingue duas gerações de argentinos no Brasil:

A primeira . . . defende a “verdadeira” psicanálise e a formação analítica nos moldes da IPA . . . .

A segunda . . . chega a partir de 1976, em sua maioria exilada, . . . demonstrando uma expressiva vinculação político-social em suas práticas, além de introduzir novas estratégias e táticas de ação. (p. 145).

Consciente do novo campo de uniformização passível de ser introduzido pelo conceito utilizado, apressa-se em dizer que, mesmo na “segunda geração”, existem

. . . os que vêm por questões de mercado, após a implantação da ditadura militar na Argentina, que muito vai “incomodar” os “psi” sem implicações políticas e . . . os que, mesmo por questões de exílio, encontram no Brasil um excelente “mercado psi”. (Coimbra, 1995Coimbra, C. M. B. (1995). Guardiães da ordem: Uma viagem pelas práticas “psi” do Brasil do milagre. Oficina do Autor., p. 45).

A distribuição em gerações, porém, não parece despropositada quando Coimbra (1995Coimbra, C. M. B. (1995). Guardiães da ordem: Uma viagem pelas práticas “psi” do Brasil do milagre. Oficina do Autor.) se refere às reações dos psicanalistas das sociedades oficiais, inclusive os mais progressistas, entrevistados em sua pesquisa: “…insistem em dizer que a influência dessa ‘segunda geração’ . . . é quase nenhuma”, sendo unânimes em afirmar que “a mais importante contribuição vem dos ‘oficiais’ do início dos anos 70” (pp. 150-151).

Também a mais velha das autoras deste artigo recorre ao polêmico conceito: afirma que na metade inicial da década de 1970 uma “primeira geração” de argentinos - desenvolvimentista, preventivista, grupalista em compreensão (bioniana, pichoniano-blegeriana8 8 O termo conjuga os Grupos Operativos de Enrique Pichon-Rivière e a Psicologia Institucional de José Bleger. ) e em extensão (mães, gestantes, crianças, adolescentes, pacientes orgânicos, instituições) - vem ao Brasil e logo retorna a seu próprio país, sempre respondendo às demandas que ajuda a produzir. Já na metade final da década, uma “segunda geração” também grupalista, mas freudo-marxista, althusseriana, antipsiquiátrica, institucionalista, deleuze-guattariana etc. - plataformista, em suma - vem porque é obrigada a deixar a Argentina em razão do golpe militar e tão cedo não pode retornar a seu país (Rodrigues, 1999bRodrigues, H. B. C. (1999b). Sobre as histórias das práticas grupais. Considerações sobre um intrincado problema. In A. M. Jacó-Vilela, & D. Mancebo (Orgs.), Psicologia Social: Abordagens sócio-históricas e desafios contemporâneos (pp. 111-165). EDUERJ., p. 129).

Enquanto a Argentina vivia um momento de lutas nacionais-populares e/ou revolucionárias (1969-1973), o Brasil estava mergulhado no “milagroso” período dos “anos de chumbo”. Quando ela ingressa na “Guerra Suja” (1974/1976), por aqui se inicia a distensão “lenta, gradual” e principalmente “segura” do Governo Geisel (1974-1979), pois ainda se vive sob a Doutrina de Segurança Nacional. Costuma-se considerar este último Brasil um estranho país para exílio de plataformistas. Soa bem mais incômodo, todavia, o não-estranhamento das tranquilas visitas de psicanalistas argentinos àquele outro Brasil - o dos “anos de chumbo” - para ministrar cursos e supervisões. Há, no caráter constatativo-descritivo da narrativa dessas visitas, um pressuposto a ser radicalmente questionado, pois possui repercussões evidentes sobre o modo de escrever a história: o da possibilidade de analisar o campo psi omitindo a forma como o contexto sociopolítico delimita suas condições de existência e funcionamento.

Esquerdos humanos

A esta altura, está nítida a afinidade entre o paradigma institucionalista e um grupo, na América Latina, crítico aos instituídos de várias ordens. Como vimos, a que pode ser considerada a primeira geração de analistas institucionais no Brasil - à qual pertence a mais velha das autoras deste artigo -, em sua maior parte feminina e de formação psi, tomou contato com a AI no final dos anos 1970 e início dos 1980, principalmente por meio da mencionada “segunda geração” de argentinos, assim como pelo encontro com institucionalistas franceses e expoentes do movimento da Psiquiatria Democrática italiana (Coimbra, 1995Coimbra, C. M. B. (1995). Guardiães da ordem: Uma viagem pelas práticas “psi” do Brasil do milagre. Oficina do Autor.; Rodrigues, 2005Rodrigues, H. B. C. (2005). “Sejamos realistas, tentemos o impossível!” Desencaminhando a Psicologia através da Análise Institucional. In A. M. Jacó-Vilela, A. A. L. Ferreira, & F. T. Portugal (Orgs.), História da psicologia: rumos e percursos (pp. 609-657). Nau.). Isso se deu tanto em espaços formativos como institutos - sendo o mais importante deles o Ibrapsi - e universidades, ainda que nessas de forma incipiente em comparação com o que virá a ser a difusão acadêmica nos anos 1990 e 2000.

Parte desse grupo se engajou intensamente na oposição à ditadura empresarial-militar brasileira, tendo sido perseguida, presa, torturada, e desaparecida e/ou assassinada. Mas também sobreviveu, resistiu e inventou outras estratégias de militância pela vida e pela liberdade. A partir da segunda metade da década de 1970, com a “crise das grandes narrativas” (Lyotard, 1979Lyotard, J. F. (1979). A condição pós-moderna. José Olympio.) e a entrada de “novos personagens” na cena política do país (Sader, 1988Sader, E. (1988). Quando novos personagens entraram em cena. Paz e Terra.), lutas como as dos movimentos feminista, negro, LGBT (à época, GLBT), ambientalista, sanitarista, antimanicomial e, claro, o movimento pela anistia dos presos e exilados políticos ganharam força. Engendra-se, assim, uma versão brasileira e latino-americana para os direitos humanos (Coimbra, Lobo, & Nascimento, 2008Coimbra, C. B. M., Lobo, L. F., & Nascimento, M. L. (2008). Por uma invenção ética para os direitos humanos. Psicologia Clínica, 20(2), 89-102. https://doi.org/10.1590/S0103-56652008000200007
https://doi.org/https://doi.org/10.1590/...
), muito mais popular, encarnada e contestatária do que aquela de uma solene declaração a ser alcançada ou cumprida, aproximando-nos do que Mario Benedetti (2015, como citado em Souza, 2018Souza, A. M. P. (2018). Modulações militantes por uma vida não fascista. Criação Humana.) viria a chamar de “esquerdos humanos”.

Os psis de viés institucionalista (e já marcados pelas leituras de Michel Foucault, Gilles Deleuze, Félix Guattari, Baruch Espinosa, entre outros) não demorariam a ir mais longe e profanar as origens burguesas, europeias e coloniais dos direitos humanos, bem como as concepções de sujeito de caráter essencialista, individualista e transcendental ali subjacentes (Coimbra et al., 2008Coimbra, C. B. M., Lobo, L. F., & Nascimento, M. L. (2008). Por uma invenção ética para os direitos humanos. Psicologia Clínica, 20(2), 89-102. https://doi.org/10.1590/S0103-56652008000200007
https://doi.org/https://doi.org/10.1590/...
). Logo se daria a aposta em uma concepção processual, coletiva, ética, anticapitalista e libertária para tal pauta. Essa concepção e as experiências militantes e epistemológicas daquela geração marcariam profundamente a formação de parte da geração seguinte, bem como a própria categoria profissional dos psicólogos, seja interpelando-a em seu potencial para “guardiã da ordem” - expressão emblemática cunhada por Cecília Coimbra (1995)Coimbra, C. M. B. (1995). Guardiães da ordem: Uma viagem pelas práticas “psi” do Brasil do milagre. Oficina do Autor. -, seja na direção política tomada pelo Sistema Conselhos nas décadas subsequentes.

Anuncia-se assim uma relação da psicologia com os direitos humanos, via AI, que coloca a primeira em análise, problematizando seu mandato social e convocando-a a um compromisso ético-político de promoção e sustentação da multiplicidade e da diferença.

Revoluções moleculares ao som de um violino

Mais rigorosamente, para quem começou a estudar e/ou atuar no campo psicológico na primeira década dos anos 2000, as práticas desencaminhadas pela AI (Rodrigues, 2005Rodrigues, H. B. C. (2005). “Sejamos realistas, tentemos o impossível!” Desencaminhando a Psicologia através da Análise Institucional. In A. M. Jacó-Vilela, A. A. L. Ferreira, & F. T. Portugal (Orgs.), História da psicologia: rumos e percursos (pp. 609-657). Nau.) foram aquelas das e nas políticas: não só as institucionais, clínicas, insurgentes etc., mas igualmente as políticas públicas, o que exigiu uma especial habilidade para caminhar, qual equilibrista, no “fio da navalha” entre o controle e o cuidado (Neves, 2004Neves, C. A. B. (2004). Pensando o contemporâneo no fio da navalha: Entrelaces entre desejo e capital. Lugar Comum, (19/20), 135-157.). Vejamos como algumas modulações e infiltrações se efetuam para essa safra psi e a que movimentos o institucionalismo se alia.

Antes de tudo, é preciso dizer que já não fazia muito sentido, naquele momento, manter a psicanálise como alvo central de problematizações, como ocorrera nos anos 1970 e 1980, já que, no Brasil, “a análise institucional tem sua origem em uma mestiçagem” (Manero, 2022Manero, R. (2022). Prólogo. In M. G. Plata, N. Río, V. Falleti, & E. Scheinvar (Orgs.), Análisis Institucional: Diálogos entre Francia y Brasil (pp. 13-26). Universidad Autónoma Metropolitana., p. 15) que, como vimos, inclui uma psicanálise marginal e crítica. No âmbito epistemológico já estavam nítidas, ademais, as hibridizações com a filosofia da diferença, a psicologia social e os grupalismos (Rodrigues & Barros, 2003Rodrigues, H. B. C., & Barros, R. D. B. (2003). Socioanálise e práticas grupais no Brasil: Um casamento de heterogêneos. Psicologia Clínica , 151), 61-74.), o que confere à AI brasileira um interessante aspecto de apropriação-invenção transdisciplinar (Passos & Barros, 2000Passos, E., & Barros, R. B. (2000). A construção do plano da clínica e o conceito de transdisciplinaridade. Revista Psicologia: Teoria e Pesquisa, 16(1), 71-79. https://doi.org/10.1590/S0102-37722000000100010
https://doi.org/https://doi.org/10.1590/...
). Nessa AI, a relação de lateralidade e amizade - e não de filiação e mestria - com os autores lidos é uma marca constante, impulsionando trabalhos autorais singulares. De outra parte, o campo macropolítico sofria modulações a partir das quais ficava cada vez mais difícil extrair purismos.

Muitos dos que nasceram no início dos anos 1980 não sentiram (ao menos não diretamente) o peso das botas dos anos de chumbo que fora experimentado e desafiado por quem lhes apresentaria, em grande parte nas universidades públicas, o institucionalismo. Ainda assim, viveram - após a “lenta e gradual” abertura política repleta de acordos que culminaram na Constituição Cidadã - pouco mais de uma década entre o liberalismo e a social-democracia de centro-direita. Na virada do milênio, a América Latina experimenta uma espécie de guinada “anti-Condor”, com a eleição de Néstor Kirchner na Argentina, Hugo Chávez na Venezuela, Evo Morales na Bolívia e José Mujica no Uruguai. Em 2002, o Brasil elege um ex-metalúrgico nordestino, Luiz Inácio Lula da Silva, e o Partido dos Trabalhadores (PT) estreia na posição máxima do poder executivo federal.

“Finalmente um governo de esquerda!”, alguns bradaram. Mas logo seria lembrada a frase de Eduardo Galeano (2001Galeano, E. (2001). Dias e noites de amor e guerra. L&PM.): “o poder é como um violino, toma-se com a esquerda e toca-se com a direita” (p. 17). Apesar de suas origens democrático-populares, o PT fez alianças com o “centrão” para se eleger e passou a governar no lugar, preexistente, do Estado Democrático de Direito - Estado Moderno, burguês, em um mundo de capitalismo globalizado cuja racionalidade era (necro)biopolítica e penal (Coimbra et al., 2008Coimbra, C. B. M., Lobo, L. F., & Nascimento, M. L. (2008). Por uma invenção ética para os direitos humanos. Psicologia Clínica, 20(2), 89-102. https://doi.org/10.1590/S0103-56652008000200007
https://doi.org/https://doi.org/10.1590/...
; Monteiro, Coimbra, & Mendonça, 2006Monteiro, A., Coimbra, C., & Mendonça, M., Filho. (2006). Estado democrático de direito e políticas públicas: Estatal é necessariamente público? Psicologia & Sociedade, 18(2), 7-12. https://doi.org/10.1590/S0102-71822006000200002
https://doi.org/https://doi.org/10.1590/...
).

A despeito (ou ao lado) das muitas ressalvas que possam ser feitas, o fato é que, “como nunca antes na história desse país”, implementavam-se programas sociais e políticas afirmativas; investia-se na educação, na assistência social, na saúde. A categoria psi passa a estar em maior número tanto na “ponta”, ou seja, nas equipes dos serviços, quanto na gestão pública, que absorve, inclusive, vários movimentos sociais. Psicólogos institucionalistas participam ativamente na formulação de políticas e projetos, a exemplo do Humaniza SUS, da Reforma Psiquiátrica e das Clínicas do Testemunho.

A questão que agora vigora é: como tocar o violino “canhotamente”, isto é, inventivamente? Ou, para quem não está dentro da máquina do Estado, mas decerto se encontra envolto nas tramas microfísicas do poder (Foucault, 1979Foucault, M. (1979). Microfísica do poder. Graal.), como operar, no cotidiano de trabalho, mediante práticas a contrapelo da lógica normatizadora e adoecedora de corpos e subjetividades? O desafio principal parece ser o de aprender a se movimentar em meio às impurezas; melhor dizendo, o de habitar as linhas macropolíticas de maneira vigilante quanto aos controles e microfascismos. Cumpre manter vivas as forças instituintes em meio às instituídas, mesmo na militância e nos novos ativismos (Asth, 2021Asth, F. C. (2021). Avessos da democracia no Brasil: Sobre aspirações militantes capturadas pelo ideário (neo)liberal. (Tese de doutorado), Universidade do Estado do Rio de Janeiro.; Souza, 2018Souza, A. M. P. (2018). Modulações militantes por uma vida não fascista. Criação Humana.), pois nem toda força contestatária fora absorvida pelo Estado.

Em tais circunstâncias, as ferramentas da AI são acionadas recorrentemente, ora transversalizadas nos fazeres diários, como antídoto em face de possíveis cooptações, ora atreladas estrategicamente aos próprios princípios das políticas - afirmando-as, nesse caso, como mais públicas e coletivas do que como estatais (Barros & Passos, 2005Barros, R. B., & Passos, E. (2005). A humanização como dimensão pública das políticas de saúde. Ciência & Saúde Coletiva, 10(3), 561-571. https://doi.org/10.1590/S1413-81232005000300014
https://doi.org/https://doi.org/10.1590/...
; Monteiro et al, 2006Monteiro, A., Coimbra, C., & Mendonça, M., Filho. (2006). Estado democrático de direito e políticas públicas: Estatal é necessariamente público? Psicologia & Sociedade, 18(2), 7-12. https://doi.org/10.1590/S0102-71822006000200002
https://doi.org/https://doi.org/10.1590/...
). Faz-se necessário teimar em ser antimanicomial em meio à reforma psiquiátrica; em seguir apostando nos processos de autogestão; em afirmar a política nos dispositivos clínicos; em escapar das capturas impostas aos direitos humanos, em nome dos quais, por sinal, continuam a vigorar práticas de exclusão e de morte; em deslocar-se à esquerda da esquerda para manter o que talvez possamos chamar de devir revolucionário.

A propósito, no Sistema Conselhos de Psicologia, os direitos humanos tomam um lugar de centralidade. Após a criação da Comissão Federal de Psicologia (CFP) e das Comissões Regionais de Psicologia (em 1997 e 1998, respectivamente), com a meta de mobilizar permanentemente a categoria em sua defesa, os direitos humanos são incorporados, em 2005, como princípio fundamental no Código de Ética (CFP, 2005Conselho Federal de Psicologia (2005). Código de ética profissional do psicólogo. CFP.). Será também nas comissões federal e regionais que movimentos vinculados a temas como HIV/aids, gênero e diversidade sexual, assim como relações étnico-raciais conquistarão espaço (Schucman & Martins, 2017Schucman, L. V., & Martins, H. V. (2017). A psicologia e o discurso racial sobre o negro: Do “objeto da ciência” ao sujeito político. Psicologia: Ciência e Profissão, 37(spe), 172-185. https://doi.org/10.1590/1982-3703130002017
https://doi.org/https://doi.org/10.1590/...
).

A partir da concepção do direito “como conquista, datada historicamente, e do humano como permanente criação de si e de mundos” (Arantes, 2007Arantes, E. (2007). Prefácio. In Comissão de direitos humanos do CRP-RJ (Org.), Direitos Humanos? O que temos a ver com isso? (pp. 11-18). Conselho Regional de Psicologia - RJ., p. 7), os direitos humanos são tomados pelos institucionalistas - das gerações de ambas as autoras deste artigo - em publicações e intervenções, dentro e fora do Sistema Conselhos. Vale enfatizar, nesse sentido, sua presença nas salas de aula, como linha ética que problematiza, de modo incansável, as práticas psi em sua tradição individualizante, adaptacionista, tutelar, racista, capacitista, especista, essencializante, e pretensamente científica nas diversas áreas de atuação. São discutidos em profusão temas como os processos de medicalização e de judicialização da vida; os especialismos; as práticas de exclusão; a questão verdade, memória e justiça nas novas democracias latino-americanas. Atenta-se, enfim, aos atravessamentos neoliberais e biopolíticos nas práticas psicológicas. No entanto, os marcadores sociais da diferença, como raça, etnia, gênero e sexualidade ainda aparecem pouco no foco das análises - o que, em breve, não mais poderá deixar de ser notado.

Como marcas das contribuições da AI para uma geração, pode-se dizer que foi importante, certamente, adquirir as destrezas e sagacidades de um equilibrista para garantir que o controle não vencesse o cuidado. Mas nada nos havia preparado para o que ainda estava por vir.

Rejuvenescer

Retomando as interpelações que animam este texto, talvez as mais candentes (e desejáveis) que estejamos vivendo nos últimos anos, presentes nas salas de aula e nos corredores da universidade pública (em nosso caso, a Universidade do Estado do Rio de Janeiro), sejam aquelas ligadas a relações étnico-raciais, identidades de gênero, orientação sexual, territorialidade e colonialidade. Historicamente impossibilitados por longuíssimo tempo de acessar esses espaços universitários no nosso país, caracterizado pelo colonialismo escravocrata, pelo racismo patriarcal cis-heteronormativo (Geledés, 2013Geledés - Instituto da Mulher Negra. (2013). Guia de enfrentamento do racismo institucional. Geledés; Centro Feminista de Estudos e Assessoria. http://www.onumulheres.org.br/wp-content/uploads/2013/12/Guia-de-enfrentamento-ao-racismo-institucional.pdf
http://www.onumulheres.org.br/wp-content...
) e pelo capitalismo neoliberal, corpos periféricos e favelados, negros, indígenas e LGBTs passaram a ocupá-los, como sabemos, notadamente a partir da implementação de políticas afirmativas como as cotas sociais e raciais9 9 A Lei nº 12.711/2012 garante a reserva de 50% das vagas de Instituições de Ensino Superior (IES) federais para estudantes que cursaram o ensino médio em escolas públicas, oriundos do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) ou Educação para Jovens e Adultos (EJA), com renda familiar igual ou menor a 1,5 salário mínimo; há reservas específicas para pretos, pardos, indígenas e pessoas com deficiência. No estado do Rio de Janeiro, a lei de cotas nº 3.708 foi aprovada em 2001 e prorrogada por outros dez anos em 2018, pela lei nº 8.121. , o Programa Universidade para Todos (Prouni) e o Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (Reuni)10 10 O Prouni, instituído pela Lei nº 11.096 de 13 de janeiro de 2005 - e o Reuni, visando a democratização do acesso à Educação Superior, foram criados pelo decreto nº 6.096 de 2007. - políticas estas, vale lembrar, fruto da pressão dos movimentos sociais.

Conforme descrito em trabalho anterior (Souza & Szuchman, 2021Souza, A. M. P., & Szuchman, K. S. (2021). Furando os bolsos da psicologia social: Experimentações transgressoras na docência. Polis e Psique, 11(1), 222-246. https://doi.org/10.22456/2238-152X.108601
https://doi.org/https://doi.org/10.22456...
), as experiências e problematizações da nova geração universitária brasileira vêm comparecendo nas disciplinas de graduação, nas atividades de extensão, de estágio, nos grupos de pesquisa e na pós-graduação, convocando docentes a destacarem mais os marcadores sociais da diferença nos conteúdos trabalhados, bem como a que se façam presentes, nas bibliografias, autores e epistemologias inauditas ou aniquiladas pela tradição ocidental do pensamento (Carneiro, 2005Carneiro, A. S. (2005). A construção do outro como não-ser como fundamento do ser. (Tese de doutorado), Universidade de São Paulo. https://negrasoulblog.files.wordpress.com/2016/04/a-construc3a7c3a3o-do-outro-como-nc3a3o-ser-como-fundamento-do-ser-sueli-carneiro-tese1.pdf
https://negrasoulblog.files.wordpress.co...
). Tal chamado urgente aparece em numerosas novas escrituras - antirracistas, feministas, interseccionais, entre outras -, que interrogam autores que antes julgávamos intocáveis, inclusive aqueles que ocupam uma posição contra-hegemônica na psicologia majoritária. As novas escrituras mencionadas se agenciam, em acréscimo, à expansão de estudos pós-coloniais, subalternos e decoloniais (Ballestrin, 2013Ballestrin, L. (2013). América Latina e o giro decolonial. Revista Brasileira de Ciência Política, (11), 89-117. https://doi.org/10.1590/S0103-33522013000200004.
https://doi.org/https://doi.org/10.1590/...
).

Essas forças revoltosas se manifestam numa atualidade brasileira tensa, de conjuntura ultraconservadora, de grotescos retrocessos nas políticas públicas, sob um triste bolsonarismo que ascendeu à presidência em 2018 e, mais gravemente, alastrou-se no tecido social naquele mesmo momento, a partir das condições criadas por um golpe jurídico-institucional sobre o governo de Dilma Rousseff (PT), ocorrido em 2016. Trata-se de tempos de aprofundamento de desigualdades sociais, raciais e de tantas outras ordens, graças a uma tecnologia de exercício de poder brutalista - de tendência mundial, vale dizer -, como vem definindo Achille Mbembe (2021Mbembe, A. (2021). Brutalismo. n-1 edições.), que conferiu feições genocidas à gestão da pandemia de Covid-19 no país. Poder de racionalidade necropolítica, reacionário e repressivo sem qualquer constrangimento, que odeia a alteridade, o minoritário, os movimentos indisciplinados, libertários e alegres. Poder, talvez sobretudo, que é prolongamento de forças fascistas que constituem uma reação às já descritas grandes transformações macro e micropolíticas ocorridas na primeira década dos anos 2000, no Brasil e na América Latina. Nesse sentido, é imprescindível lembrar quão perturbadora foi a execução de Marielle Franco, vereadora preta, mulher, LGBT, defensora de direitos humanos e socialista, em 14 de março de 2018, demonstrando o modo como alguns (ou muitos?) lidariam com a insuportabilidade da diferença, expressa não apenas nas resistências como simplesmente em determinadas existências.

Como pensar os impactos das nossas gerações, os impactos do movimento institucionalista e de suas alianças com as lutas por direitos humanos, sobre a juventude de hoje, em tal cenário? Não seria já insuficiente preocuparmo-nos apenas com as produções de sofrimento psíquico do/no capitalismo neoliberal financeirizado, armado com psicologias pretensamente neutras, positivistas e docilizantes, com Édipos familistas? Como rejuvenescer nossas questões, referenciais e ferramentas (é preciso que funcionem!), de forma a fazer justiça ao que a própria AI nos ensinou, reconhecendo limites, mas fazendo novas conexões e parcerias?

É preciso, primeiro, admitir que somos também impactadas por essa geração e sua resistência visceral (Mbembe, 2019Mbembe, A. (2019). Poder brutal, resistência visceral. n-1 edições.) - que se faz presente de forma corporal, física, visível nos espaços, capaz de fazer frente ao brutal -, para então perscrutar os movimentos e produções disparados por tal encontro. Apontaremos brevemente, a seguir, efeitos que passam a operar sobre nossas maneiras de pensar, de pesquisar, de preparar cursos, de intervir, enfim, de lutar. Alguns, é claro, ainda em estado incipiente.

O primeiro deles quiçá seja a necessidade de recontar criticamente o percurso de um movimento/referencial que é, ele próprio, marginal no cenário da psicologia - lembremos a expressão “paradigma sem passado” aplicada à AI no Brasil -, mas que, ainda assim, também produziu certos apagamentos. Cumpre olhar para a AI com olhos mais atentos a personagens usualmente pouco referidos, como Frantz Fanon em seu importante trabalho com François Tosquelles, em Saint-Alban, e sua posterior ruptura com a Psicoterapia Institucional em favor de uma direção mais…institucionalista! Alguns trabalhos recentes relatam esse percurso, como os de Faustino (2015Faustino, D. M. (2015). A práxis e a “consciência política e social” em Frantz Fanon. Lutas Sociais, 19(34), 158-173., 2018Faustino, D. M. (2018). Frantz Fanon: um revolucionário, particularmente negro. Ciclo Contínuo Editorial.). Por sua vez, Rachel Passos (2018Passos, R. G. (2018). Frantz Fanon, reforma psiquiátrica e luta antimanicomial no Brasil: O que escapou nesse processo? Sociedade em Debate, 25(3), 74-88.) chama atenção para a influência de Fanon sobre Basaglia e a Reforma Psiquiátrica italiana: é Fanon quem aponta para a violência colonial e racista que atravessa psiquiatria e sociedade, e que concretiza, com o próprio corpo, a radicalidade daquilo que pensava e defendia, ao se demitir publicamente do manicômio de Argel, em que trabalhava como médico-chefe, para se juntar à Frente de Libertação Nacional na revolução argelina.

Talvez também devêssemos ressaltar que a primeira geração de institucionalistas brasileiros tem gênero: a presença de mulheres é expressiva e inegável, bem como notável a originalidade de suas formulações. Para percebê-lo, basta correr os olhos pelos capítulos contidos nos livros da coleção “Análise Institucional” (Kamkhagi & Saidon, 1987Kamkhagi, V. R., & Saidon, O. (Orgs.) (1987). Análise institucional no Brasil. Espaço e Tempo.; Rodrigues, Leitão, & Barros, 1992Rodrigues, H. B. C., Leitão, M. B. S., & Barros, R. D. B. (Orgs.) (1992). Grupos e instituições em análise. Rosa dos Tempos.).

Já afirmamos várias vezes que a AI brasileira é algo bem diferente de uma replicação ou continuidade da AI francesa. Em publicação atualíssima, o institucionalista mexicano Roberto Manero (2022Manero, R. (2022). Prólogo. In M. G. Plata, N. Río, V. Falleti, & E. Scheinvar (Orgs.), Análisis Institucional: Diálogos entre Francia y Brasil (pp. 13-26). Universidad Autónoma Metropolitana.), apesar de fazer ponderações sobre os riscos de uma “regionalização do pensamento” que poderiam veicular certas perspectivas decoloniais, vai além dessa advertência e defende que o que existe efetivamente é um institucionalismo latino-americano singular. Ele nos convida, com isso, à tarefa de nos reconhecermos, investindo em trocas de experiências e saberes, bem como na ampliação de redes de formação e de debate (não apenas de comunicação) entre os países da região.

Além dessa lente decolonial, negra e feminista sobre a história da AI, avaliamos que evocar os direitos humanos, mesmo que de modo desessencializado, possivelmente não baste. Outrora linha problematizadora da psicologia, uma pauta a que se aliou a AI, parece importante, hoje, submeter os direitos humanos a uma nova dimensão de leitura, racializada e generificada, para além daquela atenta quase que exclusivamente às produções do capitalismo. Por outro lado, utilizar a categoria dos direitos humanos para demarcar um tipo de atuação ainda faz algum sentido e é estratégico, sim, pela sua potencialidade de alcance no debate público diante do presente ultraconservador e necrobiopolítico; pela sua capacidade de articular diferentes frentes de luta; e pela sua importância histórica nas lutas populares no Brasil e no Sistema Conselhos de Psicologia.

Para recomeçar

Alguém pode perguntar, a esta altura: mas então de que ainda serve a AI, o que ela nos ensina, o que manter dela? Diríamos que um muito, ainda que cumpra não se iludir com fantasias de completude. A AI nos oferece princípios e nos equipa para atuar num presente atroz, que exige enorme sagacidade e coragem para empreender intervenções que não se conformem com poderes e desigualdades estabelecidos.

É recomendável saber usá-la não como um “pacote fechado”, com roteiro pronto, e sim, mais do que nunca, como caixa de ferramentas, aberta às hibridizações do hoje, quais sejam: a análise de implicações como operador de visibilidade para os marcadores sociais da diferença e suas consequências para as análises e práticas no campo psi; a escrita de diários como instrumento que situa e dá rosto ao(à) pesquisador(a); a autogestão e a pesquisa-intervenção como fundamentais para a des-hierarquização e descolonização dos saberes; a relação de lateralidade e agenciamento - e não de mestria - para pensar ao lado de autores(as) e conceitos; a abertura para o não saber, antídoto aos automatismos e às palavras de ordem no mundo hiperconectado.

A Análise Institucional brasileira, nessa perspectiva, de certa forma se singulariza pela sua “não singularização”: enquanto continuarmos a tecer redes entre ela e outros discursos e práticas insubmissos, roubando-se com isso o nome aos bois, repotencializações recíprocas continuarão a acontecer.

Referências

  • Altoé, S. (Org.) (2004). René Lourau: Analista institucional em tempo integral. Hucitec.
  • Altoé, S., & Rodrigues, H. B. C. (Orgs.) (2004). SaúdeLoucura vol. 8: Análise institucional. Hucitec.
  • Arantes, E. (2007). Prefácio. In Comissão de direitos humanos do CRP-RJ (Org.), Direitos Humanos? O que temos a ver com isso? (pp. 11-18). Conselho Regional de Psicologia - RJ.
  • Asth, F. C. (2021). Avessos da democracia no Brasil: Sobre aspirações militantes capturadas pelo ideário (neo)liberal. (Tese de doutorado), Universidade do Estado do Rio de Janeiro.
  • Augusto, J., Bisneto. (1996). Serviço Social e Análise Institucional: estudo das contribuições ao debate contemporâneo e ao processo de renovação no Brasil. (Dissertação de Mestrado). Escola de Serviço Social, Universidade Federal do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, RJ, Brasil.
  • Ballestrin, L. (2013). América Latina e o giro decolonial. Revista Brasileira de Ciência Política, (11), 89-117. https://doi.org/10.1590/S0103-33522013000200004.
    » https://doi.org/https://doi.org/10.1590/S0103-33522013000200004
  • Baremblitt, G. (1987). Ato psicanalítico, ato político. Segrac.
  • Baremblitt, G. (1989). SaúdeLoucura vol. 1: Apresentação do movimento institucionalista. Hucitec.
  • Barros, R. B. (2009). Grupo: A afirmação de um simulacro. Sulina.
  • Barros, R. B., & Passos, E. (2005). A humanização como dimensão pública das políticas de saúde. Ciência & Saúde Coletiva, 10(3), 561-571. https://doi.org/10.1590/S1413-81232005000300014
    » https://doi.org/https://doi.org/10.1590/S1413-81232005000300014
  • Benedetti, M. (1989). Antologia poética: “só quando transgrido alguma ordem o futuro se torna respirável”. Record.
  • Benjamin, W. (1994). Sobre o conceito de história. In W. Benjamin, Obras escolhidas, vol. 1: Magia e técnica, arte e política (pp. 222-232). Brasiliense.
  • Carneiro, A. S. (2005). A construção do outro como não-ser como fundamento do ser. (Tese de doutorado), Universidade de São Paulo. https://negrasoulblog.files.wordpress.com/2016/04/a-construc3a7c3a3o-do-outro-como-nc3a3o-ser-como-fundamento-do-ser-sueli-carneiro-tese1.pdf
    » https://negrasoulblog.files.wordpress.com/2016/04/a-construc3a7c3a3o-do-outro-como-nc3a3o-ser-como-fundamento-do-ser-sueli-carneiro-tese1.pdf
  • Carpintero, E., & Vainer, A. (25 maio 1999). El dia que hubo huelga de psicoanalistas. Página 12. https://www.pagina12.com.ar/1999/suple/psico/99-05/99-05-27/psico01.htm
    » https://www.pagina12.com.ar/1999/suple/psico/99-05/99-05-27/psico01.htm
  • Castel, R. (1978). O psicanalismo. Graal.
  • Coimbra, C. M. B. (1980). Psicologia Institucional: Dificuldades e limites. (Dissertação de Mestrado), Faculdade Getúlio Vargas.
  • Coimbra, C. M. B. (1995). Guardiães da ordem: Uma viagem pelas práticas “psi” do Brasil do milagre. Oficina do Autor.
  • Coimbra, C. B. M., Lobo, L. F., & Nascimento, M. L. (2008). Por uma invenção ética para os direitos humanos. Psicologia Clínica, 20(2), 89-102. https://doi.org/10.1590/S0103-56652008000200007
    » https://doi.org/https://doi.org/10.1590/S0103-56652008000200007
  • Conselho Federal de Psicologia (2005). Código de ética profissional do psicólogo. CFP.
  • Coutinho, E. (1997). O cinema documentário e a escuta sensível da alteridade. Projeto História, (15), 165-191. https://revistas.pucsp.br/index.php/revph/article/view/11228/8234
    » https://revistas.pucsp.br/index.php/revph/article/view/11228/8234
  • Duarte, L. F. D. (2000). Dois regimes históricos das relações da antropologia com a psicanálise no Brasil: Um estudo de regulação moral da pessoa. In P. Amarante (Org.), Ensaios: Subjetividade, saúde mental, sociedade (pp. 107-140). Fiocruz.
  • Faustino, D. M. (2015). A práxis e a “consciência política e social” em Frantz Fanon. Lutas Sociais, 19(34), 158-173.
  • Faustino, D. M. (2018). Frantz Fanon: um revolucionário, particularmente negro. Ciclo Contínuo Editorial.
  • Figueiredo, A. C. C. (1984). Estratégias de difusão do movimento psicanalítico no Rio de Janeiro 1970-1983. (Dissertação de Mestrado), Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro.
  • Foucault, M. (1979). Microfísica do poder. Graal.
  • Foucault, M. (1980). Interview with Lucette Finas. In M. Morris, & P. Patton (Eds.), Michel Foucault: power, truth and strategy (pp. 67-75). Feral Publications.
  • Foucault, M., & Deleuze, G. (1979). Os intelectuais e o poder. In M. Foucault, Microfísica do poder (pp. 41-45). Graal.
  • Galeano, E. (2001). Dias e noites de amor e guerra. L&PM.
  • Geledés - Instituto da Mulher Negra. (2013). Guia de enfrentamento do racismo institucional. Geledés; Centro Feminista de Estudos e Assessoria. http://www.onumulheres.org.br/wp-content/uploads/2013/12/Guia-de-enfrentamento-ao-racismo-institucional.pdf
    » http://www.onumulheres.org.br/wp-content/uploads/2013/12/Guia-de-enfrentamento-ao-racismo-institucional.pdf
  • Gros, F. (2018). Desobedecer. Ubu.
  • hooks, b. (2017). Ensinando a transgredir: a educação como prática de liberdade (2a. ed.). Martins Fontes.
  • Jacó-Vilela, A. M., Ferreira, A. A. L., & Portugal, F. T. (Orgs.) (2005). História da psicologia: rumos e percursos. Nau.
  • Kamkhagi, V. R., & Saidon, O. (Orgs.) (1987). Análise institucional no Brasil. Espaço e Tempo.
  • Kesselman, H. (1973). Plataforma internacional: Psicanálise e anti-imperialismo. In A. Bauleo, & M. Langer (Orgs.), Questionamos a psicanálise e suas instituições (pp. 246-250). Vozes.
  • L’Abbate, S., Mourão, L. C., & Pezzato, L. M. (Orgs.) (2013). Análise institucional e saúde coletiva. Hucitec.
  • Lyotard, J. F. (1979). A condição pós-moderna. José Olympio.
  • Manero, R. (2022). Prólogo. In M. G. Plata, N. Río, V. Falleti, & E. Scheinvar (Orgs.), Análisis Institucional: Diálogos entre Francia y Brasil (pp. 13-26). Universidad Autónoma Metropolitana.
  • Matos, O. C. E. (1981). Paris 1968: As barricadas do desejo. Brasiliense.
  • Mbembe, A. (2019). Poder brutal, resistência visceral. n-1 edições.
  • Mbembe, A. (2021). Brutalismo. n-1 edições.
  • Monteiro, A., Coimbra, C., & Mendonça, M., Filho. (2006). Estado democrático de direito e políticas públicas: Estatal é necessariamente público? Psicologia & Sociedade, 18(2), 7-12. https://doi.org/10.1590/S0102-71822006000200002
    » https://doi.org/https://doi.org/10.1590/S0102-71822006000200002
  • Moraes, L. M. O. (1994). Institucionalismo carioca: Uma novela familiar. (Dissertação de Mestrado), Universidade do Estado do Rio de Janeiro.
  • Neves, C. A. B. (2004). Pensando o contemporâneo no fio da navalha: Entrelaces entre desejo e capital. Lugar Comum, (19/20), 135-157.
  • Nicolas-Le Strat, P. (2015). Agir em comum/agir o comum. Lugar Comum , (45), 207-220. https://revistas.ufrj.br/index.php/lc/article/view/49943
    » https://revistas.ufrj.br/index.php/lc/article/view/49943
  • Passos, E., & Barros, R. B. (2000). A construção do plano da clínica e o conceito de transdisciplinaridade. Revista Psicologia: Teoria e Pesquisa, 16(1), 71-79. https://doi.org/10.1590/S0102-37722000000100010
    » https://doi.org/https://doi.org/10.1590/S0102-37722000000100010
  • Passos, R. G. (2018). Frantz Fanon, reforma psiquiátrica e luta antimanicomial no Brasil: O que escapou nesse processo? Sociedade em Debate, 25(3), 74-88.
  • Rodrigues, H. B. C. (1999a). A oficina da história: Método e ficção. In A. M. Jacó-Vilela, F. Jabur, & H. B. C. Rodrigues (Orgs.), Clio-Psyché: Histórias da psicologia no Brasil (pp. 20-24). NAPE/UERJ.
  • Rodrigues, H. B. C. (1999b). Sobre as histórias das práticas grupais. Considerações sobre um intrincado problema. In A. M. Jacó-Vilela, & D. Mancebo (Orgs.), Psicologia Social: Abordagens sócio-históricas e desafios contemporâneos (pp. 111-165). EDUERJ.
  • Rodrigues, H. B. C. (2002). No rastro dos cavalos do diabo: Memória e história para uma reinvenção de percursos do grupalismo-institucionalismo no Brasil. (Tese de Doutorado), Universidade de São Paulo.
  • Rodrigues, H. B. C. (2005). “Sejamos realistas, tentemos o impossível!” Desencaminhando a Psicologia através da Análise Institucional. In A. M. Jacó-Vilela, A. A. L. Ferreira, & F. T. Portugal (Orgs.), História da psicologia: rumos e percursos (pp. 609-657). Nau.
  • Rodrigues, H. B. C. (2020). As subjetividades em revolta. Institucionalismo francês e novas análises. Lamparina.
  • Rodrigues, H. B. C., & Barros, R. D. B. (2003). Socioanálise e práticas grupais no Brasil: Um casamento de heterogêneos. Psicologia Clínica , 151), 61-74.
  • Rodrigues, H. B. C., & Souza, V. L. B. (1987). A análise institucional e a profissionalização do psicólogo. In V. R. Kamkhagi, & O. Saidon (Orgs.), Análise institucional no Brasil (pp. 27-47). Espaço e Tempo.
  • Rodrigues, H. B. C., Leitão, M. B. S., & Barros, R. D. B. (Orgs.) (1992). Grupos e instituições em análise. Rosa dos Tempos.
  • Rolnik, S. (2018). Esferas da insurreição: Notas para uma vida não cafetinada. n-1 edições.
  • Rossi, A. (2021). Formação em esquizoanálise: Pistas para uma formação transinstitucional. Appris.
  • Roudinesco, E. (1988). História da psicanálise na França vol. 2: A batalha dos cem anos 1925-1985. Zahar.
  • Russo, J. A. (1999). Uma leitura antropológica do mundo psi. In A. M. Jacó-Vilela, F. Jabur, & H. B. C. Rodrigues (Orgs.), Clio-Psyché: Histórias da psicologia no Brasil (pp. 37-42). NAPE/UERJ.
  • Sader, E. (1988). Quando novos personagens entraram em cena. Paz e Terra.
  • Schaepelynck, V. (2018) L’institution renversée: Folie, analyse institutionelle et champ social. Eterotopie france.
  • Schucman, L. V., & Martins, H. V. (2017). A psicologia e o discurso racial sobre o negro: Do “objeto da ciência” ao sujeito político. Psicologia: Ciência e Profissão, 37(spe), 172-185. https://doi.org/10.1590/1982-3703130002017
    » https://doi.org/https://doi.org/10.1590/1982-3703130002017
  • Silva, C. O., Zamboni, J., & Barros, M. E. B. (Orgs.) (2016). Clínicas do trabalho e análise institucional. Nova Aliança.
  • Sirinelli, J. F. (1996). A geração. In M. M. Ferreira, & J. Amado (Orgs.), Usos e abusos da história oral (pp. 131-137). FGV.
  • Souza, A. M. P. (2018). Modulações militantes por uma vida não fascista. Criação Humana.
  • Souza, A. M. P., & Szuchman, K. S. (2021). Furando os bolsos da psicologia social: Experimentações transgressoras na docência. Polis e Psique, 11(1), 222-246. https://doi.org/10.22456/2238-152X.108601
    » https://doi.org/https://doi.org/10.22456/2238-152X.108601
  • Teixeira, M. O. L. (1993). O cristal de várias faces. A psicanálise, o campo de saber psiquiátrico e o modelo assistencial das comunidades terapêuticas. (Dissertação de Mestrado), Universidade Federal do Rio de Janeiro.
  • 1
    Usaremos alternativamente, neste artigo, Análise Institucional, institucionalismo e paradigma institucionalista, pois eventuais diferenças não são relevantes para a problematização proposta.
  • 2
    bell hooks (2017)hooks, b. (2017). Ensinando a transgredir: a educação como prática de liberdade (2a. ed.). Martins Fontes. problematiza a formação conteudista tradicional, vendo-a como modelo que reforça os sistemas de dominação, disciplinarização e subalternização. Sua proposta vai na direção de uma pedagogia anticolonial, crítica e feminista, atenta às diferenças e singularidades do corpo discente, engajada com o contexto e os desafios da sociedade - aposta revolucionária em que o prazer e o entusiasmo são combustíveis para uma educação como prática de liberdade.
  • 3
    As primeiras CTs cariocas se instalam em 1968, no Hospital Odilon Gallotti, do Centro Psiquiátrico Pedro II (Engenho de Dentro), sob a supervisão de Oswaldo dos Santos e Wilson Simplício, e em 1969, no Hospital Pinel (Botafogo), sob a direção de Eustachio Portella Nunes e Roberto Quilelli Corrêa.
  • 4
    Para Figueiredo (1984)Figueiredo, A. C. C. (1984). Estratégias de difusão do movimento psicanalítico no Rio de Janeiro 1970-1983. (Dissertação de Mestrado), Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro., nesse período se destaca a ampliação do campo profissional, que passa a se caracterizar por enorme ecletismo; já no seguinte (1977-1983), acentua-se a desestabilização da hegemonia das sociedades psicanalíticas oficiais, pois surgem seis novos grupos de formação, todos organizados por psicólogos.
  • 5
    Na aproximação às instituições, é possível encontrar várias disciplinas - Psicologia Institucional, Sociologia das Organizações, Análise Institucional estrito senso etc. Sobre o tema, consultar Coimbra (1980)Coimbra, C. M. B. (1980). Psicologia Institucional: Dificuldades e limites. (Dissertação de Mestrado), Faculdade Getúlio Vargas..
  • 6
    Verso de Porque cantamos, de Mario Benedetti (1989)Benedetti, M. (1989). Antologia poética: “só quando transgrido alguma ordem o futuro se torna respirável”. Record..
  • 7
    Entre eles, Emilio Rodrigué (didata) e Gregório Baremblitt (candidato), que buscarão exílio no Brasil. Rodrigué faleceu em 21 de fevereiro de 2008, em Salvador, Bahia, onde vivia desde 1974. Já Baremblitt faleceu em 4 de outubro de 2021, em Belo Horizonte, onde passara a residir nos anos 1980, após período no Rio de Janeiro.
  • 8
    O termo conjuga os Grupos Operativos de Enrique Pichon-Rivière e a Psicologia Institucional de José Bleger.
  • 9
    A Lei nº 12.711/2012 garante a reserva de 50% das vagas de Instituições de Ensino Superior (IES) federais para estudantes que cursaram o ensino médio em escolas públicas, oriundos do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) ou Educação para Jovens e Adultos (EJA), com renda familiar igual ou menor a 1,5 salário mínimo; há reservas específicas para pretos, pardos, indígenas e pessoas com deficiência. No estado do Rio de Janeiro, a lei de cotas nº 3.708 foi aprovada em 2001 e prorrogada por outros dez anos em 2018, pela lei nº 8.121.
  • 10
    O Prouni, instituído pela Lei nº 11.096 de 13 de janeiro de 2005 - e o Reuni, visando a democratização do acesso à Educação Superior, foram criados pelo decreto nº 6.096 de 2007.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    01 Ago 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    10 Maio 2022
  • Aceito
    10 Maio 2022
Conselho Federal de Psicologia SAF/SUL, Quadra 2, Bloco B, Edifício Via Office, térreo sala 105, 70070-600 Brasília - DF - Brasil, Tel.: (55 61) 2109-0100 - Brasília - DF - Brazil
E-mail: revista@cfp.org.br