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Grupo Operativo com Psicólogos do SUS: Das Armadilhas ao Brincar

Operative Group with SUS Psychologists: From Traps to Play

Grupo Operativo con Psicólogos del SUS: De la Trampa al Juego

Resumo

Desenvolver habilidades para coordenar grupos é requisito importante do trabalho desenvolvido por psicólogos, especialmente quando vinculados a instituições de saúde pública. Este estudo foi uma pesquisa-ação amparada no enfoque clínico-qualitativo e desenvolvida a partir do dispositivo dos grupos operativos. O objetivo geral foi compreender como psicólogos percebem o trabalho grupal que oferecem em suas práticas laborais, a partir de vivências em grupos operativos de aprendizagem. Participaram 10 psicólogos atuantes em uma Unidade Ambulatorial de Atendimento Psicossocial - equipamento secundário da Rede de Atenção Psicossocial - de um município do interior de Minas Gerais. A ordenação de dados ocorreu a partir de emergentes grupais surgidos durante três sessões, e foram analisados a partir do diálogo com a literatura sobre grupos, em especial grupos em cenários institucionais. O processo grupal vivido fomentou recursos profissionais para lidar com a grupalidade. Expressões sobre dificuldades profissionais enfrentadas na coordenação de intervenções grupais apareceram e foram discutidas. O dispositivo “grupo” foi pensado como ferramenta possível de ser empregada para facilitar transformações e fomentar potenciais encontros humanos. Estudos futuros poderão ser direcionados a novas formas de compreender o trabalho grupal desenvolvido por esses e outros psicólogos, de realidades distintas da retratada.

Palavras-chave:
Pesquisa-ação; Serviços de saúde pública; Técnicas psicoterapêuticas

Abstract

Developing skills to coordinate groups is an important requirement for psychologists, especially when linked to public health institutions. This action research, supported by the clinical-qualitative approach, was developed based on the Operative Groups device. It sought to understand how psychologists perceive the group work they offer, based on experiences in operative learning groups. Ten psychologists, working in an Outpatient Psychosocial Care Unit - a secondary facility of the Psychosocial Care Network - in a city in rural Minas Gerais, participated in the study. Data ordering occurred from emerging groups listed during three group sessions, and were analyzed based on the literature on groups, especially groups in institutional settings. The group process experienced fostered professional resources for addressing groupness. Expressions about professional difficulties faced in coordinating group interventions emerged and were discussed. The “group” device was thought of as a possible tool to be employed to facilitate transformations and foster potential human encounters. Future studies may be directed to new ways of understanding the group work developed by these and other psychologists, from different realities from the one portrayed.

Keywords:
Action research; Public health services; Psychotherapeutic techniques

Resumen

El desarrollo de habilidades en la coordinación de grupos es un requisito importante en el trabajo de los psicólogos, especialmente cuando están vinculados a instituciones de salud pública. Este estudio fue una investigación-acción respaldada por el enfoque clínico-cualitativo y desarrollada a partir del dispositivo de grupos operativos. Su objetivo general fue comprender cómo los psicólogos perciben el trabajo grupal que ofrecen en sus prácticas laborales a partir de experiencias en grupos de aprendizaje operativo. Participaron en el estudio diez psicólogos que laboran en una Unidad de Atención Psicosocial Ambulatoria (equipamiento secundario de la Red de Atención Psicosocial) de un municipio del estado de Minas Gerais, en Brasil. Se ordenaron los datos a partir de grupos emergentes que surgieron durante las tres sesiones grupales realizadas y analizadas con base en el diálogo con la literatura sobre grupos, especialmente en contextos institucionales. El proceso grupal experimentado ha potenciado los recursos profesionales para afrontar la agrupación. Surgieron y discutieron expresiones sobre las dificultades profesionales experimentadas en la coordinación de intervenciones grupales. Se pensó en el dispositivo “grupal” como una posible herramienta que se utilizaría para facilitar transformaciones y fomentar posibles encuentros humanos. Los estudios futuros pueden dirigirse a nuevas formas de entender el trabajo en grupo desarrollado por estos y otros psicólogos a partir de realidades distintas a la retratada.

Palabras clave:
Investigación-acción; Servicios de salud pública; Técnicas psicoterapéuticas

Introdução

No que concerne às políticas públicas de saúde, a profissão de psicólogo no Brasil passou e ainda passa por transformações, a partir de iniciativas que procuram repensá-la em diversos aspectos, tais como: produção de conhecimento, atuação, composição de equipes e formação. Nessa perspectiva, inúmeros desafios se apresentam às práticas em psicologia, muitas vezes ainda aquém das reais necessidades da população e das propostas de consolidação do Sistema Único de Saúde (SUS) e da Rede de Atenção Psicossocial (Raps) (Cintra & Bernardo, 2017Cintra, M. S., & Bernardo, M. H. (2017). Atuação do psicólogo na atenção básica do SUS e a Psicologia social. Psicologia: Ciência e Profissão, 37(4), 883-896. https://doi.org/10.1590/1982-3703000832017
https://doi.org/https://doi.org/10.1590/...
; Conselho Federal de Psicologia [CFP], 2019Conselho Federal de Psicologia. (2019). Referências técnicas para atuação de psicólogas(os) na Atenção Básica à saúde (2a ed.). https://site.cfp.org.br/wp-content/uploads/2019/11/CFP_atencaoBasica-2.pdf
https://site.cfp.org.br/wp-content/uploa...
; Ferrazza, 2016Ferrazza, D. A. (2016). Psicologia e políticas públicas: Desafios para superação de práticas normativas. Revista Polis e Psique, 6(3), 36-58. http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_abstract&pid=S2238-152X2016000300004&lng=pt&nrm=iso
http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?scr...
; Pitombeira, Xavier, Barroso, & Oliveira, 2016Pitombeira, D. F., Xavier, A. S., Barroso, R. E. C., & Oliveira, P. R. S. (2016). Psicologia e a formação para a saúde: Experiências formativas e transformações curriculares em debate. Psicologia: Ciência e Profissão , 36(2), 280-291. https://doi.org/10.1590/1982-3703001722014
https://doi.org/https://doi.org/10.1590/...
; Spink, 2013Spink, M. J. P. (2013). A formação do psicólogo para atuação em instituições de saúde. In M. J. P. Spink (Org.), Psicologia social e saúde: Práticas, saberes e sentidos (pp. 132-140). Vozes.).

A reflexão sobre os processos grupais é uma forma de superar esses entraves que ainda permeiam a psicologia no SUS (Maireno, Sei, & Zanetti, 2016Maireno, D. P., Sei, M. B., & Zanetti, S. A. S. (2016). O ensino da técnica grupal na graduação em psicologia. Vínculo, 13(1), 20-32. http://pepsic.bvsalud.org/pdf/vinculo/v13n1/v13n1a03.pdf
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). Sendo assim, o tema que apresentamos neste estudo é a vivência de um grupo operativo com psicólogos atuantes em Unidade Ambulatorial de Atenção Especializada de um município do interior de Minas Gerais, que buscou refletir sobre a intervenção psicológica na modalidade grupal.

A Raps, instituída pela Portaria nº 3.088, de 23 de dezembro de 2011 (Portaria nº 3.088, 2011Portaria nº 3.088, de 23 de dezembro de 2011. (2011, 23 de dezembro). Institui a Rede de Atenção Psicossocial para pessoas com sofrimento ou transtorno mental e com necessidades decorrentes do uso de crack, álcool e outras drogas no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS). Ministério da Saúde. http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2011/prt3088_23_12_2011_rep.html
http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis...
), propõe um modelo de atenção em saúde mental articulando ações e serviços de saúde em diferentes níveis de complexidade (primário, secundário e terciário). Podemos notar que essa Portaria não menciona o Ambulatório de Saúde Mental entre os dispositivos de atenção na rede, embora preveja ações de tratamento e reabilitação a serem desenvolvidas. Posteriormente, algumas alterações à Portaria de consolidação da Raps foram realizadas, sendo incluída a Equipe Multiprofissional de Atenção Especializada em Saúde Mental/Unidades Ambulatoriais Especializadas como mais um dispositivo da rede (Portaria nº 3.588, 2017Portaria nº 3.588, de 21 de dezembro de 2017. (2017, 21 de dezembro). Altera as Portarias de Consolidação no 3 e nº 6, de 28 de setembro de 2017, para dispor sobre a Rede de Atenção Psicossocial, e dá outras providências. Ministério da Saúde. https://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2017/prt3588_22_12_2017.html
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). Observamos a forma vasta como o serviço ambulatorial é referido nessa Portaria e principalmente em Portarias anteriores, o que propicia diversidade de modelos implantados pelo Brasil, mesmo antes de sua regulamentação (Guimarães, Oliveira, & Yamamoto, 2013Guimarães, S. B., Oliveira, I. F., & Yamamoto, O. H. (2013). As práticas dos psicólogos em ambulatórios de saúde mental. Psicologia & Sociedade, 25(3), 664-673. https://www.scielo.br/pdf/psoc/v25n3/20.pdf
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; Paiano, Maftum, Haddad, & Marcon, 2016Paiano, M., Maftum, M. A., Haddad M. C. L., & Marcon, S. S. (2016). Ambulatório de saúde mental: Fragilidades apontadas por profissionais. Texto & Contexto - Enfermagem, 25(3), 1-10. https://doi.org/10.1590/0104-07072016000040014
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).

No contexto do município pesquisado, as equipes multiprofissionais em saúde mental foram centralizadas em um único serviço, que começou a ser estruturado em 2018 a partir de demandas observadas em reuniões do grupo condutor da Raps local. O serviço ocupa um ponto secundário na rede e destina-se a uma clientela intermediária à Atenção Básica (AB) e ao Centro de Atenção Psicossocial (Caps), atendendo às demandas de média complexidade. O usuário desse serviço tem um diagnóstico em saúde mental, porém, para receber acompanhamento semanal no formato de psicoterapia grupal seu quadro deve estar estável.

O Ambulatório de Saúde Mental é um dispositivo fundamental e potente na Raps. Sua importância é justificada pela dinâmica de um trabalho continuado, conduzido por especialistas, que tem a clínica como eixo condutor para sua organização. Independentemente da modalidade ofertada, individual ou em grupo, sua especificidade é o tratamento psicoterápico para quem está em situação de sofrimento psíquico, levando em conta, sobretudo, o viés clínico (Damous & Erlich, 2017Damous, I., & Erlich, H. (2017). O ambulatório de saúde mental na rede de atenção psicossocial: Reflexões sobre a clínica e a expansão das políticas de Atenção Primária. Physis: Revista de Saúde Coletiva, 27(4), 911-932. https://doi.org/10.1590/s0103-73312017000400004
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).

Paiano et al. (2016Paiano, M., Maftum, M. A., Haddad M. C. L., & Marcon, S. S. (2016). Ambulatório de saúde mental: Fragilidades apontadas por profissionais. Texto & Contexto - Enfermagem, 25(3), 1-10. https://doi.org/10.1590/0104-07072016000040014
https://doi.org/https://doi.org/10.1590/...
) procuraram identificar em seu estudo as fragilidades do serviço ambulatorial de um município do noroeste do Paraná pela perspectiva de seus profissionais. Os resultados apontaram que, entre as fragilidades do serviço, havia dificuldade de acesso pelos usuários ao ambulatório e desconhecimento sobre as competências do local. Outros pontos elencados estavam relacionados à forma de contratação e à rotatividade dos profissionais, bem como à falta de capacitação das equipes.

Outro estudo realizado com psicólogos dos ambulatórios de saúde mental de uma cidade em Sergipe objetivou conhecer as práticas desenvolvidas por esses profissionais nesse contexto (Guimarães et al., 2013Guimarães, S. B., Oliveira, I. F., & Yamamoto, O. H. (2013). As práticas dos psicólogos em ambulatórios de saúde mental. Psicologia & Sociedade, 25(3), 664-673. https://www.scielo.br/pdf/psoc/v25n3/20.pdf
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). Os resultados mostraram que, depois do atendimento individual, as atividades em grupos eram as mais executadas, sendo citadas quatro modalidades: grupo terapêutico, grupo oficina, grupo aberto e grupo fechado. Houve reconhecimento por parte dos profissionais participantes de que as práticas grupais representavam uma atividade em expansão. Porém, alguns debates se apresentaram e se fizeram necessários: quantidade versus qualidade do atendimento e a consideração de quais demandas poderiam ser atendidas grupalmente (Guimarães et al., 2013Guimarães, S. B., Oliveira, I. F., & Yamamoto, O. H. (2013). As práticas dos psicólogos em ambulatórios de saúde mental. Psicologia & Sociedade, 25(3), 664-673. https://www.scielo.br/pdf/psoc/v25n3/20.pdf
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).

Tradicionalmente, o campo da saúde foi se constituindo a partir do âmbito individual e privatista. Assim, o cenário do SUS, inicialmente, representou um desafio para a psicologia devido às dificuldades na adequação teórica ao modelo de intervenção proposto para o trabalho (Pitombeira et al., 2016Pitombeira, D. F., Xavier, A. S., Barroso, R. E. C., & Oliveira, P. R. S. (2016). Psicologia e a formação para a saúde: Experiências formativas e transformações curriculares em debate. Psicologia: Ciência e Profissão , 36(2), 280-291. https://doi.org/10.1590/1982-3703001722014
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; Spink, 2013Spink, M. J. P. (2013). A formação do psicólogo para atuação em instituições de saúde. In M. J. P. Spink (Org.), Psicologia social e saúde: Práticas, saberes e sentidos (pp. 132-140). Vozes.). A clínica individual, prática aprendida na maioria das universidades, sofreu forte influência da clínica médica e é comumente transportada para a prática na saúde pública de forma acrítica (CFP, 2019Conselho Federal de Psicologia. (2019). Referências técnicas para atuação de psicólogas(os) na Atenção Básica à saúde (2a ed.). https://site.cfp.org.br/wp-content/uploads/2019/11/CFP_atencaoBasica-2.pdf
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). Nessa perspectiva, de constituição de um saber psicológico normativo e de reflexão sobre a inserção da psicologia no âmbito da saúde coletiva, ainda há inúmeros desafios à formação e às práticas de psicólogos (Cintra & Bernardo, 2017Cintra, M. S., & Bernardo, M. H. (2017). Atuação do psicólogo na atenção básica do SUS e a Psicologia social. Psicologia: Ciência e Profissão, 37(4), 883-896. https://doi.org/10.1590/1982-3703000832017
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; Ferrazza, 2016Ferrazza, D. A. (2016). Psicologia e políticas públicas: Desafios para superação de práticas normativas. Revista Polis e Psique, 6(3), 36-58. http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_abstract&pid=S2238-152X2016000300004&lng=pt&nrm=iso
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).

A reforma psiquiátrica e a implementação do SUS - no fim da década de 1980, mas principalmente na década de 1990 - estimulou uma demanda por grupos nos setores públicos do Brasil (Cintra & Bernardo, 2017Cintra, M. S., & Bernardo, M. H. (2017). Atuação do psicólogo na atenção básica do SUS e a Psicologia social. Psicologia: Ciência e Profissão, 37(4), 883-896. https://doi.org/10.1590/1982-3703000832017
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). Ainda assim, podemos notar que não existe uma cultura favorável ao trabalho com grupos no país, considerando que a falta de suporte institucional e de uma formação teórico-clínica adequada, além do despreparo e de improvisações por parte dos profissionais, são fatores que geram entraves ao seu desenvolvimento. Julgamos necessário que esses pontos tenham a devida atenção por profissionais e equipes dirigentes (Castanho, 2018Castanho, P. (2018). Uma introdução psicanalítica ao trabalho com grupos em instituições. Linear-Abarca.; Pereira & Sawaia, 2020Pereira, E. R., & Sawaia, B. B. (2020). Práticas grupais: Espaço de diálogo e potência. Pedro & João.).

Observamos que há receios em relação à psicoterapia de grupo, não somente por parte dos clientes, como também dos profissionais da área. Sejam quais forem as raízes dessas preocupações, elas podem ser ampliadas pela falta de conhecimento adequado e de um contato mais direto com essa forma de atendimento terapêutico (Bolorini, 2016Bolorini, P. A. S. (2016). Receios e expectativas de clientes e psicólogos acerca da psicoterapia de grupo. Revista IGT na Rede, 13(24), 134-172. http://pepsic.bvsalud.org/pdf/igt/v13n24/v13n24a09.pdf
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).

Todas essas questões esbarram na formação em psicologia voltada para o modelo clínico tradicional (psicoterapia individual e psicodiagnóstico). Muitos profissionais chegam à saúde pública sem o devido preparo para assumir esse contexto de trabalho (Cintra & Bernardo, 2017Cintra, M. S., & Bernardo, M. H. (2017). Atuação do psicólogo na atenção básica do SUS e a Psicologia social. Psicologia: Ciência e Profissão, 37(4), 883-896. https://doi.org/10.1590/1982-3703000832017
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; Spink, 2013Spink, M. J. P. (2013). A formação do psicólogo para atuação em instituições de saúde. In M. J. P. Spink (Org.), Psicologia social e saúde: Práticas, saberes e sentidos (pp. 132-140). Vozes.). Reforçamos a importância de refletir sobre o papel do psicólogo, desde sua formação, passando pelo entendimento de que sua atuação na saúde pública pode incluir outras técnicas e saberes, além das práticas já institucionalizadas (Bolorini, 2016Bolorini, P. A. S. (2016). Receios e expectativas de clientes e psicólogos acerca da psicoterapia de grupo. Revista IGT na Rede, 13(24), 134-172. http://pepsic.bvsalud.org/pdf/igt/v13n24/v13n24a09.pdf
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; Castanho, 2018Castanho, P. (2018). Uma introdução psicanalítica ao trabalho com grupos em instituições. Linear-Abarca.; Cintra & Bernardo, 2017Cintra, M. S., & Bernardo, M. H. (2017). Atuação do psicólogo na atenção básica do SUS e a Psicologia social. Psicologia: Ciência e Profissão, 37(4), 883-896. https://doi.org/10.1590/1982-3703000832017
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; Maireno et al., 2016Maireno, D. P., Sei, M. B., & Zanetti, S. A. S. (2016). O ensino da técnica grupal na graduação em psicologia. Vínculo, 13(1), 20-32. http://pepsic.bvsalud.org/pdf/vinculo/v13n1/v13n1a03.pdf
http://pepsic.bvsalud.org/pdf/vinculo/v1...
; Pereira & Sawaia, 2020Pereira, E. R., & Sawaia, B. B. (2020). Práticas grupais: Espaço de diálogo e potência. Pedro & João.; Pitombeira et al., 2016Pitombeira, D. F., Xavier, A. S., Barroso, R. E. C., & Oliveira, P. R. S. (2016). Psicologia e a formação para a saúde: Experiências formativas e transformações curriculares em debate. Psicologia: Ciência e Profissão , 36(2), 280-291. https://doi.org/10.1590/1982-3703001722014
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).

A reflexão acerca dos processos de intervenção psicológica grupal e o desenvolvimento de habilidades para a coordenação de grupos são importantes para o campo de atuação do psicólogo, especialmente no serviço público. Nesse sentido, notamos que grupos operativos têm potencial para instigar e facilitar processos de reflexão em seus participantes e para desenvolver habilidades de comunicação e vínculos entre pessoas. Eles têm sido empregados em diversos ambientes e instituições para esses propósitos (Menezes & Avelino, 2016Menezes, K. K. P., & Avelino, P. R. (2016). Grupos operativos na Atenção Primária à Saúde como prática de discussão e educação: Uma revisão. Cadernos de Saúde Coletiva, 24(1), 124-130. https://doi.org/10.1590/1414-462X201600010162
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; Oliveira, Borges, Castanho, & Santeiro, 2018Oliveira, J., Borges, C. A. P., Castanho, P. C. G., & Santeiro, T. V. (2018). Práticas grupais no âmbito jurídico brasileiro focadas na violência: Revisão integrativa. REFACS, 6(4), 785-795. https://doi.org/10.18554/refacs.v6i4.3294
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).

O grupo operativo se refere a uma estrutura dinâmica, que evolui constantemente com a experiência e a avaliação das consequências da ação. Por meio da realização da tarefa proposta se aprende a pensar em termos da resolução das dificuldades criadas e manifestadas no próprio grupo (Bleger, 1979/2003Bleger, J. (2003). Temas de psicologia: Entrevista e grupos (2a ed.). Martins Fontes. (Trabalho original publicado em 1979)). Tal situação grupal é sustentada por uma rede de comunicação e motivações conscientes e inconscientes, em que ocorre um complexo mecanismo de distribuição de papéis, criação de vínculos e reconstrução de esquemas referenciais entre seus membros (Castanho, 2017Castanho, P. (2017). Sobre a questão da tarefa no grupo: Aspectos psicanalíticos e psicossociais. In T. S. Emidio, & M. Y. Okamoto (Orgs.), Perspectivas psicanalíticas atuais para o trabalho com famílias e grupos na universidade (pp. 87-101). Cultura Acadêmica.; Pereira & Sawaia, 2020Pereira, E. R., & Sawaia, B. B. (2020). Práticas grupais: Espaço de diálogo e potência. Pedro & João.; Pichon-Rivière, 1983/2000Pichon-Rivière, E. (2000). O processo grupal (6a ed.). Martins Fontes. (Trabalho original publicado em 1983)).

Considerando o cenário apresentado e os grupos operativos enquanto dispositivos potencialmente facilitadores de processos de aprendizado, nosso objetivo neste trabalho foi compreender como psicólogos atuantes em equipamento ambulatorial do SUS percebem o trabalho grupal que oferecem em suas práticas laborais, a partir de vivências em grupos operativos. O objetivo específico foi refletir sobre aspectos relativos à aprendizagem dos profissionais, compreendida em seu movimento de espiral dialética, em relação à proposta do grupo operativo.

Método

O estudo desenvolvido foi do tipo pesquisa-ação e esteve amparado no enfoque clínico-qualitativo (Bleger, 1979/2003Bleger, J. (2003). Temas de psicologia: Entrevista e grupos (2a ed.). Martins Fontes. (Trabalho original publicado em 1979); Pichon-Rivière, 1983/2000Pichon-Rivière, E. (2000). O processo grupal (6a ed.). Martins Fontes. (Trabalho original publicado em 1983)).

Os participantes são 10 psicólogos de cargo efetivo, atuantes em um Ambulatório de Atendimento Psicossocial de um município do interior mineiro e que representavam a totalidade dos profissionais do serviço (na categoria psicólogos). Eles eram, em sua maioria, mulheres (90%), com média de idade de 45 anos (variação de 32 a 61 anos), média de tempo de formado de 22 anos e seis meses (variação de nove a 38 anos), média de tempo de trabalho no SUS de 13 anos e cinco meses (variação de quatro a 25 anos) e média de tempo de trabalho no serviço pesquisado de um ano e três meses (variação de um mês a um ano e cinco meses).

Desenvolvemos o processo investigativo com inspiração no modelo teórico e filosófico dos grupos operativos, que é marcado por uma ideia de construção conjunta da realidade e propõe uma visão integradora do homem em situação (Bleger, 1979/2003Bleger, J. (2003). Temas de psicologia: Entrevista e grupos (2a ed.). Martins Fontes. (Trabalho original publicado em 1979); Pichon-Rivière, 1983/2000Pichon-Rivière, E. (2000). O processo grupal (6a ed.). Martins Fontes. (Trabalho original publicado em 1983)). Por meio desses dispositivos, a conjunção entre ensino e aprendizagem, concebida dialeticamente no processo grupal, pode ser observada (Bleger, 1979/2003Bleger, J. (2003). Temas de psicologia: Entrevista e grupos (2a ed.). Martins Fontes. (Trabalho original publicado em 1979)). Podemos dizer que as finalidades de um grupo operativo são a mobilização de estruturas, a superação do medo da mudança e de vínculos antigos, além da possibilidade de modificação criativa e adaptação ativa à realidade (Pichon-Rivière, 1983/2000Pichon-Rivière, E. (2000). O processo grupal (6a ed.). Martins Fontes. (Trabalho original publicado em 1983)).

A equipe executora do processo grupal foi composta pela pesquisadora, que coordenou o processo, e uma observadora. A coordenadora trabalhou pelo favorecimento da comunicação intragrupal, enquanto a observadora registrou o que acontecia a partir de um enfoque panorâmico direcionado às situações observadas (Pichon-Rivière, 1983/2000Pichon-Rivière, E. (2000). O processo grupal (6a ed.). Martins Fontes. (Trabalho original publicado em 1983)). Dessa forma, ao abordar questões fundamentais, a pesquisadora esteve incluída e comprometida no ambiente do grupo, impactando-o e transformando-o com sua presença. Buscamos, enquanto equipe, manter o caráter horizontal dos fenômenos grupais em suas nuances clínicas (escuta e interpretações) e facilitar o processo do grupo ao buscar integração entre o agir, o pensar e o sentir (Bleger 1979/2003Bleger, J. (2003). Temas de psicologia: Entrevista e grupos (2a ed.). Martins Fontes. (Trabalho original publicado em 1979)).

Realizamos três encontros grupais (estabelecidos no projeto de pesquisa), com duração média de duas horas, em três semanas consecutivas. Todos os encontros foram motivados pela tarefa explícita informada aos participantes: pensar o processo grupal e pensar o próprio fazer profissional como coordenadores de grupos. A proposição dessa tarefa buscou contemplar o objetivo geral deste estudo. Apenas para o primeiro dia de encontro houve programação antecipada, por parte da equipe executora, de um jogo a ser realizado com o grupo, que abrangia a tarefa explícita. Buscamos com tal medida permitir o acesso à realidade das pessoas investigadas, em conjunto com processos de produção de conhecimento a serem alcançados (Fernandes & Santeiro, 2021Fernandes, W. J., & Santeiro, T. V. (2021). Proposta introdutória de classificação do trabalho grupal. In T. V. Santeiro , B. S. Fernandes , & W. J. Fernandes (Orgs.), Clínica de grupos de inspiração psicanalítica: Teoria, prática e pesquisa (pp. 53-65). Clínica Psicológica da Universidade Estadual de Londrina.; Santeiro et al., 2021Santeiro, T. V., Ribeiro, G. F., Caetano, B. L., Carvalho, G. B., Coelho, G. O. A., Ribeiro-Leandro, R. C., Peralta, A. B. B. S., & Rocha, G. M. A. (2021). Processos de pesquisa e(m) grupos: Ser ou não ser operativo? InT. V. Santeiro , B. S. Fernandes , & W. J. Fernandes (Orgs.), Clínica de grupos de inspiração psicanalítica: Teoria, prática e pesquisa (pp. 547-564). Clínica Psicológica da Universidade Estadual de Londrina.). Para os demais encontros, as atividades propostas foram pensadas a partir dos acontecimentos vivenciados no e por meio do grupo (Pichon-Rivière, 1983/2000Pichon-Rivière, E. (2000). O processo grupal (6a ed.). Martins Fontes. (Trabalho original publicado em 1983)).

Sabe-se que tradicionalmente os grupos operativos de aprendizagem, tais como apresentados por Bleger (1979/2003)Bleger, J. (2003). Temas de psicologia: Entrevista e grupos (2a ed.). Martins Fontes. (Trabalho original publicado em 1979) e Pichon-Rivière (1983/2000)Pichon-Rivière, E. (2000). O processo grupal (6a ed.). Martins Fontes. (Trabalho original publicado em 1983), são dispositivos verbais e prescindem da utilização de objetos mediadores ou recursos de apoio à fala. Ainda assim, em um sentido abrangente, podemos chamar um grupo de operativo à medida que nele identificamos o acontecer da espiral dialética (Castanho, 2012Castanho, P. (2012). Uma introdução aos grupos operativos: Teoria e técnica. Vínculo, 9(1), 47-60. http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1806-24902012000100007&lng=pt&tlng=pt
http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?scr...
). Partindo desse entendimento, os grupos operativos são inspiração teórico-técnica e metodológica e modelos de compreensão para quaisquer expressões grupais, inclusive quando elas abrangem objetivos de uma investigação científica (Santeiro et al., 2021Santeiro, T. V., Ribeiro, G. F., Caetano, B. L., Carvalho, G. B., Coelho, G. O. A., Ribeiro-Leandro, R. C., Peralta, A. B. B. S., & Rocha, G. M. A. (2021). Processos de pesquisa e(m) grupos: Ser ou não ser operativo? InT. V. Santeiro , B. S. Fernandes , & W. J. Fernandes (Orgs.), Clínica de grupos de inspiração psicanalítica: Teoria, prática e pesquisa (pp. 547-564). Clínica Psicológica da Universidade Estadual de Londrina.).

Nesse sentido e a título de fundamentação do nosso estudo, os grupos psicanalíticos de discussão são descritos como modalidades de grupos operativos, sendo utilizados como dispositivos de aprendizagem e intervenção em diferentes contextos, inclusive de pesquisa (Emílio, 2021Emílio, S. A. (2021). Grupos psicanalíticos de reflexão e discussão enquanto modalidades de grupos operativos. In T. V. Santeiro, B. S. Fernandes, & W. J. Fernandes (Orgs.), Clínica de grupos de inspiração psicanalítica: Teoria, prática e pesquisa (pp. 281-303). Clínica Psicológica da Universidade Estadual de Londrina.). São espaços de compartilhamento horizontal de saberes, visando à construção coletiva de conhecimentos, que têm como tarefa a discussão de ideias a partir do contato com um disparador comum, que pode, por exemplo, ser um texto, caso clínico ou um filme. A função dos coordenadores desses grupos é bem semelhante à prevista nos grupos operativos propriamente ditos: pensar com o grupo, realizando um processo dialético de indagação e esclarecimento, que parte do que é explícito para promover o surgimento de conteúdos implícitos - podendo se apoiar em elementos presentes no disparador utilizado (Emílio, 2021Emílio, S. A. (2021). Grupos psicanalíticos de reflexão e discussão enquanto modalidades de grupos operativos. In T. V. Santeiro, B. S. Fernandes, & W. J. Fernandes (Orgs.), Clínica de grupos de inspiração psicanalítica: Teoria, prática e pesquisa (pp. 281-303). Clínica Psicológica da Universidade Estadual de Londrina.).

A seguir, apresentamos as atividades propostas em cada dia de grupo operativo.

Primeiro encontro: apresentamos um dossiê com 70 fotografias aos participantes1 1 Escolhidas a partir do acervo pessoal da pesquisadora e de uma integrante de seu grupo de pesquisa, com imagens diversas de situações humanas/animais e/ou retratando objetos, em cenários individuais e/ou coletivos. . A partir disso, eles deveriam escolher uma imagem ou mais, que representasse “o grupo”. Nesse sentido, a escolha por determinadas representações artísticas, como as fotografias, não acontece aleatoriamente, mas diz respeito à pessoa que as escolhe e ao seu momento de vida2 2 Observamos que há tempos recursos artísticos são usados como mediadores de diálogo, em cenários institucionais e grupais, em distintas orientações teórico-metodológicas (Araújo & Jacó-Vilela, 2018; Vacheret, 2008). . No caso do grupo relatado, essa escolha se articulava à leitura horizontal do processo grupal, remetendo-a ao acontecer do grupal (emergentes).

Segundo encontro: pedimos que cada um dos profissionais levasse algo que representasse uma lembrança de sua trajetória enquanto psicólogo. Esse insight foi tido pela primeira pesquisadora no fim do encontro 1, tendo em vista que os participantes faziam referência a aspectos de sua formação na graduação em psicologia e demonstravam querer dar continuidade ao tema, relembrando, já nesse primeiro encontro, objetos palpáveis que os marcaram e acontecimentos vivenciados à época.

Terceiro encontro: propomos uma brincadeira em que os participantes se sentavam ao redor de uma mesa e colocavam suas mãos entrelaçadas sobre a mesa, sendo a mão direita por cima da mão esquerda do colega. O objetivo da brincadeira era seguir uma sequência de batidas das mãos na mesa corretamente, obedecendo à ordem em que os colegas estavam e lembrando, porém, que entre as mãos de um participante estava a de outro. Havia um dificultador que era a mudança no sentido da sequência de mãos cada vez que um dos participantes decidia dar batidas duplas com as mãos em vez de uma batida apenas. As regras da brincadeira eram não se confundir com a mão do colega, pensando ser sua própria mão, e estar atento à mudança da sequência após a batida dupla de algum colega. À medida que os participantes erravam a sequência, iam retirando as mãos uma por uma. Venceria quem permanecesse até o fim com ao menos uma das mãos em jogo. Essa brincadeira foi pensada por nós durante a supervisão de nosso grupo de pesquisa, subsequentemente ao segundo encontro. A intenção de que o último encontro proporcionasse algo despretensioso e leve aos participantes foi constituinte dos planejamentos dos trabalhos.

Realizamos a análise dos dados a partir dos emergentes grupais levantados durante as três sessões de grupo operativo realizadas, o que se deu a partir da leitura flutuante das transcrições dos encontros grupais e da supervisão do grupo de pesquisa do qual somos integrantes. A identificação desses emergentes se deu com base em procedimentos próprios dessa técnica e respeitando o tipo de estudo em questão: pesquisa-ação aderente ao método clínico-qualitativo (Bleger, 1979/2003Bleger, J. (2003). Temas de psicologia: Entrevista e grupos (2a ed.). Martins Fontes. (Trabalho original publicado em 1979); Pichon-Rivière, 1982/2000Pichon-Rivière, E. (2000). Teoria do vínculo (4a ed.). Martins Fontes. (Trabalho original publicado em 1982), 1983/2000Pichon-Rivière, E. (2000). O processo grupal (6a ed.). Martins Fontes. (Trabalho original publicado em 1983)). Foram realizados três encontros semanais de supervisão subsequentes a cada dia de grupo operativo, com duração de 1 hora e 40 minutos cada. Os relatos dos acontecimentos grupais foram apresentados ao grupo de pesquisa, discutidos, analisados e interpretados, levando-se em conta as emoções presentes nos cenários de produção de experiências e de supervisão. As interpretações realizadas foram consideradas na forma como conduzimos a sequência dos encontros de grupo operativo.

A partir da confluência possível entre os objetivos de pesquisa e os diálogos construídos entre nós, equipe executora, e os integrantes do grupo de pesquisa, nos foi possível estabelecer, a posteriori, duas categorias de análise. A primeira se referiu ao processo de pré-tarefa (Pichon-Rivière, 1983/2000Pichon-Rivière, E. (2000). O processo grupal (6a ed.). Martins Fontes. (Trabalho original publicado em 1983)), compreendido como o primeiro momento do grupo, no qual as resistências às mudanças e vários tipos de manobras para os participantes manterem seu status quo se sobressaltam. A segunda, por sua vez, sinalizou para uma fase em que o grupo se apresentou de forma dinâmica e com maior abertura para adentrar na tarefa.

O enfoque dado sobre os dados obtidos foi priorizado por nós em seu caráter horizontal, o que diz respeito ao grupo pensado e considerado em sua totalidade (Pichon-Rivière, 1983/2000Pichon-Rivière, E. (2000). O processo grupal (6a ed.). Martins Fontes. (Trabalho original publicado em 1983)). Dessa forma, no ambiente grupal, o que foi dito, expressado, sentido e pensado por um participante foi compreendido como comunicação e produção coletiva. Interpretamos os dados obtidos pelas vivências grupais à luz do referencial teórico da psicanálise, guiados especialmente pelos autores latino-americanos de grupos operativos: Bleger (1979/2003)Bleger, J. (2003). Temas de psicologia: Entrevista e grupos (2a ed.). Martins Fontes. (Trabalho original publicado em 1979) e Pichon-Rivière (1982/2000Pichon-Rivière, E. (2000). Teoria do vínculo (4a ed.). Martins Fontes. (Trabalho original publicado em 1982), 1983/2000Pichon-Rivière, E. (2000). O processo grupal (6a ed.). Martins Fontes. (Trabalho original publicado em 1983)).

Os encontros foram realizados, com autorização prévia dos responsáveis pela Secretaria Municipal de Saúde, no local de trabalho dos participantes. Os encontros dos grupos operativos tiveram duração média de duas horas cada, foram audiogravados com consentimento dos participantes e posteriormente transcritos. A participação no estudo foi voluntária e todos os participantes a formalizaram por meio do aceite do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, por meio do qual declararam ciência dos objetivos do estudo. O trabalho esteve em conformidade com a legislação e foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal do Triângulo Mineiro (CAEE: 07094819.0.0000.5154).

Resultados e discussão

Pautamos a ordenação do texto na análise conjunta dos três encontros vivenciados pelo grupo, baseando-nos nos emergentes grupais, nos objetivos propostos para o estudo e nas etapas do processo de aprendizagem experienciado pelos participantes.

Serão apresentados dois eixos de discussão, os quais estarão entremeados com ilustrações de diálogos dos participantes, cujos nomes são fictícios.

Eixo 1 - Entre o novo e o velho, o conhecido e o desconhecido: pegos em uma arapuca?

Neste eixo, buscamos retratar o movimento do grupo rumo ao desconhecido, que foi refletido na produção de experiências do grupo operativo. Ele ilustrou o limiar sensível entre os conhecimentos antigos e as novidades presentes nos cenários que os participantes construíam.

Observamos que o grupo apresentou uma dinâmica de resistências e ansiedades, especialmente durante o primeiro encontro, o que era natural diante da aproximação ao campo grupal (Bleger, 1979/2003Bleger, J. (2003). Temas de psicologia: Entrevista e grupos (2a ed.). Martins Fontes. (Trabalho original publicado em 1979); Pichon-Rivière, 1983/2000Pichon-Rivière, E. (2000). O processo grupal (6a ed.). Martins Fontes. (Trabalho original publicado em 1983)). O atraso de participantes que esqueceram a data agendada para o encontro e a dificuldade de darmos início às tarefas revelaram que essas emoções estavam presentes.

Por serem profissionais ligados a uma instituição, talvez os participantes estivessem acostumados a corresponder à pressão que seria própria do trabalho. Quando oferecemos algo que poderia ser escolhido, eles possivelmente não souberam discriminar que aquele não seria “mais um” espaço de cobrança. A mudança na estrutura do trabalho que desenvolviam ali, que requeria frentes de grupos em seus cotidianos laborais, chegou até eles como algo novo, em 2018, e eles ainda aprendiam a lidar e a vivenciar o trabalho grupal. A proposta de pesquisa talvez tenha aguçado essas mudanças propostas e eles confirmavam nesse primeiro encontro estarem em franco processo de aprendizagem.

Ainda que, por um lado, houvesse demonstrações de possíveis resistências, era fato que o processo contou com a participação de todos os psicólogos atuantes no serviço, que estiveram presentes em todos os encontros, com pequenas exceções - primeiro encontro: nove participantes; segundo encontro: dez participantes; terceiro encontro: nove participantes. Isso demonstrou que havia, por parte do grupo, um dinâmico movimento entre “não querer” se envolver, mas também “querer” ser cuidado e ajudado.

Uma vez que o grupo é lugar de aprendizagem, há possibilidade de tensão entre as contradições, conceito próprio do entendimento dialético que permeia o processo grupal (Bleger, 1979/2003Bleger, J. (2003). Temas de psicologia: Entrevista e grupos (2a ed.). Martins Fontes. (Trabalho original publicado em 1979); Pichon-Rivière, 1983/2000Pichon-Rivière, E. (2000). O processo grupal (6a ed.). Martins Fontes. (Trabalho original publicado em 1983)). Sabíamos que o movimento inerente a um grupo poderia ter esse caráter descontínuo e de constante incremento, sendo o diálogo estabelecido entre seus membros, o que poderia possibilitar ir além das polaridades e contradições presentes (Pichon-Rivière, 1983/2000Pichon-Rivière, E. (2000). O processo grupal (6a ed.). Martins Fontes. (Trabalho original publicado em 1983)).

Foi perceptível no grupo, sobretudo no primeiro encontro, a necessidade de se confirmar situações antigas em contraposição a momentos novos que eram vivenciados. O grupo parecia comparar fatos já conhecidos com o que ainda desconhecia e, assim, utilizar de conhecimentos já estruturados para se referir ao que estava em processo. A escolha da imagem de uma arapuca por uma participante pareceu consolidar observações dessa natureza e sintetizou a experiência do grupo rumo a novas aprendizagens:

Psiquê: [Em referência à imagem de uma arapuca - Encontro 1] Eu escolhi essa aqui porque eu pensei que várias unidades, de início sem função, podem se juntar e formar algo comum e organizado. Não foi nada do produto final, porque eu não sei o que é

Pesquisadora: Vocês sabem o que é?

Atena: É uma armadilha.

Inicialmente, a escolha da imagem da arapuca foi baseada na percepção de uma das participantes (porta-voz), no sentido da organização e arquitetura da armadilha. Ela fez uma leitura com base na observação da imagem, pois não havia conhecimento prévio do instrumento e de sua função. O artifício de escolher a fotografia baseando-se no sentido de organização grupal já havia sido utilizado por outros profissionais quando, por exemplo, elencavam entre as diversas imagens músicos tocando conjuntamente (uma banda musical) ou animais reunidos (pássaros voando na mesma direção). Mas foi interessante perceber que a escolha individual, ilustrada por meio da narrativa de Psiquê, carregava em si um potencial grupal, uma vez que mobilizou o grupo todo, suscitando emoções e verbalizações pertinentes a todos.

A escolha da arapuca evidenciou o sentimento de ameaça que parecia perpassar o movimento do grupo. Alguns integrantes até viram um passarinho preso nela, um cativeiro e a morte. Era como se se sentissem, de fato, pegos em uma armadilha, que poderia ser o próprio processo de pesquisa e/ou a armadilha que o trabalho grupal poderia representar para eles. Ainda assim, é possível que a visão de organização e unidade da arapuca tenha sinalizado que o grupo também enxergava para além das armadilhas.

Atena [Encontro 1]: Mas aí, eu pensei numa coisa, que eu acho que tem a ver com o nosso trabalho. Quem não morou em roça ou cidade de interior, não conhece. Né? . . . . Tanto que eu acho que muito da dificuldade é essa. E eu acho que aqui tem muito disso. Muita gente que veio pra cá não sabia o que era um trabalho de grupo.

Héstia: Foi uma arapuca pra todo mundo. . . [risos].

Os participantes falaram sobre o quanto a organização dos atendimentos de forma a priorizar as psicoterapias grupais exigiu deles readaptações, fossem em níveis estruturais e de formação profissional ou em termos de reorganização interna. A referência à atuação profissional junto aos pacientes também foi relatada. Esse tipo de narrativa parecia indicar que os pacientes também estavam em uma “arapuca” e que talvez o processo psicoterapêutico grupal pudesse representar uma armadilha também para eles, dada a novidade do processo.

A efetividade e a eficácia do processo grupal foram questionadas pelo grupo, o que vai ao encontro do apontado por Bolorini (2016Bolorini, P. A. S. (2016). Receios e expectativas de clientes e psicólogos acerca da psicoterapia de grupo. Revista IGT na Rede, 13(24), 134-172. http://pepsic.bvsalud.org/pdf/igt/v13n24/v13n24a09.pdf
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), que reconheceu em seu estudo receios e desconfianças relacionados à psicoterapia grupal por parte de profissionais. Aqui, pudemos aferir que esse questionamento foi uma via de mão dupla: talvez os participantes se perguntassem sobre a eficácia do grupo como ferramenta profissional e do grupo operativo em andamento.

Em alguns momentos, percebemos certo saudosismo nas falas dos participantes. Eles resgataram lembranças relativas às suas formações, predominantemente marcadas pela clínica individual. No segundo encontro, levaram seus livros de psicanálise como lembranças importantes na representação de suas trajetórias: “Eu vinha da clínica, né? . . . estudando clínica, e a gente entra na prefeitura, a gente quer fazer clínica” (Hera).

A literatura disponível também aponta as dificuldades de superação de uma clínica privatista, tradicionalmente aprendida nos processos de formação, e de adequação teórica ao modelo de intervenção proposto para o trabalho no SUS. Nesse sentido, a fragilidade dos psicólogos no que diz respeito à saúde coletiva e ao que se preconiza no serviço público é evidenciada (CFP, 2019Conselho Federal de Psicologia. (2019). Referências técnicas para atuação de psicólogas(os) na Atenção Básica à saúde (2a ed.). https://site.cfp.org.br/wp-content/uploads/2019/11/CFP_atencaoBasica-2.pdf
https://site.cfp.org.br/wp-content/uploa...
; Cintra & Bernardo, 2017Cintra, M. S., & Bernardo, M. H. (2017). Atuação do psicólogo na atenção básica do SUS e a Psicologia social. Psicologia: Ciência e Profissão, 37(4), 883-896. https://doi.org/10.1590/1982-3703000832017
https://doi.org/https://doi.org/10.1590/...
; Ferrazza, 2016Ferrazza, D. A. (2016). Psicologia e políticas públicas: Desafios para superação de práticas normativas. Revista Polis e Psique, 6(3), 36-58. http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_abstract&pid=S2238-152X2016000300004&lng=pt&nrm=iso
http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?scr...
; Pitombeira et al., 2016Pitombeira, D. F., Xavier, A. S., Barroso, R. E. C., & Oliveira, P. R. S. (2016). Psicologia e a formação para a saúde: Experiências formativas e transformações curriculares em debate. Psicologia: Ciência e Profissão , 36(2), 280-291. https://doi.org/10.1590/1982-3703001722014
https://doi.org/https://doi.org/10.1590/...
; Spink, 2013Spink, M. J. P. (2013). A formação do psicólogo para atuação em instituições de saúde. In M. J. P. Spink (Org.), Psicologia social e saúde: Práticas, saberes e sentidos (pp. 132-140). Vozes.)3 3 Considerar, porém, que grupo e clínica se excluem é um erro conceitual, já que pela própria etimologia da palavra (do grego klinike tekhne, prática à beira do leito) é clínico todo cuidado e “debruçar-se” sobre o outro. A clínica grupal pichoniana traz referências da psicanálise individual e a partir de sua própria operacionalidade busca resolver as antinomias mente-corpo, indivíduo-sociedade, organismo-meio, individual-grupal (Pichon-Rivière, 1983/2000). Entretanto, o tipo de análise proposta não pretende lidar com teores relacionados a aspectos “teóricos” das experiências grupais. .

No segundo encontro, ainda sinalizando certas resistências em se pensar o grupo, o Livro do desassossego, de Fernando Pessoa, foi apresentado como representativo da trajetória profissional de uma das participantes. Ela relata: “O Livro do desassossego não tem começo, meio e nem fim, em qualquer página que você abrir vai conseguir ler. . . . o desassossego sempre esteve comigo. Um professor disse que eu não sabia trabalhar em grupo, me sentia inadequada” (Ártemis). Pertencente não mais somente a ela, mas ao grupo como um todo, o contexto simbolizado pelo livro parecia lembrar que desafios e transformações sempre estiveram presentes na vida daqueles profissionais.

Tal desassossego que parecia marcar a trajetória de Ártemis também era uma provocação comum ao grupo. Os participantes demonstravam estar difícil lidar com a aceitação de nem sempre poderem fazer o que gostavam, encararem os psicólogos que se tornaram em detrimento dos psicólogos que sonharam ser, sentirem-se inadequados com o que faziam e correrem o risco de reprovação por não saberem lidar com grupos. A fala de Ártemis parecia comunicar essas fantasias presentes no contexto (porta-voz). As mudanças na trajetória de cada um eram desassossegos com os quais o grupo tinha de lidar, dentro e fora do espaço grupal em andamento.

Se o desconhecimento também era um desassossego, pensamos que se fazia necessário investir no aperfeiçoamento profissional para obtenção de um melhor entendimento daquilo que faziam. Os profissionais estavam em aprendizagem do que era o trabalho grupal. O nível do “não sei” não é um problema em si (Bleger, 1979/2003Bleger, J. (2003). Temas de psicologia: Entrevista e grupos (2a ed.). Martins Fontes. (Trabalho original publicado em 1979)), mas a formação do profissional para coordenar grupos é primordial para as ações improvisadas não se tornarem prejudiciais ao desenvolvimento de um bom trabalho (Castanho, 2018Castanho, P. (2018). Uma introdução psicanalítica ao trabalho com grupos em instituições. Linear-Abarca.; Maireno et al., 2016Maireno, D. P., Sei, M. B., & Zanetti, S. A. S. (2016). O ensino da técnica grupal na graduação em psicologia. Vínculo, 13(1), 20-32. http://pepsic.bvsalud.org/pdf/vinculo/v13n1/v13n1a03.pdf
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; Pereira & Sawaia, 2020Pereira, E. R., & Sawaia, B. B. (2020). Práticas grupais: Espaço de diálogo e potência. Pedro & João.), bem como à saúde dos usuários dos serviços.

Voltando ao primeiro encontro, a metáfora problematizada pela imagem escolhida de um “caranguejo perto de sua toca” parecia demonstrar muito do sentimento vivenciado pelos profissionais. Ao escolherem tal fotografia e mencionarem o buraco em que o caranguejo estava, pareciam falar de si mesmos e do impasse em que se mantinham: adentraremos nessa tarefa? Pensaremos o grupo e nosso fazer profissional? Queremos sair da toca?

Deméter [em referência à imagem de um “Caranguejo perto de sua toca” - Encontro 1]: O caranguejo não anda pra trás. Só vai pra frente ou pros lados.

Psiquê: Eu entendi saindo, só que ele ainda tá com o pezinho, ele pode entrar.

Afrodite: Ele não tá sabendo ainda, se ele fica ou se ele sai.

Héstia: Eu ‘vi ele’ saindo da toca. Mas depois eu pensei: ele pode entrar também.

Psiquê: Não saiu totalmente, quer se manter em garantia, por perto.

Hera: Ele tá na espreita, qualquer coisa eu volto. Ele tem aquilo . . . as garrinhas.

A cena grupal ganhou nova perspectiva com a chegada atrasada de uma participante e, coincidentemente, com menor tempo no serviço, que, à guisa de alguém que incorporava o papel de bode expiatório (Pichon-Rivière, 1983/2000Pichon-Rivière, E. (2000). O processo grupal (6a ed.). Martins Fontes. (Trabalho original publicado em 1983)), proporcionava certa quebra na dinâmica grupal em andamento até então. Ela disse: “Eu acho que esse caranguejo é um bicho bonito, porque é da cor azul” (Pandora). O grupo silenciou-se por instantes e sem que fosse possível identificar de onde vinham as falas, escutamos entre as diversas vozes que falavam ao mesmo tempo: “azul?”; “eu nunca tinha visto azul”; “não tinha percebido”; “é uma outra espécie”. Enquanto todos estavam paralisados no “buraco do caranguejo”, decidindo se “entravam ou saíam da toca”, alguém viu algo diferente, gerando comoção aos demais participantes. Esse novo olhar parecia assinalar para o grupo uma lembrança de que havia algo de bonito e diferente no que faziam - um caranguejo azul.

Uma das questões suscitadas pelos participantes a partir disso foi o quanto podiam se sentir sozinhos no contexto do serviço e no cuidado do paciente atendido. O diálogo apresentado a seguir nos informa desse emergente grupal. A partir da intervenção interpretativa de uma das participantes, bem como da pesquisadora, os psicólogos fizeram associação entre a representação do caranguejo solitário e eles mesmos:

Pandora [em referência à fotografia do “Caranguejo perto da toca”]: Ele “tá” sozinho naquele território todo . . . . É uma solidão, só tem casquinha no chão, não tem água.

Atena: Você “tá” sozinha no serviço?

Pesquisadora: Vamos jogar a pergunta pro grupo. Vocês se sentem sozinhos?

Atena: Eu acho que é. A gente trabalha muito sozinho, tanto no atendimento individual quanto no grupo. A gente quer sair e dividir, trocar ideias com colegas.

Apesar de haver reunião clínica semanal entre a equipe da instituição para discutir casos e organizar o serviço, o sentimento de desamparo foi um dos emergentes do grupo operativo proposto. Muitos consideraram que a comunicação entre os membros da equipe deveria ser intensificada para que o usuário e o profissional fossem melhor amparados. Nesse sentido, aspectos relacionados às fragilidades de serviços ambulatoriais de atenção psicossocial, à falta de capacitações, à forma de contratação e à rotatividade dos profissionais foram apresentados na literatura, indicando dificuldades de realização de um trabalho conjunto (Guimarães et al., 2013Guimarães, S. B., Oliveira, I. F., & Yamamoto, O. H. (2013). As práticas dos psicólogos em ambulatórios de saúde mental. Psicologia & Sociedade, 25(3), 664-673. https://www.scielo.br/pdf/psoc/v25n3/20.pdf
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; Paiano et al., 2016Paiano, M., Maftum, M. A., Haddad M. C. L., & Marcon, S. S. (2016). Ambulatório de saúde mental: Fragilidades apontadas por profissionais. Texto & Contexto - Enfermagem, 25(3), 1-10. https://doi.org/10.1590/0104-07072016000040014
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).

Em um grupo que se propôs pensar justamente como era estar junto de outros, o emergente “sentir-se sozinho” abriu espaço para os participantes dialogarem sobre as dificuldades existentes no interior do espaço grupal - e institucional. A questão apresentada era genuína para o grupo, ultrapassava o contexto das reuniões clínicas. Outras imagens selecionadas pareciam traduzir a necessidade de “cuidado” apontada pelos profissionais, como fotografias de criança no colo de um avô e frágeis bolhas de sabão ao ar.

A verbalização dessas angústias e a mobilização dos participantes nesse debate demonstraram a saúde possível de ser alcançada no grupo, uma vez que a condição de ser saudável é se manter em movimento de constante incremento (Pichon-Rivière, 1983/2000Pichon-Rivière, E. (2000). O processo grupal (6a ed.). Martins Fontes. (Trabalho original publicado em 1983)). O ideal de um grupo operativo é que a superação das dificuldades seja buscada conjuntamente, buscando-se obter revisão de pensamentos, saltos qualitativos na operacionalidade da tarefa e rompimento com o que organizava até então a vida psíquica de um grupo e não serve mais (Oliveira et al., 2018Oliveira, J., Borges, C. A. P., Castanho, P. C. G., & Santeiro, T. V. (2018). Práticas grupais no âmbito jurídico brasileiro focadas na violência: Revisão integrativa. REFACS, 6(4), 785-795. https://doi.org/10.18554/refacs.v6i4.3294
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; Pereira & Sawaia, 2020Pereira, E. R., & Sawaia, B. B. (2020). Práticas grupais: Espaço de diálogo e potência. Pedro & João.; Pichon-Riviére, 1983/2000Pichon-Rivière, E. (2000). O processo grupal (6a ed.). Martins Fontes. (Trabalho original publicado em 1983)).

Perguntávamo-nos: o grupo se preparava para aprender de um modo menos defensivo e adentrar na tarefa? Observávamos que os diálogos estabelecidos favoreciam que novas concepções pudessem ser agregadas ao repertório de cada um e que isso parecia ser alcançado à medida que se aprendia-trabalhava-operava conjuntamente (Bleger, 1979/2003Bleger, J. (2003). Temas de psicologia: Entrevista e grupos (2a ed.). Martins Fontes. (Trabalho original publicado em 1979)). Afinal, como sugerido no momento do grupo em que a fotografia do buraco de um caranguejo havia sido escolhida, seria muito difícil sair de um buraco sozinho.

O movimento entre aquilo que conheciam e aquilo que poderiam conhecer se interpenetrava dialeticamente. A superação da dicotomia, representada pela síntese dialética, seria uma mudança de qualidade própria do movimento inerente à realidade do grupo (ruptura de estereotipias). À medida que apreenderia o objeto, o indivíduo se modificaria, estando a adaptação ativa à realidade e a aprendizagem indissoluvelmente ligadas. O grupo estaria sadio ao manter uma perspectiva integradora, com capacidade de superar as dicotomias existentes e transformá-las. Nesse sentido, o processo criado ali, para finalidades “de pesquisa”, era compreendido por nós em seus aspectos positivos e, eventualmente, benéficos aos profissionais.

Eixo 2 - Brincando a gente vira amigo: podemos ser grupo?

Neste eixo buscamos ordenar emergentes da trajetória vivida pelos participantes relacionados à movimentação dinâmica desenvolvida pelo grupo durante os três encontros realizados. Ele retrata a progressiva abertura dos profissionais ao adentrarem a tarefa, aqui proposta em termos de pensar em grupo o trabalho sobre grupos, e a busca conjunta e dialética da superação das dificuldades manifestadas nesse interjogo.

Em um grupo operativo a tarefa verdadeiramente pretendida consiste em os participantes elaborarem ansiedades iniciais e permitirem a ruptura da dissociação estereotipada, que gera o estancamento da aprendizagem e da comunicação (Pichon/Rivière, 1983/2000Pichon-Rivière, E. (2000). O processo grupal (6a ed.). Martins Fontes. (Trabalho original publicado em 1983)). Nesse sentido, os participantes apresentaram suas vivências pessoais e pareceram dar indícios de que formaram algo novo naquele espaço em que conviveram. A partir dos encontros propostos, eles indicaram ter desenvolvido a compreensão de que estar em grupo poderia ser bom e ser possível, para além de suas armadilhas.

Essa movimentação dinâmica se destacou no segundo encontro, no qual havia uma atmosfera amigável e harmoniosa entre os participantes, notando-se uma disposição positiva para o trabalho da tarefa grupal. Alguns aspectos que compunham a totalidade do processo, como afiliação, compromisso, cooperação, pertinência, comunicação e aprendizagem, foram identificados. Os participantes se prepararam anteriormente para estarem presentes no grupo (embora a pesquisadora duvidasse inicialmente que eles se comprometeriam), providenciando objetos e resgatando memórias de sua trajetória profissional. Eles demonstraram ter pensado no que apresentar no decorrer da semana e nas reverberações do encontro anterior.

Em um clima de descobertas, ou redescobertas, foi apresentado um canudo de formatura pela participante Mnemosine, que disse: “Eu trouxe o cone que a gente recebe na formatura, foi a primeira coisa que me veio na cabeça. Aí eu abri e vi que tinha coisa dentro, foi muito engraçado. Depois de 38 anos”. No encontro 2, a pesquisadora a questionou se só agora ela havia descoberto que tinha algo dentro e Mnemosine respondeu:

Eu tinha visto na época, revi agora. . . . Eu achei que não tinha nada aqui dentro, mas tinha. Cada vez que eu abro, eu descubro mais uma coisa. Tem aqui a música do Geraldo Vandré: Pra não dizer que não falei das flores. Foi uma música que cantamos. Lembrando que a gente tava saindo de uma ditadura. Então era muito representativo isso.

Essa participante, formada nos anos 1970, tinha coisas das quais não se lembrava e o grupo propiciou que ela as retomasse. Literalmente, tirou coisas do fundo do baú. Todo o grupo pareceu fazer esse movimento conjunto de procurar dentro de si o que estava esquecido e de revisitar e ressignificar lembranças de suas trajetórias. Para Pichon-Rivière (1982/2000)Pichon-Rivière, E. (2000). Teoria do vínculo (4a ed.). Martins Fontes. (Trabalho original publicado em 1982), todo encontro seria na verdade um reencontro em que o grupo retroage a situações anteriores, mobilizando personagens do grupo interno e refletindo-os no clima grupal. Aspectos do inconsciente grupal podem vir à baila, por meio de ajustes no processo de lidar com a realidade, o que, por sua vez, fomenta relações vinculares diferenciadas com o(s) outro(s) - quando comparadas com momentos anteriores (Pichon-Rivière, 1983/2000Pichon-Rivière, E. (2000). O processo grupal (6a ed.). Martins Fontes. (Trabalho original publicado em 1983)).

Na semana anterior, um grande dilema havia sido o quanto os participantes se sentiam sozinhos. A partir da proposta do segundo encontro e da mobilização do próprio grupo, houve um movimento para que eles se conhecessem melhor e se identificassem como grupo. Acreditamos que a partir da experiência proporcionada pelos encontros, os profissionais puderam criar memórias entre si e passaram a ter um novo olhar para cada um dos colegas, configurando um possível novo status do grupo de profissionais, assim como expressa Psiquê: “Nós convivemos, mas não conhecíamos muito essa trajetória uns dos outros. Vivências pra nós que são de uma aproximação, de ver quem é essa gente. Viver aquilo que a gente se propõe a fazer é muito importante”.

Tratando-se de um grupo que tinha como norteador teórico-metodológico e filosófico a busca pela compreensão do que seria estar junto, notávamos que enquanto se trabalhava e operava conjuntamente, alcançava-se a aprendizagem pretendida. Para Bleger (1979/2003)Bleger, J. (2003). Temas de psicologia: Entrevista e grupos (2a ed.). Martins Fontes. (Trabalho original publicado em 1979), não se ensina corretamente enquanto não se aprende. Por isso, cunhou o neologismo “ensinagem”, demonstrando que ensino e aprendizagem são confluentes. Nesse sentido, enquanto os participantes do grupo aprendiam sendo membros de um grupo, poderiam também ter mais recursos para coordenar grupos exteriormente.

Entre os emergentes surgidos a partir dos objetos apresentados no segundo encontro, estavam elementos relacionados à transformação e referências ao fogo e à sexualidade, que são fundamentais às experiências humanas. Chamou-nos a atenção a fala de Shiva e a representação do seu objeto, além da euforia provocada no grupo:

Shiva: Esse objeto estava em cima da mesa. Tem uns papéis em volta e purpurina na ponta. . . . Esse é o Lingam e Yoni, um símbolo do hinduísmo representando o próprio falo, a sexualidade. . . . Fala dos cruzamentos favoráveis, o princípio da alquimia. A purpurina ali representa essa questão seminal . . . . Todos nós aqui fomos gestados na sexualidade, ela é a gênese de todos os detalhes. Representa o nível mais sagrado, que é a gestação. Da vida, né? . . . E essa energia é vida e morte, renovação.

Héstia: E a gente nem imaginou que isso que tava lá na sua mesa significava tanta coisa. Era o enfeite da festa da minha filha, tão inocente, assexuado. Virou um falo . . . .

Esse participante resgatou o aspecto sexual, que parecia dizer respeito à vitalidade do grupo, e nomeou o que estava presente na tele grupal: os “cruzamentos” favoráveis e as transformações ocorridas. Em um grupo sadio e coeso, o pudor e o constrangimento eram desnecessários e pareceu-nos que os participantes se sentiram representados nessa simbologia. Esses cruzamentos favoráveis entre os participantes do grupo aconteceram progressivamente, desde o primeiro dia, e revelaram muito de suas potências criativas e fecundas.

Na sequência, alguém disse: “nem imaginava que isso que estava lá em cima da mesa podia significar tanta coisa”. O que também estava em cima da mesa e tinha intrigado os participantes inicialmente era o gravador (instrumento para auxílio na pesquisa). Talvez não pudessem imaginar que a partir dessa experiência poderiam descobrir tantas coisas novas. Perguntamo-nos: se esse não era um grupo que se colocava em operatividade, o que poderia ser? O conceito de operatividade está atrelado à transformação (Pichon-Rivière, 1983/2000Pichon-Rivière, E. (2000). O processo grupal (6a ed.). Martins Fontes. (Trabalho original publicado em 1983)). Essas metáforas, aliadas ao que foi vivido, à disposição dos participantes e da equipe executora (tele positiva) validavam processos transformadores vivenciados pelos profissionais. O grupo, idealizado para alcançar objetivos acadêmicos, parecia ampliar-se em outras direções.

O grupo parecia constituir um lugar de conhecimento que se produzia no encontro com o outro e funcionava à medida que se transformava (Castanho, 2017Castanho, P. (2017). Sobre a questão da tarefa no grupo: Aspectos psicanalíticos e psicossociais. In T. S. Emidio, & M. Y. Okamoto (Orgs.), Perspectivas psicanalíticas atuais para o trabalho com famílias e grupos na universidade (pp. 87-101). Cultura Acadêmica.; Menezes & Avelino, 2016Menezes, K. K. P., & Avelino, P. R. (2016). Grupos operativos na Atenção Primária à Saúde como prática de discussão e educação: Uma revisão. Cadernos de Saúde Coletiva, 24(1), 124-130. https://doi.org/10.1590/1414-462X201600010162
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; Oliveira et al., 2018Oliveira, J., Borges, C. A. P., Castanho, P. C. G., & Santeiro, T. V. (2018). Práticas grupais no âmbito jurídico brasileiro focadas na violência: Revisão integrativa. REFACS, 6(4), 785-795. https://doi.org/10.18554/refacs.v6i4.3294
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; Pereira & Sawaia, 2020Pereira, E. R., & Sawaia, B. B. (2020). Práticas grupais: Espaço de diálogo e potência. Pedro & João.; Pichon-Rivière, 1983/2000Pichon-Rivière, E. (2000). O processo grupal (6a ed.). Martins Fontes. (Trabalho original publicado em 1983)). Acreditamos que todos os processos explicitados se deram por consequência do empenho na realização da tarefa grupal e por intermédio das trocas que tangenciavam os trabalhos. Sabíamos que não era a tarefa explícita que promovia mudanças, mas sim o caminho traçado para realização da tarefa e o respeito cuidadoso que era demonstrado, coletivamente, aos emergentes grupais (Castanho, 2017Castanho, P. (2017). Sobre a questão da tarefa no grupo: Aspectos psicanalíticos e psicossociais. In T. S. Emidio, & M. Y. Okamoto (Orgs.), Perspectivas psicanalíticas atuais para o trabalho com famílias e grupos na universidade (pp. 87-101). Cultura Acadêmica.; Pichon-Rivière, 1983/2000Pichon-Rivière, E. (2000). O processo grupal (6a ed.). Martins Fontes. (Trabalho original publicado em 1983)).

No terceiro encontro, a tarefa subjacente, dentro da tarefa de pensar o grupo, era a finalização do processo, com a retomada de alguns aspectos vividos anteriormente. Para tanto, foi proposto um jogo com as mãos, chamado por nós de “brincadeira do caranguejo”, porque seu mecanismo lembrava o movimento de “idas e vindas” do animal suscitado pelo grupo. Além disso, por se tratar de uma pesquisa-ação, nosso trabalho também foi tentar ver o diferente no óbvio e nos atentarmos que o caranguejo “poderia ser de outra cor” apesar do desconforto dos movimentos.

O intuito do grupo de pesquisa era propiciar um clima despretensioso no último encontro. Porém percebemos um efeito diferente. Não havíamos nos atentado ao fato de que um jogo pode despertar competitividade e que, também nas brincadeiras, há de se lidar com ganhos e perdas, o que permeou a atmosfera grupal. No decorrer da brincadeira, houve quem foi eliminado e se sentiu injustiçado, quem saiu do jogo e se distraiu, quem elaborou estratégias para vencer. Por outro lado, também houve quem perdeu e foi buscar um café para o restante dos colegas e quem saiu do jogo e continuou torcendo por quem permanecia na disputa.

Baseando-nos na percepção do movimento criativo vivenciado pelos participantes, diríamos que, no conjunto, o “brincar” foi a tônica dos encontros propostos, especialmente no segundo e terceiro encontros, ainda que alguns mecanismos de competitividade tivessem sido acionados. Acreditamos que, a partir da pesquisa-ação proposta, foi facilitada aos profissionais a percepção de que “brincando a gente vira amigo”4 4 Referência ao título de um dos capítulos de O palhaço e o psicanalista, livro de autoria de Christian Dunker e Cláudio Thebas. e de que em grupo é possível buscar a adaptação conjunta e a superação das dicotomias que surgem no dia a dia.

O grupo considerou que a brincadeira ficava mais difícil à medida que a quantidade de participantes ia diminuindo. Entre as dicas para vencer, eles destacaram que, para ganhar, era mais importante olhar para o outro do que para si: “O ideal é você olhar mais pro outro, porque se você for olhar só pra sua mão você sai rápido” (Hera). Esse entendimento tocou em uma dimensão de grupalidade, que seria algo ancestral, anterior à ciência dos grupos. Falou muito da beleza de descentralizarmos o olhar vertical e valorizarmos a importância do grupo a bem de algo comum (Castanho, 2017Castanho, P. (2017). Sobre a questão da tarefa no grupo: Aspectos psicanalíticos e psicossociais. In T. S. Emidio, & M. Y. Okamoto (Orgs.), Perspectivas psicanalíticas atuais para o trabalho com famílias e grupos na universidade (pp. 87-101). Cultura Acadêmica.; Pichon-Rivière, 1983/2000Pichon-Rivière, E. (2000). O processo grupal (6a ed.). Martins Fontes. (Trabalho original publicado em 1983)).

A finalização da proposta de também trouxe à tona um sentimento de luto, um dos emergentes que perpassaram o clima grupal, estando presente na fala de alguns. Certa hostilidade em relação à presença da pesquisadora pôde ser percebida, como nos momentos em que teve dificuldades de começar o encontro e de “ter voz”. O grupo preparava comemorações de fim de ano e falava de assuntos internos, próprios do serviço, nos quais a pesquisadora não estava incluída. Entretanto, quando remetíamos ao fato de que era o último encontro previsto, entendíamos, em tese, que essa hostilidade também falava de um desamparo previsto pelo grupo e que se presenciava com a finalização dos encontros.

Paralelamente, seria possível olharmos para essa situação de forma positiva. Afinal, um grupo operativo, em sua ampla acepção, prescinde de um coordenador, produz sem “intervenções externas”. Em contrapartida, poderíamos pensar que o fenômeno incluía a pesquisadora, mesmo que, aparentemente, não. Como os próprios participantes disseram: “a brincadeira fica mais difícil quando se diminui as pessoas”. Dinamicamente, ao olharmos o conjunto do processo vivido, nos víamos diante de um grupo que lidava com as dificuldades de ser um grupo, de modo perene e transversal.

Observamos que a proposta do grupo operativo proporcionou, aos que aceitaram o desafio, o tempo e o espaço para pensarmos, juntos, o que era vivido. Consideramos que ao se trabalhar as resistências que impediam o grupo de adentrar na tarefa, foi possível superar dificuldades iniciais sobre o aprendizado a respeito dos dispositivos grupais. Os participantes demonstraram ter desenvolvido, com ancoragem nos vínculos propostos, a compreensão de que vivenciaram um grupo e de que poderiam ter mais elementos para lidar com novos desafios advindos de convivências grupais.

Considerações finais

A pesquisa-ação realizada, associada às construções feitas a partir dos grupos operativos, permitiu acessar conteúdos importantes relativos ao processo grupal vivido. Poderíamos dizer que o grupo em questão pôde ser agente de transformação, atuando como recurso auxiliar no processo de aprendizagem dos profissionais e promovendo espaço de pertencimento para os participantes.

A confluência entre método e objetivo de pesquisa, retomando o fato de os participantes serem formados em psicologia e atuantes na área, pareceu permitir a eles aliar a experiência vivida a processos de (re)compreensão do que seria um grupo, além de mostrar que ser (re)integrante de um grupo poderia ser uma possibilidade cotidiana. Seria plausível inferir que, por meio das peculiaridades grupais de comunicação, vinculação e experimentação de papéis, o grupo percorreu caminhos de (re)descobertas e de potenciais. Nesse sentido, poderíamos destacar a amplitude do processo vivido em relação à aprendizagem adquirida conjuntamente pelos profissionais, durante a realização da tarefa grupal, que era pensar o próprio fazer como coordenadores de grupo em grupo.

Por meio da análise dos emergentes grupais, percebemos dicotomias relacionadas ao trabalho individual e grupal, entre o desejo de conhecimento/participação e a resistência em dar início ao trabalho, entre o que se desejou ser como psicólogo e a realidade institucional vivida no momento laboral e de realização do grupo operativo. Nesse sentido, o processo grupal se mostrou como facilitador da expressão das dificuldades vividas na realização do trabalho “exterior” com grupos (atuação profissional) e “interior” ao grupo operativo oferecido.

O grupo operativo promoveu espaço para que esses profissionais pudessem se encontrar, falar de suas fantasias, medos e angústias. Observamos a riqueza e delicadeza desse evento como promotor de saúde, cuidado, escuta, acolhimento e aprendizado conjunto. A vivência grupal nos pareceu ter favorecido (ou aguçado?) o desenvolvimento de recursos intrínsecos aos seus atores, que demonstraram se apoiar nas trocas estabelecidas para o fortalecimento de si mesmos como grupo. Poderíamos dizer que reconheceram na proposta de pesquisa oferecida não somente algo de nosso interesse, mas algo do qual eles também puderam se beneficiar.

Contudo percebemos que o atendimento individual foi algo que permeou o imaginário dos profissionais, seja na realização de comparações entre as diferentes modalidades de atuação profissional ou na questão da formação que evidenciava um saber psicológico baseado na escuta individual. A pesquisa-ação desenvolvida pôde ter demonstrado, por meio das experiências compartilhadas, que “grupo” não precisaria ser concebido como algo de menor valia, mas, sim, como ferramenta possível para facilitar transformações e fomentar potenciais encontros humanos.

O processo grupal também permitiu acessar aspectos relacionados à formação dos profissionais para o trabalho grupal. Percebemos que, ao menos inicialmente, eles não se avaliaram aptos a desenvolver tal atividade. Tais aspectos estiveram em andamento quando atrelaram suas visões do acontecer clínico às formas de compreendê-lo a partir de um modelo supostamente “tradicional”, basicamente sinônimo de atendimento individual, requerido para realizarem seu trabalho como coordenadores de grupos psicoterapêuticos.

Estudos futuros poderão ser direcionados a novas formas de compreender o trabalho grupal desenvolvido por esses e outros psicólogos, de realidades distintas da retratada. Acreditamos que os profissionais têm muito a dizer e a ensinar sobre seu fazer clínico, também quando coordenam dispositivos grupais. Observamos que escutá-los tem poder científico e, sobretudo, social. Profissionais da área de atenção à saúde mental das pessoas e das comunidades precisam, além de serem cobrados por atuação eficiente, ser compreendidos em suas necessidades e peculiaridades, para, assim, estarem cada vez mais aptos em suas condições de cuidar.

Agradecemos à colega Renata Cristina Ribeiro-Leandro pela gentileza em nos ceder fotografias de seu acervo para realização deste estudo.

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  • Santeiro, T. V., Ribeiro, G. F., Caetano, B. L., Carvalho, G. B., Coelho, G. O. A., Ribeiro-Leandro, R. C., Peralta, A. B. B. S., & Rocha, G. M. A. (2021). Processos de pesquisa e(m) grupos: Ser ou não ser operativo? InT. V. Santeiro , B. S. Fernandes , & W. J. Fernandes (Orgs.), Clínica de grupos de inspiração psicanalítica: Teoria, prática e pesquisa (pp. 547-564). Clínica Psicológica da Universidade Estadual de Londrina.
  • Spink, M. J. P. (2013). A formação do psicólogo para atuação em instituições de saúde. In M. J. P. Spink (Org.), Psicologia social e saúde: Práticas, saberes e sentidos (pp. 132-140). Vozes.
  • Vacheret, C. (2008). A fotolinguagem©: Um método grupal com perspectiva terapêutica ou formativa. Psicologia: Teoria e Prática, 10(2), 180-191. http://pepsic.bvsalud.org/pdf/ptp/v10n2/v10n2a14.pdf
    » http://pepsic.bvsalud.org/pdf/ptp/v10n2/v10n2a14.pdf
  • 1
    Escolhidas a partir do acervo pessoal da pesquisadora e de uma integrante de seu grupo de pesquisa, com imagens diversas de situações humanas/animais e/ou retratando objetos, em cenários individuais e/ou coletivos.
  • 2
    Observamos que há tempos recursos artísticos são usados como mediadores de diálogo, em cenários institucionais e grupais, em distintas orientações teórico-metodológicas (Araújo & Jacó-Vilela, 2018Araújo, J. H. Q., & Jacó-Vilela, A. M. (2018). A experiência com arte na Colônia Juliano Moreira na década de 1950. História, Ciências, Saúde-Manguinhos, 25(2), 321-334. https://doi.org/10.1590/s0104-59702018000200002
    https://doi.org/https://doi.org/10.1590/...
    ; Vacheret, 2008Vacheret, C. (2008). A fotolinguagem©: Um método grupal com perspectiva terapêutica ou formativa. Psicologia: Teoria e Prática, 10(2), 180-191. http://pepsic.bvsalud.org/pdf/ptp/v10n2/v10n2a14.pdf
    http://pepsic.bvsalud.org/pdf/ptp/v10n2/...
    ).
  • 3
    Considerar, porém, que grupo e clínica se excluem é um erro conceitual, já que pela própria etimologia da palavra (do grego klinike tekhne, prática à beira do leito) é clínico todo cuidado e “debruçar-se” sobre o outro. A clínica grupal pichoniana traz referências da psicanálise individual e a partir de sua própria operacionalidade busca resolver as antinomias mente-corpo, indivíduo-sociedade, organismo-meio, individual-grupal (Pichon-Rivière, 1983/2000Pichon-Rivière, E. (2000). O processo grupal (6a ed.). Martins Fontes. (Trabalho original publicado em 1983)). Entretanto, o tipo de análise proposta não pretende lidar com teores relacionados a aspectos “teóricos” das experiências grupais.
  • 4
    Referência ao título de um dos capítulos de O palhaço e o psicanalista, livro de autoria de Christian Dunker e Cláudio Thebas.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    17 Mar 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    23 Fev 2021
  • Aceito
    03 Nov 2021
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