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A Experiência Intersubjetiva na Ludoterapia Humanista sob uma Perspectiva Fenomenológica

The Intersubjective Experience in Humanistic play Therapy from the Standpoint of Phenomenology

La Experiencia Intersubjetiva en la Ludoterapia Humanista desde una Perspectiva Fenomenológica

Resumo

Esta pesquisa qualitativa objetivou compreender, fenomenologicamente, a experiência vivida por psicoterapeutas e crianças no acontecer clínico da ludoterapia humanista. Foram realizados 26 encontros dialógicos individuais com nove psicoterapeutas e sete crianças, registrados pela pesquisadora na forma de Narrativas Compreensivas que incluíram suas impressões impactadas subjetivamente pelas falas e expressões corporais dos participantes. A análise fenomenológica culminou com a escrita de uma Narrativa Síntese. Os resultados indicam que a relação psicoterapêutica é percebida como: facilitadora do crescimento psicológico da criança; intensificadora do fluxo de mudanças ao dinamizar os processos pessoais infantis; geradora de motivação na criança para a relação interpessoal, a partir do envolvimento subjetivo do terapeuta; potencializadora da tomada de consciência com base na corporeidade; propiciadora da integração de experiências por meio do brincar; reveladora das singularidades individuais, catalisando o desenvolvimento; e, por fim, benéfica à atualização de significados e sentidos da experiência pessoal e relacional. Evidenciou-se, entre os psicoterapeutas, uma concepção da ludoterapia humanista que prioriza a compreensão dirigida ao estilo próprio de cada cliente em relação aos modos de sentir e expressar-se no mundo e à estruturação do processo psicoterapêutico a partir do relacionamento com a criança. Concluiu-se, assim, que a experiência desse tipo de relação interpessoal facilita a constituição na criança de singularidades que imprimem um sentido existencial próprio ao seu mundo de relações e historicidade. A relevância do processo psicoterapêutico para o crescimento psicológico da criança apresentou-se também pelo seu caráter psicoprofilático, reverberado no encadeamento de processos associados à experiência pessoal dela.

Palavras-chave:
Psicologia Clínica; Ludoterapia; Fenomenologia; Intersubjetividade

Abstract

This qualitative research aimed to understand, phenomenologically, the lived experience of psychotherapists and children in the clinical event of humanistic play therapy. A total of 26 individual dialogical encounters were held with nine psychotherapists and seven children, registered in the form of Comprehensive Narratives by the researcher, which included her subjectively impacted impressions about the participants’ speeches and body expressions. The phenomenological analysis culminated in a Synthesis Narrative. The results demonstrate that the psychotherapeutic relationship is perceived as: facilitating the child’s psychological growth; intensifying the flow of change by streamlining children’s personal processes; generating motivation for the child to get involved with interpersonal relationship, based on the subjective involvement of the therapist; potentiating awareness raising based on the corporeality; enabling the integration of experiences by playing; revealing the uniqueness, catalyzing development; and, finally, benefiting the updating of meanings and senses of personal and relational experience. A conception of humanistic play therapy became evident among the psychotherapists, which prioritizes the understanding directed to the own way of each client regarding how to feel and express themselves in the world and the structuring of the psychotherapeutic process based on the relationship with the child. Thus, it was concluded that the experience of this interpersonal relationship facilitates the constitution in the child of singularities that bring their own existential meaning to their world of relationships and historicity. The relevance of the psychotherapeutic process for the child’s psychological growth was also shown by the psycho-prophylactic character reverberated in the processes associated with the child’s personal experience.

Keywords:
Clinical Psychology; Play Therapy; Phenomenology; Intersubjectivity

Resumen

Esta investigación cualitativa tuvo por objetivo comprender, fenomenológicamente, la experiencia vivida por psicoterapeutas y niños en ludoterapia de orientación humanista. La investigadora desarrolló 26 conversaciones dialógicas individuales con nueve psicoterapeutas y siete niños, registradas como narrativas comprensivas que incluyeron sus impresiones impactadas subjetivamente por los discursos y expresiones corporales de los participantes. El análisis fenomenológico culminó con una síntesis narrativa. Los resultados demuestran que la relación psicoterapéutica se percibe como facilitadora del crecimiento psicológico del niño; intensificadora del flujo de cambio, optimizando su procesos personales; generadora de motivación para que el niño se involucre en la relación interpersonal a partir del envolvimiento subjetivo del terapeuta; potenciadora de la toma de conciencia a partir de la corporeidad; propiciadora de la integración de las experiencias por medio del juego; reveladora de singularidades individuales al catalizar el desarrollo; y beneficiosa para actualizar los significados y sentidos de la experiencia personal e relacional. Entre los psicoterapeutas se hizo evidente una concepción de ludoterapia humanista que prima por comprender la forma propia del cliente de sentirse y expresarse y la estructuración del proceso psicoterapéutico a partir de la relación con el niño. Se concluyó que la vivencia de este tipo de relación facilita la constitución en el niño de singularidades que le aportan un sentido existencial a su mundo de relación e historicidad. La relevancia del proceso psicoterapéutico para el crecimiento psicológico también se mostró por su carácter psicoprofiláctico, que reverberó en la cadena de procesos asociados con la experiencia personal del niño.

Palabras clave:
Psicología Clínica; Ludoterapia; Fenomenología; Intersubjetividad

Introdução

A conotação atribuída genericamente ao conceito de subjetividade neste artigo refere-se ao “caráter de todos os fenômenos psíquicos, enquanto fenômenos de consciência” (Abbagnano, 2007Abbagnano, N. (2007). Subjetividade. In Dicionário de Filosofia (A. Bossi, Trad., 5a ed., p. 922). Martins Fontes., p. 922). Já o termo pessoa humana é compreendido segundo o referencial fenomenológico desenvolvido pela psicóloga Edith Stein (1891-1942), que inclui a noção de espírito enquanto dimensão substancial do ser humano e elemento que o distingue dos demais seres vivos (Ales Bello, 2014Ales Bello, A. (2014). “Intrapessoal” e “interpessoal”: Linhas gerais de uma antropologia filosófico-fenomenológica. In J. Savian Filho (Org.), Empatia: Edmund Husserl e Edith Stein: Apresentações didáticas (pp. 9-28). Loyola.; Stein, 1932-1933/2000Stein, E. (1932-1933/2000). La struttura della persona umana (M. D’Ambra, Trad.). Città Nuova. (Trabalho original publicado em 1932-1933), 2005Stein, E. (2005). Contribuciones a la fundamentación filosófica de la psicología y de las ciencias del espíritu. In Obras completas II: Escritos filosóficos: Etapa fenomenológica (F. J. Sancho, Trad., pp. 207-520). Monte Carmelo, El Carmen, Espiritualidad.).

A estrutura da pessoa humana é formada por três dimensões - corpo (Leib), psique (Psyche) e espírito (Geist) - constituídas como uma totalidade vivente unitária que se complexifica continuamente a partir da relação com o mundo vivido (Ales Bello, 2015Ales Bello, A. (2015). Pessoa e comunidade: Comentários: Psicologia e Ciências do Espírito de Edith Stein (M. Mahfoud, & J. T. Garcia, Trad.). Artesã.; Stein, 1932-1933/2000Stein, E. (1932-1933/2000). La struttura della persona umana (M. D’Ambra, Trad.). Città Nuova. (Trabalho original publicado em 1932-1933), 2005Stein, E. (2005). Contribuciones a la fundamentación filosófica de la psicología y de las ciencias del espíritu. In Obras completas II: Escritos filosóficos: Etapa fenomenológica (F. J. Sancho, Trad., pp. 207-520). Monte Carmelo, El Carmen, Espiritualidad.). Nessa perspectiva compreensiva da pessoa, o núcleo pessoal (Kern) centraliza essa estrutura e articula suas dimensões, configurando a pessoalidade de maneira singular (Cury & Mahfoud, 2013Cury, B. T., & Mahfoud, M. (2013). Núcleo pessoal e liberdade na formação da pessoa a partir de Edith Stein. In M. Mahfoud & M. Massimi (Orgs.), Edith Stein e a psicologia: Teoria e pesquisa (pp. 217-237). Artesã.; Stein, 1932-1933/2000Stein, E. (1932-1933/2000). La struttura della persona umana (M. D’Ambra, Trad.). Città Nuova. (Trabalho original publicado em 1932-1933)).

A palavra intersubjetividade, por sua vez, é um termo polissêmico, utilizado em muitos textos de cunho psicológico; pode referir-se tanto a trocas subjetivas quanto à interação entre sujeitos sob inúmeros enfoques teóricos. Neste artigo, seu significado remete às possibilidades de sentido das vivências relativas à fusão associativa em âmbito interpessoal, mais especificamente indicando o reconhecimento da alteridade pela criança de acordo com seu desenvolvimento empático. Para tanto, baseia-se na perspectiva fenomenológica clássica, desenvolvida por Edmund Husserl (1859-1938) e Edith Stein, que considera a intersubjetividade fundamental para o processo de desenvolvimento da pessoa humana e da constituição do mundo vivido para uma dada consciência (Ales Bello, 2014Ales Bello, A. (2014). “Intrapessoal” e “interpessoal”: Linhas gerais de uma antropologia filosófico-fenomenológica. In J. Savian Filho (Org.), Empatia: Edmund Husserl e Edith Stein: Apresentações didáticas (pp. 9-28). Loyola.; Husserl, 1975/2014Husserl, E. (2014). Investigações lógicas: Prolegômenos à lógica pura (D. Ferrer, Trad., Vol. 1). Forense Universitária. (Trabalho original publicado em 1975); Stein, 1932-1933/2000Stein, E. (1932-1933/2000). La struttura della persona umana (M. D’Ambra, Trad.). Città Nuova. (Trabalho original publicado em 1932-1933), 1917/2014Stein, E. (1917/2014). Il problema dell’empatia. Edizioni Studium. (Trabalho original publicado em 1917)).

Ao considerarmos a experiência relacional entre psicoterapeuta e criança, a intersubjetividade diz respeito ao fenômeno psicológico que comporta as três dimensões humanas em sua integralidade. O interesse em descrever e compreender os elementos significativos que emergem dessa relação, no contexto da ludoterapia de orientação humanista, motivou o desenvolvimento de uma tese de doutorado que culminou na presente pesquisa, a partir da seguinte questão: como crianças e ludoterapeutas significam a experiência intersubjetiva vivida no acontecer clínico?

Frota (2018Frota, A. M. M. C. (2018). Infância, filosofia da educação e fenomenologia: Aproximações necessárias. Revista da Abordagem Gestáltica, 24(1), 84-90. https://dx.doi.org/10.18065/RAG.2018v24n1.9
https://doi.org/https://dx.doi.org/10.18...
) recomenda que a criança seja compreendida como um devir, desconstruindo a definição tradicional que se baseia em caracterizações unívocas e cronológicas acerca do desenvolvimento humano. Rowan e Glouberman (2018Rowan, J., & Glouberman, D. (2018). What’s is humanistic psychology? In R. House, D. Kalisch, & J. Maidman (Eds.), Humanistic psychology: Current trends and future prospects (pp. 50-70). Routledge.) enfatizam que o processo de transformação e a capacidade para se desenvolver, vividos intensamente no início da vida, seguem seu curso com diferentes intensidades, a depender das limitações e potencialidades que podem bloquear ou facilitar o desenvolvimento dos seres humanos.

Pesquisas apontaram a presença de níveis de percepção interpessoal e contágio emocional em bebês, referidos como um importante indicador de uma capacidade empática precoce (Braten, 2009Braten, S. (2009). The intersubjective mirror in infant learning and evolution of speech. John Benjamins Publishing Company.). Vários estudos sob distintos enfoques teóricos abordam componentes motivacionais, cognitivos e afetivos como parte do engajamento interacional que se desenvolve desde o início da vida humana (Field, Woodson, Greenberg, & Cohen, 1982Field, T. M., Woodson, R., Greenberg, R., & Cohen, D. (1982). Discrimination and imitation of facial expressions by neonates. Science, 218(4568), 179-181. https://doi.org/10.1126/science.7123230
https://doi.org/https://doi.org/10.1126/...
; Pavarino, Del Prette, & Del Prette, 2005Pavarino, M., Del Prette, A., & Del Prette, Z. (2005). Agressividade e empatia na infância: Um estudo correlacional com pré-escolares. Interação em Psicologia, 9(2), 215-225. http://dx.doi.org/10.5380/psi.v9i2.4799
https://doi.org/http://dx.doi.org/10.538...
; Santana, Otta, & Bastos, 1993Santana, P. H., Otta, E., & Bastos, M. F. (1993). Um estudo naturalístico de comportamentos empáticos em pré-escolares. Psicologia: Teoria e Pesquisa, 9(3), 575-586. https://bit.ly/3Glq5Ug
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).

Ales Bello (2017Ales Bello, A. (2017). Gênese e desenvolvimento da empatia: Da criança à comunidade. In M. Mahfoud & J. Savian Filho (Orgs.), Diálogos com Edith Stein: Filosofia, psicologia, educação (pp. 47-59). Paulus.) discorre sobre a gênese da experiência de alteridade na criança, analisando como ocorre o processo de desenvolvimento do intrapessoal ao interpessoal. O desenvolvimento do recém-nascido e, posteriormente, do adulto, como ser humano que se revela a partir de atos, dependerá da relação estabelecida com os pais, como primeiros seres a se relacionarem com ele. Dessa forma, constitui-se o degrau originário para a formação do corpo primordial, com base no reconhecimento do próprio corpo a partir da diferenciação do que ele não é, principiando o horizonte perceptivo a partir da relação com outros seres humanos.

Assim, notamos que a interação do eu com um outro é fundamental para a estrutura humana em formação, pois a criança desenvolve sua compreensão de alteridade no âmbito da vivência empática, que a auxilia no processo de constituição de uma singularidade consciente que se complexifica continuamente (Ales Bello, 2017Ales Bello, A. (2017). Gênese e desenvolvimento da empatia: Da criança à comunidade. In M. Mahfoud & J. Savian Filho (Orgs.), Diálogos com Edith Stein: Filosofia, psicologia, educação (pp. 47-59). Paulus., 1973/2019Ales Bello, A. (1973/2019). Analisi e commento del testo di Husserl. In E. Husserl, Il bambino: La genesi del sentire e del conoscere l’altro (pp. 50-92). Fattore Umano Edizioni. (Trabalho original publicado em 1973); Cury & Mahfoud, 2013Cury, B. T., & Mahfoud, M. (2013). Núcleo pessoal e liberdade na formação da pessoa a partir de Edith Stein. In M. Mahfoud & M. Massimi (Orgs.), Edith Stein e a psicologia: Teoria e pesquisa (pp. 217-237). Artesã.). Esse aporte teórico vai ao encontro da clínica psicológica de base humanista, tomada em seu sentido original como promotora de acolhimento e contato com a diversidade da subjetividade humana para fins de atualização e integração do self (Amatuzzi, 2014Amatuzzi, M. M. (2014). Por uma Psicologia Humana (4a ed.). Alínea.; Matson, 1975Matson, F. W. (1975). Teoria humanista: A terceira revolução em psicologia. In T. C. Greening (Org.), Psicologia existencial-humanista (E. Almeida, Trad., pp. 69-81). Zahar.).

Todavia, ressaltamos que a psicoterapia com crianças consiste em um trabalho específico em termos de delineamento do método e da interpretação dos resultados das intervenções, que devem considerar a maneira subjetiva da criança perceber e compreender o mundo, especialmente suas relações interpessoais (Ray & Jayne, 2016Ray, D. C., & Jayne, K. M. (2016). Humanistic psychotherapy with children. InD. J. Cain , K. Keenan , & S. Rubin (Eds.), Humanistic psychotherapies: Handbook of research and practice (pp. 387-417). American Psychological Association. https://doi.org/10.1037/14775-000
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). As habilidades verbais infantis tornam o processo psicoterapêutico peculiarmente dinâmico. Por esse motivo, o uso de materiais lúdicos é comum em intervenções clínicas com crianças, levando ao reconhecimento da psicoterapia infantil como ludoterapia (American Psychological Association, 2021American Psychological Association. 2021. Play-therapy. In APA Dictionary of Psychology. https://bit.ly/3WVZEvK
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).

É certo que os fatores que se interpõem no processo psicoterapêutico, sejam eles ligados à família, às circunstâncias vividas pela criança ou à própria constituição dela como uma pessoa em desenvolvimento, fazem do acontecer clínico na ludoterapia um fenômeno complexo e delicado. No tocante à produção científica sobre esses temas, pesquisadores contemporâneos apontam a necessidade de atualizações de estudos sobre o que acontece nas relações terapêuticas e como determinados processos relacionais podem trazer benefício psicológico aos pacientes (Mearns & Cooper, 2018Mearns, D., & Cooper, M. (2018). Working at relational deph in counseling & psychotherapy. In D. Mearns & M. Cooper (Eds.), Person-Centered & Experiential Psychotherapies (2a ed., Vol. 17, pp. 185-190). Sage Publishing.; Norcross & Wampold, 2011Norcross, J. C., & Wampold, B. E. (2011). Evidence-based therapy relationships: Research conclusions and clinical practices. Psychotherapy, 48(1), 98-102. https://doi.org/10.1037/a0022161
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; Ray & Jayne, 2016Ray, D. C., & Jayne, K. M. (2016). Humanistic psychotherapy with children. InD. J. Cain , K. Keenan , & S. Rubin (Eds.), Humanistic psychotherapies: Handbook of research and practice (pp. 387-417). American Psychological Association. https://doi.org/10.1037/14775-000
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). Aponta-se, ainda, que estudos com enfoque na psicoterapia infantil são importantes devido à necessária articulação entre a prática clínica e a produção de pesquisas que embasem a atuação do terapeuta (Mearns & Cooper, 2018Mearns, D., & Cooper, M. (2018). Working at relational deph in counseling & psychotherapy. In D. Mearns & M. Cooper (Eds.), Person-Centered & Experiential Psychotherapies (2a ed., Vol. 17, pp. 185-190). Sage Publishing.; Therense, 2019Therense, M. (2019). O processo ludoterapêutico na perspectiva fenomenológico-existencial das crianças em atendimento clínico. Revista da Abordagem Gestáltica , 25(1), 15-25. https://dx.doi.org/10.18065/RAG.2019v25.2
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).

Frente às exigências contemporâneas em torno das evidências científicas acerca da eficácia dos métodos de tratamento em saúde, trazer à baila a própria relação terapêutica - a partir de um olhar investigativo sobre a qualidade dessa experiência - implica uma revisão de conceitos fundamentais que orientam a prática clínica da ludoterapia com base na experiência singular de cada pessoa envolvida. Ademais, entendemos que a psicoterapia, enquanto um empreendimento relacional eficaz, exige constante exploração do seu método e adaptação às características pessoais do paciente (Norcross & Wampold, 2011Norcross, J. C., & Wampold, B. E. (2011). Evidence-based therapy relationships: Research conclusions and clinical practices. Psychotherapy, 48(1), 98-102. https://doi.org/10.1037/a0022161
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).

No presente estudo, a Abordagem Centrada na Pessoa (ACP) e a Gestalt-Terapia (GT) foram tomadas como expoentes humanistas devido, em parte, à difusão dessas abordagens de forma concomitante no território brasileiro, reverberando na aproximação entre elas na formação acadêmica e clínica difundida em cursos de graduação e formação de psicólogos brasileiros (Moreira, 2013Moreira, V. (2013). Revisitando as psicoterapias humanistas. Intermeios.). A Ludoterapia Centrada na Criança e a GT com crianças também subsidiaram os atendimentos clínicos infantis tomados como referência pelos psicólogos participantes desta pesquisa.

Ressalte-se, ainda, que as teorias que norteiam atualmente a ludoterapia nessas duas abordagens nasceram da prática e da experiência clínicas, pois foram propostas por colaboradores que mantiveram o enfoque teórico-metodológico originário (Moreira, 2013Moreira, V. (2013). Revisitando as psicoterapias humanistas. Intermeios.). Nessa direção, o rol das abordagens que perfazem a Psicologia Humanista brasileira é também marcado por influências dos movimentos filosóficos fenomenológicos e existenciais, o que assegurou o surgimento de várias linhas de teoria e terapia (Holanda, 2014Holanda, A. (2014). Fenomenologia e humanismo: Reflexões necessárias. Juruá.; Matson, 1975Matson, F. W. (1975). Teoria humanista: A terceira revolução em psicologia. In T. C. Greening (Org.), Psicologia existencial-humanista (E. Almeida, Trad., pp. 69-81). Zahar.; Ribeiro & Antony, 2004Ribeiro, J. P., & Antony, S. (2004). A criança hiperativa: Uma visão da abordagem gestática. Psicologia: Teoria e Pesquisa, 20(2), 127-134. https://doi.org/10.1590/S0102-37722004000200005
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). Em certa medida, elas convergem em torno da consideração à realidade subjetiva do paciente, ao desenvolvimento do self e sua autoeficácia, pautadas na visão holística da pessoa (Cain, 2016Cain, D. J. (2016). Toward a research based integration of optimal practices of humanistic psychotherapies. InD. J. Cain , K. Keenan , & S. Rubin (Eds.), Humanistic psychotherapies: Handbook of research and practice (2a ed., pp. 485-527). American Psychological Association. https://doi.org/10.1037/14775-000
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; Cooper & Joseph, 2016Cooper, M., & Joseph, S. (2016). Psychological foundations for humanistic psychotherapeutic practice. InD. J. Cain , K. Keenan , & S. Rubin (Eds.), Humanistic psychotherapies: Handbook of research and practice (pp. 11-46). American Psychological Association. https://doi.org/10.1037/14775-002
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; Rowan & Glouberman, 2018Rowan, J., & Glouberman, D. (2018). What’s is humanistic psychology? In R. House, D. Kalisch, & J. Maidman (Eds.), Humanistic psychology: Current trends and future prospects (pp. 50-70). Routledge.).

O enquadre da ludoterapia na perspectiva gestáltica e centrada na criança pode ser entendido desde a forma como se organiza o local do encontro terapêutico, passando pelo modo de apresentação dos recursos lúdicos para a criança e dando especial atenção às atitudes do psicoterapeuta frente a ela.

Na Ludoterapia Centrada na Criança, a relação é construída de modo gradativo e espontâneo, primando pela autoexpressão e liberdade criativa da criança em atendimento. Evita-se direcionar o comportamento ou expressões infantis para possibilitar que o movimento parta do seu próprio centro de referência interno. Entende-se que a aceitação positiva incondicional da criança será mantida pela presença autêntica do ludoterapeuta, que buscará reconhecer e refletir o que compreende de maneira empática, para que a criança elabore sua experiência e vivencie seu potencial de mudança de modo integrativo (Axline, 1947/1984Axline, V. M. (1947/1984). Ludoterapia: A dinâmica interior da criança. Interlivros. (Trabalho original publicado em 1947); Brito & Freire, 2014Brito, R. A. C., & Freire, J. C. (2014). Ludoterapia centrada na criança: Uma leitura a partir da ética de Emmanuel Lévinas. Revista da Abordagem Gestáltica, 20(1), 118-127. https://bit.ly/3CwmbXG
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; Brito & Paiva, 2012Brito, R. A. C., & Paiva, V. M. B. (2012). Psicoterapia de Rogers e ludoterapia de Axline: Convergências e divergências. Revista NUFEN, 4(1), 112-114. https://bit.ly/3QpX26C
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).

Na GT com crianças, o terapeuta busca o restabelecimento do ciclo de contato e o fortalecimento do fluxo criativo no campo organismo-ambiente (Brownell, 2016Brownell, P. (2016). Contemporary gestalt therapy. In D. J. Cain, K. Keenan, & S. Rubin (Eds.), Humanistic psychotherapies: Handbook of research and practice (pp. 219-250). American Psychological Association.). A disponibilidade do psicoterapeuta é sublinhada como uma inclusão no mundo fenomenológico da criança, possibilitando-a ver a realidade segundo seus critérios e necessidades próprios. De tal maneira, assume-se como um dos principais objetivos terapêuticos, resgatar os sentimentos não aceitos da criança para integrá-los ao seu ser (Aguiar, 2015Aguiar, L. (2015). Gestalt-terapia com crianças: Teoria e prática. Summus.).

Assinalamos que pesquisas realizadas com o público infantil estão sujeitas a dificuldades na elaboração do delineamento do estudo e em sua realização em função da situação de vida da criança; ainda assim, são necessárias e importantes para trazer à tona resultados relevantes (Oliveira, Muyalert, & Reis, 2012Oliveira, T. G. P., Muylaert, C. J., & Reis, A. O. A. (2012). Crianças como sujeitos na pesquisa: Uma revisão integrativa. Psicologia Hospitalar, 10(2), 2-16. https://bit.ly/3k71Kug
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). Pesquisadores brasileiros interessados em temas sobre o atendimento clínico infantil apontam resultados que validam esse tipo de intervenção psicológica, como: o desenvolvimento do autocuidado a partir da experiência infantil de permanência consigo (Feijoo, 2011Feijoo, A. M. L. C. (2011). A clínica psicológica infantil em uma perspectiva existencial. Revista da Abordagem Gestáltica: Phenomenological Studies, 17(2), 185-192. https://bit.ly/3WZsKtW
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); o resgate do curso satisfatório do desenvolvimento da criança (Aguiar, 2015Aguiar, L. (2015). Gestalt-terapia com crianças: Teoria e prática. Summus.); a elaboração de vivências traumáticas da criança (Feijó & Oliveira, 2016Feijó, L. P., & Oliveira, D. S. (2016). Privações afetivas e relações de vínculo: Psicoterapia de uma criança institucionalizada. Contextos Clínicos, 9(1), 72-85. https://doi.org/10.4013/ctc.2016.91.06
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); a comunicação, compreensão e assimilação daquilo que é vivido pela criança (Bianchi, Kublikowski, Camps, & Franco, 2019Bianchi, D. P. B. B., Kublikowski, I., Camps, P. B., & Franco, M. H. P. (2019). Possibilidades da clínica gestáltica no atendimento de crianças enlutadas. Estudos e Pesquisas em Psicologia, 19(4), 1018-1035. https://doi.org/10.12957/epp.2019.49299
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).

No levantamento bibliográfico realizado para esta pesquisa, observamos uma predominância de estudos teóricos, denunciando uma lacuna histórica de produção empírica assumidamente humanista no contexto brasileiro. Ainda que verifiquemos uma tendência crescente de pesquisas empíricas desenvolvidas institucionalmente em programas de formação de pesquisadores e em grupos de pesquisa que valorizam a produção de pesquisa científica qualificada, aquelas que consideram o método clínico são predominantemente qualitativas e sob forte influência da fenomenologia (Bianchi et al., 2019Bianchi, D. P. B. B., Kublikowski, I., Camps, P. B., & Franco, M. H. P. (2019). Possibilidades da clínica gestáltica no atendimento de crianças enlutadas. Estudos e Pesquisas em Psicologia, 19(4), 1018-1035. https://doi.org/10.12957/epp.2019.49299
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; Castelo Branco & Cirino, 2017Castelo Branco, P. C., & Cirino, S. D. (2017). Fenomenologia nas obras de Carl Rogers: Apontamentos para o cenário brasileiro. Revista de Psicologia, 8(2), 44-52. https://bit.ly/3XiMatK
https://bit.ly/3XiMatK...
; Holanda, Souza, & Ferrete, 2020Holanda, A. F., Souza, J. C., & Ferrete, Y. A. (2020). Revista da Abordagem Gestáltica : Phenomenological Studies: Sua produção científica entre 2007-2017. Revista da Abordagem Gestáltica , 26(1), 111-121. https://bit.ly/3vSgZd8
https://bit.ly/3vSgZd8...
; Oliveira, Rosa, & Freitas, 2017Oliveira, E. S. T., Rosa, A. A., & Freitas, J. L. (2017). Revisão bibliográfica das publicações acadêmicas sobre a criança na perspectiva fenomenológica. Phenomenological Studies: Revista da Abordagem Gestáltica , 23(3), 362-371. https://bit.ly/3io6NWr
https://bit.ly/3io6NWr...
; Therense, 2019Therense, M. (2019). O processo ludoterapêutico na perspectiva fenomenológico-existencial das crianças em atendimento clínico. Revista da Abordagem Gestáltica , 25(1), 15-25. https://dx.doi.org/10.18065/RAG.2019v25.2
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).

Diante do exposto, buscamos empreender uma pesquisa a partir de um referencial epistemológico inspirado na fenomenologia de Husserl e Stein para compreender a experiência vivida no acontecer clínico da ludoterapia humanista. Nosso recorte privilegiou vivências singulares de psicólogos com experiência clínica em ludoterapia humanista e de crianças que vivenciaram um processo psicoterapêutico, considerando o relacionamento intersubjetivo como fenômeno para a pesquisa.

Método

Na perspectiva fenomenológica, o conhecimento ocorre pela via perceptiva e reflexiva, somente possível como ato da consciência concebida na dupla constituição com o objeto que se visa apreender como dado, ao resgatar a dimensão dos sentidos (Husserl, 1954/2012Husserl, E. (1954/2012). A Crise das ciências europeias e a fenomenologia transcendental: Uma introdução à filosofia fenomenológica (D. Falcão, Trad.). Forense Universitária. (Trabalho original publicado em 1954), 1954/2014Husserl, E. (1954/2014). Europa: Crise e renovação: Artigos para a revista Kaizo: A crise da humanidade europeia e a filosofia (P. M. S. Alves, & C. A. Morujão, Trads.). Forense Universitária. (Trabalho original publicado em 1954), 1975/2014Husserl, E. (2014). Investigações lógicas: Prolegômenos à lógica pura (D. Ferrer, Trad., Vol. 1). Forense Universitária. (Trabalho original publicado em 1975)). Desse modo, adotamos uma concepção específica do termo experiência, que se refere ao sentido e significado apreendidos pela consciência frente ao fluxo de vivências próprias de cada pessoa, podendo sua estrutura essencial ser acessada, mesmo que seus conteúdos sejam diversos e vivenciados individualmente (Ales Bello, 2015Ales Bello, A. (2015). Pessoa e comunidade: Comentários: Psicologia e Ciências do Espírito de Edith Stein (M. Mahfoud, & J. T. Garcia, Trad.). Artesã.; Cury & Mahfoud, 2013Cury, B. T., & Mahfoud, M. (2013). Núcleo pessoal e liberdade na formação da pessoa a partir de Edith Stein. In M. Mahfoud & M. Massimi (Orgs.), Edith Stein e a psicologia: Teoria e pesquisa (pp. 217-237). Artesã.). Nessa acepção, ao nos referirmos à vivência (Erlebnis), reportamo-nos ao fluxo originário da consciência e à emoção sentida diante do acontecimento imediato (Amatuzzi, 2007Amatuzzi, M. M. (2007). Experiência: Um termo chave para a Psicologia. Memorandum, 13, 8-15. https://bit.ly/3CzBpLG
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; Stein, 2005Stein, E. (2005). Contribuciones a la fundamentación filosófica de la psicología y de las ciencias del espíritu. In Obras completas II: Escritos filosóficos: Etapa fenomenológica (F. J. Sancho, Trad., pp. 207-520). Monte Carmelo, El Carmen, Espiritualidad.). Assim, a palavra vivência remete à experiência e vice-versa.

O sentido de um fenômeno humano o transcende como objeto por ser determinado pela consciência do sujeito. Ao mesmo tempo, as vivências que pautam o mundo vivido pelo homem tornam-se imanentes a ele. Tomadas interiormente como objetos para um dado conhecimento, as vivências são imanentes - como notamos no ato perceptivo do participante da pesquisa sobre sua própria experiência. Mas se referidas do ponto de vista externo - vislumbradas pelo olhar do pesquisador em direção ao vivido pelo participante -, elas são transcendentes. Desse modo, o movimento analítico, na perspectiva fenomenológica clássica, alterna imanência e transcendência continuamente (Ales Bello, 1973/2019Ales Bello, A. (1973/2019). Analisi e commento del testo di Husserl. In E. Husserl, Il bambino: La genesi del sentire e del conoscere l’altro (pp. 50-92). Fattore Umano Edizioni. (Trabalho original publicado em 1973)).

Para acessar a experiência e compreendê-la, sob uma perspectiva psicológica, é imprescindível passar pelo procedimento metodológico das reduções que caracterizam o rigor husserliano, de modo a realizar a análise intencional das experiências subjetivas tomadas como manifestações da existência humana no mundo (Husserl, 1977/2002Husserl, E. (1977/2002). A crise da humanidade europeia e a filosofia (U. Zilles, Trad., 2a ed.). EDIPUCRS. (Trabalho original publicado em 1977), 1954/2012Husserl, E. (1954/2012). A Crise das ciências europeias e a fenomenologia transcendental: Uma introdução à filosofia fenomenológica (D. Falcão, Trad.). Forense Universitária. (Trabalho original publicado em 1954)). Nesse delineamento, priorizamos uma análise compreensiva do fenômeno clínico que qualificou o processo investigativo pelo seu caráter exploratório, cuja interpretação seguiu um estilo indutivo, ou seja, emergiu dos procedimentos da pesquisa (Creswell, 2010Creswell, J. W. (2010). Projeto de pesquisa: Métodos qualitativo, quantitativo e misto (M. Lopes, Trad., 3a ed.). Artmed.).

Participantes

O critério de seleção dos participantes desta pesquisa incidiu diretamente em sua representatividade em relação ao fenômeno em foco. A natureza exploratória e qualitativa desse tipo de pesquisa não supõe uma amostra probabilística em relação à população em geral (Sampieri, Collado, & Lucio, 2013Sampieri, R. H., Collado, C. F., & Lucio, M. P. B. (2013). Metodologia de pesquisa (5a ed.). Penso.).

A via de acesso a todos os participantes ocorreu por meio do contato direto e por indicação de psicólogos que se articularam em suas redes de comunicação com psicoterapeutas, pais e responsáveis que vivenciaram experiências em ludoterapia. Os psicólogos que conheciam os pais e responsáveis entraram primeiramente em contato com os adultos para consultá-los sobre uma possível participação nesta pesquisa. Para isso, foi necessário divulgar o título, o tema e os critérios de participação, fornecendo também as credenciais profissionais da pesquisadora em redes de contatos virtuais, como grupos de psicólogos, grupos de estudos e de supervisão clínica.

Foram incluídos nove psicólogos, sendo dois homens e sete mulheres, que atuam como psicoterapeutas infantis há, no mínimo, cinco anos: três deles tinham entre cinco e 10 anos de prática como ludoterapeuta, quatro tinham mais de 10 anos, e dois deles, mais de 30 anos de experiência. Todos iniciaram a experiência clínica ainda na graduação e a realçaram como a principal atividade profissional; também declararam concluídas as especializações em áreas afins à clínica: quatro deles tinham formação em GT e cinco em ACP.

Na Tabela 1, estão apresentadas as características desses participantes organizadas da seguinte forma: Participante (Coluna 1) - contém nome fictício, idade completa na época do encontro, sexo, região brasileira em que residia e desenvolvia sua prática clínica durante a participação nesta pesquisa; Formação Profissional (Coluna 2) - cita os cursos mencionados pelo(a) profissional como significativos para sua formação clínica teórico-metodológica e anos de referência; e Experiência Clínica (Coluna 3) - resume as vivências identificadas por eles como relevantes para a atuação como ludoterapeutas.

Tabela 1
Caracterização dos Psicólogos Participantes.

Participaram também sete crianças, na faixa etária entre seis e 13 anos, acompanhadas dos respectivos pais ou responsáveis. Primeiramente, o diálogo foi estabelecido com o(a) responsável, para colher informações sobre o contexto e o histórico do atendimento recebido. Esses contatos englobaram quatro mães, dois pais, uma avó e uma tutora. Essas crianças estiveram em ludoterapia por um período mínimo de oito meses com o mesmo psicoterapeuta infantil, tendo suspendido a ludoterapia ou recebido alta terapêutica no último ano. Não se primou pela participação de crianças que tivessem sido acompanhadas pelos psicoterapeutas participantes desta mesma pesquisa, mas cinco delas foram atendidas por terapeutas que também participaram do estudo.

Na Tabela 2, são apresentadas as seguintes características relativas a essas crianças: Participante (Coluna 1) - constam nome fictício, idade completa na época da pesquisa, sexo, região do país em que residia e escolaridade; Ludoterapia (Coluna 2) - refere-se ao tempo em que a criança esteve em ludoterapia humanista com mesmo profissional, sua abordagem (GT ou ACP) e o critério de interrupção dessa experiência; e Motivos (Coluna 3) - apresenta as demandas clínicas citadas pelos responsáveis para o referido acompanhamento psicológico.

Tabela 2
Caracterização das Crianças Participantes.

Procedimentos da Pesquisa

O contato com os participantes teve início em maio de 2019, após aprovação do projeto de pesquisa pelo Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos da PUC-Campinas (CAAE 07490119.8.0000.5481). Foi suspenso após deflagrado o isolamento social devido à pandemia por covid-19, em março de 2020. Foram necessários ajustes metodológicos para que se pudesse prosseguir com encontros remotos mediados por plataformas virtuais. Somente após aprovação desse novo modo de contato com os participantes pelo Comitê de Ética em Pesquisa com seres Humanos (Parecer 4.219.271), a pesquisadora principal retomou os encontros dialógicos, utilizando Tecnologias da Informação e Comunicação (TIC), respeitando a disponibilidade de cada participante e sua escolha quanto ao meio comunicacional: aplicativos virtuais, como WhatsApp, WhereBy, Zoom e GoogleMeet, ou por meio de chamada telefônica. A etapa de coleta de material, sob a forma de encontros individuais com os participantes, foi concluída em outubro de 2020.

No primeiro contato entre pesquisadora e participante, no agendamento do encontro ou no início dele, foram pactuados sobre os Termos de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), para profissionais e responsáveis pelas crianças, e o Termo de Assentimento Livre e Esclarecido (TALE), para as crianças. Tais documentos foram enviados pela pesquisadora, em formato digital, e devolvidos já assinados, via e-mail ou por aplicativo de celular.

O primeiro passo investigativo - a redução eidética - primou pela suspensão do juízo da pesquisadora sobre a realidade concreta do fenômeno pesquisado, a fim de identificar os diversos modos que o caráter essencial do fenômeno pode estar presentificado (Husserl, 1913/2006Husserl, E. (1913/2006). Ideias para uma fenomenologia pura e para uma filosofia fenomenológica: Introdução geral à fenomenologia pura (M. Suzuki, Trad.). Ideias & Letras. (Trabalho original publicado em 1913)). A atenção permanece dedicada ao sentido que a pesquisadora percebe advir dos atos vividos pelo participante, suspendendo o objeto concreto para se deter ao objeto mental, intencional. Assim, o juízo e as conceituações teóricas, a priori, foram abstraídos para chegarmos ao sentido das vivências dos participantes (Husserl, 1977/2002Husserl, E. (1977/2002). A crise da humanidade europeia e a filosofia (U. Zilles, Trad., 2a ed.). EDIPUCRS. (Trabalho original publicado em 1977)).

Empreendemos o processo de análise fenomenológica das experiências dos participantes a partir do que convencionamos como Narrativas Compreensivas, escritas pela pesquisadora após o encerramento de cada encontro. Nelas, a pesquisadora descreveu impressões, sensações, sentimentos e pensamentos que emergiram do seu encontro interpessoal com cada participante. Esse tipo de encontro pode ser descrito como uma entrevista aberta de caráter clínico, denominada encontro dialógico, para “enfatizar a importância do estar-com os participantes”, e não apenas obter informações (Brisola, Cury, & Davidson, 2017Brisola, E. B. V., Cury, V. E., & Davidson, L. (2017). Building comprehensive narratives from dialogical encounters: A path in search of meanings. Estudos de Psicologia, 34(4), 467-475. https://dx.doi.org/10.1590/1982-02752017000400003
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, p. 469, tradução nossa).

O encontro dialógico efetiva-se a partir do compartilhamento de vivências que permeia o “envolvimento existencial entre pesquisadora e participante, configurando um campo fenomenológico experiencial” (Bezerra & Cury, 2020Bezerra, M. C. S., & Cury, V. E. (2020). A experiência de psicólogos em um programa de residência multiprofissional em saúde. Psicologia USP, 31, 1-9. http://dx.doi.org/10.1590/0103-6564e190079
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, p. 3). Para tanto, a intencionalidade do pesquisador, voltada às vivências do participante, sustenta um conjunto de atitudes que favorecem a emergência do sentido da experiência pela via dialógica espontânea. Isso alude ao ato perceptivo compartilhado de modo intencional, quando o participante é envolvido pelo interesse do pesquisador e se dedica a contemplar sua experiência vivida. O cuidado dispensado pela pesquisadora ao jeito de cada participante evocar suas experiências, a partir de seus contextos particulares, foram de suma importância para que se estabelecessem conexões interpessoais empáticas.

A questão norteadora configurou o direcionamento intencional, apresentado pela pesquisadora como um convite ao participante para discorrer sobre sua experiência subjetiva. Diante dos psicoterapeutas, a pesquisadora explanou os seguintes motes como ponto de partida ou tentativa de aprofundamento do sentido da experiência vivida por eles: como tem sido para você atender a crianças em processo de ludoterapia? e pode me contar sobre algumas situações vividas nesse tipo de relacionamento com crianças? A proposta apresentada como questão às crianças - você fez uma terapia com um(a) psicólogo(a) e eu gostaria que me contasse como foi essa experiência para você - foi comunicada de modos distintos no decorrer dos encontros.

Ao final, efetivaram-se 26 encontros com um total de 16 participantes: 15 encontros com nove psicoterapeutas e 11 encontros com sete crianças. O tempo médio de cada encontro com os participantes psicólogos foi de 132 minutos e com as crianças, 90 minutos. Os encontros mais breves duraram 50 minutos e foram realizados com crianças; o mais longo - 220 minutos - ocorreu com um psicoterapeuta.

Após a conclusão dos encontros dialógicos, 16 Narrativas Compreensivas foram construídas processualmente no curso natural do aprofundamento da experiência vivida e rememoração ativa pela pesquisadora (Brisola et al., 2017Brisola, E. B. V., Cury, V. E., & Davidson, L. (2017). Building comprehensive narratives from dialogical encounters: A path in search of meanings. Estudos de Psicologia, 34(4), 467-475. https://dx.doi.org/10.1590/1982-02752017000400003
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). Os elementos significativos dessas experiências foram emergindo durante o contato direto com os participantes, assim como foram sendo descritos por aproximações graduais da pesquisadora com os núcleos de sentido a cada nova leitura e edição das narrativas.

O passo metodológico seguinte - a redução transcendental - primou pela superação dos aspectos materiais da psique da pesquisadora e dos participantes envolvidos, legitimando a universalidade do fenômeno segundo a concepção husserliana de subjetividade transcendental da pessoa humana. A investigação seguiu na direção da experiência pura, para esclarecer as formas essenciais que o fenômeno assume à consciência. Desse modo, a atitude filosófica tornou-se a condição sine qua non para se efetivar essa análise (Husserl, 1954/2012Husserl, E. (1954/2012). A Crise das ciências europeias e a fenomenologia transcendental: Uma introdução à filosofia fenomenológica (D. Falcão, Trad.). Forense Universitária. (Trabalho original publicado em 1954)).

Essa etapa concretizou-se pela passagem do primeiro ao segundo nível da consciência, ou seja, do ato perceptivo para o ato reflexivo de ambas as pesquisadoras. Assim, as vivências apreendidas pela pesquisadora que participou dos encontros dialógicos foram, por meio das narrativas acima referidas, analisadas e interpretadas fenomenologicamente, resultando em uma Narrativa Síntese dos elementos estruturais do fenômeno (Brisola et al., 2017Brisola, E. B. V., Cury, V. E., & Davidson, L. (2017). Building comprehensive narratives from dialogical encounters: A path in search of meanings. Estudos de Psicologia, 34(4), 467-475. https://dx.doi.org/10.1590/1982-02752017000400003
https://doi.org/https://dx.doi.org/10.15...
). Para chegar a essa síntese, um extenso processo dialógico foi implementado, transversal e longitudinalmente, até o desvelamento desses elementos, posto que a dialogicidade pautou os encontros da pesquisadora com os participantes e dela com o grupo de pesquisa que acompanhou todo o processo da pesquisa.

Resultados e discussão

A apresentação dos resultados desta pesquisa é composta pela descrição dos sete elementos estruturais do fenômeno explicitados na Narrativa Síntese. Esta, por sua vez, assim como as Narrativas Compreensivas dos encontros dialógicos, pode ser contemplada na íntegra do texto da tese que originou o presente artigo, publicada em 2021, no Catálogo de Teses e Dissertações da CAPES (Bezerra, 2021Bezerra, M. C. S. (2021). A experiência intersubjetiva na ludoterapia humanista: Uma perspectiva fenomenológica. [Tese de Doutorado, Pontifícia Universidade Católica de Campinas]. Biblioteca Digital de Teses e Dissertações da PUC-Campinas. https://bit.ly/3WZs1ZK
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). Cada elemento estrutural será apresentado de forma sequenciada pelos recortes das narrativas e da discussão teórica pertinente, embora devamos conceber o fenômeno em foco como um holograma que reúne em cada elemento os caracteres do todo da experiência vivida.

Ao longo da realização da pesquisa, notamos significativa aproximação entre o intenso curso de vivências relatadas pelos terapeutas participantes nas contingências da prática clínica atual e a demanda referida pelas crianças - na forma de saudade, necessidade sentida ou alívio pela manutenção - dos processos psicoterapêuticos presenciais durante a pandemia. Todos os psicólogos mencionaram a crescente busca pelo atendimento remoto aliada a necessidade de atualização dos parâmetros para a prática clínica no contexto brasileiro (Resolução nº 4, de 26 de março de 2020, 2020Resolução nº 4, de 26 de março de 2020. (2020, 26 de março). Dispõe sobre regulamentação de serviços psicológicos prestados por meio de Tecnologia da Informação e da Comunicação durante a pandemia do COVID-19. Conselho Federal de Psicologia. https://bit.ly/3vQc0tm
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).

Cada método psicoterapêutico, e como ele foi significado na experiência dos participantes, revelou-se singularizado nos conteúdos das narrativas, coerentes com as formações profissionais dos psicoterapeutas participantes, conforme mencionamos na Narrativa Síntese,

Nos encontros [dialógicos] com as crianças emergiram elementos e materialidades característicos da experiência de estar em ludoterapia, demonstrando a importância da presença ativa do terapeuta. Os encontros com os psicoterapeutas motivaram-nos a evocarem recordações de casos clínicos significativos que deixaram marcas experienciais no processo profissional de cada um deles.

Os pontos comuns relativos às teorias basilares da clínica psicológica, segundo a perspectiva humanista, evidenciados na configuração dos encontros relatados, confluíram para o entendimento de uma proposta metodológica clínica com foco na criança que não pode ser desvinculada da compreensão de seu sistema familiar, escolar ou cultural. Assim, as dinâmicas relacionais da criança fazem parte da atenção clínica recebida por parte do psicoterapeuta que não só a observa e acompanha, mas que se coloca pessoalmente implicado no processo de descoberta do melhor enquadre clínico possível para aquela criança, considerando, também, sua família e seu contexto de vida.

Alguns psicoterapeutas participantes alertaram sobre a necessidade de considerar os sentimentos e percepções dos pais ou responsáveis como parte do processo terapêutico da criança, evitando o lugar comum e tendencioso que alguns profissionais acabam criando, ao se referirem à rede social complicada como fator que impacta negativamente a relação com a criança (Costa & Dias, 2005Costa, M. I. M., & Dias, C. M. S. B. (2005). A prática da psicoterapia infantil na visão de terapeutas nas seguintes abordagens: Psicodrama, Gestalt terapia e centrada na pessoa. Estudos de Psicologia , 22(1), 43-51. https://doi.org/10.1590/S0103-166X2005000100006
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). Entendemos que, da mesma forma que o terapeuta lança seu olhar, ele acolhe o olhar do outro que se relaciona com a criança e, ainda, o olhar da própria criança sobre o que lhe acontece e como percebe o mundo vivido.

A esse respeito, sabemos que, de um modo geral, a criança é conduzida à psicoterapia pelo adulto responsável por ela, movido pela demanda que impacta o relacionamento vivido por eles. De tal modo, enfatizamos na Narrativa Síntese que

O psicólogo, ao assumir o processo terapêutico da criança, iniciará outras relações interpessoais que poderão atravessar os encontros com a criança, mas seguirão um curso próprio e inusitado frente ao relacionamento com a mesma. Essas vivências relacionais aparecem como fundo na relação figurada pela criança e seu terapeuta.

Diante disso, atentamos para o relato espontâneo dos adultos responsáveis pelas crianças participantes sobre como perceberam o processo terapêutico, o que favoreceu nossa compreensão do alcance intersubjetivo desse tipo de experiência.

No tocante ao primeiro elemento estrutural - o acontecer clínico da ludoterapia humanista estimula a emergência de uma relação intersubjetiva entre psicoterapeuta e criança que promove crescimento psicológico na criança -, notamos a própria relação como um acontecimento subjetivo para ambos.

No encontro com Tainá, a participante mais jovem, atentamos para sua capacidade de escolha e definição dos materiais que pretendia experimentar no encontro dialógico. Ela contou sobre situações em que aprendeu com a terapeuta, por exemplo, quando a “tia” lhe explicava ou ensinava sobre alguma questão que tinha, e, com isso, acabou satisfazendo sua vontade de saber sobre as coisas do mundo, sobre a vida. Ela quis resguardar sua relação com a psicóloga e alguns conteúdos abordados durante a ludoterapia, como se fosse uma exclusividade, o que denotou “certa relevância de poder vivenciar uma relação dedicada a ela, que lhe contemplava de modo excepcional” (Bezerra, 2021Bezerra, M. C. S. (2021). A experiência intersubjetiva na ludoterapia humanista: Uma perspectiva fenomenológica. [Tese de Doutorado, Pontifícia Universidade Católica de Campinas]. Biblioteca Digital de Teses e Dissertações da PUC-Campinas. https://bit.ly/3WZs1ZK
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, p. 195).

Ressaltamos que a observação das dinâmicas relacionais da criança faz parte da atenção clínica ofertada pelo terapeuta, atento às fronteiras e aos enquadres possíveis (Aiello-Vaisberg, 2017Aiello-Vaisberg, T. M. J. (2017). Estilo clínico Ser e Fazer: Resposta crítico-propositiva à despersonalização e sofrimento social. Boletim Acadêmico Paulista de Psicologia, 37(92), 42-62. https://bit.ly/3Xg3LlR
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; Mencarelli, Baptista, & Aiello-Vaisberg, 2017Mencarelli, V. L., Baptista, A. M., & Aiello-Vaisberg, T. M. J. (2017). Enquadres diferenciados Ser e Fazer: A princesinha e o veneno da planta da floresta. Estilos da Clínica, 22(2), 319-338. https://dx.doi.org/10.11606/issn.1981-1624.v22i2p319-338
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; Silva, 2020Silva, J. G. (2020). Happenings e aqui e agora: Diálogos entre abordagem gestáltica e living theatre. Revista da Abordagem Gestáltica, 26(1), 98-109. https://bit.ly/3IxlAsH
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). Na experiência dos participantes, revelou-se implícita uma compreensão da pessoa humana, da criança e da psicoterapia, que também influenciou o estilo pessoal de se relacionar no campo clínico.

Observamos que a noção de crescimento psicológico, presente nos referenciais humanistas que permeiam a prática dos profissionais participantes, esteve implicitamente aliada à concepção de valorização da criança e do seu potencial de desenvolvimento (Axline, 1947/1984Axline, V. M. (1947/1984). Ludoterapia: A dinâmica interior da criança. Interlivros. (Trabalho original publicado em 1947); Oaklander, 1980Oaklander, V. (1980). Descobrindo crianças: Abordagem gestáltica com crianças e adolescentes (16a ed.). Summus.). A criança é capaz de assumir decisões frente ao outro e exercer sua condição de existência, conforme o princípio humanista da autonomia (Amatuzzi, 2012Amatuzzi, M. M. (2012). Rogers: Ética humanista e psicoterapia (2a ed.). Alínea.), como pudemos constatar.

A própria autonomia observada nas crianças durante os encontros dialógicos pode ser entendida como expressão de crescimento psicológico, significado pelo modo delas recordarem, refletirem e comunicarem as vivências integradas de modo consciente. Ficou clara a atitude analítica de Cauê frente à experiência rememorada, assim como sua tomada de posição ao reconhecer o momento de buscar novo processo terapêutico, tendo em vista sua intenção de elaborar a experiência do seu momento atual de vida. Destacamos o seguinte recorte dessa narrativa: “A psicóloga me ajudou a ver que eu tinha uma família do meu jeito e que era uma família também. E que eu precisava me desenvolver nela também, . . . e as coisas foram ficando mais fáceis de lidar” (Bezerra, 2021Bezerra, M. C. S. (2021). A experiência intersubjetiva na ludoterapia humanista: Uma perspectiva fenomenológica. [Tese de Doutorado, Pontifícia Universidade Católica de Campinas]. Biblioteca Digital de Teses e Dissertações da PUC-Campinas. https://bit.ly/3WZs1ZK
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, p. 220).

O segundo elemento estrutural remete-nos ao caráter processual da ludoterapia, que promove consequências desse relacionamento como resultados colhidos no próprio processo terapêutico e além dele, intensificando o fluxo de mudanças pessoais da criança. Ele pode ser resumido na afirmativa: a experiência intersubjetiva de psicoterapeutas e crianças suscita processos e resultados que podem ser vivenciados de modo contínuo na experiência da criança para além das sessões de ludoterapia.

O curso dessa experiência é marcado por momentos de intensas mudanças no processo pessoal da criança, que se contrapõem a períodos de discreta relevância no fluxo vivido por ela. Passado, presente e futuro são vividos afetivamente, tornando difícil delimitar o ponto temporal em que esse relacionamento se torna significativo para a criança, pois configura um processo que se desenvolve além do enquadre categórico da psicoterapia, como podemos visualizar no seguinte recorte da narrativa do encontro com Cauã (Bezerra, 2021Bezerra, M. C. S. (2021). A experiência intersubjetiva na ludoterapia humanista: Uma perspectiva fenomenológica. [Tese de Doutorado, Pontifícia Universidade Católica de Campinas]. Biblioteca Digital de Teses e Dissertações da PUC-Campinas. https://bit.ly/3WZs1ZK
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):

Contou-me que, quando foi para o ‘tio’ Davi [psicoterapeuta], ele ‘era um menino irritado, muito irritado’, que ‘batia nas pessoas mesmo sem querer’, que ‘gritava sem querer’ e não sabia o porquê, mas vivia irritado. Observou que o ‘tio’ Davi não era exatamente uma pessoa calma, mas alguma coisa nele o acalmava, alguma coisa acontecia quando ele estava com o ‘tio’ Davi que ele “saía de lá mais calmo”. (p. 186)

Amatuzzi (2014Amatuzzi, M. M. (2014). Por uma Psicologia Humana (4a ed.). Alínea.) afirma que a psicoterapia corresponde à promoção de um processo pessoal no qual se instaura uma mobilização interior, podendo flexibilizar e transformar o modo da pessoa se relacionar consigo, com os outros e com o mundo. Nesse sentido, Guardini (2000Guardini, R. (2000). L’incontro: Sarggio di analisi della struttura dell’esistenza umana (J. Pasquarelli Peres, Trad.). Ítaca.) refere-se ao modo singular e inesperado segundo o qual a relação toma forma pelo seu caráter ontológico-metafísico e psicológico.

A esse respeito, observamos que os psicólogos participantes enfatizaram a importância de fazer psicoterapia pessoal e supervisão clínica com colegas mais experientes, destacando o caráter processual que também acontece com eles na condição de psicoterapeutas. Isso levou-os a perceber a importância da formação continuada para atuação clínica, como vemos na narrativa do encontro com Hebe (Bezerra, 2021Bezerra, M. C. S. (2021). A experiência intersubjetiva na ludoterapia humanista: Uma perspectiva fenomenológica. [Tese de Doutorado, Pontifícia Universidade Católica de Campinas]. Biblioteca Digital de Teses e Dissertações da PUC-Campinas. https://bit.ly/3WZs1ZK
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):

Para ela, a ludoterapia a virou do avesso, a obrigou a resgatar sua própria história de vida, seus redutos intocados e a conhecer a si mesma profundamente. E, só então, observou-se inteira na relação com cada criança. . . . A experiência da relação com a criança “intensifica o processo de encontro consigo mesmo; faz crescer!”, prosseguiu, dando mais voz à sua experiência. Consequentemente, somos implicados em um processo de resgate do que há de humano em nós. (p. 151)

O encerramento do processo, de um ponto de vista emocional, é ainda mais complexo, pois depende dessa elaboração por parte da criança e exige muito do terapeuta, conforme mencionado pelos participantes psicólogos e ilustrado a seguir. Para o psicólogo Davi (Bezerra, 2021Bezerra, M. C. S. (2021). A experiência intersubjetiva na ludoterapia humanista: Uma perspectiva fenomenológica. [Tese de Doutorado, Pontifícia Universidade Católica de Campinas]. Biblioteca Digital de Teses e Dissertações da PUC-Campinas. https://bit.ly/3WZs1ZK
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), todo psicoterapeuta, especialmente quem atende crianças, não pode se distanciar dos seus processos pessoais, “senão perde sua capacidade de ver, escutar, sentir e ser espontâneos” (p. 114). Isso é o que alicerça a sua abertura para o mundo vivido pelo outro e torna possível estar tão próximo dele, ser com ele.

Entendemos que é a reciprocidade e a mutualidade da relação que potencializam a integração dos elementos psicológicos pela simbolização que legitima a psicoterapia enquanto uma relação autêntica (Perches & Cury, 2013Perches, T. H. P., & Cury, V. E. (2013). Plantão psicológico em hospital e o processo de mudança psicológica. Psicologia: Teoria e Pesquisa, 29(3), 313-320. https://doi.org/10.1590/S0102-37722013000300009
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; Ribeiro, 2011Ribeiro, J. P. (2011). Conceito de mundo e de pessoa em gestal-terapia: Revisitando o caminho. Summus.).

O terceiro elemento estrutural - a presença subjetivamente implicada do terapeuta no acontecer clínico é fundamental para o envolvimento e a motivação da criança na relação intersubjetiva - ressalta esse relacionamento como um vínculo específico e muito significativo. Vislumbramos esse elemento explicitado na narrativa do encontro dialógico com Aiyra quando a pesquisadora destacou haver percebido que todas as atividades descritas pela criança ao relatar seus encontros com sua ludoterapeuta eram realizadas pelas duas, conjuntamente.

Nos seus relatos, Aiyra não descreveu as atividades em primeira pessoa do singular, mas assim: “nós fazemos”, “nós brincamos”, “nós jogamos”, sempre implicando um “nós” (Bezerra, 2021Bezerra, M. C. S. (2021). A experiência intersubjetiva na ludoterapia humanista: Uma perspectiva fenomenológica. [Tese de Doutorado, Pontifícia Universidade Católica de Campinas]. Biblioteca Digital de Teses e Dissertações da PUC-Campinas. https://bit.ly/3WZs1ZK
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, p. 230). Diante dessa observação, a pesquisadora examinou essa “experiência vivida a duas” como um tipo de conexão e partilha em que a menina participante “confirmou com todo seu corpo, balançando a cabeça, o tronco e dizendo: “É isso, tia! A gente faz tudo juntas, mesmo” (Bezerra, 2021Bezerra, M. C. S. (2021). A experiência intersubjetiva na ludoterapia humanista: Uma perspectiva fenomenológica. [Tese de Doutorado, Pontifícia Universidade Católica de Campinas]. Biblioteca Digital de Teses e Dissertações da PUC-Campinas. https://bit.ly/3WZs1ZK
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, p. 230).

Na relação com o ludoterapeuta, a criança é capaz de superar a invisibilidade que vivencia em outros relacionamentos. Quando ela se sente olhada, considerada, respeitada e priorizada, potencializa sua capacidade para transcender os atributos dessa experiência, ampliando-a para outros relacionamentos em sua vida, como também afirmaram expoentes da GT (Aguiar, 2015Aguiar, L. (2015). Gestalt-terapia com crianças: Teoria e prática. Summus.) e da Ludoterapia Centrada na Criança (Axline, 1947/1984Axline, V. M. (1947/1984). Ludoterapia: A dinâmica interior da criança. Interlivros. (Trabalho original publicado em 1947)).

Campos e Cury (2009Campos, A. P. S., & Cury, V. E. (2009). Atenção psicológica clínica: Encontros terapêuticos com crianças em uma creche. Paidéia, 19(42), 115-121. https://doi.org/10.1590/S0103-863X2009000100014
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) enfatizaram que a disponibilidade da escuta psicológica configura um espaço de crescimento, de retomada da autonomia pessoal e de autoconfiança, ampliando a capacidade da criança para comunicar suas emoções, sentimentos e ideias. Isso pode ser entendido como manifestação da tendência atualizante preconizada por Rogers (1951/2003Rogers, C. R. (1951/2003). Client-centered therapy: Its current practice, implications and theory. Constable. (Trabalho original publicado em 1951), 1979Rogers, C. R. (1979). The foundations of the person-centered approach. Education, 100(2), 98-107. https://bit.ly/3QGqiqd
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), atributo vital que conduz as pessoas na direção do crescimento.

Compreendemos, também, que a “sabedoria organísmica” adquirida pela criança (Aguiar, 2015Aguiar, L. (2015). Gestalt-terapia com crianças: Teoria e prática. Summus.) é fruto da intimidade peculiar gerada na relação com o ludoterapeuta em função da qualidade da sua presença (Geller, 2013Geller, S. (2013). Therapeutic presence. In M. Cooper, M. O’Hara, P. F. Schmid, & G. Wyatt (Eds.), The handbook of person-centred Psychotherapy & Counselling (2a ed., pp. 209-222). Palgrave Macmillan.; Mearns & Cooper, 2018Mearns, D., & Cooper, M. (2018). Working at relational deph in counseling & psychotherapy. In D. Mearns & M. Cooper (Eds.), Person-Centered & Experiential Psychotherapies (2a ed., Vol. 17, pp. 185-190). Sage Publishing.), ao incorporar em suas atitudes os princípios teóricos e éticos da abordagem assumida (Baldwin, 2013Baldwin, M. (2013). Interview with Carl Rogers on the use of the self in therapy. In M. Baldwin (Ed.), The use of self in therapy (pp. 29-38). The Haworth Press.; Rogers, 1957Rogers, C. R. (1957). The necessary and sufficient conditions of therapeutic personality change. Journal of Consulting Psychology, 21(2), 95-103. https://doi.org/10.1037/h0045357
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, 1977/1986Rogers, C. R. (1977/1986). Sobre o poder pessoal (W. M. A. Penteado, Trad., 2a ed.). Martins Fontes. (Trabalho original publicado em 1977)). Contemplamos isso no trecho retirado da narrativa do encontro com a psicóloga Cilene (Bezerra, 2021Bezerra, M. C. S. (2021). A experiência intersubjetiva na ludoterapia humanista: Uma perspectiva fenomenológica. [Tese de Doutorado, Pontifícia Universidade Católica de Campinas]. Biblioteca Digital de Teses e Dissertações da PUC-Campinas. https://bit.ly/3WZs1ZK
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): sob o olhar de Cilene em direção ao caminho trilhado na ludoterapia, ser psicoterapeuta infantil é “estar a serviço da criança”, “concebê-la como pessoa digna de ser considerada em cada gesto” (p. 121), pensamento, sentimento, ação e silêncio. Estar com uma criança é “levar muito a sério” cada plano, brincadeira, demanda e, principalmente, a intimidade gerada na relação de confiança.

O próprio caráter dialógico do encontro terapêutico auxilia a reconstrução ou a reconfiguração de padrões vividos pela criança na sua relação com o mundo - ocorridos como ajustamentos criativos para a autorregulação organísmica da criança (Aguiar, 2015Aguiar, L. (2015). Gestalt-terapia com crianças: Teoria e prática. Summus.). Dessa maneira, a relação terapêutica em si é entendida como um importante fator de cura, conforme mencionado pelos psicoterapeutas participantes desta pesquisa.

O quarto elemento estrutural foi sintetizado na afirmativa: A corporeidade vivenciada no encontro propicia uma consciência de si mesmo, dos limites e potencialidades dos próprios atos, que subsidia o respeito mútuo e a empatia na relação. Ele nos remete à materialidade do encontro promovida na sessão de ludoterapia e à conscientização de si por meio das vivências corporais (Gendlin, 1962/1997Gendlin, E. T. (1962/1997). Experiencing and the creation of meaning. Northwestern University Press. (Trabalho original publicado em 1962)). Podemos contemplá-lo ilustrado no encontro com a psicóloga Soraia (Bezerra, 2021Bezerra, M. C. S. (2021). A experiência intersubjetiva na ludoterapia humanista: Uma perspectiva fenomenológica. [Tese de Doutorado, Pontifícia Universidade Católica de Campinas]. Biblioteca Digital de Teses e Dissertações da PUC-Campinas. https://bit.ly/3WZs1ZK
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):

Há toda a disponibilidade e a presença necessárias ao terapeuta: “você não fica só com um discurso, e está lá por inteiro”. . . . O encontro com a criança convoca seu corpo, explora seus limites e sua flexibilidade, demanda fôlego e expressividade. Ela [terapeuta] sai desse contato suada, descabelada, com a roupa desarrumada, descalçada, óculos desajustados e pode até se sujar bastante. (p. 161)

E exemplificado no diálogo com o garoto Raoni, pelas suas próprias expressões e significados atribuídos às vivências compartilhadas com sua psicoterapeuta (Bezerra, 2021Bezerra, M. C. S. (2021). A experiência intersubjetiva na ludoterapia humanista: Uma perspectiva fenomenológica. [Tese de Doutorado, Pontifícia Universidade Católica de Campinas]. Biblioteca Digital de Teses e Dissertações da PUC-Campinas. https://bit.ly/3WZs1ZK
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):

“Um psicólogo bom deixa você à vontade; pergunta o que você quer fazer . . . Você consegue falar sobre o que sente” - explicou [Raoni]. . . .Eu gostava de brincar e ela deixava eu brincar . . . e brincava comigo”. . . . Na sequência, afirmou que tudo dependia de como cada um se sente na presença do outro, “se fica à vontade”, denotando a espontaneidade do momento desse encontro. (pp. 237-239)

Observamos que as presenças motivadas de ambos interferem na qualidade do contato interpessoal em múltiplos sentidos. A corporeidade consiste no território existencial em que se constrói a relação na qual ambos vivenciam o próprio corpo de modo mais integrado. A dimensão corporal do terapeuta é constantemente convocada na relação com a criança. Ao mesmo tempo, possibilita a experiência dos limites, a tomada de consciência dos contornos existenciais, elaborados a partir da sensorialidade infantil (Aguiar, 2015Aguiar, L. (2015). Gestalt-terapia com crianças: Teoria e prática. Summus.).

É a consciência dessas fronteiras-limites que abrirá o caminho para a consolidação da experiência empática (Stein, 1917/2014Stein, E. (1917/2014). Il problema dell’empatia. Edizioni Studium. (Trabalho original publicado em 1917)), pela própria constituição de fronteira entre o próprio corpo e o corpo do outro, que passa a ser significada na relação de modo mais abrangente. Antony (2010Antony, S. (2010). Um caminho terapêutico na clínica gestáltica com crianças. In S. Antony (Org.), A clínica gestáltica com crianças: Caminhos de crescimento (pp. 79-107). Summus.) diz que o desenvolvimento do domínio corporal - reconhecido e potencializado na relação do corpo infantil com o ambiente terapêutico - favorece o processo de constituição da subjetividade e o senso de autoconfiança da criança.

Segundo Gendlin (1962/1997)Gendlin, E. T. (1962/1997). Experiencing and the creation of meaning. Northwestern University Press. (Trabalho original publicado em 1962), experienciar o sentimento, vivido corpórea e concretamente, constitui a matéria básica do fenômeno psicológico. Esse processo organísmico pré-conceitual ocorre no presente imediato e guia a conceitualização por ser um referente direto do corpo, conforme foi possível contemplar nos diálogos com os psicoterapeutas e na expressão criativa das crianças participantes ao longo dos encontros.

Isso nos conduz ao quinto elemento estrutural do fenômeno pesquisado: Brincar congrega múltiplos sentidos e propicia a integração de elementos do vivido pela criança e pelo psicoterapeuta.

É a partir da integração da experiência vivida pelo próprio corpo que outras dimensões passam a ser integradas pela criança, assim como ocorrem nas atividades lúdicas experimentadas durante as sessões terapêuticas e que permanecem como registros experienciais que as crianças guardam cuidadosamente, conforme explicitado na narrativa do encontro com Lia: “destacou que seu interesse estava no ambiente dentro da sala da psicóloga, e não na clínica em si, pois lá dentro ficavam os jogos, as outras coisas com as quais ela gostava de brincar e onde ‘tudo acontecia’ no encontro delas” (Bezerra, 2021Bezerra, M. C. S. (2021). A experiência intersubjetiva na ludoterapia humanista: Uma perspectiva fenomenológica. [Tese de Doutorado, Pontifícia Universidade Católica de Campinas]. Biblioteca Digital de Teses e Dissertações da PUC-Campinas. https://bit.ly/3WZs1ZK
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, p. 205).

Ao brincarem juntos, ambos vivenciam a fantasia e a liberdade existencial (Stein, 2005Stein, E. (2005). Contribuciones a la fundamentación filosófica de la psicología y de las ciencias del espíritu. In Obras completas II: Escritos filosóficos: Etapa fenomenológica (F. J. Sancho, Trad., pp. 207-520). Monte Carmelo, El Carmen, Espiritualidad.), assumindo a responsabilidade sobre o conteúdo expresso na sua corporeidade e na dinâmica psíquica que experimentam. Assim, evidenciou-se que a experiência do brincar espontâneo, dirigido pela criança, encerra o potencial integrativo da sessão, que se desenrola em função dele, conforme apontam Brito e Paiva (2012Brito, R. A. C., & Paiva, V. M. B. (2012). Psicoterapia de Rogers e ludoterapia de Axline: Convergências e divergências. Revista NUFEN, 4(1), 112-114. https://bit.ly/3QpX26C
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) acerca da Ludoterapia Centrada na Criança. Nesse sentido, aproxima-se da compreensão do brincar para a GT, como uma “forma de autoterapia da criança” (Oaklander, 1980Oaklander, V. (1980). Descobrindo crianças: Abordagem gestáltica com crianças e adolescentes (16a ed.). Summus., p. 184).

Nesta pesquisa, observamos que a participante Aiyra considerou que as brincadeiras com a terapeuta eram parecidas com aquelas que fazia com seus amigos, mas algo as tornavam mais divertidas e emocionantes, ao estar com ela. O participante Cauê recordou que se sentia “mais leve” no ambiente da ludoterapia, pois ali se configurava um lugar de “ser criança” e de “constatar a leveza da vida”, de “encontrar a paz”, onde “poderia ser ele [mesmo], livremente” (Bezerra, 2021Bezerra, M. C. S. (2021). A experiência intersubjetiva na ludoterapia humanista: Uma perspectiva fenomenológica. [Tese de Doutorado, Pontifícia Universidade Católica de Campinas]. Biblioteca Digital de Teses e Dissertações da PUC-Campinas. https://bit.ly/3WZs1ZK
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, p. 218). Logo entendemos que a representação lúdica protagoniza a liberdade existencial, oferecendo sentido ao que a criança vivencia enquanto brinca.

Destacamos um trecho da narrativa do encontro com Agnes, que ilustra esse elemento do ponto de vista do psicoterapeuta (Bezerra, 2021Bezerra, M. C. S. (2021). A experiência intersubjetiva na ludoterapia humanista: Uma perspectiva fenomenológica. [Tese de Doutorado, Pontifícia Universidade Católica de Campinas]. Biblioteca Digital de Teses e Dissertações da PUC-Campinas. https://bit.ly/3WZs1ZK
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):

Um ponto importante é tornar possível à criança perceber e significar a seriedade da relação e suas várias faces. É um brincar, mas é também trabalho. É uma aprendizagem contínua, necessita de estudo; é uma doação de si. Tudo se associa e se mostra sutilmente no relacionamento, como um todo complexo. (p. 176)

O sexto elemento estrutural evidencia a experiência compartilhada e a condição existencial da pessoa humana, enquanto ser em permanente formação: O desenvolvimento subjetivo da criança se revela e se intensifica na relação psicoterapêutica, ao enfatizar suas singularidades. O encontro com a alteridade implica em um percurso análogo de reconhecimento de si mesmo e, somente a posteriori, o conhecimento se estabelece, surgido do plano existencial da interpessoalidade (Ales Bello, 2015Ales Bello, A. (2015). Pessoa e comunidade: Comentários: Psicologia e Ciências do Espírito de Edith Stein (M. Mahfoud, & J. T. Garcia, Trad.). Artesã.) - conforme observamos nesse trecho da narrativa do encontro com Cauê (Bezerra, 2021Bezerra, M. C. S. (2021). A experiência intersubjetiva na ludoterapia humanista: Uma perspectiva fenomenológica. [Tese de Doutorado, Pontifícia Universidade Católica de Campinas]. Biblioteca Digital de Teses e Dissertações da PUC-Campinas. https://bit.ly/3WZs1ZK
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):

É como se ela [terapeuta] abrisse a porta, mas não dissesse ‘é por aqui que você tem que seguir’”. . . . Compreendi que a terapeuta evidenciava as possibilidades, e ele se sentia livre para escolher e decidir mais confiante. Cauê explicitou com essas palavras: “Ela não dizia ‘Você tem que fazer assim’, ou ‘Assim está errado’; mas ela me dizia ‘Você pode fazer assim’ e esse ‘você pode’ fazia toda a diferença”. (pp. 218-219)

A esse respeito, Schmid (2013Schmid, P. F. (2013). Comprehension: The art of not knowing: Dialogical and ethical perspectives on empathy as dialogue in personal and person-centered relationships. In S. Haugh & T. Merry. (Eds.), Rogers’ therapeutic conditions: Evolution, theory and practice (Vol. 2, pp. 1-19). PCCS Books.) esclarece que a direção do encontro, assim como o que determina seu sentido, vem do Outro, que se coloca frente ao terapeuta como alteridade por excelência. Os psicólogos participantes desta pesquisa relataram que alguns sentidos sempre escapam ao relacionamento, reconhecendo os limites dessa interação. Isso implica dizer que o encontro com a criança, mais do que com o adulto, convoca o terapeuta a se deparar com a “alteridade em sua absoluta radicalidade” (Brito & Freire, 2014Brito, R. A. C., & Freire, J. C. (2014). Ludoterapia centrada na criança: Uma leitura a partir da ética de Emmanuel Lévinas. Revista da Abordagem Gestáltica, 20(1), 118-127. https://bit.ly/3CwmbXG
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, p. 119).

Entretanto, deparamo-nos com um ponto nodal entre as perspectivas clássicas das abordagens psicológicas humanistas e a perspectiva fenomenológica. O que torna premente a consideração sobre o sentido que se atribui ao ser criança como uma existência que se realiza, também, ao longo do processo psicoterapêutico, levando em conta suas características singulares. Na vertente fenomenológica, o caráter processual e existencial centraliza a concepção de desenvolvimento e se contrapõe a modelos dualistas. Observamos na presente pesquisa que as próprias crianças participantes se referiram à gênese de um mundo experienciado por elas mesmas, a partir dos sentidos que elaboraram ao longo da ludoterapia.

O sétimo elemento estrutural anuncia a dimensão de valor que possibilita a atualização de sentido dessa experiência intersubjetiva pela vivência reflexiva de cada pessoa, podendo ser sintetizado assim: A relação é sustentada pelo seu valor, que perdura na existência de cada pessoa e imprime novos significados quando o evoca reflexivamente, demonstrando-se benéfica à atualização de sentidos da experiência pessoal e relacional.

Compreendemos que a importância atribuída à experiência intersubjetiva na ludoterapia estrutura-se como sínteses do vivido para cada subjetividade envolvida, e que seu conjunto de sentidos evidenciados para essas pessoas permanece na historicidade das suas relações interpessoais - como se mostra na narrativa do encontro com a psicóloga Alcione (Bezerra, 2021Bezerra, M. C. S. (2021). A experiência intersubjetiva na ludoterapia humanista: Uma perspectiva fenomenológica. [Tese de Doutorado, Pontifícia Universidade Católica de Campinas]. Biblioteca Digital de Teses e Dissertações da PUC-Campinas. https://bit.ly/3WZs1ZK
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, p. 169):

Revelou-me que “nada se compara a acompanhar o desenvolvimento de uma criança”, porque as mudanças são mais rápidas e significativas de serem percebidas do que no adulto; porque com a criança se pode sentir o vínculo, as mudanças de atitude, de posicionamento, “sentir que está florescendo e que faz sentido [para a criança] estar ali”. (p. 169)

Autores da psicologia humanista já apontaram que o relacionamento na psicoterapia transcende a si mesmo e se torna parte de algo maior, marcado pelo crescimento que configura um processo de “cura” (Bowen, 1987Bowen, M. C. V. (1987). Espiritualidade e abordagem centrada na pessoa: Interconexão no universo e na psicoterapia. In A. M. Santos, C. R. Rogers, & M. C. V. Bowen (Orgs.), Quando fala o coração: A essência da psicoterapia centrada na pessoa (A. M. Santos , Trad., pp. 86-122). Artes Médicas.; Rogers, 1977/1986Rogers, C. R. (1977/1986). Sobre o poder pessoal (W. M. A. Penteado, Trad., 2a ed.). Martins Fontes. (Trabalho original publicado em 1977)), como qualidade de uma vivência integrativa e atemporal (Wood, 2008Wood, J. K. (2008). Carl Rogers’ person-centered approach: Toward an understanding of its implications. PCCS Books.). Essa relação intersubjetiva promove, portanto, a tomada de consciência das experiências pessoais enquanto acontecimento subjetivo que se efetiva de modo singular para cada pessoa (Mahfoud, 2017Mahfoud, M. (2017). Quem sou eu? Acontecimento pessoal na busca da completude. In M. Mahfoud (Org.), “Quem sou eu?”: Um tema para a psicologia (pp. 37-67). Artesã.), envolvendo-a na sua relação com o mundo como uma “totalidade consciente” (Ribeiro, 1997Ribeiro, J. P. (1997). O ciclo do contato (2a ed.). Summus., p. 20).

A criança, assim como o terapeuta, identifica valores associados a esse encontro como uma marca existencial que os acompanha ao longo da vida e que pode ser revisitada igual uma recordação significativa. Assim, essa experiência relacional supera seu propósito circunstancial devido ao sentido que marca cada pessoa. A criança é transformada subjetivamente em uma perspectiva do encontro como totalidade originária. Revela-se, então, uma relação viva, que possibilita uma imagem pulsante, a qual não possuíamos até o momento de vivê-la como acontecimento (Guardini, 2000Guardini, R. (2000). L’incontro: Sarggio di analisi della struttura dell’esistenza umana (J. Pasquarelli Peres, Trad.). Ítaca.).

Considerações finais

O objetivo do estudo foi alcançado pela via da intersubjetividade que incluiu a própria pesquisadora, cumprindo o arco fenomenológico proposto ao adentrarmos o campo experiencial. O delineamento metodológico tornou possível refletirmos sobre os constructos basilares das propostas teóricas e clínicas das abordagens humanistas em Psicologia, especificamente a ACP e a GT, desvelados na experiência vivida pelos participantes.

A necessidade de ajustes metodológicos, em decorrência da pandemia causada pelo novo coronavírus, foi um fato inusitado que coadunou mais componentes às reflexões e discussões em torno da relação terapêutica submetida à mediação de tecnologias virtuais. A descrição, a compreensão e a interpretação do fenômeno pesquisado, realizadas de maneira processual, marcaram significativamente as pesquisadoras, imprimindo novos significados ao jeito de ser psicoterapeuta e supervisora clínica.

Destacamos a articulação dialógica entre as perspectivas psicológicas humanistas que fundamentam a prática psicoterápica na contemporaneidade como um modo de ampliar sua representatividade frente às contingências sociais, sinalizando formas atualizadas de contato com o eu e o outro. Ressaltamos que o próprio resgate da Psicologia como uma ciência essencialmente humana e que considera a dimensão anímica torna-se urgente.

Algumas propostas foram elaboradas, ao tomarmos como base as reflexões sobre os resultados desta pesquisa. Elas podem ser assim organizadas: os contatos do psicoterapeuta com os pais ou responsáveis pela criança ao longo do processo devem ser considerados terapêuticos, por incluírem acolhimento e compreensão que auxiliam a mudança subjetiva, e a escuta ativa e dedicada aos sentimentos e percepções desses adultos efetivamente são desdobramentos do acontecer clínico, desencadeado no encontro com a criança. Nesse sentido, seria mais apropriada a proposição de grupos de compartilhamento de experiências ou de crescimento voltados aos pais, ao invés de grupos para orientação de pais, como são comumente caracterizados.

Os ludoterapeutas humanistas estruturam a proposta psicoterápica priorizando suas atitudes no relacionamento com a criança como o cerne do processo. Apontamos a relevância de interlocuções entre psicólogos humanistas e adeptos de abordagens fenomenológicas e existenciais, uma vez que essas aproximações nas vertentes clínicas da psicologia brasileira trazem contribuições de outras áreas de conhecimento, como a Filosofia, as Ciências Sociais e as Artes. No entanto, há que se considerar, também, os contextos culturais, históricos e sociais peculiares às condições de vida da população brasileira nas propostas clínicas inovadoras, de forma a incluir crianças com vulnerabilidades específicas.

Concluindo, enfatizamos a necessidade de implementar novos estudos que se proponham a refletir sobre os diversos elementos que estruturam as intervenções psicológicas praticadas por psicólogos que adotam as vertentes psicológicas de orientação humanista, pois a pesquisa realizada escrutinou especificamente a experiência intersubjetiva.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    03 Mar 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    25 Mar 2021
  • Aceito
    13 Jan 2022
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