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Psicologia Escolar na Educação Superior: Demandas Apresentadas por Coordenadores de Cursos

School Psychology in Higher Education: Demands Presented by Course Coordinators

Psicología Escolar en Educación Superior: Demandas Presentadas por Coordinadores de Cursos

Resumo

A Psicologia Escolar e Educacional vem conquistando novos espaços para a atuação e campo de pesquisa, dentre eles, destacamos a educação superior. Assim, este estudo teve por objetivo conhecer as demandas apresentadas por coordenadores de cursos de graduação, analisá-las à luz da Psicologia Escolar na vertente crítica e apontar possibilidades de atuação do psicólogo escolar junto a estes. A pesquisa, de caráter qualitativo, foi realizada a partir da análise de conteúdo das respostas obtidas dos questionários enviados por e-mail aos coordenadores dos 77 cursos de graduação oferecidos por uma instituição pública de ensino superior de Minas Gerais. Contamos com 28 questionários respondidos. As demandas apresentadas referem-se a questões acadêmicas e emocionais dos estudantes; sobrecarga de trabalho docente; relações interpessoais e formação continuada; burocracias enfrentadas pelos coordenadores; além da falta de preparação prévia e apoio para o exercício da função e concepções sobre o trabalho do psicólogo escolar. Concluímos que o coordenador, ao ouvir e compreender demandas advindas de discentes, docentes e técnicos, responde a elas por meio de uma parceria auspiciosa com o psicólogo escolar, juntamente com outros segmentos e instâncias da instituição.

Palavras-chave:
Psicologia Escolar e Educacional; Psicologia Escolar Crítica; Ensino Superior; Coordenadores de Curso

Abstract

The School and Educational Psychology has been conquering new spaces for professional performance and research field, among them, we highlight Higher Education. Therefore, this study aimed to get the demands presented by coordinators of undergraduate courses and analyze them in the light of School Psychology in the critical perspective and to point out possibilities for the performance of the school psychologist with them. The qualitative research was carried out based on the content analysis of the answers obtained from the questionnaires sent by e-mail to the coordinators of the 77 undergraduate courses offered by a public Higher Education institution in Minas Gerais. We have 28 answered questionnaires. The demands presented refer to students’ academic and emotional issues; the overload of teaching work; interpersonal relationships and continuing education; the bureaucracies faced by coordinators; and the lack of prior preparation and support for the practice of the function and conceptions about the work of the school psychologist. We conclude that the coordinator, when listening to and understanding demands from students, teachers, and technicians, seeks to respond to them with an auspicious partnership with the school psychologist, together with other segments and instances of the institution.

Keywords:
School and Educational Psychology; Critical School Psychology; College Education; Course Coordinators

Resumen

La Psicología Escolar y Educacional sigue conquistando nuevos espacios para la actuación y campo de investigación, entre ellos destaca la educación superior. Por lo tanto, este estudio tuvo como objetivo conocer las demandas presentadas por los coordinadores de cursos de graduación, analizarlas desde la perspectiva crítica de la Psicología Escolar y señalar posibilidades de actuación del psicólogo escolar. La investigación cualitativa realizó el análisis de contenido de las respuestas obtenidas de los cuestionarios enviados por correo electrónico a los coordinadores de los 77 cursos ofrecidos por una institución pública de educación superior en Minas Gerais (Brasil). Se respondieron 28 cuestionarios. Las demandas presentadas se refieren a cuestiones académicas y emocionales de los estudiantes; a la sobrecarga del trabajo docente; a las relaciones interpersonales y educación continua; a las burocracias que enfrentan los coordinadores; además de la falta de preparación previa y apoyo para el ejercicio de la función y concepciones sobre el trabajo del psicólogo escolar. Se concluye que el coordinador escucha y considera las demandas de los estudiantes, profesores y técnicos, y trata de responderlas por medio de una asociación favorable con el psicólogo escolar, junto con otros segmentos e instancias de la institución.

Palabras clave:
Psicología Escolar y Educacional; Psicología Escolar Crítica; Enseñanza Superior; Coordinadores de Curso

Introdução

A Psicologia Escolar e Educacional, como definem Tanamachi e Meira (2003Tanamachi, E. R., & Meira, M. E. M. (2003). A atuação do psicólogo como expressão do pensamento crítico em psicologia e educação. In M. E. M. Meira & M. A. M. Antunes (Orgs.), Psicologia escolar: Práticas críticas (pp. 11-62). Casa do Psicólogo.), refere-se ao campo de conhecimento da Psicologia, de formação e atuação do psicólogo, cuja relação ou foco de estudo está centrado no contexto educacional. De acordo com as autoras, o psicólogo escolar não está definido restritamente por seu local de trabalho - escola -, mas caracteriza-se por ser o profissional que tem no seu trabalho o compromisso teórico-prático com as questões escolares. Ainda segundo Antunes (2008Antunes, M. A. M. (2008). Psicologia Escolar e Educacional: história, compromissos e perspectivas. Psicologia Escolar e Educacional, 12(2), 469-475. http://dx.doi.org/10.1590/S1413-85572008000200020
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), a Psicologia Escolar está relacionada a um campo de atuação profissional com vistas ao processo de escolarização, à escola e às relações aí estabelecidas. Trata-se de uma área do conhecimento como modalidade prática de ação e intervenção. A vertente da Psicologia Escolar aqui considerada é denominada como crítica. Para melhor compreensão do termo “crítica”, utilizado para definir essa concepção em Psicologia Escolar, esclarece Caldas (2005Caldas, R. F. L. (2005). Fracasso escolar: Reflexões sobre uma história antiga, mas atual. Psicologia: Teoria e Prática, 7(1), 21-33.) tratar-se de um conceito que abarca o sentido de compreensão dos múltiplos determinantes históricos, sociais, ideológicos e culturais que estão implícitos no processo educacional, de modo que, por meio da reflexão e do exercício de distanciamento daquilo que é aparente, se possa lograr conhecimento e ações capazes de transformação da realidade social. Difere-se da perspectiva tradicional, que focaliza apenas o estudante, descontextualizado das relações que se dão no interior da instituição educativa e dos determinantes supracitados, em uma perspectiva individualizante (Souza, 2014Souza, M. P. R. (2014). O movimento de crítica em psicologia escolar: Elementos para a compreensão da trajetória de uma área de atuação profissional. In M. P. R. Souza, S. M. C. Silva, & K. Yamamoto (Orgs.), Atuação do psicólogo na educação básica: Concepções, práticas e desafios (pp. 13-32). Edufu.).

Como afirma Marinho-Araújo (2015Marinho-Araújo, C. M. (2015). Psicologia Escolar na Educação Superior: novos cenários de intervenção e pesquisa. In C. M. Marinho-Araújo (Org.), Psicologia escolar: Novos cenários e contextos de pesquisa, formação e prática (pp. 133-173). Alínea.), os espaços educativos, sejam escolas ou outros contextos com essa função, constituem campo profícuo para o desenvolvimento do trabalho em Psicologia Escolar. Destarte, a universidade se configura como um ambiente privilegiado para desenvolvimento da cidadania, transformação das consciências por meio dos processos de ensino e aprendizagem, das mediações que se dão nesses contextos, possibilitando meios para o desenvolvimento das potencialidades dos sujeitos.

A partir das contribuições da perspectiva crítica em Psicologia Escolar, em meio às dificuldades para a consecução de um espaço efetivo para a atuação no âmbito do Ensino Superior, o psicólogo escolar, quando presente nesse contexto, geralmente está associado ao trabalho da Assistência Estudantil, atuando com questões referentes ao processo de ensino e aprendizagem, às dificuldades de adaptação acadêmica e de interação social, às dúvidas quanto à escolha do curso ou da carreira profissional; ou seja, sua atuação está direcionada, mais especificamente, ao acompanhamento e atendimento dos discentes (Marinho-Araújo, 2015Marinho-Araújo, C. M. (2015). Psicologia Escolar na Educação Superior: novos cenários de intervenção e pesquisa. In C. M. Marinho-Araújo (Org.), Psicologia escolar: Novos cenários e contextos de pesquisa, formação e prática (pp. 133-173). Alínea.; Moura & Facci, 2016Moura, R. F., & Facci, M. G. D. (2016). A atuação do psicólogo escolar no Ensino Superior: configurações, desafios e proposições sobre o fracasso escolar . Psicologia Escolar e Educacional , 20(3), 503-514. https://doi.org/10.1590/2175-3539201502031036
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; Oliveira, 2016Oliveira, A. B. (2016). O psicólogo na assistência estudantil: interfaces entre Psicologia, Saúde e Educação [Dissertação de mestrado, Universidade Federal de Uberlândia].). Porém também podem ser atribuições do psicólogo escolar no contexto da Educação Superior o trabalho desenvolvido em parcerias para a promoção da formação continuada dos docentes (Marinho-Araújo, 2016); ações conjuntas com os coordenadores de curso (Marinho-Araújo, 2016; Moura & Facci, 2016; Silva et al., 2016Silva, L. S. (2016). A aprendizagem do ofício de estudante universitário: tempos de constituição do ingressante no Ensino Superior [Dissertação de mestrado, Universidade Federal de Uberlândia].) e em colaboração com os gestores institucionais, no auxílio quanto à formulação de propostas de gestão comprometidas com uma formação de qualidade (Marinho-Araújo, 2016; Moura & Facci, 2016; Silva et al., 2016). O livro Psicologia e ideologia, de Patto (1984Patto, M. H. S. (1984). Psicologia e ideologia (uma introdução crítica à psicologia escolar). T.A. Queiroz.), traz um marco histórico para esse movimento de crítica na Psicologia Escolar, ao questionar as práticas do psicólogo escolar baseadas em referenciais teóricos positivistas e adaptacionistas, em um modelo clínico centrado no aluno como responsável por seu fracasso escolar, que desconsideram o contexto social, político e institucional e também as relações constitutivas do processo educativo. A autora ressalta a urgente necessidade de outros modos de atuação do psicólogo escolar. Com a implantação do Programa Reuni - Plano de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais, ampliou-se o campo de atuação para os psicólogos no ensino superior, sendo o profissional convocado a trabalhar principalmente na compreensão e redução dos níveis de evasão, desistência ou abandono, altos índices de reprovação, falta de vagas, entre outros (Moura, 2015).

Sampaio (2015Sampaio, S. M. R. (2015). Explorando possibilidades: O trabalho do psicólogo na educação superior. In C. M. Marinho-Araujo (Org.), Psicologia escolar: Novos cenários e contextos de pesquisa, formação e prática (pp. 175-189). Alínea.) e Silva (2016Silva, L. S. (2016). A aprendizagem do ofício de estudante universitário: tempos de constituição do ingressante no Ensino Superior [Dissertação de mestrado, Universidade Federal de Uberlândia].) escrevem a respeito da importância da vivência acadêmica na constituição do sujeito como estudante universitário e enfatizam que o psicólogo escolar tem muito a colaborar no sentido de ser o profissional que pode acompanhar esse percurso de convivências na universidade, de experiências que comporão subjetividades e que poderá ser como um tempo de qualidade cultural e social, ou seja, um período da vida do estudante especialmente importante para a constituição do humano, para além de uma formação técnica. Marinho-Araújo (2015Marinho-Araújo, C. M. (2015). Psicologia Escolar na Educação Superior: novos cenários de intervenção e pesquisa. In C. M. Marinho-Araújo (Org.), Psicologia escolar: Novos cenários e contextos de pesquisa, formação e prática (pp. 133-173). Alínea.) menciona particularidades relativas ao trabalho do psicólogo escolar nesse contexto, considerando fatores como projetos coletivos, o planejamento para lidar com questões institucionais que sofrem constantemente influências sociais, políticas, econômicas e culturais, além das concepções teóricas relativas a especificidades desse nível de ensino, como o desenvolvimento psicológico do indivíduo adulto.

Nesse sentido, o trabalho do psicólogo em parceria com os coordenadores de cursos pode ser bastante profícuo (Marinho-Araújo, 2016Marinho-Araújo, C. M. (2016). Inovações em Psicologia Escolar: O contexto da educação superior. Estudos de Psicologia, 33(2), 199-211. https://doi.org/10.1590/1982-02752016000200003
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; Moura, 2015Moura, R. F. (2015). A atuação do psicólogo escolar no Ensino Superior: configurações, desafios e proposições sobre o fracasso escolar [Dissertação de mestrado, Universidade Estadual de Maringá].; Moura & Facci, 2016; Silva et al., 2016Silva, L. S. (2016). A aprendizagem do ofício de estudante universitário: tempos de constituição do ingressante no Ensino Superior [Dissertação de mestrado, Universidade Federal de Uberlândia].). Como afirmam Silva et al. (2016), ainda há poucos estudos relativos às coordenações de cursos. Os trabalhos encontrados pelas autoras são provenientes da área da Administração, o que indica a necessidade de mais produções advindas da Psicologia, especialmente do campo da Psicologia Escolar e Educacional, o que justifica a colaboração desta pesquisa para os estudos relativos à atuação do psicólogo escolar junto a coordenadores de cursos.

Em relação ao trabalho desempenhado pelo coordenador de curso, Camargos, Ferreira e Camargos (2010Camargos, M. A., Ferreira, A. R., & Camargos, M. C. S. (2010). Percepção, atuação, autonomia e condições de trabalho de coordenadores do curso de administração de IES do estado de Minas Gerais. Revista de Gestão, 17(3), 285-296.) apontam que é uma função que demanda elevado grau de competência técnica e científica na área de conhecimento do curso por parte de quem a exerce, preparo para trabalhar com o ensino de nível superior e apoio de um colegiado cuja missão é deliberar com o coordenador sobre as melhores propostas para o contínuo melhoramento do curso. Para Moura (2015Moura, R. F. (2015). A atuação do psicólogo escolar no Ensino Superior: configurações, desafios e proposições sobre o fracasso escolar [Dissertação de mestrado, Universidade Estadual de Maringá].), compete aos coordenadores propiciar a articulação entre estudantes e docentes e, também, organizar o colegiado de curso encarregado de elaborar e implementar o Projeto Pedagógico de Curso (PPC), orientar refomulações na grade curricular, na divisão de disciplinas etc.

Silva et al. (2016Silva, L. S. (2016). A aprendizagem do ofício de estudante universitário: tempos de constituição do ingressante no Ensino Superior [Dissertação de mestrado, Universidade Federal de Uberlândia].), em pesquisa interinstitucional realizada em cinco instituições de ensino superior (IES), sendo três privadas e duas públicas de Minas Gerais, a partir das entrevistas com cinco coordenadores de cursos de Psicologia e um ex-coordenador, puderam constatar alguns aspectos importantes relativos às atividades desses profissionais. Os coordenadores acabam por assumir múltiplas tarefas com muitos desafios e a apropriação de sua função é um processo que se dá durante o percurso do trabalho, sem que haja qualquer preparação antecipada. Assim, é necessária a formação continuada para o auxílio na compreensão das variadas demandas apresentadas no curso e para lidar com elas. As autoras destacam que, “além do âmbito do próprio curso de graduação, a formação e o apoio aos coordenadores de curso precisam ser considerados no contexto da própria IES” (Silva et al., 2016, p. 59). E ainda acrescentam quão importante é o papel do coordenador na formação dos futuros profissionais.

Assim, o objetivo geral da pesquisa foi conhecer as demandas apresentadas por coordenadores de cursos de graduação, analisá-las à luz da Psicologia Escolar na vertente crítica e apontar possibilidades de atuação do psicólogo escolar com os coordenadores.

Percurso metodológico

Quanto à metodologia, elegeu-se, para conduzir a investigação neste trabalho, a pesquisa qualitativa. Esta, como explicam Bogdan e Biklen (1994Bogdan, R. C., & Biklen, S. K. (1994). Investigação qualitativa em educação: Uma introdução à teoria e aos métodos. Porto.), contempla uma metodologia que considera os sujeitos de forma contextualizada e crítica, em que “a abordagem à investigação não é feita com o objetivo de responder a questões prévias ou de testar hipóteses” (Bogdan & Biklen, 1994, p. 16). Anteriormente ao início da pesquisa, o Projeto de Pesquisa foi submetido ao Comitê de Ética em Pesquisa e aprovado (CAAE: 91886818.7.0000.5152).

A pesquisa foi realizada por meio de um questionário enviado aos coordenadores dos 77 cursos de graduação oferecidos em uma universidade federal do estado de Minas Gerais. O questionário, no formato Google Forms, foi encaminhado a todos os coordenadores por meio de seus contatos eletrônicos disponíveis no site da universidade, juntamente com um e-mail explicativo sobre os objetivos da pesquisa. Ao acessar o questionário, o respondente encontrava o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) e, somente após concordar com os termos da pesquisa, conseguia acessar o instrumento. O questionário foi formulado com questões que poderiam auxiliar na compreensão de diversas demandas enfrentadas pelos coordenadores em sua atuação nas respectivas coordenações; contemplou uma breve contextualização a respeito do respondente, incluindo informações como: gênero, idade, formação, ano de ingresso na instituição e no cargo de coordenador; além de investigar as concepções dos coordenadores relativas ao trabalho do psicólogo escolar e possíveis solicitações em relação à atuação da Psicologia Escolar nesse contexto.

O questionário esteve liberado para acesso durante os meses de setembro a dezembro de 2018. Após esse período, foi encerrado o acesso, tendo sido atingido o total de 28 questionários respondidos, englobando cursos de oito áreas do conhecimento, denominadas de acordo com o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).

Para a análise dos dados, contamos com a análise de conteúdo proposta por Bardin (2012Bardin, L. (2012). Análise de conteúdo. Almedina Brasil.). Nesta, os elementos da pesquisa são classificados por categorias, conforme sua semelhança e, posteriormente, organizados e analisados de acordo com o objetivo do trabalho. A análise dos dados obtidos em nossa pesquisa foi fundamentada na perspectiva crítica da Psicologia Escolar, alinhada ao objetivo geral deste trabalho.

Resultados e discussão

Áreas do conhecimento dos cursos participantes

Os 28 questionários respondidos são equivalentes a 36,4% do total das coordenações de cursos da instituição em estudo. A área do conhecimento com maior participação nesta pesquisa foi a de Ciências Exatas e da Terra, com nove questionários preenchidos, o que corresponde a 32,1% do total de respostas; seguida das áreas de Linguística, Letras e Artes, com sete participações (25%); Ciências Agrárias e Ciências Humanas, cada uma com três participações, (10,7% de participação respectivamente); Ciências da Saúde e Ciências Sociais Aplicadas também com o mesmo número de respondentes, dois em cada uma delas (7,1% das respostas em cada). A área das Engenharias teve menor participação, com um questionário respondido (3,6%) num universo de 13 cursos. As Ciências Biológicas também participaram com um questionário, no entanto a IES pesquisada conta com apenas dois cursos nesta área. Dessa forma, pode-se considerar que sua representatividade foi de 50% de participação na pesquisa.

Perfil dos coordenadores participantes da pesquisa

A maioria dos respondentes foi composta por coordenadores homens. Porém o número de coordenadores homens é bem maior, considerando-se todos os cursos de graduação da universidade em questão: no ano de 2018, 66,2% de homens estavam à frente das coordenações. Contudo, se consideramos a quantidade total de coordenadoras mulheres, ou seja, apenas 26 do total de 77 cursos, podemos afirmar que sua participação na pesquisa foi relativamente maior, pois 50% responderam ao questionário; enquanto, entre os homens, apenas 15, do total de 51 coordenadores da instituição, participaram da investigação. Todos os coordenadores e coordenadoras que responderam ao questionário têm doutorado.

A questão da desigualdade de gêneros nos cargos de gestão é, ainda, um importante ponto a ser observado e discutido. Constatamos em nossa investigação que a maioria dos cargos ocupados na função de coordenador está preenchida por homens, numa proporção de 66,2%, para 33,8% de mulheres, em relação ao total de coordenações da instituição. O mesmo foi observado na pesquisa realizada por Silva et al. (2016Silva, L. S. (2016). A aprendizagem do ofício de estudante universitário: tempos de constituição do ingressante no Ensino Superior [Dissertação de mestrado, Universidade Federal de Uberlândia].): nas cinco IES analisadas, no estado de Minas Gerais, nas coordenações de cursos de Psicologia, havia apenas uma coordenadora mulher entre os cinco coordenadores; ou seja, considerando o universo em estudo, 80% das coordenações contavam com homens na função. Nota-se uma maioria expressiva de homens nos cargos de gestão nos dois casos em questão.

Em relação ao número total de docentes efetivos na instituição, a maioria também é de homens (55,8%). Porém a proporção nas coordenações se destaca por uma diferença maior entre os gêneros: 66,2% dos coordenadores são homens. A relação de gênero verificada em nosso estudo reflete o cenário nacional. Segundo dados do Censo da Educação Superior 2018, o total de docentes em exercício nas universidades públicas federais, em 2018, era de 92.261 docentes, sendo 50.009 (54,2%) homens e 42.252 (45,8%) mulheres (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira - INEP, 2019).

Com relação à faixa etária dos coordenadores de cursos que participaram da pesquisa, identificamos que nove (32,1%) apresentam idades entre 31 a 39 anos; outros onze coordenadores (39,3%) têm entre 40 a 49 anos; oito (28,6%) estão na faixa etária entre 50 a 63 anos.

Sobre o ano de ingresso na instituição como docentes, é interessante destacar que, dos 28 respondentes, a grande maioria, 23 deles (82,1%), ingressou a partir dos anos 2000; sendo que, destes, 19 ingressaram a partir de 2007, ano em que foi instituído o Programa Reuni, o que corresponde a 67,8% dos participantes da pesquisa.

Comparando-se o ano de ingresso na instituição com o ano de início como coordenador de curso, verificamos que cinco professores (17,8%) iniciaram na função de coordenador estando ainda nos três primeiros anos como docentes na instituição. Outros cinco docentes (17,8%) assumiram a coordenação de curso logo depois de encerrado o tempo de estágio probatório, ou seja, no 4º ano após haver ingressado na instituição.

Elaboramos dois eixos de análise, mediante a identificação de conteúdos recorrentes, possíveis de serem abarcados em temas principais: apresentação das demandas e possibilidades de atuação do psicólogo escolar junto a coordenadores de cursos. Para melhor compreensão dos temas, estes eixos foram desdobrados de modo a contemplar alguns dos diferentes elementos presentes nas respostas ao questionário. Desse modo, o primeiro eixo contempla os itens: Questões acadêmicas dos discentes; Questões emocionais dos discentes; Demandas em relação aos docentes; e Demandas em relação à função de coordenador. O segundo eixo traz os seguintes tópicos: Concepções dos coordenadores sobre o trabalho do psicólogo escolar; Acompanhamento discente; e Docentes: relações interpessoais e formação continuada.

Apresentação das demandas

Este eixo foi elaborado a partir das demandas mais recorrentes no cotidiano das coordenações, apresentadas nas respostas dos coordenadores, e organizadas de acordo com suas especificidades. Para respaldar a análise, trazemos autoras majoritariamente do campo da Psicologia Escolar, mas também da Psicologia Social e de áreas afins, que muito têm a colaborar para a compreensão das questões colocadas nesse eixo.

Todos os coordenadores de cursos participantes responderam atender aos estudantes, segmento diretamente envolvido com seu trabalho. As demandas se relacionam tanto a questões acadêmicas quanto emocionais. Os docentes aparecem logo em seguida, com porcentagem significativa (85,7%). Outras temáticas referentes ao dia a dia da coordenação também serão aqui apontadas e analisadas.

A despeito de as questões dos estudantes, de natureza acadêmica e pessoal, não estarem dissociadas, mas intrincadas, decidimos separá-las para fins de melhor organizar os conteúdos abordados nas demandas apresentadas pelos coordenadores. Por mais que estejam imbricadas, tratam de aspectos muito distintos e que precisam de conduções diferentes por parte dos coordenadores e das instituições.

Questões acadêmicas dos discentes

Conforme expõem Oliveira (2016Oliveira, A. B. (2016). O psicólogo na assistência estudantil: interfaces entre Psicologia, Saúde e Educação [Dissertação de mestrado, Universidade Federal de Uberlândia].) e Silva (2016Silva, L. S. (2016). A aprendizagem do ofício de estudante universitário: tempos de constituição do ingressante no Ensino Superior [Dissertação de mestrado, Universidade Federal de Uberlândia].), entre outros autores, o ingresso no ensino superior é um momento delicado na vida do estudante, pois compreende uma fase de adaptação e familiarização com a universidade e suas normas, em que este começará a compreender e a se apropriar dessa nova forma de ser estudante e de realizar o trabalho intelectual voltado à aprendizagem de uma profissão. Desse modo, é um período que merece atenção e cuidado por parte da gestão da instituição. Dada a relevância desse processo de identificação com a IES, Oliveira (2016) aponta que, entre outros fatores, a dificuldade de integração do aluno com a instituição está entre os principais motivos pelos quais o discente evade.

Moura e Facci (2016Moura, R. F., & Facci, M. G. D. (2016). A atuação do psicólogo escolar no Ensino Superior: configurações, desafios e proposições sobre o fracasso escolar . Psicologia Escolar e Educacional , 20(3), 503-514. https://doi.org/10.1590/2175-3539201502031036
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) indicam que os maiores índices de desistência dos discentes ocorrem no primeiro ano de curso, daí a importância de a universidade de modo geral e cada coordenação de curso de graduação realizarem o acolhimento dos calouros, proporcionando informações a respeito do curso, das normas acadêmicas e processos de avaliação, dos trâmites burocráticos da universidade; promovendo integração entre seus pares, além de contar com o apoio dos familiares.

Ezcurra (2009Ezcurra, A. M. (2009). Os estudantes recém-ingressados: democratização e responsabilidade das instituições universitárias. In S. G. Pimenta & M. I. Almeida (Orgs.), Pedagogia universitária (pp. 91-127). Edusp.) afirma que esse momento de transição na vida do ingressante compreende um processo de adaptação - acadêmica e social - a um mundo até então totalmente desconhecido e que, por conta disso, pode surgir uma série de dificuldades e estresse. A autora alerta para o fato de poder ocorrer certo isolamento social nesse início e que, portanto, é fundamental que haja interação entre os colegas e com os professores, o que também contribui para a adaptação acadêmica do novo aluno. Neste sentido, Ezcurra (2009, p. 115) destaca “o compromisso dos professores com os alunos, considerado como essencial para o desenvolvimento e sucesso estudantil.”.

Vemos abaixo, nos excertos de relatos de dois coordenadores, essa preocupação em relação às dificuldades enfrentadas pelos alunos no início da graduação:

Alguns alunos possuem dificuldades em se enturmar e trabalhar em grupo (Coordenadora 10).

Adaptação dos discentes à vida acadêmica do Ensino Superior. (Coordenador 11).

Outra questão apontada pelos coordenadores é a deficiência na Educação Básica como um dos fatores de entrave para o sucesso dos estudantes nos primeiros anos do curso: “Alunos reclamam da dificuldade do curso em si. A falta de base do ensino fundamental e médio o segura em disciplinas básicas muito tempo, desmotivando para o restante do curso” (Coordenador 3).

Ezcurra (2009Ezcurra, A. M. (2009). Os estudantes recém-ingressados: democratização e responsabilidade das instituições universitárias. In S. G. Pimenta & M. I. Almeida (Orgs.), Pedagogia universitária (pp. 91-127). Edusp.) levanta a diferença entre o perfil do estudante esperado pelas IES e o perfil real como fator que incide no desempenho acadêmico do discente, uma vez que as práticas educacionais não estão alinhadas com a realidade social. Como explica a autora, na “América Latina, nos últimos anos vem acontecendo um maior acesso de classes sociais desfavorecidas, que padecem de um déficit de capital. Capital econômico, sim, mas também cultural” (p. 92). Ela aponta que o ajustamento acadêmico desses alunos será ainda mais difícil tanto quanto maior for a brecha entre seu capital cultural e a cultura acadêmica já dominante, a disparidade dos perfis (o esperado e o real) e entre o primeiro ano de graduação e as vivências educacionais anteriores. Outro ponto de angústia para os estudantes, mencionado por alguns dos coordenadores, diz respeito à escolha do curso e à questão da concorrência por vaga oferecida pela universidade pública: “os estudantes ingressam no curso, na maioria das vezes, por segunda opção e se sentem muito frustrados por isso” (Coordenadora 18). Situação semelhante foi verificada por Oliveira (2016Oliveira, A. B. (2016). O psicólogo na assistência estudantil: interfaces entre Psicologia, Saúde e Educação [Dissertação de mestrado, Universidade Federal de Uberlândia].,) em sua prática como psicóloga em uma IES: “tenho recebido diversos alunos em conflito quanto à continuidade do curso que está realizando, devido ao fato do curso não ser o desejado, mas aquele em que conseguiu nota suficiente para o ingresso” (p. 47).

Os coordenadores indicam também queixas dos estudantes referentes aos processos de avaliação e à didática docente, como podemos ler no seguinte excerto: “Alunos reclamam dos professores, das provas, dos trabalhos, . . . das burocracias acadêmicas” (Coordenadora 24).

A respeito do processo pedagógico, Tanamachi e Meira (2003Tanamachi, E. R., & Meira, M. E. M. (2003). A atuação do psicólogo como expressão do pensamento crítico em psicologia e educação. In M. E. M. Meira & M. A. M. Antunes (Orgs.), Psicologia escolar: Práticas críticas (pp. 11-62). Casa do Psicólogo., p. 45) escrevem que “um bom ensino é aquele que garante uma aprendizagem efetiva. Neste sentido, um bom professor é aquele que dá conta de ensinar seus alunos”. Destaca-se a importância da relação professor e aluno e da mediação pedagógica do docente para que um processo dinâmico e humanizado de ensino e aprendizagem se constitua. Assim, da qualidade dessa mediação dependerá o sucesso do processo de ensino e aprendizagem, que envolve não apenas aspectos cognitivos, mas afetivos (Leite & Kager, 2009Leite, S. A. S., & Kager, S. (2009). Efeitos aversivos das práticas de avaliação da aprendizagem escolar. Ensaio: Avaliação e Políticas Públicas em Educação, 17(62), 109-134. https://doi.org/10.1590/S0104-40362009000100006
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).

Questões emocionais dos discentes

As questões apontadas pelos coordenadores quanto ao sofrimento psíquico dos discentes são tema recorrente e merecem especial atenção por parte das IES, no apoio, também, aos próprios coordenadores de curso quanto ao manejo delas. As questões emocionais e acadêmicas podem estar diretamente relacionadas, pois, embora o sofrimento emocional nem sempre tenha sua origem na instituição (como o caso de uma perda familiar, por exemplo), poderá afetar o desempenho discente. Ademais, a instituição também pode ser causadora de sofrimento, com repercussões importantes na vida dos estudantes: 64% dos coordenadores relataram casos de alunos apresentando quadros de ansiedade, estresse e/ou depressão. Percebemos, nesses relatos, angústias e incertezas quanto às questões pessoais e emocionais dos discentes, com as quais se veem convocados a lidar diariamente, sem, no entanto, contar com as condições necessárias para tanto:

Nos esforçamos da melhor maneira possível para realizar um bom trabalho. Porém não recebemos nenhum preparo para lidar com casos de alunos com depressão e que já tentaram autoextermínio (além de outras desordens psíquicas) (Coordenadora 1).

Conforme a V Pesquisa Nacional de Perfil Socioeconômico e Cultural dos (as) graduandos (as) das IFES - 2018, apresentada pela Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior - Andifes (2019), os problemas emocionais dos discentes aparecem em terceiro lugar entre as cinco dificuldades mais apontadas por afetar o desempenho acadêmico.

A entrada na universidade, a distância da família e dos amigos, novas regras e normas, novas amizades, professores, colegas, disciplinas para a aprendizagem de uma profissão, enfim, são muitas as novidades que recaem sobre os estudantes e com as quais terão que lidar. Além disso, há demandas inerentes ao cotidiano do aluno, como moradia, alimentação, transporte, saúde, lazer, relações familiares que também precisam ser atendidas. Assim, se os estudantes já apresentam algum comprometimento emocional antes do ingresso no ensino superior, este pode se agravar tanto em função dessas demandas quanto de seu desempenho nas disciplinas do curso, o que envolve a relação com docentes, as metodologias de ensino utilizadas por estes e as formas de avaliação. Cursar a universidade não pode ser mais uma fonte de sofrimento psíquico para o corpo discente. Nesse sentido, o papel central do docente no processo de apropriação do conhecimento pelo estudante passa, necessariamente, pela relação afetiva que se estabelece (ou não) entre ambos (Leite, 2018Leite, S. A. da S. (2018). Bases teóricas do grupo do afeto. In S. A. da S. Leite (Org.), Afetividade: as marcas do professor inesquecível (pp. 27-50). Mercado de Letras.), e isso precisa ser considerado pela coordenação dos cursos e pela IES, de modo institucional.

Em relação aos docentes

A maioria dos coordenadores respondeu que lidam com os docentes em seu trabalho na coordenação, por isso estes são abordados neste item. Algumas demandas bastante recorrentes dizem respeito ao relacionamento entre colegas e à sobrecarga de trabalho, além do adoecimento docente, mencionado como questão importante que precisa ser debatida e cuidada.

A respeito da sobrecarga de trabalho, Santos (2012Santos, S. D. M. (2012). A precarização do trabalho docente no ensino superior: Dos impasses às possibilidades de mudanças. Educar em Revista, 46, 229-244. https://doi.org/10.1590/S0104-40602012000400016
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) aponta que “o professor também é afetado pelo aumento de exigências em relação à sua qualificação e à sua competência” (p. 237). Conforme a autora, o contexto contemporâneo do trabalho docente está “balizado pelas atuais demandas do capitalismo, pelas pressões da cobrança de níveis mais elevados de qualificação, pela proletarização da profissão docente e pela precarização das condições de trabalho” (Santos, 2012, p. 238). Tais condições, como afirmam Pizzio e Klein (2015Pizzio, A., & Klein, K. (2015). Qualidade de vida no trabalho e adoecimento no cotidiano de docentes do ensino superior. Educação & Sociedade, 36(131), 493-513. https://doi.org/10.1590/ES0101-73302015124201
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), são elementos que favorecem o acirramento da competitividade entre os professores, impulsionando o aparecimento de sintomas e o adoecimento. Assim também escrevem Zavadski e Facci (2012Zavadski, K. C., & Facci, M. G. D. (2012). A atuação do psicólogo escolar no ensino superior e a formação de professores. Psicologia USP, 23(4), 683-705. https://doi.org/10.1590/S0103-65642012000400004
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): “existe uma tendência esmagadora de formação rápida, dificuldade salarial, acúmulo de funções e uma necessidade crescente de produção - que se amplia para além da atividade de ensino nas salas de aula” (p. 687).

Em uma investigação, a partir de um levantamento bibliográfico dos últimos dez anos a respeito do adoecimento dos docentes universitários do ensino público, Oliveira, Pereira e Lima (2017Oliveira, A. S. D., Pereira, M. S., & Lima, L. M. (2017). Trabalho, produtivismo e adoecimento dos docentes nas universidades públicas brasileiras. Psicologia Escolar e Educacional , 21(3), 609-619. https://doi.org/10.1590/2175-353920170213111132
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) identificaram relatos de: “Distúrbios psíquicos”; “Alterações emocionais e mentais”; “Desgaste físico”; “Adoecimentos físicos e fisiológicos”; “Alterações psicossomáticas” e “Comorbidades entre processos de adoecimento psicológicos e físicos”.

Observamos, dessa maneira, que as dificuldades de relacionamento entre os colegas, a sobrecarga de trabalho e o adoecimento docente são fatores que se entrelaçam em um círculo vicioso que se retroalimenta. Tantas demandas, por sua vez, sobrecarregam o coordenador de curso - lembremo-nos de que ele também é um professor universitário!

Em relação à função de coordenador

Num dia dormimos como apenas docentes e, no dia seguinte, acordamos docentes e ainda coordenadores de curso, com várias tarefas a serem cumpridas com urgência e com muitas dúvidas quanto a como executá-las (Coordenadora 1).

O relato da Coordenadora 1 revela as condições nas quais a assunção ao cargo de coordenador se dá: sem qualquer preparação prévia, sendo repentinamente exposto a resolver questões para as quais não recebeu nenhuma orientação ou apoio.

Quando perguntados sobre quais são as maiores dificuldades e desafios em relação ao trabalho na coordenação, temos entre as respostas: falta de preparo para o exercício do cargo de coordenador, sobrecarga de trabalho, falta de tempo para se dedicarem à pesquisa, dificuldades para auxiliar os estudantes nas mais diversas situações e problemas de relacionamento com os pares.

A coordenação de um curso envolve inúmeras tarefas inerentes ao cargo, tanto administrativas, obviamente, como acadêmicas e científicas, pois o coordenador não deixa de ser um docente universitário ao assumir sua nova função. De acordo com Camargos et al. (2010Camargos, M. A., Ferreira, A. R., & Camargos, M. C. S. (2010). Percepção, atuação, autonomia e condições de trabalho de coordenadores do curso de administração de IES do estado de Minas Gerais. Revista de Gestão, 17(3), 285-296.), é “uma atividade complexa e trabalhosa, em muitos casos exaustiva” (p. 287). A burocracia, as regras institucionais e a morosidade para a resolução de questões relativas a esta seara também são apontadas como empecilhos no cotidiano da coordenação. Oliveira et al. (2017Oliveira, A. S. D., Pereira, M. S., & Lima, L. M. (2017). Trabalho, produtivismo e adoecimento dos docentes nas universidades públicas brasileiras. Psicologia Escolar e Educacional , 21(3), 609-619. https://doi.org/10.1590/2175-353920170213111132
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) constataram tal situação nos resultados de sua pesquisa. As autoras encontraram relatos de adoecimento docente associado à sobrecarga de trabalho e à burocracia para a realização das atividades na universidade, entre outros.

Silva et al. (2016Silva, L. S. (2016). A aprendizagem do ofício de estudante universitário: tempos de constituição do ingressante no Ensino Superior [Dissertação de mestrado, Universidade Federal de Uberlândia].) identificaram situações semelhantes às deste estudo em relação aos coordenadores de cursos de Psicologia em cinco instituições do estado de Minas Gerais. Na investigação realizada, verificaram uma sobrecarga de tarefas desempenhadas pelos coordenadores, diversos desafios relacionados ao atendimento das demandas que chegam às coordenações e falta de preparação para exercício da função, de modo que a apropriação desta vai ocorrendo no transcorrer do trabalho. Nesse sentido, inclusive, as autoras indicam a necessidade de formação continuada para auxílio com as diversas demandas diárias no âmbito da coordenação.

Como visto na seção anterior, muitos dos coordenadores participantes desta pesquisa assumiram o cargo tendo ainda pouco tempo como docentes na instituição (17,8% iniciaram na função de coordenador estando ainda nos três primeiros anos como docentes na IES). Esta é outra questão importante levantada por Silva et al. (2016Silva, L. S. (2016). A aprendizagem do ofício de estudante universitário: tempos de constituição do ingressante no Ensino Superior [Dissertação de mestrado, Universidade Federal de Uberlândia].): “consideramos que é necessário um tempo de vivência institucional para que um docente possa se apropriar das normas acadêmicas, do projeto pedagógico, do cotidiano do curso e da cultura universitária para desempenhar a função de coordenador” (p. 53). Concordamos com as autoras e consideramos que as dificuldades vivenciadas na coordenação podem aumentar ainda mais devido à pouca familiarização com a instituição, suas normas, com o currículo do curso, com os colegas docentes, entre outros aspectos.

Outrossim, observamos nas respostas dos coordenadores certa angústia ao relatar a solidão do cargo para lidar com as questões emocionais e pessoais dos alunos, e as dificuldades para encontrar a melhor maneira de atuar em relação a essas demandas:

As maiores dificuldades são atender às inúmeras particularidades dos discentes. Há uma demanda muito grande de problemas afetivos, emocionais, psicológicos e até psiquiátricos por parte dos estudantes. . . .Como não temos formação técnica para atender a todas essas demandas, precisamos ouvi-las, compartilhar as aflições e encaminhar os discentes para um atendimento especializado. Também tenho observado uma grande dificuldade financeira para que os estudantes frequentem as aulas. . . . Há alunos sem condições para o transporte e até mesmo para a alimentação (Coordenadora 6).

Como escrevem Silva et al. (2016Silva, L. S. (2016). A aprendizagem do ofício de estudante universitário: tempos de constituição do ingressante no Ensino Superior [Dissertação de mestrado, Universidade Federal de Uberlândia]., p. 59), o coordenador precisa de apoio institucional para exercer sua função: “além do âmbito do próprio curso de graduação, a formação e o apoio aos coordenadores de curso precisam ser considerados no contexto da própria IES”.

É praticamente impossível que o coordenador consiga, sozinho, abarcar todas as demandas acadêmicas, emocionais, materiais e burocráticas que lhe são apresentadas pelos discentes e seus familiares, docentes, pela própria IES, enfim, por todos os atores que compõem o contexto universitário. Assim, é extremamente necessária a interlocução com os demais setores da IES, pró-reitorias, direção, conselhos e diretórios acadêmicos, a fim de encontrar as melhores condições de atuação (Silva et al., 2016Silva, L. S. (2016). A aprendizagem do ofício de estudante universitário: tempos de constituição do ingressante no Ensino Superior [Dissertação de mestrado, Universidade Federal de Uberlândia].).

Reafirmamos, assim, a preciosa possibilidade de trabalho que se apresenta para o trabalho do psicólogo escolar junto a coordenadores de cursos de graduação, tema do próximo item.

Possibilidades de atuação do psicólogo escolar junto a coordenadores de cursos

Para os autores da perspectiva crítica na Psicologia Escolar, a educação se constitui num processo humanizador e deve ser considerada de forma contextualizada, observando seus diversos elementos culturais, sociais, políticos, históricos e econômicos envolvidos. Nesse sentido, o psicólogo escolar pode contribuir por ser o profissional que, amparado por um arcabouço teórico-metodológico crítico, pode subsidiar práticas que auxiliem a IES a construir, em conjunto com seus diferentes atores educacionais, processos educativos humanizados e emancipatórios (Marinho-Araújo, 2016Marinho-Araújo, C. M. (2016). Inovações em Psicologia Escolar: O contexto da educação superior. Estudos de Psicologia, 33(2), 199-211. https://doi.org/10.1590/1982-02752016000200003
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; Moura, 2015Moura, R. F. (2015). A atuação do psicólogo escolar no Ensino Superior: configurações, desafios e proposições sobre o fracasso escolar [Dissertação de mestrado, Universidade Estadual de Maringá].; Moura & Facci, 2016; Oliveira, 2016Oliveira, A. B. (2016). O psicólogo na assistência estudantil: interfaces entre Psicologia, Saúde e Educação [Dissertação de mestrado, Universidade Federal de Uberlândia].; Silva, 2016Silva, L. S. (2016). A aprendizagem do ofício de estudante universitário: tempos de constituição do ingressante no Ensino Superior [Dissertação de mestrado, Universidade Federal de Uberlândia].).

Apresentamos, neste eixo de análise, algumas possibilidades de atuação do psicólogo escolar na educação superior, vislumbradas a partir das demandas dos coordenadores de cursos relatadas nos questionários.

Concepções dos coordenadores sobre o trabalho do psicólogo escolar

Antes de dar início às considerações acerca de algumas possibilidades de atuação do psicólogo escolar nesse contexto educativo, julgamos necessário apresentar primeiramente as concepções em relação a esse profissional, observadas nos relatos dos coordenadores. Dos coordenadores participantes da pesquisa, 78% mostraram conhecer o trabalho do psicólogo mais vinculado à atuação tradicional, o que pôde ser verificado a partir das respostas à questão: “Em sua concepção, qual seria o trabalho a ser desenvolvido por um psicólogo escolar no contexto da Universidade?”. Evidenciamos respostas contendo essa concepção tradicional da Psicologia Escolar e consideramos que, dado o contexto histórico desse campo, foi (e é) a versão mais conhecida da atuação desse profissional. Pesquisas indicam que nem sempre os próprios psicólogos conhecem essa concepção crítica, conforme apontam Silva (2018Silva, A. M. (2018). O psicólogo escolar na assistência estudantil: Um estudo de caso no CEFET - MG Unidade Araxá [Dissertação de mestrado, Universidade Federal de Uberlândia].) e Silva et al. (2016). Nos trechos a seguir, vemos essa compreensão mais voltada à Psicologia em uma perspectiva clínica, de atendimento ao discente: “Diagnosticar desajustes sociais e déficits de aprendizagem, ou encaminhar para quem possa fazê-lo” (Coordenadora 20); “Detectar as dificuldades de aprendizado e auxiliar na busca por soluções” (Coordenadora 28).

A concepção tradicional da Psicologia Escolar, como explica Souza (2014Souza, M. P. R. (2014). O movimento de crítica em psicologia escolar: Elementos para a compreensão da trajetória de uma área de atuação profissional. In M. P. R. Souza, S. M. C. Silva, & K. Yamamoto (Orgs.), Atuação do psicólogo na educação básica: Concepções, práticas e desafios (pp. 13-32). Edufu.), se refere à culpabilização do estudante e/ou de sua família pelas dificuldades apresentadas no processo de escolarização. Os termos utilizados pelos coordenadores sem relação ao trabalho a ser desenvolvido pelo psicólogo escolar remetem à ideia de realização de diagnósticos, de desajuste por parte do aluno, de forma a lhe atribuir, com exclusividade, os chamados “problemas de aprendizagem” e/ou “de comportamento.” Trata-se de uma concepção tradicional da Psicologia Escolar, que em nada se coaduna com a perspectiva crítica, conforme apresentado na primeira seção deste estudo (Antunes, 2008Antunes, M. A. M. (2008). Psicologia Escolar e Educacional: história, compromissos e perspectivas. Psicologia Escolar e Educacional, 12(2), 469-475. http://dx.doi.org/10.1590/S1413-85572008000200020
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; Caldas, 2005Caldas, R. F. L. (2005). Fracasso escolar: Reflexões sobre uma história antiga, mas atual. Psicologia: Teoria e Prática, 7(1), 21-33.; Souza, 2014; Tanamachi & Meira, 2003Tanamachi, E. R., & Meira, M. E. M. (2003). A atuação do psicólogo como expressão do pensamento crítico em psicologia e educação. In M. E. M. Meira & M. A. M. Antunes (Orgs.), Psicologia escolar: Práticas críticas (pp. 11-62). Casa do Psicólogo.).

Como afirma Souza (2009Souza, M. P. R. (2009). Psicologia Escolar e Educacional em busca de novas perspectivas. Psicologia Escolar e Educacional , 13(1), 179-182. https://doi.org/10.1590/S1413-85572009000100021
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), constitui-se desafio para a vertente crítica na Psicologia Escolar fazer-se conhecida, fortalecer-se e esclarecer para a sociedade seu compromisso social e formas de atuação implicadas com a contextualização política, histórica, econômica e cultural do País e da instituição onde atua o psicólogo escolar. Desafio esse que também se apresenta para os próprios psicólogos em formação, pois, em muitos casos, os profissionais ainda compactuam com uma atuação em moldes clínicos dentro de contextos educativos (Souza, 2014).

Por exemplo, na investigação realizada por Oliveira (2016Oliveira, A. B. (2016). O psicólogo na assistência estudantil: interfaces entre Psicologia, Saúde e Educação [Dissertação de mestrado, Universidade Federal de Uberlândia].) junto a psicólogos atuantes na assistência estudantil de universidades públicas federais mineiras, a autora identificou que ainda prevalecem as formas tradicionais de atuação com a predominância de atendimento a estudantes na modalidade individual, e conclui que são desafios para o psicólogo escolar que atua nas IES a realização de trabalhos em parceria com os docentes. Ela também aponta a falta de referências em relação ao papel e atuação do profissional nesse contexto. Moura e Facci (2016Moura, R. F., & Facci, M. G. D. (2016). A atuação do psicólogo escolar no Ensino Superior: configurações, desafios e proposições sobre o fracasso escolar . Psicologia Escolar e Educacional , 20(3), 503-514. https://doi.org/10.1590/2175-3539201502031036
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) identificaram aspectos semelhantes na pesquisa realizada com psicólogos escolares sobre suas práticas no ensino superior. Conforme os autores, muitos psicólogos revelaram não compreender ao certo qual seria seu papel na universidade. Os autores, do mesmo modo, assinalam a falta de ações em conjunto com os professores e demais atores institucionais, estando as práticas de trabalho da maioria dos profissionais associadas majoritariamente ao atendimento dos estudantes.

Assim como escreve Silva (2018Silva, A. M. (2018). O psicólogo escolar na assistência estudantil: Um estudo de caso no CEFET - MG Unidade Araxá [Dissertação de mestrado, Universidade Federal de Uberlândia]., p. 101), “toda e qualquer ação da Psicologia Escolar no Ensino Superior só pode atingir seus propósitos relacionados aos processos de ensino e aprendizagem e à emancipação se convidar docentes, técnicos e famílias para uma parceria efetiva” (p. 101). E são justamente tais ações envolvendo toda a comunidade acadêmica que, ao trazerem mudanças efetivas ao cotidiano dos cursos, respaldarão e justificarão a necessidade de ampliar propostas da Psicologia Escolar nas IES.

Há inúmeras formas de atuação no contexto institucional. Tais ações podem englobar parcerias com o corpo docente, com os coordenadores de curso, além de ações de recepção e acompanhamento dos ingressantes, intervenções com os gestores institucionais, com os alunos monitores e com os movimentos estudantis (Marinho-Araújo, 2016Marinho-Araújo, C. M. (2016). Inovações em Psicologia Escolar: O contexto da educação superior. Estudos de Psicologia, 33(2), 199-211. https://doi.org/10.1590/1982-02752016000200003
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; Moura & Facci, 2016Moura, R. F., & Facci, M. G. D. (2016). A atuação do psicólogo escolar no Ensino Superior: configurações, desafios e proposições sobre o fracasso escolar . Psicologia Escolar e Educacional , 20(3), 503-514. https://doi.org/10.1590/2175-3539201502031036
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; Silva et al., 2013Silva, S. M. C., Pedro, L. G., Silva, D., Rezende, D., & Barbosa, L. M. (2013). Estágio em Psicologia Escolar e Arte: Contribuições para a formação do psicólogo. Psicologia: Ciência e Profissão, 33(4), 1014-1027. https://doi.org/10.1590/S1414-98932013000400018
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, 2016), entre outras.

Acompanhamento discente

Pudemos observar nos relatos dos coordenadores que todos, de diferentes modos, mencionam o trabalho do psicólogo escolar em função dos estudantes, seja envolvendo sua vida acadêmica, seja em suas questões emocionais e de sofrimento psíquico, além das relações interpessoais presentes no âmbito da formação universitária. Procuramos, neste tópico, dar ênfase às possibilidades de atuação do psicólogo escolar com o corpo discente de maneira coletiva e institucional, como preconiza a vertente crítica da Psicologia Escolar. 96% dos coordenadores respondentes revelam preocupação com relação ao rendimento acadêmico dos estudantes e dúvidas quanto aos meios para resolver ou minimizar esses problemas.

Nesse contexto, o psicólogo escolar poderia intervir, conforme a perspectiva crítica, como um mediador, clarificando o complexo e emaranhado cenário onde o processo de ensino e aprendizagem se dá, de modo a auxiliar os envolvidos nesse intrincado processo a compreenderem as respectivas atribuições de responsabilidade (Tanamachi & Meira, 2003Tanamachi, E. R., & Meira, M. E. M. (2003). A atuação do psicólogo como expressão do pensamento crítico em psicologia e educação. In M. E. M. Meira & M. A. M. Antunes (Orgs.), Psicologia escolar: Práticas críticas (pp. 11-62). Casa do Psicólogo.).

O trabalho desse profissional em uma perspectiva crítica deve romper com a concepção de que se trata de um “resolvedor de problemas” e, portanto, não se coaduna com o estereótipo do “aluno-problema”, ainda que todos os coordenadores participantes desta pesquisa dirijam seu olhar para o discente. É também um desafio para o psicólogo escolar que atua no ensino superior esclarecer seu papel e campo de atuação (Silva, 2016Silva, L. S. (2016). A aprendizagem do ofício de estudante universitário: tempos de constituição do ingressante no Ensino Superior [Dissertação de mestrado, Universidade Federal de Uberlândia].; Silva et al., 2016).

Da mesma forma, Moura e Facci (2016Moura, R. F., & Facci, M. G. D. (2016). A atuação do psicólogo escolar no Ensino Superior: configurações, desafios e proposições sobre o fracasso escolar . Psicologia Escolar e Educacional , 20(3), 503-514. https://doi.org/10.1590/2175-3539201502031036
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) propõem que o trabalho do psicólogo escolar, especialmente em relação ao fracasso escolar, deve pautar-se a partir de práticas coletivas que envolvam os demais atores institucionais participantes do contexto de ensino e aprendizagem, como coordenadores de curso, professores, gestores, os alunos monitores e os alunos atuantes nos movimentos estudantis. Os autores reforçam a ideia de que a atuação do psicólogo escolar no ensino superior deve cada vez mais se afirmar por uma prática que favoreça a emancipação dos estudantes, de modo a romper com a ideia de culpabilização dos indivíduos praticada outrora pelos modelos tradicionais.

As questões emocionais e pessoais dos estudantes foram apontadas pelos coordenadores como um grande desafio, para as quais denunciam suas dificuldades e inabilidades em atendê-las, o que fortalece o coro pela presença do psicólogo escolar, como podemos ler nos excertos apresentados acima.

Sobre o atendimento aos discentes no contexto institucional, Marinho-Araújo (2016Marinho-Araújo, C. M. (2016). Inovações em Psicologia Escolar: O contexto da educação superior. Estudos de Psicologia, 33(2), 199-211. https://doi.org/10.1590/1982-02752016000200003
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) propõe que a escuta psicológica deve estar atenta não somente às singularidades de cada indivíduo, mas às relações que perpassam essas subjetividades e às vozes presentes na instituição e nos atores institucionais. Ou seja, é necessário o desenvolvimento da habilidade de uma escuta contextualizada.

Silva (2005Silva, S. M. C. (2005). Psicologia escolar e arte: Uma proposta para a formação e atuação profissional. Alínea.) e Silva, Pedro, Silva, Rezende e Barbosa (2013), entre outros autores, alertam para o caráter emancipatório e humanizador que a formação acadêmica deve ter, em coerência com o cumprimento de seu papel social, não se restringindo a uma formação tecnicista. Nesse sentido, os autores afirmam que a relação dos estudantes com a arte, no contexto acadêmico, necessita ser entendida como dialeticamente imbricada à formação pessoal e profissional.

Como possibilidades para o trabalho do psicólogo com a coordenação de curso voltado ao corpo discente, corroboramos atividades já mencionadas por autores que embasam este estudo (Marinho-Araújo; 2016Marinho-Araújo, C. M. (2016). Inovações em Psicologia Escolar: O contexto da educação superior. Estudos de Psicologia, 33(2), 199-211. https://doi.org/10.1590/1982-02752016000200003
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; Moura, 2015Moura, R. F. (2015). A atuação do psicólogo escolar no Ensino Superior: configurações, desafios e proposições sobre o fracasso escolar [Dissertação de mestrado, Universidade Estadual de Maringá].; Moura & Facci, 2016; Silva, 2016Silva, L. S. (2016). A aprendizagem do ofício de estudante universitário: tempos de constituição do ingressante no Ensino Superior [Dissertação de mestrado, Universidade Federal de Uberlândia]., 2018; Silva et al. 2016), destacando algumas frentes para esse trabalho, como: recepção aos calouros; auxílio quanto à organização dos estudos; orientação quanto às normas institucionais e modalidades de auxílio oferecidas pela IES; apoio em relação a lacunas no conteúdo relativo ao ensino médio; encaminhamento para psicoterapia quando necessário.

Ressaltamos que são apenas algumas sugestões, já devidamente apontadas na literatura supracitada, e que dependem não apenas da parceria entre o coordenador de curso e o psicólogo escolar, mas também do Colegiado de Curso, de todo o corpo docente, técnicos e da IES como um todo, considerando-se as pró-reitorias voltadas à assistência estudantil. Essa parceria pode ser fortalecida pela presença dos representantes dos estudantes, do Diretório Acadêmico, Programa de Educação Tutorial (PET) e de diferentes coletivos que compõem cada curso de graduação.

Docentes: relações interpessoais e formação continuada

Quando solicitados a responder à questão “Em sua concepção, qual seria o trabalho a ser desenvolvido por um psicólogo escolar no contexto da Universidade?”, 64% dos coordenadores apontaram a necessidade de um trabalho voltado às relações interpessoais. Considerando esses apontamentos, diversos autores alertam para a necessidade de cuidar das relações e dos aspectos afetivos envolvidos no contexto educativo e no processo de ensino e aprendizagem, bem como de reconhecer o caráter social e humanizador inerente a esse processo (Leite, 2018Leite, S. A. da S. (2018). Bases teóricas do grupo do afeto. In S. A. da S. Leite (Org.), Afetividade: as marcas do professor inesquecível (pp. 27-50). Mercado de Letras.; Leite & Kager, 2009; Oliveira, 2016Oliveira, A. B. (2016). O psicólogo na assistência estudantil: interfaces entre Psicologia, Saúde e Educação [Dissertação de mestrado, Universidade Federal de Uberlândia].; Sampaio, 2015Sampaio, S. M. R. (2015). Explorando possibilidades: O trabalho do psicólogo na educação superior. In C. M. Marinho-Araujo (Org.), Psicologia escolar: Novos cenários e contextos de pesquisa, formação e prática (pp. 175-189). Alínea.; Silva, 2005Silva, S. M. C. (2005). Psicologia escolar e arte: Uma proposta para a formação e atuação profissional. Alínea.).

Nesse contexto, a atuação do psicólogo escolar se faz necessária e urgente, visto que pode proporcionar espaços de reflexão e discussão que auxiliem os professores a analisar sua atuação; seu papel como educador; suas concepções sobre os processos de ensino, aprendizagem e desenvolvimento; a partilhar suas angústias e dúvidas e a construir em grupo e institucionalmente possibilidades que favoreçam suas práticas, contribuam para seu desenvolvimento profissional e oportunizem um processo de ensino e aprendizagem favorável à emancipação dos sujeitos (Marinho-Araújo, 2016Marinho-Araújo, C. M. (2016). Inovações em Psicologia Escolar: O contexto da educação superior. Estudos de Psicologia, 33(2), 199-211. https://doi.org/10.1590/1982-02752016000200003
https://doi.org/10.1590/1982-02752016000...
; Moura & Facci, 2016Moura, R. F., & Facci, M. G. D. (2016). A atuação do psicólogo escolar no Ensino Superior: configurações, desafios e proposições sobre o fracasso escolar . Psicologia Escolar e Educacional , 20(3), 503-514. https://doi.org/10.1590/2175-3539201502031036
https://doi.org/10.1590/2175-35392015020...
; Oliveira, 2016Oliveira, A. B. (2016). O psicólogo na assistência estudantil: interfaces entre Psicologia, Saúde e Educação [Dissertação de mestrado, Universidade Federal de Uberlândia].).

Sobre a formação continuada, a grande maioria (25 dos 28 coordenadores respondentes) a considera necessária. Seguindo a perspectiva crítica, Zavadski e Facci (2012Zavadski, K. C., & Facci, M. G. D. (2012). A atuação do psicólogo escolar no ensino superior e a formação de professores. Psicologia USP, 23(4), 683-705. https://doi.org/10.1590/S0103-65642012000400004
https://doi.org/10.1590/S0103-6564201200...
) consideram que o psicólogo que atua na Educação Superior pode contribuir com a formação dos docentes acerca do entendimento de conceitos referentes à relação entre desenvolvimento e aprendizagem em adultos. Segundo as autoras, a intervenção do psicólogo escolar poderá ser útil na formação dos professores na medida em que os auxilia a compreender “o quanto o desenvolvimento psicológico é ilimitado e como a atividade pedagógica, na transmissão e apropriação dos conhecimentos, pode levar o aluno a um maior desenvolvimento da sua capacidade intelectual” (Zavadski & Facci, p. 683). As autoras apontam para o fato de a preparação para a docência realizada nos níveis de pós-graduação ser incipiente, e que uma formação mais robusta, para o exercício da docência no ensino superior, se daria em processos de formação continuada (Zavadski & Facci, 2012).

Pudemos apreender das respostas dos coordenadores participantes desta pesquisa que existe uma abertura destes em relação à atuação do psicólogo escolar em processos de formação continuada do corpo docente, como foi possível constatar em respostas à pergunta do questionário sobre qual seria o trabalho a ser desenvolvido por um psicólogo escolar no contexto da universidade. Por exemplo: “A formação continuada, incluindo questões sobre interações interpessoais (seja professor-aluno, aluno-aluno, professor-cordenador etc.)” (Coordenador 19); e “Além de orientar os professores em processos de ensino-aprendizagem, nas etapas de planejamento e avaliação coletivos, . . . desenvolvimento de ações conjuntas com a coordenação de curso visando promover o planejamento didático-pedagógico junto aos professores” (Coordenador 15).

Assim como listamos possíveis frentes de trabalho do psicólogo escolar junto à coordenação de curso voltadas ao corpo discente, apresentamos algumas possibilidades destinadas ao corpo docente, também ratificando atividades citadas por diferentes autores (Marinho-Araújo; 2016Marinho-Araújo, C. M. (2016). Inovações em Psicologia Escolar: O contexto da educação superior. Estudos de Psicologia, 33(2), 199-211. https://doi.org/10.1590/1982-02752016000200003
https://doi.org/10.1590/1982-02752016000...
; Moura, 2015Moura, R. F. (2015). A atuação do psicólogo escolar no Ensino Superior: configurações, desafios e proposições sobre o fracasso escolar [Dissertação de mestrado, Universidade Estadual de Maringá].; Moura & Facci, 2016; Silva, 2016Silva, L. S. (2016). A aprendizagem do ofício de estudante universitário: tempos de constituição do ingressante no Ensino Superior [Dissertação de mestrado, Universidade Federal de Uberlândia]., 2018; Silva et al., 2016), como: incentivo à formação continuada; convite para ações como a recepção aos calouros, eventos científicos e culturais; referente às lacunas no conteúdo do ensino médio; orientação voltada à relação entre corpo docente, discente e técnicos-administrativos; encaminhamento para psicoterapia quando necessário. Tais ações dependem igualmente da parceria do psicólogo escolar com o coordenador de curso e demais atores do processo educativo e devem sempre considerar as propostas já existentes nas IES.

Considerações finais

Consideramos que este estudo pode contribuir para a reflexão e maior visibilidade em relação ao trabalho desenvolvido nas coordenações de curso, aos desafios diários enfrentados pelos coordenadores, suas angústias e demandas, como também para a reafirmação da necessidade e importância do trabalho do psicólogo escolar no âmbito da educação superior. Este estudo também revela a premente necessidade de uma formação continuada para o coordenador de curso por parte das IES, para que este possa se sentir mais respaldado em sua função, que lhe traz diferentes exigências em nível burocrático, institucional, acadêmico e pessoal.

Salientamos que os temas abordados nesta investigação são complexos e que não conseguimos esgotá-los neste trabalho. Novas pesquisas com coordenadores de curso podem incluir entrevistas e grupos focais, com o intuito de aprofundar e alcançar o que um questionário não permite, dados os seus limites, apesar de muitas questões possibilitarem respostas abertas. Sugerimos, ainda, como tema para futuros estudos, os coordenadores de pós-graduação stricto sensu.

Partícipe importante na formação do estudante universitário, o coordenador de curso tem diante de si a possibilidade de mediar essa formação de diferentes modos. Defendemos aqui um modo que, ao ouvir e compreender demandas advindas de discentes, docentes e técnicos, busque responder a elas por meio de uma parceria com o psicólogo escolar, juntamente com outros segmentos e instâncias da instituição.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    03 Abr 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    27 Fev 2021
  • Aceito
    28 Abr 2022
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