Acessibilidade / Reportar erro

Adaptação Acadêmica em Universitários

Academic Adaptation in University Students

Adaptación Académica en Estudiantes Universitários

Resumo

O objetivo do estudo foi investigar o impacto das variáveis habilidades sociais, resolução de problemas sociais, automonitoria, autoeficácia e coping na adaptação acadêmica em estudantes de instituições de ensino superior públicas e privadas. Participaram 637 estudantes de ambos os sexos, sendo 36,5% (115) homens de instituições públicas e 22,3% (72) de instituições privadas, com idade variando entre 18 e 38 anos (M=24,7; DP=6,3), de diferentes graduações. Foram utilizados o Inventário de Resolução de Problemas Sociais, o Inventário de Habilidades Sociais, a Escala de Automonitoria, a Escala de Autoeficácia Acadêmica de Estudantes do Ensino Superior, o Inventário de Estratégias de Coping e o Questionário de Vivências Acadêmicas-reduzido. A autoeficácia na gestão acadêmica (40,9%) e a autoafirmação na expressão de afeto positivo (13,7%) apresentaram maior impacto para os estudantes de instituições públicas e privadas, podendo contribuir com possíveis intervenções no processo de adaptação ao ensino superior. Pesquisas prospectivas podem investigar questões relacionadas a dados sociodemográficos.

Palavras-chave:
Adaptação; Vivências; Instituições de ensino superior; Habilidades sociais, Autoeficácia

Abstract

The aim of the study was to investigate the impact of the variables Social Skills, Resolution of Social Problems, Self-monitoring, Self-efficacy and Coping on Academic Adaptation in students from public and private higher education institutions. 637 students of both sexes participated, being 36.5% (115) men from public institutions and 22.3% (72) from private institutions, aged between 18 to 38 years (M = 24.7; SD = 6.3), of different grades. The Social Problem Solving Inventory, the Social Skills Inventory, the Self-Monitring Scale, the Higher Education Students’ Academic Self-Efficacy Scale, the Coping Strategies Inventory and the Academic Experiences-Reduced Questionnaire were used. Self-efficacy in Academic Management (40.9%) and Self-affirmation in the Expression of Positive Affection (13.7%) had a greater impact on students from public and private institutions, which may contribute to possible interventions in the process of adapting to Higher Education. Prospective research can investigate issues related to sociodemographic data.

Keywords:
Adjustment; Experiences; Higher education institutions; Social skills; Self-efficacy

Resumen

El objetivo del estudio fue investigar el impacto de las variables Habilidades sociales, Resolución de problemas sociales, Autocontrol, Autoeficacia y Afrontamiento en la adaptación académica en estudiantes de instituciones de educación superior públicas y privadas. Participaron 637 estudiantes de ambos sexos, siendo 36,5% (115) hombres de instituciones públicas y 22,3% (72) de instituciones privadas, con edades entre 18 y 38 años (M = 24,7; SD = 6,3), de diferentes grados. Se utilizaron el Inventario de Resolución de Problemas Sociales, el Inventario de Habilidades Sociales, la Escala de Autocontrol, la Escala de Autoeficacia Académica de los Estudiantes de Educación Superior, el Inventario de Estrategias de Afrontamiento y el Cuestionario de Experiencias Académicas Reducidas. La Autoeficacia en la Gestión Académica (40,9%) y la Autoafirmación en la Expresión de Afecto Positivo (13,7%) tuvieron un mayor impacto en los estudiantes de instituciones públicas y privadas, lo que puede contribuir a posibles intervenciones en el proceso de adaptación a la Educación Superior. La investigación prospectiva puede investigar cuestiones relacionadas con los datos sociodemográficos.

Palabras clave:
Adaptación; Vivencias; Instituciones de enseñanza superior; Habilidades sociales; Autoeficacia

Introdução

A adaptação à universidade é um processo complexo em que muitos estudantes podem apresentar uma série de dificuldades. Os desafios podem envolver o ajustamento à instituição educacional (Oliveira, Santos, & Inácio, 2018Oliveira, K. L., Santos, A. A. A., & Inácio, A. L. M. (2018). Adaptação acadêmica e estilos intelectuais no ensino superior. Estudos Interdisciplinares em Psicologia, 9(3), 1-17. https://doi.org/10.5433/2236-6407.2018v9n3suplp73
https://doi.org/10.5433/2236-6407.2018v9...
), a busca de recursos intrapessoais, interpessoais e familiares ao longo de todo o curso e o comprometimento do aluno com a graduação escolhida (Matta, Lebrão, & Heleno, 2017Matta, C. M. B., Lebrão, S. M. G., & Heleno, M. G. V. (2017). Adaptação, rendimento, evasão e vivências acadêmicas no ensino superior: Revisão da literatura. Psicologia Escolar e Educacional, 21(3), 583-591. https://doi.org/10.1590/2175-353920170213111118
https://doi.org/10.1590/2175-35392017021...
), o que é realizado, sobretudo, com suas vivências na universidade. A democratização do ingresso na educação superior não garante a permanência ou mesmo a qualidade dos processos de aprendizagem (Matta et al., 2017Matta, C. M. B., Lebrão, S. M. G., & Heleno, M. G. V. (2017). Adaptação, rendimento, evasão e vivências acadêmicas no ensino superior: Revisão da literatura. Psicologia Escolar e Educacional, 21(3), 583-591. https://doi.org/10.1590/2175-353920170213111118
https://doi.org/10.1590/2175-35392017021...
). O estudante que chega à graduação traz uma diversidade de experiências acadêmicas, necessidades, expectativas iniciais que desafiam as instituições no aprimoramento dos projetos pedagógicos, além de sinalizar à complexidade e multifatorialidade das questões que envolvem a adaptação à universidade (Oliveira et al., 2018Oliveira, K. L., Santos, A. A. A., & Inácio, A. L. M. (2018). Adaptação acadêmica e estilos intelectuais no ensino superior. Estudos Interdisciplinares em Psicologia, 9(3), 1-17. https://doi.org/10.5433/2236-6407.2018v9n3suplp73
https://doi.org/10.5433/2236-6407.2018v9...
).

A garantia de um projeto educacional de qualidade passa por um conjunto de aspectos que dizem respeito à própria instituição, às políticas governamentais de acesso, aos ambientes de aprendizagem, à metodologia de ensino, aos processos de avaliação, afiliação e aos aspectos inerentes aos graduandos (Coulon, 2008Coulon, A. (2008). A condição de estudante: A entrada na vida universitária. Edufba.; Oliveira et al., 2018Oliveira, K. L., Santos, A. A. A., & Inácio, A. L. M. (2018). Adaptação acadêmica e estilos intelectuais no ensino superior. Estudos Interdisciplinares em Psicologia, 9(3), 1-17. https://doi.org/10.5433/2236-6407.2018v9n3suplp73
https://doi.org/10.5433/2236-6407.2018v9...
). Ademais, o aluno é o principal agente do processo de formação e sucesso profissional, assim, as contingências que antecedem a entrada do aluno na universidade, as características sociodemográficas, a opção de curso, as condições de acesso, assim como o bem-estar, a autonomia, as expectativas, o enfretamento às situações difíceis, as habilidades relacionais e a satisfação do estudante também estão relacionadas à adaptação ao ensino superior (Oliveira et al., 2018Oliveira, K. L., Santos, A. A. A., & Inácio, A. L. M. (2018). Adaptação acadêmica e estilos intelectuais no ensino superior. Estudos Interdisciplinares em Psicologia, 9(3), 1-17. https://doi.org/10.5433/2236-6407.2018v9n3suplp73
https://doi.org/10.5433/2236-6407.2018v9...
; Soares, Monteiro, Maia, & Santos, 2019Soares, A. B., Monteiro, M. C., Maia, F. A., & Santos, Z. A. (2019). Comportamentos sociais acadêmicos de universitários de instituições públicas e privadas: o impacto nas vivências no ensino superior. Pesquisas e Práticas Psicossociais, 14(1), 1-16.).

Soares, Almeida, Diniz e Guisande (2006Soares, A. P., Almeida, L. S., Diniz, A. M., & Guisande, M. A. (2006). Modelo multidimensional de ajustamento de jovens ao contexto universitário (MMAU): Estudo com estudantes de ciências e tecnologias versus ciências sociais e humanas. Análise Psicológica, 1(24), 15-27.), em modelo teórico sobre adaptação acadêmica, estabelece cinco fatores: pessoal, interpessoal, carreira, estudo e institucional. A dimensão pessoal está relacionada às percepções de bem-estar por parte do estudante. A interpessoal diz respeito ao relacionamento com amigos e colegas no próprio curso ou turma e, também, com o estabelecimento de relações mais íntimas e significativas. A dimensão carreira está centrada nos projetos do estudante (carreira, profissão) e na satisfação com o curso frequentado. A dimensão estudo está relacionada aos aspectos mais curriculares ou de envolvimento nas atividades/tarefas acadêmicas. A institucional refere-se ao conhecimento e apreciação dos serviços e infraestrutura da instituição.

Ademais, o modelo destaca os aspectos que explicam o fenômeno e a relação com as competências do discente (Soares et al., 2006Soares, A. P., Almeida, L. S., Diniz, A. M., & Guisande, M. A. (2006). Modelo multidimensional de ajustamento de jovens ao contexto universitário (MMAU): Estudo com estudantes de ciências e tecnologias versus ciências sociais e humanas. Análise Psicológica, 1(24), 15-27.). Essas competências ressaltam os conhecimentos trazidos da formação secundária, que em muito contribuem para o rendimento escolar, assim como as capacidades cognitivas e intelectuais que colaboram no processamento da quantidade e complexidade das informações. Além disso, as percepções que o estudante possui das próprias competências e rendimento, como a capacidade de criticar e analisar, o envolvimento nos estudos e a autorregulação do comportamento, podem promover a organização de pensamentos, sentimentos e ações planejadas e sistemáticas que incrementam a motivação, a aprendizagem e, consequentemente, a integração acadêmica e social (Soares et al., 2019Soares, A. B., Monteiro, M. C., Maia, F. A., & Santos, Z. A. (2019). Comportamentos sociais acadêmicos de universitários de instituições públicas e privadas: o impacto nas vivências no ensino superior. Pesquisas e Práticas Psicossociais, 14(1), 1-16.).

Assim, parte-se do pressuposto de que estudantes que ingressam em universidades públicas e particulares apresentam um processo de adaptação diferenciado, haja vista que aqueles que entram no ensino superior público vivenciam inicialmente um processo seletivo concorrido, que exige disciplina nos estudos, e pelo fato de almejarem instituições que possuem tradição em ensino e pesquisa (Soares et al., 2019Soares, A. B., Monteiro, M. C., Maia, F. A., & Santos, Z. A. (2019). Comportamentos sociais acadêmicos de universitários de instituições públicas e privadas: o impacto nas vivências no ensino superior. Pesquisas e Práticas Psicossociais, 14(1), 1-16.; Tate et al., 2015Tate, K., Caperton, W., Kaiser, D., Pruitt, N. T., White, H., & Hall, E. (2015). An exploration of first-generation college students’ career development beliefs and experiences. Journal of Career Development, 42(4), 294-310. https://doi.org/ 10.1177/0894845314565025
https://doi.org/ 10.1177/089484531456502...
). Por outro lado, alunos que entram em instituições privadas vivenciam uma forma de ingresso não tão competitiva ou exaustiva de rotina de estudos (Soares et al., 2019Soares, A. B., Monteiro, M. C., Maia, F. A., & Santos, Z. A. (2019). Comportamentos sociais acadêmicos de universitários de instituições públicas e privadas: o impacto nas vivências no ensino superior. Pesquisas e Práticas Psicossociais, 14(1), 1-16.).

Diante da complexidade da adaptação ao ensino superior e das possíveis questões que são geradas a partir das dificuldades no ajustamento, é mister investigar um conjunto de variáveis que podem explicar e contribuir com possíveis ações de intervenção. O modelo teórico proposto é constituído por variáveis internas (automonitoria, autoeficácia acadêmica, coping, habilidades sociais e resolução de problemas sociais), que destacam o enfrentamento de situações pessoais e interpessoais, a competência social do estudante para lidar com as situações relacionais do cotidiano acadêmico e as crenças na própria autossuficiência para gerir os diferentes componentes curriculares. O presente modelo pode contribuir com outros, como o de Soares et al. (2006Soares, A. P., Almeida, L. S., Diniz, A. M., & Guisande, M. A. (2006). Modelo multidimensional de ajustamento de jovens ao contexto universitário (MMAU): Estudo com estudantes de ciências e tecnologias versus ciências sociais e humanas. Análise Psicológica, 1(24), 15-27.), que destaca variáveis externas, tais como, a satisfação com o que é ofertado em termos de recursos estruturais e materiais pela instituição e as atividades curriculares e extracurriculares oferecidas nas graduações.

Dessa forma, parte-se da premissa de que diferentes recursos internos do aluno são mobilizados no processo de adaptação à universidade e que muitos estudantes ainda não os têm. Um desses aspectos diz respeito à diversidade das relações que ocorrem no ambiente estudantil e que exige dos estudantes e futuros profissionais a habilidade de resolver com precisão e rapidez as situações enfrentadas. A variável resolução de problemas sociais é definida como um processo de aprendizagem, uma estratégia geral de enfrentamento e um método de autocontrole (D’Zurilla & Nezu, 1990D’Zurilla, T. J., & Nezu, A. M. (1990). Development and preliminary evaluation of the Social Problem-Solving Inventory (SPSI). Psychological Assessment: A Journal of Consulting and Clinical Psychology, 2, 156-163. https://doi.org/10.1037/1040-3590.2.2.156
https://doi.org/10.1037/1040-3590.2.2.15...
). Para os autores, as habilidades de resolução de problemas sociais têm papel preditivo na saúde mental dos graduandos, já que muitos estudantes tendem a apresentar quadros de ansiedade, depressão e distúrbios emocionais, considerando ainda o fato de que os mais jovens estão em pleno processo de desenvolvimento físico e psicológico. Outrossim, estudantes com habilidades de resolução de problemas estabelecem relações interpessoais com pares, resolvendo impasses com colegas, professores e gestores (Lau, 2014Lau, Y. (2014). Factors affecting the social problem-solving ability of baccalaureate nursing students. Nurse Education Today, 34, 121-126. https://doi.org/10.1016/j.nedt.2012.10.010
https://doi.org/10.1016/j.nedt.2012.10.0...
), podendo, segundo o autor, ser uma habilidade aprendida no contexto universitário e ter continuidade na futura carreira.

A relevância da resolução de problemas sociais é apontada em estudo com estudantes do ensino superior realizado por Lau (2014Lau, Y. (2014). Factors affecting the social problem-solving ability of baccalaureate nursing students. Nurse Education Today, 34, 121-126. https://doi.org/10.1016/j.nedt.2012.10.010
https://doi.org/10.1016/j.nedt.2012.10.0...
). A pesquisa contou com uma amostra de 194 graduandos de Enfermagem de uma universidade pública de Macau, China, e teve o objetivo de identificar a habilidade de resolução de problemas sociais e dessa em associação às variáveis habilidade de comunicação, interação na clínica e disfunção interpessoal. Para isso, foi utilizado um questionário sociodemográfico, o Inventário de Resoluções de Problemas Sociais, na forma reduzida e adaptada para a realidade chinesa, Communication Ability Scale, Clinical Interactive Scale e Interpersonal Dysfunction Checklist. O autor concluiu que as variáveis investigadas apresentaram correlação com a habilidade de resolução de problemas sociais e sugeriu que fosse implementado no currículo acadêmico o treinamento em resolução de problemas sociais, considerando que a carreira de enfermagem requer essa habilidade para o efetivo cuidado do paciente.

Nesse sentido, além da variável resolução de problemas sociais promover a integração do estudante no contexto universitário, pesquisas apontam que as habilidades sociais também estão associadas à adaptação acadêmica (Soares et al., 2021Soares, A. B., Monteiro, M. C., Medeiros, H. C. P., Maia, F. de A., & Barros, R. de S. N. (2021). Adaptação acadêmica à universidade: Relações entre motivação, expectativas e habilidades sociais. Psicologia Escolar E Educacional, 25(Psicol. Esc. Educ., 2021 25), e226072. https://doi.org/10.1590/2175-35392021226072
https://doi.org/10.1590/2175-35392021226...
). As habilidades sociais possibilitam maior envolvimento nas atividades curriculares, engajamento na nova modalidade de ensino e sucesso nas metas profissionais (Soares et al., 2019Soares, A. B., Monteiro, M. C., Maia, F. A., & Santos, Z. A. (2019). Comportamentos sociais acadêmicos de universitários de instituições públicas e privadas: o impacto nas vivências no ensino superior. Pesquisas e Práticas Psicossociais, 14(1), 1-16.).

Definem-se habilidades sociais como “classes de comportamentos sociais que somente podem ser classificadas como tais na medida em que contribuem para a competência social” (Del Prette & Del Prette, 2017Del Prette, A., & Del Prette, Z. A. P. (Orgs.). (2017). Habilidades sociais intervenções efetivas em grupo (2a ed.). Pearson. , p. 21). A educação superior deve primar pelo desenvolvimento de habilidades cognitivas e metacognitivas, capacitação teórico-técnica e competência social associada a desempenhos sociais adequados. Em tese, os cursos de graduação preparam para a formação teórica e técnica. Entretanto, as competências sociais ficam a cargo dos estudantes, que, muitas vezes, não possuem ainda recursos próprios para desenvolvê-las (Soares et al., 2021Soares, A. B., Monteiro, M. C., Medeiros, H. C. P., Maia, F. de A., & Barros, R. de S. N. (2021). Adaptação acadêmica à universidade: Relações entre motivação, expectativas e habilidades sociais. Psicologia Escolar E Educacional, 25(Psicol. Esc. Educ., 2021 25), e226072. https://doi.org/10.1590/2175-35392021226072
https://doi.org/10.1590/2175-35392021226...
). As autoras sugerem que um bom repertório de habilidades sociais contribui com a qualidade das vivências acadêmicas e facilita a adaptação do estudante à universidade. Consideram que as aprendizagens que ocorrem no ensino superior são cognitivas e relacionais, o que auxiliaria no desenvolvimento de habilidades sociais tanto para o contexto universitário como profissional e para própria vida.

Desenvolver um conjunto de comportamentos que facilite a aquisição de conhecimentos cognitivos e relacionais demanda a crença na capacidade de gerir as diversidades vivenciadas na universidade. A autoeficácia refere-se à crença que o estudante tem sobre a capacidade de planejar e implementar ações de cunho intelectual associadas à aprendizagem (Sim & Moon, 2015Sim, H. S., & Moon, W. H. (2015). Relationships between self-efficacy, stress, depression and adjustment of college students. Indian Journal of Science and Technology, 8(35), 2-4. http://doi.org/10.17485/ijst/2015/v8i35/86802
http://doi.org/10.17485/ijst/2015/v8i35/...
). Os autores afirmam que as fontes de autoeficácia são decorrentes dos significados que o indivíduo concede aos resultados das experiências anteriores, da observação do comportamento do outro, da influência de pessoas dos grupos ao qual pertença e das informações para avaliar e julgar a capacidade de eficácia.

Em pesquisa realizada por Sim e Moon (2015Sim, H. S., & Moon, W. H. (2015). Relationships between self-efficacy, stress, depression and adjustment of college students. Indian Journal of Science and Technology, 8(35), 2-4. http://doi.org/10.17485/ijst/2015/v8i35/86802
http://doi.org/10.17485/ijst/2015/v8i35/...
) com 1.134 estudantes de universidades norte-coreanas, os pesquisadores apontaram que índices elevados de autoeficácia estão relacionados ao melhor ajustamento à universidade, que a adaptação acadêmica apresenta forte correlação com a autoeficácia acadêmica e a percepção de estresse e depressão tem associação negativa com a adaptação acadêmica. Os autores afirmam que a autoeficácia apresenta efeito positivo na integração ao ensino superior e que estudantes com elevada autoeficácia também apresentam menos estresse e melhor ajustamento à universidade.

Assim, o contexto acadêmico pode representar para muitos estudantes um conjunto de situações de difícil manejo. O estudante lida com responsabilidades constantes e diversas, como a exposição e realização de trabalhos, exigências familiares, sociais e econômicas (Sicre & Casaro, 2014Sicre, E., & Casaro, L. (2014). Estrategias de afrontamiento en estudiantes de Psicología. Revista de Psicología, 10(20), 61-72.). O conceito de coping refere-se a um conjunto de estratégias adaptativas utilizadas pelo sujeito para se ajustar a situações adversas ou mesmo estressantes. As estratégias de coping focalizadas no problema e as focalizadas no suporte social estão associadas à integração acadêmica e social, ao aumento do interesse, da persistência e do compromisso com a instituição (Carlotto, Teixeira, & Dias, 2015Carlotto, R. C., Teixeira, M. A. P., & Dias, A. C. G. (2015). Adaptação Acadêmica e Coping em Estudantes Universitários. Psico-USF, 20(3), 421-432. https://doi.org/10.1590/1413-82712015200305
https://doi.org/10.1590/1413-82712015200...
).

Sicre e Casaro (2014Sicre, E., & Casaro, L. (2014). Estrategias de afrontamiento en estudiantes de Psicología. Revista de Psicología, 10(20), 61-72.) realizaram pesquisa sobre estratégias de coping em estudantes universitários e a relação com variáveis como o ano cursado, o gênero e a aprovação nos componentes curriculares. Participaram 140 alunos do curso de Psicologia da Universidade Católica de Mendonça, Argentina, e foi utilizado o Inventário de Respostas de Enfrentamento para Jovens adaptado para a realidade local. O estudo revelou que o fator enfrentamento por aproximação cognitiva foi a estratégia mais utilizada pelos estudantes. Esta se refere aos esforços cognitivos para compreender e se preparar mentalmente para enfrentar elementos geradores de estresse e as respectivas consequências. A relação entre o fator enfrentamento por aproximação cognitiva e a quantidade de disciplinas foi considerada fraca e positiva e o estudo não encontrou diferença significativa entre gêneros.

A heterogeneidade das experiências, as formas de enfrentamento dos desafios e os novos relacionamentos no ensino superior podem promover o sucesso nas tarefas curriculares e nos vínculos a serem construídos ao longo da graduação. A automonitoria diz respeito a um traço de personalidade referente à capacidade de regular os comportamentos para se acomodar às situações sociais (Snyder & Gangestad, 1986Snyder, M., & Gangestad, S. (1986). On the nature of self-monitoring: Matters of assessment, matters of validity. Journal of Personality and Social Psychology, 51(1), 125-139. https://doi.org/10.1037/0022-3514.51.1.125
https://doi.org/10.1037/0022-3514.51.1.1...
). Diante das diferentes relações a serem construídas no âmbito acadêmico, a automonitoria pode ser um elemento-chave nas interações interpessoais, auxiliando na regulação e no ajustamento do comportamento social (Tyler, Kearns, & McIntyre, 2016Tyler, J. M., Kearns, P. O., & McIntyre, M. M. (2016). Effects of Self-Monitoring on Processing of Self-Presentation Information. Social Psychology, 47, 174-178. https://doi.org/10.1027/1864-9335/a000265
https://doi.org/10.1027/1864-9335/a00026...
). Para os autores, pessoas que apresentam alto escore em automonitoria são atentas às pistas sociais e utilizam esse recurso para direcionar a autoapresentação pública.

No contexto universitário, Monteiro e Soares (2017aMonteiro, M. C., & Soares, A. B. (2017a). Concepção de estudantes sobre resolução de problemas e automonitoria. Psicologia Escolar e Educacional, 21(2), 333-341. https://doi.org/10.1590/2175-3539201702121124
https://doi.org/10.1590/2175-35392017021...
) investigaram as concepções de estudantes de instituições públicas e privadas sobre automonitoria e resolução de problemas sociais relacionados à adaptação ao ensino superior e as compararam com os conceitos abordados na literatura. Utilizou-se o método de grupo focal e os grupos foram constituídos por 11 estudantes de uma IES pública e 12 de uma IES privada. A categorização das falas apontou que a automonitoria foi concebida como expressão de comportamentos passíveis de serem controlados, avaliados e autorregulados, e a resolução de problemas sociais, como vivências de difícil manejo relacionadas à falta de informação sobre a instituição, à didática docente e aos critérios de avaliação, que em muito contribuiriam para as dificuldades de ajustamento ao novo contexto educacional. Ademais, as concepções dos estudantes se aproximaram da literatura sobre os construtos.

A adaptação acadêmica não é um bloco único e homogêneo, sendo composta por diferentes variáveis que precisam ser pesquisadas e mensuradas. Poucas pesquisas no cenário nacional investigaram a adaptação acadêmica considerando o fato de que os estudantes advêm de diversas instituições (Soares et al., 2018Soares, A. B., Porto, A. M., Lima, C. A., Gomes, C., Rodrigues, D. A., Zanoteli, R., Santos, Z. A., Fernandes, A., & Medeiros, H. (2018). Vivências, Habilidades Sociais e Comportamentos Sociais de Universitários. Psicologia: Teoria e Pesquisa, 34, 1-11. https://doi.org/10.1590/0102.3772e34311
https://doi.org/10.1590/0102.3772e34311...
, 2019Soares, A. B., Monteiro, M. C., Maia, F. A., & Santos, Z. A. (2019). Comportamentos sociais acadêmicos de universitários de instituições públicas e privadas: o impacto nas vivências no ensino superior. Pesquisas e Práticas Psicossociais, 14(1), 1-16.). Dessa forma, considerando os múltiplos aspectos que estão associados ao ajustamento do estudante ao ensino superior, o objetivo do estudo foi investigar o impacto das variáveis habilidades sociais, resolução de problemas sociais, automonitoria, autoeficácia e coping na adaptação acadêmica em estudantes de instituições de ensino superior públicas e privadas.

Método

Participantes

O estudo contou com uma amostra de conveniência constituída por 637 estudantes, sendo 315 de cinco IES públicas e 322 de cinco IES particulares do estado do Rio de Janeiro, incluindo a capital e os municípios de Niterói, Cabo Frio, Seropédica e Petrópolis. Os alunos cursavam diferentes graduações, sendo 36,5% (115) homens de IES públicas e 22,3% (72) de IES privadas e com idade variando entre 18 e 38 anos (M = 24,7; DP = 6,3).

Em termos de graduações, nas IES públicas foram 22% (70) de Turismo, 14,3% (45) de Física, 12,4% (39) de Pedagogia, 10,8% (34) de Letras, 8% (25) de Psicologia, 5% (16) de Direito e outros cursos, respectivamente, 4,2% (13) de Biologia, 3,7% (12) de História, 2,8% (nove) de Biomedicina, 2,5% (oito) para Matemática e Enfermagem, respectivamente, 1,7% (cinco) de Geografia, 1,2% (quatro) de Engenharia, 0,9% (três) de Química, 0,7% (dois) de Sistemas da Informação e de Comunicação Social e 0,4% (um), respectivamente, para os cursos de Filosofia, Estatística, Música e Sociologia. Em termos de nível socioeconômico, 7,9% (25) participantes eram pertencentes à A, 7,6% (24) à B1, 30,8% (97) à B2, 36,5% (115) à C1, 15,9% (50) à C2 e 1,3% (4) à DE (Associação Brasileira das Empresas de Pesquisa [Abep], 2018Associação Brasileira de Empresas de Pesquisa. (2018). Critério Brasil. http://www.abep.org
http://www.abep.org...
).

Em termos de cursos, nas IES privadas participaram 42,5% (137) de estudantes de Psicologia, 5,7% (54) de Pedagogia, 9% (29) de Serviço Social, 6,2% (20) para Direito e Música, respectivamente, 5,3% (17) de Engenharia, 4,6% (15) de Administração, 3,4% (11) de Enfermagem, 1,9% (seis) de Educação Física, 1,5% (cinco) de História, 1,2% (quatro) de Sistemas da Informação e 0,6% (dois), respectivamente, para os cursos de Geografia, Nutrição e Ciências Contábeis. Os níveis socioeconômicos foram 4,3% (14) do A, 8,7% (28) do B1, 30,4% (98) do B2, 31,4% (101) do C1, 21,2% (68) do C2 e 4% (13) do DE (Abep, 2018).

Instrumentos

O Inventário de Resolução de Problemas Sociais (IRPS), de D’Zurilla e Nezu (1990D’Zurilla, T. J., & Nezu, A. M. (1990). Development and preliminary evaluation of the Social Problem-Solving Inventory (SPSI). Psychological Assessment: A Journal of Consulting and Clinical Psychology, 2, 156-163. https://doi.org/10.1037/1040-3590.2.2.156
https://doi.org/10.1037/1040-3590.2.2.15...
), é uma escala do tipo Likert de cinco pontos, indo de 0 (completamente falso para mim) a 4 (completamente verdadeiro para mim). É constituído por 70 itens e caracteriza a resolução de problemas sociais como um processo complexo que envolve aspectos cognitivos, afetivos e comportamentais. O IRPS possui dois fatores fundamentais: Orientação do Problema (OP) (α=0,94), entendido como processo metacognitivo constituído por esquemas cognitivos e emocionais relativamente estáveis que refletem as crenças, sentimentos sobre problemas do cotidiano, assim como a capacidade de resolvê-los, tendo o papel de reduzir o estresse e ser um fator facilitador da motivação para a resolução de problema; Habilidades de Resolução de Problemas (HRP) (α=0,92) diz respeito às atividades cognitivas e comportamentais pelas quais a pessoa tenta entender os problemas e encontrar resoluções eficazes ou formas de enfrentá-los, ampliando a competência para solucionar situações.

O Inventário de Habilidades Sociais (IHS) de Z. Del Prette e Del Prette (2001Del Prette, Z. A. P., & Del Prette, A. (2001). Inventário de habilidades sociais: Manual de aplicação, apuração e interpretação. Casa do Psicólogo.) é um instrumento de autorrelato e mensura habilidades sociais (α=0,75). É constituído por 38 itens que descrevem uma situação de relação interpessoal e uma demanda de habilidade em resposta àquela situação. A resposta ao item é em escala de cinco pontos, variando de zero (nunca ou raramente) a 4 (sempre ou quase sempre). O Inventário tem uma estrutura composta por cinco fatores: Autoafirmação e Enfrentamento com Risco (EAAR) (α=0,96); Autoafirmação na Expressão de Afeto Positivo (AAESP) (α=0,86); Conversação e Desenvoltura Social (CDS) (α=0,81); Autoexposição a Desconhecidos ou Situações Novas (AEDSN) (α=0,75) e, finalmente, Autocontrole da Agressividade a Situações Aversivas (ACA) (α=0,74).

A Escala de Automonitoria (EA) (Snyder & Gangestad, 1986Snyder, M., & Gangestad, S. (1986). On the nature of self-monitoring: Matters of assessment, matters of validity. Journal of Personality and Social Psychology, 51(1), 125-139. https://doi.org/10.1037/0022-3514.51.1.125
https://doi.org/10.1037/0022-3514.51.1.1...
), adaptada por Monteiro e Soares (2017bMonteiro, M. C., & Soares, A. B. (2017b). Adaptação e validação da escala de automonitoria para o português do Brasil. Avaliação Psicológica , 21(2), 169-175. https://doi.org/10.15689/AP.2017.1602.07
https://doi.org/10.15689/AP.2017.1602.07...
), é composta por 10 itens com marcação do tipo falso ou verdadeiro. Tem dois fatores: Fator 1 Reações externalizantes (EA_Ext) (α=0,92); e Fator 2 Reações internalizantes (EA_Int) (α=0,83). Já a Escala de Autoeficácia Acadêmica de Estudantes do Ensino Superior (EAA) de Guerreiro-Casanova e Polydoro (2010Guerreiro-Casanova, D., & Polydoro, S. (2010). Integração ao ensino superior: relações ao longo do primeiro ano de graduação. Psicologia: Ensino & Formação, 1(2), 85-96. ) possui 34 itens (α=0,94) com resposta de 1 (pouco capaz) a 10 (muito capaz). É constituída por cinco dimensões: Autoeficácia Acadêmica (AA) (α= 0,88); Autoeficácia na Regulação da Formação (ARF) (α=0,87); Autoeficácia em Ações Pró-ativas (AAP) (α=0,85); Autoeficácia na Interação Social (AI) (α= 0,80); e Autoeficácia na Gestão Acadêmica (AGA) (α=0,80).

O Inventário de Estratégias de Coping (IEC), de Folkman e Lazarus (1985Folkman, S., & Lazarus, R. S. (1985). If it changes it must be a process: Study of emotion and coping during three stages of a college examination. Journal of Personality and Social Psychology, 48(1), 150-170. https://doi.org/10.1037/0022-3514.48.1.150
https://doi.org/10.1037/0022-3514.48.1.1...
), é um questionário constituído por 66 itens (α = 0,704). Apresenta marcação ao item em uma escala que vai de 0 (não usei esta estratégia) até 3 (usei em grande quantidade). É composto por oito fatores: Confronto (CONF) (α = 0,59); Afastamento (AFAST) (α = 0,62); Autocontrole (AC) (α = 0,44); Aceitação de Responsabilidade (AR) (α = 0,63); Fuga e esquiva (FE) (α = 0,64); Resolução de Problemas (RESP) (0,52); Reavaliação Positiva (RP) (α = 0,66); e Suporte Social (SS) (α = 0,79).

O Questionário de Vivências Acadêmicas-reduzido - (QVA-r), de Almeida, Soares e Ferreira (2002Almeida, L. S., Soares, A. P. C., & Ferreira, J. A. (2002). Questionário de Vivências Acadêmicas (QVA-r): Avaliação do ajustamento dos estudantes universitários. Avaliação Psicológica, 2, 81-89.), é composto por 55 itens em uma escala de cinco pontos, indo de 1 (nada a ver comigo) a 5 (tudo a ver comigo). O instrumento abrange cinco dimensões: pessoal (α=0,87); interpessoal (α=0,86); carreira (α=0,91); estudo (α=0,82); e institucional (α=0,71).

Procedimentos éticos

O estudo foi submetido ao Comitê de Ética da Universidade e aprovado com o número de parecer 1319826. Todos os participantes assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). Os voluntários foram, ainda, informados dos objetivos da pesquisa, que não teriam nenhum custo e nem receberiam qualquer vantagem financeira, que poderiam retirar o consentimento ou interromper a participação a qualquer momento.

Procedimentos de coleta de dados

Inicialmente, foram realizados contatos com coordenadores e docentes com o objetivo de apresentar o estudo, os objetivos e os instrumentos a serem utilizados. Os instrumentos foram entregues aos estudantes em conjunto, respondidos individualmente, durante 60 minutos, em sala de aula e na seguinte sequência: TCLE, Questionário Sociodemográfico, IRPS, IHS, EA, EAA, IEC e QVA-r. Os dados foram coletados ao longo do ano letivo de 2018.

Procedimentos de análise de dados

Utilizou-se o software Mplus para realizar a Modelagem de Equações Estruturais (MEE) (Path Analysis; método de estimação Robust Maximum Likelihood), com o objetivo de identificar o quanto as variáveis resolução de problemas sociais, habilidades sociais, automonitoria, estratégias de coping e autoeficácia acadêmica impactavam na adaptação acadêmica. A MEE foi realizada para a amostra total, bem como para os dois grupos distintos (público e privado). Os índices de ajuste utilizados na avaliação dos modelos foram o Root Mean Square Error of Aproximation (RMSEA), Comparative Fit Index (CFI) e Standardized Root-Mean-Square Residual (SRMR). Foi também utilizado o teste t de Student para comparar se existia diferença significativa entre a média das amostras do estudo em relação às variáveis pesquisadas. Para todas as análises do teste t foram implementados procedimentos de reamostragem (bootstrapping; mil reamostragens, com intervalo de confiança 99%), com vistas a apresentar maior confiabilidade aos resultados, corrigir possíveis desvios de normalidade da amostra e apresentar intervalo de confiança de 99% para as diferenças de média. Os tamanhos dos efeitos das diferenças encontradas foram avaliados por meio da estimativa d de Cohen.

Resultados

As análises foram realizadas para a amostra total, bem como para os grupos em separado.

Em relação ao QVA-r, foram encontradas diferenças estatisticamente significativas (*p<0,05 e **p<0,01) para todos os fatores, exceto para o fator interpessoal, em que a média dos grupos foi equivalente. A amostra de estudantes de IES privadas apresentou maiores escores nos fatores pessoal, carreira e estudo, e menores escores no fator institucional. Em relação aos escores totais do QVA-r, a amostra de estudantes da IES privadas apresentou, também, escores estatisticamente superiores. O maior efeito encontrado (d de Cohen = 0,43) foi para o fator estudo. Em relação ao IRPS, o maior efeito foi para o fator habilidade na resolução de problemas, no qual a amostra de estudantes de IES públicas apresentou escores estatisticamente superiores (d = 0,36).

Em relação ao Inventário de Habilidades Sociais (IHS), o grupo de IES particulares apresentou escores estatisticamente superiores e a maior diferença encontrada (d de Cohen= 0,25) foi para o fator conversação e desenvoltura social. Em relação à variável automonitoria, foi encontrada diferença apenas para o fator reações externalizantes, no qual os estudantes de IES particulares apresentaram escores estatisticamente superiores do que os de IES públicas (d de Cohen = 0,36). Para o Inventário de Estratégias de Coping, foram encontradas diferenças estatisticamente significativas para os fatores fuga e esquiva, reavaliação positiva e afastamento. A amostra de estudantes de IES particulares apresentou maiores escores em reavaliação positiva, enquanto as IES públicas apresentaram maiores escores em fuga e esquiva e afastamento (d = 0,25 e 0,25, respectivamente).

Na Escala de Autoeficácia Acadêmica de Estudantes do Ensino Superior, foram encontradas diferenças para todos os fatores. A amostra de estudantes de IES privadas apresentou escores estatisticamente superiores quando comparadas com a de IES públicas. As maiores diferenças encontradas foram para os fatores autoeficácia na regulação da emoção e autoeficácia em ações proativas (d de Cohen = 0,35 e 0,35, respectivamente), conforme Tabela 1.

Tabela 1
Estatísticas descritivas de todas as variáveis para amostra total, bem como para as amostras de estudantes de IES públicas e privadas.

Em termos de impacto, os índices de ajuste se adequaram mais para a amostra de IES públicas, quando comparados com alunos de IES particulares (χ2 =5,346; p< 0,001), conforme Tabela 2.

Tabela 2
Índices de ajustes para IES públicas e privadas.

Dos valores totais para o grupo de estudantes de IES públicas, as variáveis explicaram 53,3% (R2=0,533) da variância do fator QVA-r pessoal, e para a amostra de IES privadas, explicaram 44,7% (R2=0,447). A maior carga fatorial foi negativa para ambas as amostras no fator habilidade de resolução de problemas do inventário de resolução de problemas sociais (34,3% e 36,7%, respectivamente). Para o QVA-r interpessoal, os instrumentos explicaram 34,7% (R2=0,347) da variância tanto para a amostra de IES pública como privada. A maior carga fatorial foi do fator autoeficácia na interação acadêmica para as amostras de IES públicas e privadas (34,8% e 35,1%, respectivamente).

Na variância do QVA-r carreira, os instrumentos explicaram 39,6% (R2=0,396) tanto para a amostra de IES públicas como privadas. A maior carga fatorial obtida foi oriunda do fator autoeficácia na regulação da formação (34%) para amostra de IES privada. No referente ao QVA-r estudo, os instrumentos explicaram 52,1% (R2=0,521) para IES públicas e 34,5% (R2=0,345) da variância para IES privadas. A maior carga fatorial obtida foi a do fator autoeficácia na gestão acadêmica (40,9%) para a amostra de IES pública. Em termos do QVA-r institucional, os instrumentos explicaram 12,2% (R2=0,122) da variância para a amostra de estudantes de IES públicas e, para as IES privadas, foi 12,9% (R2=0,129) da variância. A maior carga fatorial foi oriunda do fator autoafirmação na expressão de afeto positivo (13,7%) do IHS.

Discussão

No que diz respeito à comparação entre estudantes de IES públicas e privadas, algumas análises foram possíveis de estabelecer. Concernente aos fatores pessoal, carreira e estudo do QVA-r, a amostra de IES privadas apresentou índices mais elevados, apontando para o fato de que estar no ensino superior pode ser considerado uma grande conquista, já que muitos estudantes são de primeira geração, portanto, sem histórico familiar nessa modalidade de ensino. Destaca-se que, na amostra de IES particulares, muitos dos discentes são estudantes do turno noturno, possivelmente alunos trabalhadores, que devem custear o próprio curso, o que pode ter colaborado na percepção de autossuficiência (Soares et al., 2019Soares, A. B., Monteiro, M. C., Maia, F. A., & Santos, Z. A. (2019). Comportamentos sociais acadêmicos de universitários de instituições públicas e privadas: o impacto nas vivências no ensino superior. Pesquisas e Práticas Psicossociais, 14(1), 1-16.; Tate et al., 2015Tate, K., Caperton, W., Kaiser, D., Pruitt, N. T., White, H., & Hall, E. (2015). An exploration of first-generation college students’ career development beliefs and experiences. Journal of Career Development, 42(4), 294-310. https://doi.org/ 10.1177/0894845314565025
https://doi.org/ 10.1177/089484531456502...
).

A amostra de IES públicas apresentou resultado significativo para o fator institucional, mostrando que o aluno se sente identificado com o novo ambiente e, provavelmente, sensível às exigências acadêmicas que compõem a educação superior. Soares et al. (2019Soares, A. B., Monteiro, M. C., Maia, F. A., & Santos, Z. A. (2019). Comportamentos sociais acadêmicos de universitários de instituições públicas e privadas: o impacto nas vivências no ensino superior. Pesquisas e Práticas Psicossociais, 14(1), 1-16.) argumentam que, por ter vivenciado um processo seletivo rígido para ingresso em IES pública, o aluno desenvolve habilidades de aprendizagem para os estudos que lhe conferem maior facilidade acadêmica. Ademais, inserir-se na dinâmica universitária implica que o estudante deve atender às exigências acadêmicas em termos de conteúdos, das técnicas para expor os conhecimentos adquiridos (afiliação intelectual) e apresentar a aprendizagem dos códigos do ensino superior à utilização da instituição em termos de assimilação das práticas e rotinas administrativas (afiliação institucional) (Coulon, 2008Coulon, A. (2008). A condição de estudante: A entrada na vida universitária. Edufba.).

Para a variável habilidades sociais, os estudantes de IES particulares apresentaram diferença em relação ao fator conversação e desenvoltura social, com isso, acredita-se que, por muitos serem alunos de primeira geração, forçosamente encontram dificuldades em administrar as exigências próprias do ensino superior, procuram construir e manter novas interações sociais, inclusive para melhor gerir os desafios impostos. O contexto da educação superior favorece aprendizagens acadêmicas, relacionais e emocionais por meio da observação dos comportamentos daqueles que compõem a comunidade universitária, por tratar-se de um ambiente relacional, contribui com o aprendizado de habilidades e aperfeiçoa as já adquiridas (Soares et al., 2021Soares, A. B., Monteiro, M. C., Medeiros, H. C. P., Maia, F. de A., & Barros, R. de S. N. (2021). Adaptação acadêmica à universidade: Relações entre motivação, expectativas e habilidades sociais. Psicologia Escolar E Educacional, 25(Psicol. Esc. Educ., 2021 25), e226072. https://doi.org/10.1590/2175-35392021226072
https://doi.org/10.1590/2175-35392021226...
; Soares et al., 2019Soares, A. B., Monteiro, M. C., Maia, F. A., & Santos, Z. A. (2019). Comportamentos sociais acadêmicos de universitários de instituições públicas e privadas: o impacto nas vivências no ensino superior. Pesquisas e Práticas Psicossociais, 14(1), 1-16.). Nesse sentido, ao introduzir-se em um novo grupo ou ambiente, o estudante parece ficar atento a esse contexto, procurando autoapresentar-se e aguarda uma aceitação pública positiva (Monteiro & Soares, 2017aMonteiro, M. C., & Soares, A. B. (2017a). Concepção de estudantes sobre resolução de problemas e automonitoria. Psicologia Escolar e Educacional, 21(2), 333-341. https://doi.org/10.1590/2175-3539201702121124
https://doi.org/10.1590/2175-35392017021...
; Tyler et al., 2016Tyler, J. M., Kearns, P. O., & McIntyre, M. M. (2016). Effects of Self-Monitoring on Processing of Self-Presentation Information. Social Psychology, 47, 174-178. https://doi.org/10.1027/1864-9335/a000265
https://doi.org/10.1027/1864-9335/a00026...
), o que justificaria a diferença encontrada entre estudantes de IES públicas e privadas para automonitoria.

As estratégias evitativas para enfrentamento das situações vivenciadas na universidade foram mais utilizadas pelos estudantes de IES públicas. Compreende-se que o esforço em se adequar às contingências inerentes à educação superior nas IES públicas pode evidenciar dificuldades no processo de adaptação acadêmica presentes desde o processo seletivo e mesmo antes (Carlotto et al., 2015Carlotto, R. C., Teixeira, M. A. P., & Dias, A. C. G. (2015). Adaptação Acadêmica e Coping em Estudantes Universitários. Psico-USF, 20(3), 421-432. https://doi.org/10.1590/1413-82712015200305
https://doi.org/10.1590/1413-82712015200...
; Sicre & Casaro, 2014Sicre, E., & Casaro, L. (2014). Estrategias de afrontamiento en estudiantes de Psicología. Revista de Psicología, 10(20), 61-72.). Por outro lado, estudantes de IES particulares procuram significar as adversidades com conotação confiante, provavelmente como uma forma de enfrentar as dificuldades. O fato de muitos serem alunos trabalhadores e que financiam a formação, concede ao aluno uma maior percepção de credibilidade em si, autonomia e confiança pessoal (Soares et al., 2019Soares, A. B., Monteiro, M. C., Maia, F. A., & Santos, Z. A. (2019). Comportamentos sociais acadêmicos de universitários de instituições públicas e privadas: o impacto nas vivências no ensino superior. Pesquisas e Práticas Psicossociais, 14(1), 1-16.; Tate et al., 2015Tate, K., Caperton, W., Kaiser, D., Pruitt, N. T., White, H., & Hall, E. (2015). An exploration of first-generation college students’ career development beliefs and experiences. Journal of Career Development, 42(4), 294-310. https://doi.org/ 10.1177/0894845314565025
https://doi.org/ 10.1177/089484531456502...
), o que contribuiria com a adaptação ao ensino superior.

Em termos da autoeficácia na regulação da emoção e autoeficácia em ações pró-ativas, ressalta-se que a autoeficácia acadêmica está associada ao desempenho e ao rendimento do aluno, à magnitude motivacional do estudante, ao significado atribuído de determinada tarefa de aprendizagem, ao envolvimento com a graduação, à parceria com os colegas, à autorregulação, aos dados sociométricos e à integração ao ensino superior (Guerreiro-Casanova & Polydoro, 2010Guerreiro-Casanova, D., & Polydoro, S. (2010). Integração ao ensino superior: relações ao longo do primeiro ano de graduação. Psicologia: Ensino & Formação, 1(2), 85-96. ; Sim & Moon, 2015Sim, H. S., & Moon, W. H. (2015). Relationships between self-efficacy, stress, depression and adjustment of college students. Indian Journal of Science and Technology, 8(35), 2-4. http://doi.org/10.17485/ijst/2015/v8i35/86802
http://doi.org/10.17485/ijst/2015/v8i35/...
). Ressalta-se que a autoeficácia na graduação é uma variável de importância para o ajustamento à universidade, para o desenvolvimento ao longo do curso e, também, pela frequência às aulas e participação nas atividades. Os autores ressaltam que as características do aluno, como idade, podem influenciar na associação da autoeficácia e da adaptação à educação superior.

A respeito do impacto, todas as variáveis contribuíram para explicar a adaptação acadêmica. No fator pessoal do QVA-r, a amostra de estudantes de IES públicas e privadas apresentaram valor significativo e negativo para habilidades de resolução de problemas do IRPS, o que pode apontar para o fato de que o estudante compreende que adaptar-se ao contexto universitário e à futura carreira implica em construir uma identidade profissional, desenvolver autoconhecimento, ampliar a visão de si e do mundo e que essa tarefa exige dedicação às atividades tanto curriculares como extracurriculares para obter rendimento acadêmico satisfatório. Ademais, o estudante que investe no próprio bem-estar físico e mental (Carlotto et al., 2015Carlotto, R. C., Teixeira, M. A. P., & Dias, A. C. G. (2015). Adaptação Acadêmica e Coping em Estudantes Universitários. Psico-USF, 20(3), 421-432. https://doi.org/10.1590/1413-82712015200305
https://doi.org/10.1590/1413-82712015200...
), controlando comportamentos que venham a interferir no desempenho acadêmico, tanto relacional como no rendimento dos componentes curriculares, busca soluções para as situações do cotidiano e por escolhas facilitadoras e promissoras no âmbito institucional e para além deste.

No que se refere ao fator interpessoal do QVA-r, tanto para a amostra de estudantes de IES públicas como de privadas, não houve diferença entre os grupos, mostrando que os estudantes procuram estabelecer vínculos no ambiente estudantil (Soares et al., 2021Soares, A. B., Monteiro, M. C., Medeiros, H. C. P., Maia, F. de A., & Barros, R. de S. N. (2021). Adaptação acadêmica à universidade: Relações entre motivação, expectativas e habilidades sociais. Psicologia Escolar E Educacional, 25(Psicol. Esc. Educ., 2021 25), e226072. https://doi.org/10.1590/2175-35392021226072
https://doi.org/10.1590/2175-35392021226...
). Construir e manter uma rede de relações (fator autoeficácia na interação social - AI da EAA) parece ser uma estratégia de adaptação à vida acadêmica e que se fará presente na futura carreira. A importância na percepção das relações com pares, professores e demais atores da comunidade universitária promove a interação social, a melhora do desempenho acadêmico e, consequentemente, facilita a adaptação ao ensino superior (Guarino, Michael, & Hocevar, 1998Guarino, A., Michael, W. B., & Hocevar, D.. (1998). Self-monitoring and student integration of community college students. The Journal of Social Psychology, 138(6), 754-757. https://doi.org/10.1080/00224549809603260
https://doi.org/10.1080/0022454980960326...
; Oliveira et al., 2018Oliveira, K. L., Santos, A. A. A., & Inácio, A. L. M. (2018). Adaptação acadêmica e estilos intelectuais no ensino superior. Estudos Interdisciplinares em Psicologia, 9(3), 1-17. https://doi.org/10.5433/2236-6407.2018v9n3suplp73
https://doi.org/10.5433/2236-6407.2018v9...
).

Em relação ao impacto no fator carreira do QVA-r, as amostras de IES particulares e públicas indicaram exatidão dos objetivos pessoais a serem alcançados, certeza quanto à carreira escolhida e o que pretendem em termos de perspectivas profissionais futuras (autoeficácia na regulação da formação da EAA) (Oliveira et al., 2018Oliveira, K. L., Santos, A. A. A., & Inácio, A. L. M. (2018). Adaptação acadêmica e estilos intelectuais no ensino superior. Estudos Interdisciplinares em Psicologia, 9(3), 1-17. https://doi.org/10.5433/2236-6407.2018v9n3suplp73
https://doi.org/10.5433/2236-6407.2018v9...
). Pelo fato de muitos estudantes de instituições privadas serem alunos sem histórico familiar no ensino superior, algumas análises são possíveis nessa perspectiva. Tate et al. (2015Tate, K., Caperton, W., Kaiser, D., Pruitt, N. T., White, H., & Hall, E. (2015). An exploration of first-generation college students’ career development beliefs and experiences. Journal of Career Development, 42(4), 294-310. https://doi.org/ 10.1177/0894845314565025
https://doi.org/ 10.1177/089484531456502...
), em pesquisas com estudantes de uma universidade do sudeste norte-americano, na qual 28% dos alunos eram de primeira geração, trazem para o cenário evidências da relevância do aspecto familiar no desenvolvimento prospectivo em concluírem os estudos, alcançarem uma titulação e experimentarem uma condição de vida melhor do que os pais tiveram ou puderam proporcionar. Outro aspecto ressaltado na pesquisa é a persistência e motivação para o ingresso e conclusão, que tem relação com a autopercepção de uma força interna associada às experiências na universidade. Muitos alunos compreendem que passam por desafios que estudantes que não são de primeira geração não vivenciam. Os autores ainda lembram que estudos sobre alunos de primeira geração enfatizam os déficits de bem-estar e sucesso, o que pode ser um meio de marginalizar uma população que sistematicamente enfrenta obstáculos.

Sobre o fator estudo do QVA-r, o impacto foi para autoeficácia na gestão acadêmica da EAA para IES públicas. O estudante de IES públicas parece se empenhar para adequar-se no que concerne à confiança nas escolhas e metas que envolvam a carreira (Soares et al., 2019Soares, A. B., Monteiro, M. C., Maia, F. A., & Santos, Z. A. (2019). Comportamentos sociais acadêmicos de universitários de instituições públicas e privadas: o impacto nas vivências no ensino superior. Pesquisas e Práticas Psicossociais, 14(1), 1-16.) e mesmo de compreender que manter boas relações com pares e professores pode ser promissor para o futuro profissional. Por outro lado, nenhum dos fatores do IHS apresentou impacto para estudo, apesar da valorização das relações interpessoais, estas não são relacionadas à questão do aprendizado, prevalecendo os aspectos cognitivos como os únicos responsáveis pelo desenvolvimento acadêmico.

Muitas questões, inclusive de bem-estar e saúde mental do estudante, envolvem os relacionamentos que forçosamente são negligenciados ou não são considerados como fatores relacionados. Oliveira et al. (2018Oliveira, K. L., Santos, A. A. A., & Inácio, A. L. M. (2018). Adaptação acadêmica e estilos intelectuais no ensino superior. Estudos Interdisciplinares em Psicologia, 9(3), 1-17. https://doi.org/10.5433/2236-6407.2018v9n3suplp73
https://doi.org/10.5433/2236-6407.2018v9...
) afirmam que a adaptação acadêmica é um fenômeno multideterminado e que o sucesso no ensino superior envolve aspectos do rendimento, qualidade da organização e empenho no estudo. Os autores acrescentam que alunos que padecem com sofrimentos psicológicos não se integram socialmente e não conseguem apresentar um desempenho que talvez reflita o verdadeiro potencial acadêmico. Soares et al. (2019Soares, A. B., Monteiro, M. C., Maia, F. A., & Santos, Z. A. (2019). Comportamentos sociais acadêmicos de universitários de instituições públicas e privadas: o impacto nas vivências no ensino superior. Pesquisas e Práticas Psicossociais, 14(1), 1-16.), em estudo com estudantes de psicologia de uma instituição pública de educação superior do Rio de Janeiro, afirmam que a percepção dos estudantes sobre situações interpessoais difíceis pode modificar o convívio no que diz respeito à comunicação entre os diferentes grupos com os quais o estudante mantém contato no decorrer da formação. Por outro lado, as situações harmoniosas sublinham a importância da competência social presente naqueles que lidam com os estudantes cotidianamente.

No que se refere ao fator institucional do QVA-r, alunos das IES públicas e privadas não apresentaram um envolvimento institucional diferenciado. O fator institucional diz respeito à utilização e satisfação dos estudantes com o campus, os serviços existentes e o ambiente universitário (Oliveira et al., 2018Oliveira, K. L., Santos, A. A. A., & Inácio, A. L. M. (2018). Adaptação acadêmica e estilos intelectuais no ensino superior. Estudos Interdisciplinares em Psicologia, 9(3), 1-17. https://doi.org/10.5433/2236-6407.2018v9n3suplp73
https://doi.org/10.5433/2236-6407.2018v9...
). Entende-se que muitos estudantes de IES privadas vivenciam o ingresso no ensino superior como uma grande conquista, inclusive, muitos alunos são de primeira geração e estar no ensino superior torna-se um investimento substancial. Muitos são, predominantemente, de cursos noturnos (Soares et al., 2019Soares, A. B., Monteiro, M. C., Maia, F. A., & Santos, Z. A. (2019). Comportamentos sociais acadêmicos de universitários de instituições públicas e privadas: o impacto nas vivências no ensino superior. Pesquisas e Práticas Psicossociais, 14(1), 1-16.), alunos trabalhadores que financiam o próprio estudo e que precisam gerir uma série de atividades, como trabalho, estudo e vida familiar. Santos e Silva (2011Santos, G. G., & Silva, L. C. (2011). A evasão na educação superior entre debate social e objeto de pesquisa. In S. M. R. Sampaio (Org.), Observatório da vida estudantil primeiros estudos (pp. 256-257). Edufba.) ressaltam que a existência de trabalhadores estudantes deveria considerar medidas especiais que facilitassem a conclusão do ciclo universitário.

Os estudantes de IES públicas podem apresentar o sentimento de entusiasmo de pertencer a instituições com tradição de ensino, pesquisa e extensão. O envolvimento e a integração acadêmica promovem a aprendizagem de qualidade, garantem o sucesso, a permanência e, consequentemente, a conclusão da graduação (Matta et al., 2017Matta, C. M. B., Lebrão, S. M. G., & Heleno, M. G. V. (2017). Adaptação, rendimento, evasão e vivências acadêmicas no ensino superior: Revisão da literatura. Psicologia Escolar e Educacional, 21(3), 583-591. https://doi.org/10.1590/2175-353920170213111118
https://doi.org/10.1590/2175-35392017021...
). Ademais, os processos seletivos de ingresso nas IES públicas são caracterizados pelo rigor dos exames, o que exige um investimento pessoal, econômico e familiar antes do ingresso, que vai se consolidando ao longo do curso. Apesar dos grupos advirem de diferentes tipos de instituição (pública e privada), o impacto das demais variáveis no fator institucional do QVA-r pode indicar que, para a amostra estudada, o tipo de instituição não é determinante para a adaptação do estudante ao ensino superior, mas muito mais os vínculos construídos, a afiliação, a competência científica e pedagógica docente (o que possibilita um processo de qualidade de ensino e aprendizagem), a infraestrutura oferecida (recursos, instalações e acervos) e o tipo de curso (Oliveira et al., 2018Oliveira, K. L., Santos, A. A. A., & Inácio, A. L. M. (2018). Adaptação acadêmica e estilos intelectuais no ensino superior. Estudos Interdisciplinares em Psicologia, 9(3), 1-17. https://doi.org/10.5433/2236-6407.2018v9n3suplp73
https://doi.org/10.5433/2236-6407.2018v9...
).

Considerações finais

O objetivo do presente estudo foi investigar o impacto das variáveis habilidades sociais, resolução de problemas sociais, automonitoria, autoeficácia e coping na adaptação acadêmica em estudantes de instituições de ensino superior públicas e privadas. Assim, as variáveis investigadas explicaram a adaptação acadêmica, considerando determinados fatores dos instrumentos utilizados para mensurar os construtos, e a diferença entre IES pública e privada deu-se nos fatores de autoeficácia na gestão acadêmica e autoeficácia na regulação da formação. Compreende-se que a universidade é um contexto de produção de conhecimento, de preparo para o mundo do trabalho com meta na futura carreira, mas também de promoção de relacionamentos que contribuem com a formação tanto profissional como pessoal do estudante nos anos da graduação e para além desses.O aluno, ao formar uma rede de relações com pares, professores e demais atores que compõem a comunidade universitária, está construindo e exercitando a capacidade de lidar com o outro, de expor e defender ideias e saber respeitar concepções divergentes, de resolver desafios, de aprender, de integrar-se cognitiva e socialmente ao ambiente estudantil.

Entretanto, entende-se que as habilidades em lidar com o cenário social na universidade não são efetivamente percebidas como um componente do processo de aprendizagem do aluno. O discente, em nome do sucesso nas atividades estudantis, parece ignorar ou mesmo negligenciar a importância das relações interpessoais para o sucesso na graduação. Tal cenário pode refletir um sistema educacional que ainda prioriza a formação intelectual dissociada da social.

Ademais, na tentativa de resolver as adversidades e desafios próprios das vivências acadêmicas, nem sempre o estudante está atento aos mecanismos externos e internos relevantes para planejar e executar ações que sejam efetivas, facilitadoras e protetivas para o processo de adaptação à universidade. A instituição poderia contribuir com práticas diferenciadas de acolhida ou mesmo implementar projetos que promovam aspectos que resguardem o bem-estar do aluno e favoreçam a permanência no curso com qualidade de aprendizado.

O modelo teórico testado mostrou o impacto das variáveis na adaptação acadêmica, com destaque para autoeficácia e habilidades sociais e as diferenças para a amostra total e para os grupos de IES pública e privada. O fato de conhecer melhor o esforço interno do aluno em permanecer e concluir a graduação poderia contribuir com formas diferenciadas de apoio institucional ou mesmo de implementação de ações que possibilitem fatores protetivos que favoreçam a permanência do estudante e a qualidade do aprendizado.

Trabalhos prospectivos poderiam investigar os recursos internos utilizados por estudantes ingressantes, intermediários e concluintes. Além do que, há o comprometimento com os estudos, com a carreira e com o bem-estar pessoal, e o critério institucional está presente para os alunos que enfatizam o ingresso em IES públicas, supostamente pela tradição em ensino, pesquisa e extensão delas. Ademais, trabalhos futuros poderiam abordar o tema adaptação acadêmica considerando dados sociodemográficos, tais como, gênero, nível socioeconômico, o fato de ser aluno trabalhador e de ser de primeira geração.

Referências

  • Almeida, L. S., Soares, A. P. C., & Ferreira, J. A. (2002). Questionário de Vivências Acadêmicas (QVA-r): Avaliação do ajustamento dos estudantes universitários. Avaliação Psicológica, 2, 81-89.
  • Associação Brasileira de Empresas de Pesquisa. (2018). Critério Brasil. http://www.abep.org
    » http://www.abep.org
  • Carlotto, R. C., Teixeira, M. A. P., & Dias, A. C. G. (2015). Adaptação Acadêmica e Coping em Estudantes Universitários. Psico-USF, 20(3), 421-432. https://doi.org/10.1590/1413-82712015200305
    » https://doi.org/10.1590/1413-82712015200305
  • Coulon, A. (2008). A condição de estudante: A entrada na vida universitária. Edufba.
  • Del Prette, A., & Del Prette, Z. A. P. (Orgs.). (2017). Habilidades sociais intervenções efetivas em grupo (2a ed.). Pearson.
  • Del Prette, Z. A. P., & Del Prette, A. (2001). Inventário de habilidades sociais: Manual de aplicação, apuração e interpretação. Casa do Psicólogo.
  • D’Zurilla, T. J., & Nezu, A. M. (1990). Development and preliminary evaluation of the Social Problem-Solving Inventory (SPSI). Psychological Assessment: A Journal of Consulting and Clinical Psychology, 2, 156-163. https://doi.org/10.1037/1040-3590.2.2.156
    » https://doi.org/10.1037/1040-3590.2.2.156
  • Folkman, S., & Lazarus, R. S. (1985). If it changes it must be a process: Study of emotion and coping during three stages of a college examination. Journal of Personality and Social Psychology, 48(1), 150-170. https://doi.org/10.1037/0022-3514.48.1.150
    » https://doi.org/10.1037/0022-3514.48.1.150
  • Guarino, A., Michael, W. B., & Hocevar, D.. (1998). Self-monitoring and student integration of community college students. The Journal of Social Psychology, 138(6), 754-757. https://doi.org/10.1080/00224549809603260
    » https://doi.org/10.1080/00224549809603260
  • Guerreiro-Casanova, D., & Polydoro, S. (2010). Integração ao ensino superior: relações ao longo do primeiro ano de graduação. Psicologia: Ensino & Formação, 1(2), 85-96.
  • Lau, Y. (2014). Factors affecting the social problem-solving ability of baccalaureate nursing students. Nurse Education Today, 34, 121-126. https://doi.org/10.1016/j.nedt.2012.10.010
    » https://doi.org/10.1016/j.nedt.2012.10.010
  • Matta, C. M. B., Lebrão, S. M. G., & Heleno, M. G. V. (2017). Adaptação, rendimento, evasão e vivências acadêmicas no ensino superior: Revisão da literatura. Psicologia Escolar e Educacional, 21(3), 583-591. https://doi.org/10.1590/2175-353920170213111118
    » https://doi.org/10.1590/2175-353920170213111118
  • Monteiro, M. C., & Soares, A. B. (2017a). Concepção de estudantes sobre resolução de problemas e automonitoria. Psicologia Escolar e Educacional, 21(2), 333-341. https://doi.org/10.1590/2175-3539201702121124
    » https://doi.org/10.1590/2175-3539201702121124
  • Monteiro, M. C., & Soares, A. B. (2017b). Adaptação e validação da escala de automonitoria para o português do Brasil. Avaliação Psicológica , 21(2), 169-175. https://doi.org/10.15689/AP.2017.1602.07
    » https://doi.org/10.15689/AP.2017.1602.07
  • Oliveira, K. L., Santos, A. A. A., & Inácio, A. L. M. (2018). Adaptação acadêmica e estilos intelectuais no ensino superior. Estudos Interdisciplinares em Psicologia, 9(3), 1-17. https://doi.org/10.5433/2236-6407.2018v9n3suplp73
    » https://doi.org/10.5433/2236-6407.2018v9n3suplp73
  • Santos, G. G., & Silva, L. C. (2011). A evasão na educação superior entre debate social e objeto de pesquisa. In S. M. R. Sampaio (Org.), Observatório da vida estudantil primeiros estudos (pp. 256-257). Edufba.
  • Sicre, E., & Casaro, L. (2014). Estrategias de afrontamiento en estudiantes de Psicología. Revista de Psicología, 10(20), 61-72.
  • Sim, H. S., & Moon, W. H. (2015). Relationships between self-efficacy, stress, depression and adjustment of college students. Indian Journal of Science and Technology, 8(35), 2-4. http://doi.org/10.17485/ijst/2015/v8i35/86802
    » http://doi.org/10.17485/ijst/2015/v8i35/86802
  • Snyder, M., & Gangestad, S. (1986). On the nature of self-monitoring: Matters of assessment, matters of validity. Journal of Personality and Social Psychology, 51(1), 125-139. https://doi.org/10.1037/0022-3514.51.1.125
    » https://doi.org/10.1037/0022-3514.51.1.125
  • Soares, A. P., Almeida, L. S., Diniz, A. M., & Guisande, M. A. (2006). Modelo multidimensional de ajustamento de jovens ao contexto universitário (MMAU): Estudo com estudantes de ciências e tecnologias versus ciências sociais e humanas. Análise Psicológica, 1(24), 15-27.
  • Soares, A. B., Monteiro, M. C., Medeiros, H. C. P., Maia, F. de A., & Barros, R. de S. N. (2021). Adaptação acadêmica à universidade: Relações entre motivação, expectativas e habilidades sociais. Psicologia Escolar E Educacional, 25(Psicol. Esc. Educ., 2021 25), e226072. https://doi.org/10.1590/2175-35392021226072
    » https://doi.org/10.1590/2175-35392021226072
  • Soares, A. B., Monteiro, M. C., Maia, F. A., & Santos, Z. A. (2019). Comportamentos sociais acadêmicos de universitários de instituições públicas e privadas: o impacto nas vivências no ensino superior. Pesquisas e Práticas Psicossociais, 14(1), 1-16.
  • Soares, A. B., Porto, A. M., Lima, C. A., Gomes, C., Rodrigues, D. A., Zanoteli, R., Santos, Z. A., Fernandes, A., & Medeiros, H. (2018). Vivências, Habilidades Sociais e Comportamentos Sociais de Universitários. Psicologia: Teoria e Pesquisa, 34, 1-11. https://doi.org/10.1590/0102.3772e34311
    » https://doi.org/10.1590/0102.3772e34311
  • Tate, K., Caperton, W., Kaiser, D., Pruitt, N. T., White, H., & Hall, E. (2015). An exploration of first-generation college students’ career development beliefs and experiences. Journal of Career Development, 42(4), 294-310. https://doi.org/ 10.1177/0894845314565025
    » https://doi.org/ 10.1177/0894845314565025
  • Tyler, J. M., Kearns, P. O., & McIntyre, M. M. (2016). Effects of Self-Monitoring on Processing of Self-Presentation Information. Social Psychology, 47, 174-178. https://doi.org/10.1027/1864-9335/a000265
    » https://doi.org/10.1027/1864-9335/a000265

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    14 Abr 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    29 Set 2020
  • Aceito
    09 Ago 2021
Conselho Federal de Psicologia SAF/SUL, Quadra 2, Bloco B, Edifício Via Office, térreo sala 105, 70070-600 Brasília - DF - Brasil, Tel.: (55 61) 2109-0100 - Brasília - DF - Brazil
E-mail: revista@cfp.org.br