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Entrega em Adoção e Demanda de Reencontro à Justiça: Motivações da Genitora

Voluntary Relinquishment and Request to Justice for Reunion: Birth Mother’s Motivations

Entrega en Adopción y Solicitud de Reencuentro a la Justicia: Motivaciones de la Madre Biológica

Resumo

Mudanças legislativas em relação à adoção vêm trazendo importantes repercussões para a compreensão do instituto. Neste artigo, temos como objetivo discutir especificidades da entrega voluntária de uma criança para adoção, no contexto da Justiça, e as motivações de demanda posterior da genitora para a viabilização de um reencontro. Problematizamos a amplitude do direito de acesso às origens, assegurado em lei aos adotados, a partir do entrelaçamento das temáticas entrega e reencontro, procurando compreender essas experiências pela perspectiva da genitora. Este trabalho parte de um caso paradigmático, atendido em uma Vara da Infância, Juventude e Idoso no estado do Rio de Janeiro, que culminou com o contato, mediado pelo Poder Judiciário, entre a adotada e sua genitora, por iniciativa desta. Trata-se de um estudo qualitativo, no qual foi realizada uma entrevista semiestruturada com a genitora, quatro anos após o acolhimento de seu pedido à Justiça. Os dados obtidos na entrevista foram analisados por meio do método de análise de conteúdo, em sua vertente categorial, resultando em duas categorias: entrega em adoção e segredos; reencontro: motivações e trajetórias. Constatamos a ausência de publicações brasileiras sobre a temática do reencontro, apontando que o assunto ainda é um tabu. Identificamos que, após o reencontro com a filha, foi possível à genitora uma transformação de si mesma, favorecendo o rompimento do segredo da entrega e de parte de sua história. Assinalamos a necessidade de mais pesquisas, incluindo-se a possibilidade da inserção do Judiciário na mediação dessas demandas.

Palavras-chave:
Entrega Voluntária; Acesso às Origens; Adoção; Psicologia Jurídica; Vínculos Familiares

Abstract

Legislative changes related to adoption have brought important repercussions for understanding its regulations. In this article, we aim to discuss the peculiarities of a voluntary relinquishment of a child for adoption, in the context of justice, and the motivations of subsequent demand from the birth mother to set a reunion. We problematize the dimension of the right to access origins, guaranteed by law to adoptees, based on the intertwining of the themes voluntary relinquishment and reunion, seeking to understand these experiences from the perspective of the biological mother. This work is based on a paradigmatic case, attended at a Juvenile Court in the State of Rio de Janeiro, that culminated on the reunion of the adopted and her birth mother, at the initiative of the latter, mediated by the Judiciary. This is a qualitative study, in which we interviewed the biological mother, four years after her legal requirement. The data obtained in the interview were analyzed using the content analysis method, in its categorical aspect, resulting in two categories: voluntary relinquishment in adoption and secrets; reunion: motivations and trajectories. We concluded the absence of Brazilian studies about the theme of reunion, pointing out that the subject still as a taboo. We identified that, after the reunion with the daughter, it was possible for the biological mother to modify herself, favoring the breaking of the secret about the relinquishment and of part of her story. We point out the need of more research, including the possibility of inserting the Judiciary as a mediator for such demands.

Keywords:
Voluntary Relinquishment; Access Origin; Adoption; Forensic Psychology; Family Ties

Resumen

Los cambios legislativos respecto a la adopción han tenido importantes repercusiones en la comprensión de la materia. Este artículo pretende discutir los detalles de la entrega espontánea de un niño para adopción, en el contexto de la Justicia, y las motivaciones de la posterior demanda de la madre biológica para hacer factible un reencuentro. Se problematiza la amplitud del derecho de acceso a los orígenes, garantizado por la ley a los adoptados, a partir del entrelazamiento de los temas entrega y reencuentro, analizando estas experiencias desde la perspectiva de la madre biológica. Este trabajo parte de un caso paradigmático que se llevó a cabo en un Juzgado de la Infancia, Juventud y Persona Mayor del Estado de Río de Janeiro y que culminó en el contacto entre la adoptada y su madre, por iniciativa de esta última, mediado por el Poder Judicial. Este estudio cualitativo realizó una entrevista semiestructurada con la madre biológica cuatro años después de su solicitud a la Justicia. A los datos obtenidos en la entrevista se aplicaron el método de análisis de contenido en su vertiente categórica, en el cual surgieron dos categorías: entrega en adopción y secretos; reencuentro: motivaciones y trayectorias. Se encontró que la falta de estudios brasileños sobre reencuentro apunta a que el concepto del sujeto todavía es un tabú. Se constató que luego del encuentro la madre biológica pasó por una autotransformación, lo que favoreció la ruptura del secreto sobre la entrega y parte de su historia. Es necesario realizar más investigaciones sobre el tema, incluida la posibilidad de insertar al Poder Judicial como mediador de tales demandas.

Palabras clave:
Entrega Voluntaria; Acceso a los Orígenes; Adopción; Psicología Forense; Vínculos Familiares

Introdução

Entendemos que a compreensão social da adoção vem mudando significativamente nos últimos anos e, como consequência, novos temas têm surgido para discussão e reflexão. A princípio, o modelo de adoção baseava-se em uma tentativa de imitar a filiação biológica. Não raro, as adoções eram mantidas como segredo familiar, e socialmente havia muitos preconceitos em relação aos filhos adotivos. Autores de diferentes nacionalidades, como Roy (2020Roy, A. (2020). A for adoption: An exploration for adoption experience for families and professionals. Taylor & Francis.), no Reino Unido, March (2014March, K. (2014). Birth mother grief and the challenge of adoption reunion contact. American Journal of Orthopsychiatry, 84(4), 409-419. https://doi.org/10.1037/ort0000013
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), no Canadá, e Fonseca (2010Fonseca, C. (2010). O direito às origens: Segredo e desigualdade no controle de informações sobre a identidade pessoal. Revista de Antropologia, 53(2), 493-526. https://doi.org/10.11606/2179-0892.ra.2010.36434
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), no Brasil, destacam que inicialmente adoção visava preservar a ordem moral e social, já que as crianças adotadas eram, em sua maioria, frutos de gravidezes não planejadas e não aceitas socialmente.

Nesse contexto, o mecanismo da Roda dos Expostos, que existiu no Brasil por mais de 200 anos (1726-1950), certamente marcou a prática da entrega em adoção. Consistia num artefato de madeira fixado ao muro ou janela da instituição onde podia ser deixado o bebê, sem que a identidade do doador ficasse conhecida. Tal mecanismo visava manter o anonimato das mães, facilitando a entrega de crianças a entidades de caridade e buscando evitar abandonos ou infanticídios.

Nesse arranjo, não permanecia qualquer registro da história pregressa da criança, geralmente ainda um bebê. Ao longo dos anos, com as mudanças legislativas e sociais relativas à adoção, temos observado importantes transformações nesse contexto, destacando-se as recentes alterações ao Estatuto da Criança e Adolescente (ECA, 2021Estatuto da criança e do adolescente. (2021). https://bit.ly/3ih69di
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), trazidas pela Lei nº 13.509, de 22 de novembro de 2017Lei nº 13.509, de 22 de novembro de 2017. (2017, 22 de novembro). Dispõe sobre adoção e altera a Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990 (Estatuto da criança e do adolescente ), a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), aprovada pelo Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943, e a Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil). https://bit.ly/3ZkVOho
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, objetivando regular a entrega voluntária dos filhos pelos genitores através do Poder Judiciário. Abreu (2002Abreu, D. (2002). No bico da cegonha: Histórias de adoção e da adoção internacional no Brasil. Relume Dumará.) aponta a ação sistemática de intermediários da adoção ao longo da história, especialmente pela falta de confiança na ação do Estado na resolução da questão. Destaca, ainda, a cumplicidade da Justiça para a realização das adoções irregulares, sem a necessária mediação legal, na prática de registrar a criança de outrem como filho próprio, conhecida como “adoção à brasileira”.

Motta (2006Motta, M. A. P. (2006). As mães que abandonam e as mães abandonadas. In L. F. Schettini Filho & S. M. Schettini (Orgs.), Adoção: Os vários lados dessa história (pp. 15-46). Bagaço., 2014Motta, M. A. P. (2014). Das mães que entregam seus filhos em adoção: Histórias de amor ou de horror? In C. Ladvocat & S. Diuana (Orgs.), Guia de adoção: No jurídico, no social, no psicológico e na família (pp. 415-436). Roca.) apresenta relevantes contribuições à compreensão do tema da entrega voluntária da criança para adoção, especialmente ao postular a diferença entre os conceitos de entrega e de abandono, distinção que contribuiu para diminuir os preconceitos em relação à genitora que toma essa decisão. Essa autora entende que, contrariamente ao senso comum, muitas vezes a entrega pode estar associada mais a uma atitude de cuidado do que de descuido da genitora.

Apesar das inúmeras situações em que a criança não permanece sob os cuidados de sua mãe, percebemos que o mito do amor materno como instinto feminino persiste no imaginário popular, mesmo após o clássico livro Um Amor Conquistado: O Mito do Amor Materno (Badinter, 1985Badinter, E. (1985). Um amor conquistado: O mito do amor materno (4a ed.). Nova Fronteira.). A despeito do grande destaque desta publicação, ainda se observa a sacralização da maternidade e pouca compreensão acerca da posição de algumas mulheres que decidem não permanecer com seus filhos. O senso comum tende a rotular essas mulheres como pessoas “desalmadas”, “mães desnaturadas” (Faraj, Machado, Siqueira, & Campeol, 2017Faraj, S. P., Machado, M. S., Siqueira, A. C., & Campeol, A. R. (2017). “Doeu muito em mim!”: Vivência da entrega de um filho para adoção na visão de mães doadoras. Estudos & Pesquisa em Psicologia, 17(2), 475-493. https://doi.org/10.12957/epp.2017.37127
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; Leão, Martins, Faraj, Siqueira, & Santos 2014Siqueira, A. C., Leão, F. E., Martins, B. M. C., Faraj, S. P., & Santos, S. S. (2014). Mulheres que entregam seus filhos para adoção: Um estudo documental. Revista Subjetividades, 14(2), 276-283. https://doi.org/10.5020/23590777.14.2.276-283
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; Motta, 2006Motta, M. A. P. (2006). As mães que abandonam e as mães abandonadas. In L. F. Schettini Filho & S. M. Schettini (Orgs.), Adoção: Os vários lados dessa história (pp. 15-46). Bagaço., 2014Motta, M. A. P. (2014). Das mães que entregam seus filhos em adoção: Histórias de amor ou de horror? In C. Ladvocat & S. Diuana (Orgs.), Guia de adoção: No jurídico, no social, no psicológico e na família (pp. 415-436). Roca.) ou mesmo “mulher monstro” (Barbosa, 2011Barbosa, A. P. S. (2011, 18-19 de agosto). Mulher-monstro: Violência contra a mulher que entrega o filho em adoção e a Lei nº 12.010/09 [Apresentação de trabalho]. II Simpósio Gênero e Políticas Públicas, Londrina, Paraná, Brasil.). No entanto, March (2014March, K. (2014). Birth mother grief and the challenge of adoption reunion contact. American Journal of Orthopsychiatry, 84(4), 409-419. https://doi.org/10.1037/ort0000013
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) ressalta que estudos sobre o tema indicam que muitas mães biológicas permanecem com sentimentos residuais de desvalorização de si mesma, culpa, raiva, vergonha e sofrimento como resultado da experiência da entrega, o que coincide também com pesquisas brasileiras (Faraj et al., 2017Faraj, S. P., Machado, M. S., Siqueira, A. C., & Campeol, A. R. (2017). “Doeu muito em mim!”: Vivência da entrega de um filho para adoção na visão de mães doadoras. Estudos & Pesquisa em Psicologia, 17(2), 475-493. https://doi.org/10.12957/epp.2017.37127
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; Menezes & Dias, 2011Menezes, K. L., & Dias, C. M. S. B. (2011). Mães doadoras: Motivos e sentimentos subjacentes à doação. Revista Mal-Estar e Subjetividade, 11(3), 935-965.; Motta, 2006Motta, M. A. P. (2006). As mães que abandonam e as mães abandonadas. In L. F. Schettini Filho & S. M. Schettini (Orgs.), Adoção: Os vários lados dessa história (pp. 15-46). Bagaço.). Um outro importante aspecto observado refere-se à ausência do genitor nos procedimentos da entrega voluntária de crianças para adoção (Leão et al., 2014; Menezes & Dias, 2011Menezes, K. L., & Dias, C. M. S. B. (2011). Mães doadoras: Motivos e sentimentos subjacentes à doação. Revista Mal-Estar e Subjetividade, 11(3), 935-965.). Nessa esteira, o uso do termo pais biológicos, na realidade, mascara o fato de que as mães é que são efetivamente implicadas nas pesquisas, políticas e práticas concernentes à adoção (March, 2014March, K. (2014). Birth mother grief and the challenge of adoption reunion contact. American Journal of Orthopsychiatry, 84(4), 409-419. https://doi.org/10.1037/ort0000013
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).

A retirada de uma criança de sua família de origem para inserção em nova família, com a qual ela não tinha relação prévia, era considerada um novo começo, em que não seriam levadas memórias ou conexões anteriores (Roy, 2020Roy, A. (2020). A for adoption: An exploration for adoption experience for families and professionals. Taylor & Francis.). Do ponto de vista dos adotantes, qualquer problema que os impediu de ter um filho biológico - em muitos casos a infertilidade - estaria resolvido com a chegada de um bebê. Nesta perspectiva, os adotantes eram estimulados a não levar em conta o passado da criança adotada, julgando que não teria qualquer relevância para seu posterior desenvolvimento. Essa ideia reforça a opção pela adoção de bebês, pois acreditava-se que não haveria qualquer registro, por parte da criança, em relação ao seu passado. Importante destacar que, também, os profissionais da área da adoção podem compartilhar compreensões baseadas na concepção descrita, ainda fortemente respaldada pelo imaginário social.

Nesse sentido, Fonseca (2012Fonseca, C. (2012). Mães “abandonantes”: Fragmentos de uma história silenciada. Estudos Feministas, 20(1), 13-32. https://doi.org/10.1590/S0104-026X2012000100002
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), em estudo focando as adoções realizadas nas décadas de 1950-1970, buscou analisar a questão da entrega em adoção e compreender as razões de os detalhes de cada situação serem sistematicamente silenciados pelos pais adotivos, pelos intermediários e pelas autoridades estatais. Em seu entender, parece haver uma colaboração tácita entre os pais adotivos e os diversos órgãos responsáveis pelos registros das adoções, como o Poder Judiciário e as instituições de acolhimento. Observou, ainda, por meio da análise dos processos judiciais da época, que quando se tratava de uma adoção intrafamiliar, os processos permaneciam completos, não ocorrendo o mesmo quando a situação envolvia pessoas desconhecidas. Assim, Fonseca (2012Fonseca, C. (2012). Mães “abandonantes”: Fragmentos de uma história silenciada. Estudos Feministas, 20(1), 13-32. https://doi.org/10.1590/S0104-026X2012000100002
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) apontou como a ausência de registros de informações das famílias de origem, nos processos de adoção, traziam desdobramentos em situações de busca às origens posteriormente efetivadas.

A forma de a família adotiva receber a história pregressa da criança traz importantes reflexos para a organização familiar e para a cadeia representacional ligada à subjetividade do adotado. Pelo que observamos, na prática profissional dos psicólogos no contexto da Justiça e em reuniões de grupos de apoio à adoção, a questão das origens ainda gera inseguranças às famílias adotivas, despertando inúmeras fantasias que podem interferir na dinâmica familiar, especialmente quando há qualquer segredo perpassando a adoção. Alguns pais adotivos acreditam que o fato de o filho ter informações sobre sua história de vida anterior à adoção poderia lhes causar sérios problemas. Desse modo, questionam a necessidade de abordar com as crianças o assunto, argumentando que seria melhor “esquecer o passado”. Esta posição muitas vezes está associada às próprias dificuldades em lidarem com questões relativas à infertilidade, a qual, ainda hoje, surge como uma das maiores motivações para a busca da adoção (Ghirardi, 2015Ghirardi, M. L. A. M. (2015). Devolução de crianças adotadas: Um estudo psicanalítico. Primavera.; Paulina, Ferreira, Bobato, & Becker, 2018Paulina, E., Ferreira, L., Bobato, S. T., & Becker, A. P. S. (2018). Processo de vinculação afetiva de crianças adotadas na perspectiva dos pais adotantes. Boletim - Academia Paulista de Psicologia, 38(94), 77-86.).

A curiosidade sobre as origens por parte da criança adotada pode aparecer em diferentes fases de seu ciclo, influenciando a organização da família constituída pela via da adoção, sobretudo por convocá-la a um manejo constante desses questionamentos (Machado, Féres-Carneiro, Magalhães, & Mello, 2019Machado, R. N, Féres-Carneiro, T., Magalhães, A, & Mello, R. (2019). O mito de origem em famílias adotivas. Psicologia USP, 30, Artigo e160102. https://doi.org/10.1590/0103-6564e160102
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). Conforme destacado pelas autoras, “a condição de adoção se impõe ao sujeito e realça o enigma da origem inerente ao ser humano” (Machado et al., p. 2).

Ao longo dos anos, à medida que cresceram os estudos sobre o tema, a visão que desconsidera a história pregressa da criança adotada foi mostrando-se equivocada (Roy, 2020Roy, A. (2020). A for adoption: An exploration for adoption experience for families and professionals. Taylor & Francis.). Nessa esteira, o ECA, com as modificações advindas da Lei nº 12.010, de 3 de agosto de 2009Lei nº 12.010, de 3 de agosto de 2009. (2009, 3 de agosto). Dispõe sobre adoção; altera as Leis nº 8.069, de 13 de julho de 1990 -Estatuto da criança e do adolescente , nº 8.560, de 29 de dezembro de 1992; revoga dispositivos da Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 - Código Civil, e da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), aprovada pelo Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943; e dá outras providências. https://bit.ly/3WSyXbg
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, conhecida como Nova Lei da Adoção, passou a assegurar o direito do adotado a ter acesso às suas origens, o que trouxe repercussões importantes à compreensão da filiação adotiva. No entanto, a lei deixa de se pronunciar sobre os procedimentos relacionados ao acesso às origens, que abrange de forma ampla o sentido de conhecimento da própria história, e pode abarcar, entre outros aspectos, a possibilidade de encontro com algum membro da família biológica. Nesse contexto, encontramos alguns estudos (Godon, Green, & Ramsey, 2014Godon, D. E., Green, W. F., & Ramsey, P. G. (2014). Transracial adoptees: The search for birth family and the search for self. Adoption Quarterly, 17(1), 1-27. https://doi.org/10.1080/10926755.2014.875087
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; Koskinen & Böök, 2019Koskinen, M. G., & Böök, M. L. (2019). Searching for the Self: Adult international adoptees’ narratives of their search for and reunion with their birth families. Adoption Quarterly , 22(3), 219-246. https://doi.org/10.1080/10926755.2019.1627449
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) que exploram as consequências do contato entre o adotado e sua família de origem. Godon et al. (2014Godon, D. E., Green, W. F., & Ramsey, P. G. (2014). Transracial adoptees: The search for birth family and the search for self. Adoption Quarterly, 17(1), 1-27. https://doi.org/10.1080/10926755.2014.875087
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), após revisão bibliográfica sobre o reencontro, encontraram que a experiência foi avaliada predominantemente de forma positiva pelos envolvidos, ou seja, essa possibilidade não deve ser considerada como um fator de insucesso da adoção, mas analisada em sua singularidade.

March (2014March, K. (2014). Birth mother grief and the challenge of adoption reunion contact. American Journal of Orthopsychiatry, 84(4), 409-419. https://doi.org/10.1037/ort0000013
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) buscou compreender as implicações, a longo prazo, da busca pelas origens na perspectiva da família biológica, destacando a necessidade de serem organizados mais estudos nesse campo. Na revisão bibliográfica do tema, não encontramos pesquisas realizadas no Brasil envolvendo a questão do contato posterior entre filhos adotivos e família de origem.

Diante do cenário mencionado, o objetivo deste trabalho é discutir especificidades da entrega voluntária de uma criança para adoção, no contexto da Justiça, e as motivações de demanda posterior da genitora para a viabilização de um reencontro. A problematização dessa questão ocorreu a partir do atendimento de um caso na Vara da Infância que despertou grande curiosidade e a necessidade de buscar aprofundamento teórico, na tentativa de fundamentar questões que emergiram na prática da psicologia no contexto jurídico, notadamente com relação ao acesso às origens. Trata-se da situação de uma genitora que procurou o Judiciário para solicitar contato com sua filha, após mais de 30 anos da prolação da sentença que havia deferido a adoção.

Este caso, que se iniciou a partir da entrega espontânea em adoção da criança, despertou intenso debate nas equipes de psicologia e do serviço social, trazendo inúmeras inquietações técnicas e éticas, configurando-se como uma situação rara. Não encontramos, na literatura brasileira pesquisada, registros de outras situações semelhantes. Assim, impôs-se um interesse em refletir sobre a demanda de acesso às origens sob o enfoque não somente do adotado, mas também da família biológica e adotiva, compondo um amplo estudo sobre motivações e dimensões do direito às origens em casos de famílias constituídas por meio da adoção. Diante da efetivação de contato entre as famílias de origem e adotiva, compreendemos o surgimento de múltiplas repercussões para todos os envolvidos: genitores, a pessoa adotada, adotantes e profissionais da Justiça. A experiência no atendimento do referido caso apontou para a necessidade/possibilidade de intervenção do Judiciário a posteriori, ou seja, após finalizado o processo de adoção, momento em que, a princípio, concluiria sua participação. No entanto, cabe atentar para os riscos de generalizações tecidas a partir deste estudo, em especial por se tratar de um caso único, no qual buscamos compreender em maior profundidade a perspectiva da genitora sobre questões da entrega e do reencontro.

Metodologia

Sobre o caso descrito, derivado da prática técnica na Justiça, caracterizado como único por sua peculiaridade entre as ocorrências diárias do trabalho do psicólogo no contexto jurídico, foi realizado um amplo estudo, composto por múltiplos dados: os autos do processo e três entrevistas semiestruturadas - uma com a genitora, outra com a filha e outra com a mãe adotiva, realizadas cerca de quatro anos após o reencontro entre a mãe biológica e a filha, mediado pela Justiça, em uma Vara da Infância localizada na região metropolitana do estado do Rio de Janeiro. Segundo Yin (2015Yin, R. K. (2015). Estudo de caso planejamento e métodos (5a ed.). Bookman.), a análise de casos peculiares pode favorecer descobertas ao criar insights sobre as situações usuais.

Inicialmente foi obtida autorização judicial para acesso ao processo, objetivando a realização de amplo estudo. A partir das informações constantes nos autos, a primeira autora, que foi uma das técnicas envolvidas no atendimento do caso, estabeleceu contato telefônico com a genitora, indagando-a sobre sua disponibilidade em participar da pesquisa, desenvolvida durante o curso de mestrado, com duração de dois anos. Diante da pronta aceitação, foi agendada entrevista presencial, em uma sala com total privacidade nas dependências de um Fórum no estado do Rio de Janeiro.

Neste trabalho, focamos exclusivamente a análise na perspectiva da genitora, a quem chamamos de Ana. Por ocasião da entrevista, ela preencheu uma pequena ficha biográfica com informações objetivas para melhor compreensão de seu contexto de vida. Informou ser viúva, negra, com escolaridade de primeiro grau incompleto. Após a entrega da filha Beatriz, teve mais três filhos com o companheiro falecido, que não era pai biológico da primogênita.

Instrumentos e Procedimentos

Como instrumento para este trabalho foi elaborado um roteiro de entrevista semiestruturado, organizado a partir de três eixos temáticos, o primeiro com perguntas referentes à motivação da entrevistada para efetivar o reencontro, incluindo a existência de expectativas prévias e possíveis repercussões do resgate do laço de filiação rompido. O segundo eixo contemplou o contexto do rompimento dos laços entre mãe e filha, e o terceiro, sua percepção em relação à mediação do Poder Judiciário no atendimento à sua demanda.

Para a análise dos dados obtidos na entrevista, utilizamos o método de análise de conteúdo (Bardin, 2011Bardin, L. (2011). Análise de conteúdo. Edições 70.), em sua vertente categorial. As categorias emergidas do material coletado foram articuladas à literatura sobre entrega voluntária e busca de contato entre as famílias biológica e adotiva. Optamos por este tipo de análise pois nos permite investigar no material narrativo os conteúdos manifestos e latentes. A partir de uma leitura flutuante, agrupamos os temas recorrentes, identificando-os e relacionando-os, o que resultou em duas categorias de análise: “Entrega em Adoção e Segredos”; “Reencontro: Motivações e Trajetórias”.

Considerações Éticas

A pesquisa seguiu as recomendações éticas da Resolução nº 466, de 12 de dezembro de 2012Conselho Nacional de Saúde. (2012). Resolução nº 466, de 12 de dezembro de 2012. https://bit.ly/3T3r1SJ
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do Conselho Nacional de Saúde (CNS). O projeto de pesquisa foi encaminhado e aprovado por Câmara de Ética em Pesquisa. Por ocasião da entrevista, foi apresentado o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), devidamente assinado pela entrevistada.

Resultados e Discussão

Entrega em Adoção e Segredos

Esta categoria se refere à experiência de entrega voluntária de um filho para adoção por parte da genitora, uma das formas pela qual uma criança pode ser disponibilizada para adoção. Há, ainda, outras maneiras de a adoção ser viabilizada. Algumas vezes os pais são destituídos do poder familiar através de processo judicial, mediante situações de descumprimento dos seus deveres, geralmente relacionadas a situações de negligência ou maus tratos. Nestes casos, antes da adoção, a criança pode permanecer em instituição de acolhimento, tentando-se inicialmente uma reintegração à família extensa, consoante à lei. Em outras situações, a criança pode ser deixada em hospitais ou locais públicos, ou ainda, como no caso em análise, a adoção pode se iniciar a partir da entrega espontânea da criança pelos pais. Nessa última possibilidade, há uma concordância objetiva e subjetiva dos genitores em relação ao processo de adoção, que traz especificidades quando comparada às demais situações.

Nesse sentido, no campo do direito, há uma distinção entre a destituição do poder familiar, que estaria relacionado a uma punição aos pais por terem cometido falhas no cumprimento de suas responsabilidades, e a extinção do poder familiar, aplicada no caso da entrega voluntária da criança, mediante a concordância dos genitores. A entrega para adoção é marcada por alguma impossibilidade manifestada pelos pais em permanecer com o filho. No entanto, poderia ser observada nessa atitude uma preocupação em preservar a vida da criança. Como contraponto à entrega em adoção, Menezes e Dias (2011Menezes, K. L., & Dias, C. M. S. B. (2011). Mães doadoras: Motivos e sentimentos subjacentes à doação. Revista Mal-Estar e Subjetividade, 11(3), 935-965.) propõem definir a noção de abandono como um ato praticado sem a preocupação com a sobrevivência do bebê. Na entrevista realizada com Ana, que efetivou a entrega da filha em adoção, quando a menina tinha aproximadamente dois anos, foi possível perceber que havia para ela uma diferenciação entre o ato da entrega e o do abandono, ao qual se referiu de forma espontânea, manifestando a presença da preocupação em assegurar o bem-estar da filha.

É porque eu sofri muito. Então, na época eu estava no sofrimento. . . . Aí eu falei, eu vou pegar ela e deixar ela num lugar para ficar lá, ser bem tratada… Eu dou graças a Deus que não peguei minha filha bebezinha, já pensou? E jogar, assim. Isso graças a Deus eu não fiz não, jogar… isso eu não fiz não (Ana).

No Brasil, Motta (2006Motta, M. A. P. (2006). As mães que abandonam e as mães abandonadas. In L. F. Schettini Filho & S. M. Schettini (Orgs.), Adoção: Os vários lados dessa história (pp. 15-46). Bagaço., 2014Motta, M. A. P. (2014). Das mães que entregam seus filhos em adoção: Histórias de amor ou de horror? In C. Ladvocat & S. Diuana (Orgs.), Guia de adoção: No jurídico, no social, no psicológico e na família (pp. 415-436). Roca.) foi pioneira na discussão da questão da entrega voluntária em adoção, enfatizando a perspectiva das mães que assim decidiam. As ideias da autora associam a entrega a uma atitude de cuidado, e contribuíram sobremaneira para que pudessem ser debatidas as especificidades dessa ação, atribuindo-lhe significado diferente do ato de abandonar o filho. Quando o bebê é deixado em via pública, ato que se insere na concepção de abandono, a notícia costuma ganhar significativo destaque na mídia, causando forte comoção social (Fonseca, 2009Fonseca, C. (2009). Abandono, adoção e anonimato: Questões de moralidade materna suscitadas pelas propostas legais de “parto anônimo”. Sexualidad, Salud y Sociedad, (1), 30-62.; Motta, 2006Motta, M. A. P. (2006). As mães que abandonam e as mães abandonadas. In L. F. Schettini Filho & S. M. Schettini (Orgs.), Adoção: Os vários lados dessa história (pp. 15-46). Bagaço.). Embora provoque intensa mobilização, essa atitude não representa a situação estatisticamente mais comum.

Observamos que, na entrevista, espontaneamente surgiu a questão do abandono como uma possibilidade, não aceita por ela, mas de certa forma considerada como uma opção. Podemos supor que, em alguns casos, a entrega pode estar protegendo a criança de um ambiente hostil ou mesmo da ambivalência e vulnerabilidades da genitora, o que reforça a importância de oferecer o lugar de escuta diante da manifestação do desejo de entrega em adoção. Sob esse viés, Tribunais de Justiça em vários estados brasileiros vêm desenvolvendo projetos próprios, com o fim de conscientizar a sociedade sobre a legalidade da entrega de crianças pelos seus genitores à Justiça da Infância e Juventude, bem como orientar os profissionais sobre o assunto, com a produção de cartilhas e folders sobre a temática. Como alguns exemplos, destacamos as campanhas “Entregar de Forma Legal é Proteger”, desenvolvida pelo Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro; ¨Entrega Legal¨, organizada pelo Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais; o ¨Programa Acolher¨, do Tribunal de Justiça de Pernambuco; e o ¨Dar da Luz¨, do Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul .

A questão da entrega voluntária de crianças para adoção, um procedimento antigo e presente em várias culturas, como constatamos, vem ganhando maior visibilidade no Brasil. Em especial, como decorrência das alterações ao ECA trazidas pela Lei nº 13.509, de 22 de novembro de 2017Lei nº 13.509, de 22 de novembro de 2017. (2017, 22 de novembro). Dispõe sobre adoção e altera a Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990 (Estatuto da criança e do adolescente ), a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), aprovada pelo Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943, e a Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil). https://bit.ly/3ZkVOho
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, que buscaram, entre outros aspectos, regular a entrega, pelos genitores, dos filhos em adoção, através do Poder Judiciário, o que historicamente não se configurava como o procedimento mais comum. Ocorria que muitas vezes os bebês encontravam novas famílias graças à atuação de “cegonhas”, geralmente profissionais da área de saúde ou assistência que, por conta própria, procuravam em suas redes sociais interessados em ficar com as crianças (Abreu, 2002Abreu, D. (2002). No bico da cegonha: Histórias de adoção e da adoção internacional no Brasil. Relume Dumará.; Fonseca, 2012Fonseca, C. (2012). Mães “abandonantes”: Fragmentos de uma história silenciada. Estudos Feministas, 20(1), 13-32. https://doi.org/10.1590/S0104-026X2012000100002
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). Tal prática não encontra qualquer respaldo legal, mas era bastante comum e socialmente aceita.

Com as modificações ao Estatuto, passou a constar explicitamente a obrigatoriedade de as maternidades encaminharem ao Poder Judiciário as genitoras que manifestarem intenção de entregar os bebês em adoção, prevendo-se sanções aos profissionais que descumprirem tal normativa. Esse ordenamento tira do âmbito privado e traz para a esfera judicial a responsabilidade de efetivar as adoções.

Na narrativa da genitora entrevistada, percebemos que na atitude de entrega havia uma postura cuidadosa com a filha. Tal vivência serviu como núcleo da ideia do reencontro, o que, em sua concepção, não seria possível caso tivesse procedido de outra forma. Apesar da racionalidade de que a entrega havia sido um ato preocupação, Ana vivia uma ambivalência promovida pela culpa, o que a levava a considerar importante o olhar e os significados construídos pelos outros quando comentavam sua história e seu ato. Ao narrar o discurso de um conhecido ante sua revelação sobre a entrega da criança, menciona: “‘Se você fosse uma pessoa ruim e tivesse feito ruindade com a sua filha, Deus não teria colocado ela no seu caminho de novo. Eu acredito nisso’”.

Uma hipótese levantada acerca da quantidade ainda pouco expressiva de casos de entrega em adoção por meio do Poder Judiciário está relacionada à ideia de que as genitoras têm medo e vergonha de sua escolha/necessidade de separar-se do filho. Temem ser criminalizadas por seu ato e sofrer preconceitos diante da decisão de não permanecer com a criança. Foi possível perceber na narrativa da entrevistada a presença significativa de sentimentos de vergonha e culpa, pois, ao ser perguntada sobre o que mudou após a entrega da filha ao juizado, relatou: “Muito remorso, muita culpa. Desde então venho carregando culpa e remorso, culpa e remorso sempre, sempre”.

Tais sentimentos podem ter contribuído para sua decisão de não revelar para ninguém a entrega, mantida em segredo até a efetivação do reencontro, quando compartilhou o acontecido com seus filhos e demais familiares. Após a entrega da filha, quando indagada pelos parentes acerca da ausência da menina, Ana justificava que ela estava sob os cuidados de uma madrinha: “Não tive coragem de falar. Eu falava que ela não tava adotada não. Eu falava que ela tava com a madrinha dela… Eu não falava não, eu tinha vergonha. A verdade é essa, entendeu. Vergonha”.

Um dos efeitos da falha ambiental que parece ter reverberado na mãe relaciona-se à impossibilidade de reparação e elaboração do ato de afastamento da filha, pois, se por um lado a vergonha a impediu de falar abertamente com os familiares, por outro, os familiares, ao não buscarem qualquer informação adicional sobre a situação, também colaboraram com a manutenção do segredo, conforme observamos no trecho destacado acima. Nesse contexto, diferentemente do senso comum, que relaciona o ato da entrega a uma falta de humanidade da genitora, Ana demonstrou sofrimento e sentimento de culpa diante do reconhecimento da impossibilidade de dispensar cuidados à criança, efeito similar ao apresentado nos demais estudos em que foram entrevistadas mães biológicas (Faraj et al., 2017Faraj, S. P., Machado, M. S., Siqueira, A. C., & Campeol, A. R. (2017). “Doeu muito em mim!”: Vivência da entrega de um filho para adoção na visão de mães doadoras. Estudos & Pesquisa em Psicologia, 17(2), 475-493. https://doi.org/10.12957/epp.2017.37127
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; March, 2014March, K. (2014). Birth mother grief and the challenge of adoption reunion contact. American Journal of Orthopsychiatry, 84(4), 409-419. https://doi.org/10.1037/ort0000013
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; Menezes & Dias, 2011Menezes, K. L., & Dias, C. M. S. B. (2011). Mães doadoras: Motivos e sentimentos subjacentes à doação. Revista Mal-Estar e Subjetividade, 11(3), 935-965.; Motta, 2006Motta, M. A. P. (2006). As mães que abandonam e as mães abandonadas. In L. F. Schettini Filho & S. M. Schettini (Orgs.), Adoção: Os vários lados dessa história (pp. 15-46). Bagaço.).

Porque eu morei com esse homem… ele era muito ruim comigo… muito mau mesmo! Meu sonho era separar dele e ir atrás dela. Era meu sonho, mas eu não conseguia. Já até quando era pequenininha eu fugia com ela, eu fugia dele, ele ia atrás de mim… (Ana).

Em sua fala, Ana refere-se ao companheiro, que não era o pai de sua filha Beatriz, e com quem, posteriormente, teve outros filhos. Ainda que estivesse cercada de familiares à época, como seus irmãos e a madrinha da menina, Ana não conseguiu amparo em sua rede familiar, situação que indica uma possível falha desta rede quanto à possibilidade de acolhimento e inserção da criança, bem como de sua situação de vulnerabilidade. Após ter sido entregue, a criança Beatriz parece ter adquirido um status de invisibilidade na família biológica, já que, diante da justificativa de que estaria aos cuidados da madrinha, não foi mais procurada por qualquer familiar, tampouco pelo pai. Tal cenário nos faz questionar, sob uma perspectiva sistêmica do fenômeno, que os familiares participaram dessa trama de silêncio e vulnerabilidades.

Apesar da compreensão, ou até expectativa, de que a família pode funcionar como uma importante rede de apoio, o legislador acena com a possibilidade de a genitora optar por não compartilhar com familiares sua opção de entrega do filho em adoção, ao garantir-lhe o direito de sigilo sobre a decisão, conforme o artigo 19A, § 9, do ECA (2021Estatuto da criança e do adolescente. (2021). https://bit.ly/3ih69di
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). O sigilo se aplicaria ao genitor e à família extensa, e não à identidade da própria mãe, já que permanece assegurado à criança o direito ao acesso às suas origens. Assim, cabe apontar a compreensão do legislador acerca da maternidade como uma questão eminentemente feminina, reforçando a percepção da pouca participação paterna no processo decisório quanto à entrega (Faraj et al., 2017Faraj, S. P., Machado, M. S., Siqueira, A. C., & Campeol, A. R. (2017). “Doeu muito em mim!”: Vivência da entrega de um filho para adoção na visão de mães doadoras. Estudos & Pesquisa em Psicologia, 17(2), 475-493. https://doi.org/10.12957/epp.2017.37127
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; Leão et al., 2014; Motta, 2014Motta, M. A. P. (2014). Das mães que entregam seus filhos em adoção: Histórias de amor ou de horror? In C. Ladvocat & S. Diuana (Orgs.), Guia de adoção: No jurídico, no social, no psicológico e na família (pp. 415-436). Roca.).

Na esteira dessa constatação, destacamos um estudo no qual foram analisados seis processos que tramitaram em juizado situado no Rio Grande do Sul envolvendo a entrega de criança em adoção. Nesta pesquisa, os autores observaram que nenhum pai foi chamado pela Justiça a participar do processo (Leão et al., 2014). No caso de Ana, sua filha não havia sido registrada pelo pai e, quando procurou o Poder Judiciário, ela não forneceu nenhuma informação sobre ele, confirmando que a decisão quanto à entrega aparece exclusivamente como decisão materna, excluindo o pai e demais familiares.

Motta (2006Motta, M. A. P. (2006). As mães que abandonam e as mães abandonadas. In L. F. Schettini Filho & S. M. Schettini (Orgs.), Adoção: Os vários lados dessa história (pp. 15-46). Bagaço.) aponta a importância de se estudar ações visando à profilaxia de uma entrega mal elaborada, alertando ainda sobre a necessidade de se zelar pela mãe para que ocorra o cuidado com a criança, pois se a genitora permanece com seu filho sem efetivamente desejar fazê-lo, futuramente poderá submetê-lo a situações de violência. Nesse sentido, cabe refletir sobre a necessidade de organizar intervenções que poderiam colaborar para um apoio à elaboração do ato da entrega. Observamos que, na situação estudada, a entrevistada esteve uma única vez na Vara da Infância, ocasião em que manifestou concordância com a adoção.

Foi um dia só. Eu fui com ela e ela ficou. A gente ficou juntas até a noite. Aí o negócio de adoção, eu não entendia muito bem na época. Eu sei que assinei, mas não sabia que tava assinando uma adoção, pra dar ela de vez. . . . A gente vê coisas na vida que a gente pensa que aquilo que é a solução, mas às vezes… eu não sei… mas eu nunca quis separar da minha filha!

Identificamos por meio do relato que, na Vara, nada foi explicado à criança sobre a separação de sua mãe, e as informações sobre a questão da irrevogabilidade da adoção parecem não ter sido bem assimiladas pela genitora. A experiência da entrevistada e sua ambivalência quanto à decisão da entrega corroboram os achados das pesquisas já realizadas, no sentido de se verificar nas situações de entrega em adoção uma mescla de vulnerabilidades objetivas e subjetivas, incluindo-se a ausência de rede de apoio efetiva, o que remete à vivência de desamparo.

Eu tava num momento difícil da minha vida e complicado… e eu não tive mãe nem pai. Perdi meus pais cedo, cedo. Se eu tivesse uma mãe do meu lado, de repente ia me dar uma estrutura legal. Eu tava praticamente sozinha mesmo! É porque eu sofri muito. Então na época que eu estava no sofrimento, eu acho até que eu estava deprimida, se eu não me engano…

Schettini Filho (2005Schettini, L., Filho. (2005). Compreendendo os pais adotivos. Bagaço.), sem especificar quantos casos analisou, constatou, em entrevistas realizadas com pais que doaram seus filhos, que o filho doado nunca é esquecido. March (2014March, K. (2014). Birth mother grief and the challenge of adoption reunion contact. American Journal of Orthopsychiatry, 84(4), 409-419. https://doi.org/10.1037/ort0000013
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) aponta que os genitores apresentam preocupação com o destino de seus filhos colocados em adoção, e frequentemente entravam em contato com as agências que mediaram a adoção para saber se a criança estava bem e se de fato havia sido colocada em uma família substituta. Essa também foi a experiência de Ana:Eu nunca esqueci minha filha. Eu nunca esqueci a data de aniversário dela. Eu nunca tirava ela da minha cabeça . . . e ficava imaginando como ela estava, será que está bem?”.

Nesse contexto, cabe considerar uma ligação psíquica dos genitores com a criança que é entregue em adoção. Nas entrevistas realizadas com mães que realizaram entrega voluntária (Faraj et al., 2017Faraj, S. P., Machado, M. S., Siqueira, A. C., & Campeol, A. R. (2017). “Doeu muito em mim!”: Vivência da entrega de um filho para adoção na visão de mães doadoras. Estudos & Pesquisa em Psicologia, 17(2), 475-493. https://doi.org/10.12957/epp.2017.37127
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), a principal justificativa para esse ato se associava à preocupação com o futuro da criança, o que é corroborado pela nossa entrevistada.

Se a minha filha tivesse sido criada comigo, com a situação que a gente vivia, talvez ela não ia ser essa pessoa que ela é hoje. Tá me entendendo? Porque mexe muito com o psicológico da criança. Porque eu só queria o bem dela (Ana).

Como podemos identificar no trecho destacado, a entrega veio associada à ideia de que a filha poderia ser uma pessoa melhor se afastada do contexto no qual viviam. Acreditamos que esse ato pode ser entendido como um investimento psíquico amoroso, indicando conexão com a criança, apesar da extrema vulnerabilidade para a continuidade do laço de parentalidade e filiação.

Reencontro: Motivações e Trajetórias

Nessa categoria discutimos as possibilidades de serem efetivados contatos entre as famílias de origem e adotiva, buscando-se compreender as motivações e expectativas presentes na ideia de um possível reencontro. Para nossa entrevistada, a falta de notícias da filha permaneceu como um aspecto presente em sua vida:A pior coisa é você saber que tem um filho seu e que você não sabe onde está. É a pior coisa! É muito ruim…”.

Müller e Perry (2001Müller, U., & Perry B. (2001). Adopted persons’ search for and contact with their birth parents I. Adoption Quarterly , 4(3), 5-37. https://doi.org/10.1300/J145v04n03_02
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) definem o ato de busca abrangendo dois espectros: a) qualquer tipo de solicitação formal de informações básicas, seja por meio da agência de adoção, Tribunal de Justiça ou de um consultor de busca ou detetive particular; e b) esforços concretos buscando contato com um membro de sua família de nascimento. Embora focado no adotado, entendemos que essa conceituação pode ser também aplicada sob a perspectiva dos demais envolvidos na tríade adotiva, composta pelos pais biológicos, filho e pais adotivos. A compreensão dessa tríade envolve as triangulações e fantasias presentes nas relações intersubjetivas que se constituem entre seus membros. No caso em estudo, Ana colocou de pronto seu interesse no estabelecimento de contato com sua filha e em vários momentos da entrevista espontaneamente mencionou a mãe adotiva, com sentimentos de gratidão: “Mas ela (a mãe adotiva) falou para mim que nunca escondeu da Beatriz que era adotada. Nunca escondeu a origem da Beatriz, nunca, sabe? E isso a gente achou muito bacana nela” (Ana).

O conhecimento de que a filha sempre soube de sua adoção e história, acreditamos, propiciou à genitora o sentimento de que, mesmo a distância, fez parte da vida de Beatriz, o que não aconteceria se ela tivesse ignorado informações sobre seu passado. Fica claro como os movimentos de busca pelas origens afetaram o instituto da adoção, as agências de adoção e os membros da tríade adotiva, bem como a compreensão cultural dos vínculos de família (Müller & Perry, 2001Müller, U., & Perry B. (2001). Adopted persons’ search for and contact with their birth parents I. Adoption Quarterly , 4(3), 5-37. https://doi.org/10.1300/J145v04n03_02
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). Assim, ao se assegurar o acesso dos adotados a seus registros, se impôs uma nova forma de conceber a adoção, exigindo de todos a revisão de alguns significados, incluindo o questionamento das motivações dos integrantes da tríade adotiva para buscar informações sobre o contexto de vida atual dos demais envolvidos na adoção. Ainda segundo os autores, tradicionalmente a busca pela família de origem era encarada como uma expressão de deficiência da pessoa adotada ou como indicativo de problemas dos vínculos afetivos dentro da família adotiva. Mais recentemente, essa visão tem sido contestada, e explicações alternativas para a busca têm sido estudadas.

Modell (1994Modell, J. S. (1994). Kinship with strangers: Adoption and interpretations of kinship in American culture. University of California Press.) entrevistou 20 pais biológicos (birth parents), sem especificar se eram pais ou mães, integrantes de um grupo de ajuda mútua direcionado a pais biológicos que tiveram um filho adotado. O grupo funciona nos Estados Unidos desde 1976, congregando cerca de 3 mil membros. Dentre os entrevistados, somente quatro não tinham a intenção de realizar a busca pelo filho. Destacou que os genitores apresentaram mais dificuldades do que os filhos adotivos na efetivação da busca. Os técnicos envolvidos no sistema de adoções não demonstravam simpatia em relação a suas aspirações, ponderando que o reencontro com os pais biológicos poderia não atender aos interesses do adotado e violaria a confidencialidade que havia sido de certa forma prometida à família adotiva. Menezes e Dias (2011Menezes, K. L., & Dias, C. M. S. B. (2011). Mães doadoras: Motivos e sentimentos subjacentes à doação. Revista Mal-Estar e Subjetividade, 11(3), 935-965.), após entrevistarem seis mulheres que tinham realizado a entrega dos filhos para adoção de forma voluntária, concluíram que “algumas alimentam a expectativa de reencontrar os filhos doados, duas não demonstraram sentir qualquer afeto por eles” (p. 961), posição que reforça a inadequação quanto a generalizações. Tal dado evidencia a importância de os psicólogos que trabalham no contexto da Justiça estarem preparados e desprovidos dessas generalizações para melhor exercer sua prática.

Desde muito tempo [tinha o desejo de realizar um reencontro com a filha biológica]. Isso vem remoendo, eu venho trazendo isso comigo, sabe? Pra reencontrar ela, sabe? Eu tinha aquilo, certeza de que eu ia encontrar ela. Olha! Eu andava na rua, olhava essas meninas, sabe, ficava imaginando minha filha, sabe, ficava imaginando. Podia ser minha filha… (Ana).

O trecho acima corrobora as conclusões apresentadas na pesquisa conduzida por Modell (1994Modell, J. S. (1994). Kinship with strangers: Adoption and interpretations of kinship in American culture. University of California Press.), que associam a intenção de busca experimentada pelos pais biológicos a um desejo constante de saber sobre o destino do filho entregue em adoção. Assim, na perspectiva dos pais de origem, nada saber a respeito do filho seria passar a vida na angústia de sempre se perguntar sobre ele. Cabe ponderar que os entrevistados na referida pesquisa já se encontravam de certa forma mobilizados pela questão, pois voluntariamente estavam engajados em um grupo de apoio voltado aos pais biológicos de filhos adotados, o que indica que essa temática já ocupava um espaço em suas vidas. Entendemos que tal narrativa, ao privilegiar os participantes de um grupo de apoio, pode excluir inúmeros pais biológicos que não se mobilizam com a questão da busca de informações sobre o filho adotado. Apesar de tais ponderações, acreditamos que a pesquisa auxilia na compreensão do assunto. Modell (1994Modell, J. S. (1994). Kinship with strangers: Adoption and interpretations of kinship in American culture. University of California Press.), embora não tenha encontrado um motivo principal que servisse como propulsor da busca por parte dos pais biológicos, ressalta sua percepção sobre um pregnante interesse desses pais pela criança entregue. Na situação em análise, entendemos que houve um disparador que viabilizou a passagem do desejo do reencontro para a busca efetiva deste:

O reencontro com o pai dela [Beatriz], que há anos eu não via. Quase 30 anos. A gente conversou, conversei com ele sobre nossa filha… aí ele falou, por que você não começa onde você começou? Ai eu, como? E ele, começa no juizado de menor. Eu já tava procurando ela, mas quando eu encontrei o pai dela é que eu fui pra direção certa, porque nunca passou na minha cabeça, ir ao juizado de menor, porque ela não era uma menor, né? (Ana).

Este dado da história da entrevistada aponta para a importância da inclusão do pai biológico nos estudos envolvendo a tríade adotiva. Pesquisas acerca desse tema ainda são escassas na literatura. Entretanto, Clapton (2001Clapton, G. (2001). Birth fathers’ lives after adoption. Adoption & Fostering, 25(4), 50-59. https://doi.org/10.1177/030857590102500407
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) ouviu 30 pais biológicos (birth fathers) no Reino Unido cujos filhos foram colocados em adoção e, como resultado, encontrou que muitos experimentaram sofrimentos semelhantes aos relatados dos estudos que ouviram as mães, bem como a curiosidade acerca do filho doado. Conforme destaca o autor, toda história tem muitas versões e dificilmente a versão do pai é apresentada, pois não costuma ser ouvido. Clapton (2001Clapton, G. (2001). Birth fathers’ lives after adoption. Adoption & Fostering, 25(4), 50-59. https://doi.org/10.1177/030857590102500407
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) assinala a necessidade de que eles também pudessem ser ouvidos e, portanto, mais considerados nas análises referentes à tríade adotiva. Na situação estudada, posteriormente houve o pedido do genitor para reencontrar a filha: “Desde o começo quando eu falei que eu tinha reencontrado ela, ele falou ‘Eu quero conhecer ela’! Aí ela também aceitou” (Ana).

Observamos que a mudança de postura do casal parental biológico refletia uma transformação deles ao longo do tempo e de suas vulnerabilidades anteriores. O seu desejo de resgatar as origens em outro tempo ofereceu à filha a possibilidade de reparar seu romance familiar, reconstruindo as figuras parentais de origem, não necessariamente associando-as a fantasias catastróficas ou más, facilitando surgimento de novas identificações secundárias com funções reparatórias para a descontinuidade dos vínculos.

No Brasil, apesar de a legislação assegurar o direito às origens, disposto na Convenção de Direitos da Criança e do Adolescente, instituída no Brasil pelo Decreto nº 99.710, de 21 de novembro de 1990Decreto nº 99.710, de 21 de novembro de 1990. (1990, 21 de novembro). Promulga a Convenção sobre os Direitos da Criança. https://bit.ly/3GIaFLo
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, bem como no Estatuto da Criança e do Adolescente, instituído pela Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990. (1990, 13 de julho). Dispõe sobre o Estatuto da criança e do adolescente e dá outras providências. https://bit.ly/3imYQAX
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, inexiste política pública específica para tal fim (Coimbra, 2013Coimbra, J. C. (2013). O testemunho da busca das origens na adoção e os restos da memória. Aletheia, 3(6).). Nesse sentido, Fonseca (2009Fonseca, C. (2009). Abandono, adoção e anonimato: Questões de moralidade materna suscitadas pelas propostas legais de “parto anônimo”. Sexualidad, Salud y Sociedad, (1), 30-62.) indaga sobre o papel do Estado no controle de informações que dizem respeito à filiação e à identidade pessoal, destacando ser esta uma questão atinente aos direitos humanos. Fonseca (2010Fonseca, C. (2010). O direito às origens: Segredo e desigualdade no controle de informações sobre a identidade pessoal. Revista de Antropologia, 53(2), 493-526. https://doi.org/10.11606/2179-0892.ra.2010.36434
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) aponta que haveria, por parte da sociedade, pouca aceitação quanto ao desejo apresentado pelo filho adotivo em relação à busca de informações a respeito da família biológica. Essa falta de aceitação parece-nos ser ainda mais evidente quando se pensa na possibilidade de a genitora buscar informações sobre o filho entregue em adoção.

Recentemente, o surgimento de redes sociais como o Facebook trouxe repercussões importantes à temática, apontando os riscos de um encontro entre filhos adotivos e famílias biológicas sem que fossem propiciados os cuidados necessários, estes garantidos no contexto da Justiça (Roy, 2020Roy, A. (2020). A for adoption: An exploration for adoption experience for families and professionals. Taylor & Francis.). Nossa entrevistada chegou a fazer várias buscas no Facebook com o nome da sua filha, sem, no entanto, conseguir localizá-la: “Quando eu botei no Face, apareceu um montão de pessoas com o nome dela, moreninha, assim, da minha cor”. Relatou também outras estratégias de que lançou mão na busca pela filha, como recorrer a terceiros que prometiam, através das redes sociais, ajudá-la a efetivar seu desejo.

É, foi assim: eu tava vendo TV e apareceu uma mulher dizendo que achava todo mundo. Achava criança, filho, achava. Peguei o nome dela, e aí o que que eu fiz. Fui pro Face e achei ela, aí eu fui e contei minha história pra ela, que queria encontrar minha filha e pá. E sabe o que ela fez comigo? Falou que tinha encontrado minha filha, me deu o telefone, aí eu liguei, a pessoa me xingou [não era realmente a filha] (Ana).

Em vista disso, entendemos como essencial a criação de um espaço na Justiça e alguma normatização da questão da busca por eventual reencontro, em especial ao considerarmos a importância de que este seja antecedido de preparação adequada, conforme defendido por Neil (2017Neil, E. (2017). Helping birth parents in adoption. A literature review of birth parent support services, including supporting post adoption contact. German Research Center on Adoption.). Essa autora realizou ampla revisão bibliográfica envolvendo o suporte às famílias de origem, incluindo contatos pós-adoção, concluindo que é necessário oferecer apoio quanto a tomada de decisão de realizar contato com os filhos entregues em adoção, enfocando o significado dessa ação para eles próprios, seus filhos e a família adotiva. Desta forma, os contatos entre as famílias adotiva e de origem precisariam sempre de um propósito, nos quais a questão central seria avaliar os benefícios, para o adotado, de individualizar o contato e encará-lo como um processo dinâmico, baseado na saúde dos relacionamentos (Neil, 2017Neil, E. (2017). Helping birth parents in adoption. A literature review of birth parent support services, including supporting post adoption contact. German Research Center on Adoption.).

Essas ideias parecem-nos valiosas para a compreensão da importância de normatização dos procedimentos de acesso às origens e do papel exercido pelo Poder Judiciário na operacionalização deste resgate por parte de qualquer um dos envolvidos. Benghozi (2001Benghozi, P. (2001) Traumatismos precoces da criança e transmissão genealógica em situação de crise e catástrofes humanitárias. In O. B. R. Correa (Org.), Os avatares da transmissão psíquica geracional (pp. 17-43). Escuta.), estudando as situações de crises e catástrofes, destaca a importância de associar a intervenção jurídica a toda ação psicoterápica ou sociocomunitária, tornando plural o sistema de cuidados ligados aos traumas e aos sofrimentos limites da dignidade humana. O reconhecimento de que o acionamento da Justiça pode trazer contribuições à prevenção do traumatismo psíquico parece-nos relevante para a análise do caso em questão.

A compreensão de Benghozi (2001Benghozi, P. (2001) Traumatismos precoces da criança e transmissão genealógica em situação de crise e catástrofes humanitárias. In O. B. R. Correa (Org.), Os avatares da transmissão psíquica geracional (pp. 17-43). Escuta.) fundamenta a necessária reflexão sobre a mediação realizada pelo Judiciário como um resgate e fortalecimento da ordem simbólica. O autor nos convida a ir além ao propor a possibilidade da intervenção jurídica para a prevenção da repetição do traumatismo psíquico entre gerações, por propiciar, por meio dos trâmites legais, um tipo de ritual simbólico que permite o testemunho comunitário e a instalação de uma memória. Entendemos que tais postulações podem contribuir para legitimar a necessidade de inserção da Justiça no contexto do resgate às origens. Para nossa entrevistada, ficou evidente que a mediação do Judiciário foi muito importante, viabilizando uma mudança significativa em sua vida após o reencontro.

Eu achei legal também que vocês [se refere ao Judiciário] se empenharam. O fato dela ser uma adulta. Vocês podiam bem não querer procurar. Mas não, vocês se empenharam. Vocês procuraram. . . . É como eu já te falei, se vocês não tivessem dado atenção ao caso, como ia ser? Como eu ia achar ela no meio da multidão? Teve muita mudança [depois do reencontro], porque eu era muito triste e me culpava sempre, sempre e agora eu sinto mais leve, sabe?! Foi uma coisa muito emocionante, muito bacana mesmo. Até hoje eu agradeço a Deus porque minha filha é de ouro, sabia, até hoje eu agradeço! (Ana).

Podemos identificar nos relatos dois aspectos salutares despertados pelo reencontro: o acolhimento para a tentativa de elaboração da entrega realizada há muitos anos e, conforme sugerido por Benghozi (2001Benghozi, P. (2001) Traumatismos precoces da criança e transmissão genealógica em situação de crise e catástrofes humanitárias. In O. B. R. Correa (Org.), Os avatares da transmissão psíquica geracional (pp. 17-43). Escuta.), a constatação de que o Poder Judiciário pode funcionar preventivamente em relação à repetição sem elaboração de conteúdos psíquicos. No caso em questão, havia um segredo guardado há mais de 30 anos que pôde ser revelado, trazendo repercussões para seus demais filhos e, por conseguinte, interferindo de algum modo na transmissão psíquica intergeracional.

Considerações Finais

O estudo sobre as especificidades da entrega espontânea de uma criança para adoção no contexto do Judiciário e as motivações para demanda posterior da família biológica para a viabilização de reencontro propiciou a reflexão sobre algumas particularidades envolvidas no instituto da adoção e seus efeitos na vida da genitora. Notadamente, a questão da entrega voluntária de crianças para adoção e a amplitude do acesso às origens, incluindo a perspectiva do reencontro, são temáticas de extrema relevância nas discussões contemporâneas, na compreensão dos vínculos familiares e na esfera da atuação das equipes técnicas do Judiciário.

O senso comum tende a enxergar as mulheres que entregam seus filhos em adoção sob o ponto de vista de um estereótipo desqualificador. No entanto, percebemos no relato estudado que a entrega foi motivada pela expectativa de uma vida melhor à criança, tendo em vista a vulnerabilidade extrema da genitora, complementada por um desamparo em suas redes pessoais de apoio. Na situação analisada, entendemos que não foi proporcionado pela Vara da Infância o necessário espaço de acolhimento e escuta à genitora, no momento em que procedeu a entrega da criança para adoção. A ausência de um espaço de elaboração parece ter contribuído para que ela carregasse sentimentos extremos de culpa e vergonha por muitos anos, talvez colaborando para a ambivalência na motivação para o reencontro com a filha, 30 anos depois, caracterizando-se inicialmente em estratégias de buscas pouco efetivas.

A Lei nº 13.509, de 22 de novembro de 2017Lei nº 13.509, de 22 de novembro de 2017. (2017, 22 de novembro). Dispõe sobre adoção e altera a Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990 (Estatuto da criança e do adolescente ), a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), aprovada pelo Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943, e a Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil). https://bit.ly/3ZkVOho
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, estabelece procedimentos para estimular a entrega voluntária de crianças para adoção mediada pelo Poder Judiciário. Há, por parte do legislador, o reconhecimento da entrega como uma possibilidade, ressaltando a importância da escuta pela equipe técnica, tanto das maternidades como do Judiciário. Acreditamos que, por meio de uma escuta especializada, evidenciam-se questões subjetivas presentes na decisão, favorecendo a criação de um espaço disparador de reflexão e, consequentemente, de elaboração. Este seria um passo importante para evitar a realização de contatos futuros entre as famílias pouco promotores de saúde para todas as partes, bem como para a redução da invisibilidade das mães abandonantes (Fonseca, 2012Fonseca, C. (2012). Mães “abandonantes”: Fragmentos de uma história silenciada. Estudos Feministas, 20(1), 13-32. https://doi.org/10.1590/S0104-026X2012000100002
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).

Entendemos que, ao assegurar o direito de acesso do adotado às suas origens, o Estatuto da Criança e do Adolescente trouxe um avanço significativo para a compreensão da centralidade das origens na constituição psíquica do sujeito. Entretanto, as demandas crescentes apresentadas em torno desse tema indicam que precisamos ir além, principalmente diante da constatação de que há um número cada vez maior de pessoas adotadas buscando informações sobre suas raízes e com interesse em estabelecer algum tipo de contato com um ou mais membros de sua família de origem.

Nesse aspecto, a conscientização das equipes técnicas sobre a importância de registrarem em seus relatórios informações que possam auxiliar o adotado em relação à integração de sua história de vida, incluindo informações sobre a família biológica, parece-nos de extrema relevância. Também acreditamos que o compartilhamento das experiências entre os técnicos e o desenvolvimento de conhecimento científico sobre elas configuram uma perspectiva para a construção de uma nova realidade, oposta à descrita por Fonseca (2012Fonseca, C. (2012). Mães “abandonantes”: Fragmentos de uma história silenciada. Estudos Feministas, 20(1), 13-32. https://doi.org/10.1590/S0104-026X2012000100002
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), na qual as informações sobre as famílias de origem praticamente inexistiam nos autos dos processos de adoção então pesquisados.

A temática do acesso às origens, incluindo a eventual possibilidade de contatos pós-adoção na idade adulta, precisa ser mais discutida, havendo necessidade de o assunto ser enfatizado na preparação dos candidatos à adoção. A ausência de estudos brasileiros sobre essa questão, apesar da observação do crescente interesse no tema, aponta para a concepção do reencontro ainda como um tabu. Entretanto, a literatura estrangeira pesquisada destaca que o desejo de resgate das origens pode abarcar a eventual realização de contatos entre os membros da tríade adotiva, e isso deve ser encarado como uma particularidade da adoção. Acreditamos que a presente discussão contribuirá para que a história pregressa da criança, na qual indiscutivelmente os genitores estão incluídos, possa ser integrada ao contexto adotivo.

Na situação descrita pelo relato de Ana, evidenciou-se que, após o contato com a filha, foi possível à genitora uma nova forma de estar no mundo, favorecida pelo rompimento de um segredo familiar. Nesse sentido, reforçamos que a intervenção técnica realizada garantiu não apenas a possibilidade de escuta aos envolvidos, como também legitimou o lugar simbólico da Justiça nessas demandas, diferentemente do que poderia ter ocorrido se fosse alcançado êxito nas buscas realizadas através das redes sociais.

Nesse cenário, entendemos ser essencial a realização de mais pesquisas sobre a questão da busca pelas origens. Mediante as limitações inerentes ao estudo de uma única situação, ressaltamos que cada caso específico pode apresentar singularidades que viabilizarão a apresentação de novas questões para análise e discussão. Por fim, destacamos a necessidade de suporte para as buscas, uma vez que a experiência de atendimento a este caso concreto apontou para a adequação da mediação do Poder Judiciário, que conta com equipe técnica própria, capacitada na temática da adoção. Entretanto, ressaltamos a importância da continuidade dos estudos e debates sobre a amplitude do direito às origens, já que a intervenção técnica ocorreu mediante dúvidas extremas que quase inviabilizaram a intervenção no caso, o que evidencia a necessidade de alguma organização protocolar do assunto.

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  • Agradecimentos à Capes e à PUC-Rio pelo incentivo à pesquisa, apoio financeiro e pela bolsa VRAC.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    03 Mar 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    09 Nov 2020
  • Aceito
    23 Jun 2021
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