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PsicoQuilombologia: Escrevivência de uma Psicologia das Encruzilhadas em Tempos Pandêmicos1 1 Advertência: esse texto foi produzido com quase 100% de autoras(es) pretas(os) escrevendo sobre pessoas pretas(os).

PsychoQuilombology: Writexperience of a Psychology of Crossroads in Pandemic Times

PsicoQuilombología: Escrivivencia de una Psicología de la Encrucijada en Tiempos Pandémicos

Resumo

O texto é um relato de experiência da participação no Grupo de Estudos psicoQuilombologia ocorrida nos meses de setembro de 2020 a março de 2021, período atravessado pela segunda onda da pandemia de COVID-19 no Brasil. O objetivo do relato é apresentar o conceito-movimento de psicoQuilombologia como uma proposta epistemológica quilombola de agenciamento de cuidado e saúde, com base em uma escuta que se faça descolonial e inspirada no fecundo e ancestral acervo de cuidado dos povos africanos, quilombolas e pretos, preservado e atualizado em nossos quilombos contemporâneos. A metodologia utilizada é a escrevivência, método desenvolvido por Conceição Evaristo que propõe uma escrita em que as vivência e memórias estão totalmente entrelaçadas, imersas e imbricadas com a pesquisa. O resultado das escrevivências dessa pesquisa descortinam que os povos pretos desenvolveram práticas de cuidado e acolhimento às vulnerabilidades do outro, enraizadas no fortalecimento de laços e conexões coletivas de afetos e cuidado mútuos. Práticas de cuidado que articulam memória, ancestralidade, tradição, comunidade, transformação, luta, resistência e emancipação, engendrando modos coletivos de ser e viver. Nas quais cuidar do outro implica tratar suas relações e situar o cuidado como extensão de uma cura que se agencia no coletivo. O trabalho conclui apontando que o cenário pandêmico vigente acentua a pungência de se desenvolver estratégias de cuidado baseadas em epistemologias pretas e quilombolas, valorizando os sentidos de ancestralidade, comunidade, pertencimento e emancipação.

Palavras-chaves:
Psicologia do Quilombo; Epistemologias Pretas; Estratégias de Cuidado Durante e Pós-Pandemia de COVID-19; Escrevivência

Abstract

The text is an experience report of the participation in the psicoQuilombology Study Group that carried out from September 2020 to March 2021, during the second wave of the COVID-19 pandemic in Brazil. The purpose of the report is to introduce the concept-movement of psicoQuilombology as a quilombola epistemological proposal for the development of care and health, based on a decolonial listening and inspired by the rich care collection of African peoples, quilombolas and Blacks, preserved and updated in our contemporary quilombos. The methodology used is writexperience [escrevivências], a method developed by Conceição Evaristo who proposes a writing in that the experiences and memories are totally involved with the research. The result of the writability of this research show that Black people have developed practices of care and acceptance of the other’s vulnerabilities, based on the strengthening of ties and collective connections of mutual affection and care. Care practices that mix memory, ancestry, tradition, community, transformation, struggle, resistance and emancipation, outlining collective ways of being and living. The core idea is that taking care of the other means treating your relationships and maintaining care as an extension of a cure that takes place in the collective. The paper concludes by pointing out that the current pandemic scenario demonstrates the urgent need to develop care strategies based on black and quilombola epistemologies, valuing the senses of ancestry, community, belonging and emancipation.

Keywords:
Quilombo Psychology; Black Epistemologies; Care strategies during and after the COVID-19 pandemic; Writexperience

Resumen

Este es un reporte de experiencia de la participación en el Grupo de Estudio psicoQuilombología que ocurrió en los meses de septiembre de 2020 a marzo de 2021, periodo en que Brasil afrontaba la segunda ola de la pandemia de la COVID-19. Su propósito es presentar el concepto-movimiento de psicoQuilombología como una propuesta epistemológica quilombola para el desarrollo del cuidado y la salud, basada en una escucha decolonial e inspirada en el rico acervo asistencial de los pueblos africanos, quilombolas y negros, conservado y actualizado en nuestros quilombos contemporáneos. La metodología utilizada es la escrivivencia, un método desarrollado por Conceição Evaristo quien propone una escrita en que las vivencias y los recuerdos están totalmente involucrados con la investigación. El resultado de la escrivivencia muestra que las personas negras han desarrollado prácticas de cuidado y aceptación de las vulnerabilidades del otro, basadas en el fortalecimiento de lazos y conexiones colectivas de afecto y cuidado mutuos. Prácticas de cuidado que mezclan memoria, ascendencia, tradición, comunidad, transformación, lucha, resistencia y emancipación, perfilando formas colectivas de ser y vivir. El cuidar al otro significa tratar sus relaciones y mantener el cuidado como una extensión de una cura que tiene lugar en lo colectivo. El trabajo concluye que el actual escenario pandémico demuestra la urgente necesidad de desarrollar estrategias de atención basadas en epistemologías negras y quilombolas, y que valoren los sentidos de ascendencia, comunidad, pertenencia y emancipación.

Palabras clave:
Psicología del Quilombo; Epistemologías negras; Estrategias de atención durante y después de la pandemia de la COVID-19; Escrivivencia

Sikiliza Kwa Wahenga2 2 Provérbio na língua suaíli que significa “Ouça os seus ancestrais”.

Um texto-convite. Talvez seja essa a melhor acepção que poderíamos sugerir para definir as próximas linhas. Um convite ao exercício de alteridade, na tentativa de apreender as percepções e sentidos engendrados por nossos olhos, peles, corpos e ancestralidades, todas as vezes que entrávamos na roda virtual de conversas, silêncios, cuidado e acolhimento do Grupo de Estudos de psicoQuilombologia: “Do Quilombo eu vim”, ocorrida mensalmente na plataforma Google Meet, entre os meses de setembro de 2020 a março de 2021, período atravessado pela segunda onda da pandemia de COVID-19 no Brasil. A roda de conversa diaspórica virtual reunia estudantes universitárias(os) e pessoas pretas(os) das comunidades extramuros universitários de várias regiões do Brasil.

O grupo propiciava o compartilhamento de experiências de uma coletividade de corpos e existências pretas atravessadas por uma pandemia de dimensões históricas incomparáveis: a chaga do racismo. É muito doloroso ter que lidar todos os dias de nossa (r)existência com olhares, gestos, comportamentos e leituras que constantemente questionam nosso valor e nosso lugar no mundo, somados às tentativas institucionais de invisibilização e apagamento de nossos saberes, ciências e epistemologias. Ademais, ser preto no Brasil pode ser bem arriscado. Segundo os últimos dados coletados pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), de cada 10 homicídios ocorridos no Brasil, cerca de 7 são contra homens, jovens e pretos (Barros, 2008Barros, G. S. (2008). Filtragem racial: A cor na seleção do suspeito. Revista Brasileira de Segurança Pública, 2(3), 134-156. https://revista.forumseguranca.org.br/index.php/rbsp/article/view/31/29
https://revista.forumseguranca.org.br/in...
; Cerqueira, Ferreira, & Bueno, 2021Cerqueira, D., Ferreira, H., & Bueno, S. (Coords.). (2021). Atlas da violência 2021. FBSP. https://www.ipea.gov.br/atlasviolencia/arquivos/artigos/5141-atlasdaviolencia2021completo.pdf
https://www.ipea.gov.br/atlasviolencia/a...
; Souza, & Reis, 2014Souza, J. L. C. de, & Reis, J. F. G. (2014). A discricionariedade policial e os estereótipos suspeitos. Revista NUFEN, 6(1), 125-166. http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S2175-25912014000100007
http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?scr...
). O racismo nos mata.

A pandemia de COVID-19 é uma emergência global que corroborou para as assimetrias sociais, afetando especialmente a população preta brasileira, que vive majoritariamente em situação de vulnerabilidade social, em comunidades restritas ao acesso à educação, serviços de saneamento básico, internet, moradias adequadas, proteção social, fragilidade e precarização dos direitos e condições trabalhistas, privação de liberdade, sucateamento dos serviços de saúde, invasão e violação arbitrárias a nossos territórios e corpos perpetradas pelas agências militares do Estado (Araújo, & Caldwell, 2020Araújo, E., & Caldwell K. L. (2020). Por que a COVID-19 é mais mortal para a população negra. In Associação Brasileira de Saúde Coletiva, População Negra e Covid-19 (pp. 8-10). Abrasco. https://abrasco.org.br/site/wp-content/uploads/2021/10/E-book_saude_pop_negra_covid_19_VF.pdf
https://abrasco.org.br/site/wp-content/u...
; Gonzaga, & Cunha, 2020Gonzaga, P. R. B., & Cunha, V. M. (2020). Uma pandemia viral em contexto de racismo estrutural: Desvelando a generificação do genocídio negro. Psicologia: Ciência e Profissão, 40(1), 1-17. https://www.scielo.br/j/pcp/a/bgPCS9rTtKx4yTPZmnLsvtp/?format=pdf⟨=pt
https://www.scielo.br/j/pcp/a/bgPCS9rTtK...
; Santos, 2020Santos, M. P. A. dos. (2020). População Negra e Covid-19: Reflexões sobre racismo e saúde. Estudos Avançados, 34(99), 225-244. https://doi.org/10.1590/s0103-4014.2020.3499.014
https://doi.org/10.1590/s0103-4014.2020....
; Bassi, Silva, & Lustosa, 2021Bassi, M. C. P., Silva, J. C., & Lustosa, T. S. (2021). Pandemia antidemocrática: a covid-19 sob a ótica da necropolítica à brasileira. Revista de Direito da FAE, 3(1), 10-32. https://revistadedireito.fae.edu/direito/article/view/75
https://revistadedireito.fae.edu/direito...
).

O Grupo de Estudos de psicoQuilombologia: “Do Quilombo eu vim” nos instiga a problematizar se uma estratégia de cuidado a uma pessoa preta que não se permita compreender as múltiplas camadas de violências ensejadas pelo racismo estrutural (Almeida, 2019Almeida, S. (2019). Racismo estrutural. Pólen.) no histórico contexto necropolítico brasileiro (Mbembe, 2016Mbembe, A. (2016). Necropolítica. Arte & Ensaios, 32(2), 123-151. https://revistas.ufrj.br/index.php/ae/article/view/8993/7169
https://revistas.ufrj.br/index.php/ae/ar...
) pode proporcionar movimentos emancipatórios. psicoQuilombologia é um conceito-movimento desenvolvido por Bruna Rosa Farias e Charlene Costa Bandeira, duas mulheres pretas, quilombolas, de comunidades quilombolas rurais localizadas ao sul do estado do Rio Grande do Sul, uma mestranda e uma formanda, ambas do curso de Psicologia, com base em referenciais e epistemologias pretas e quilombolas, cujos valores éticos e culturais se fundam em um conceito de subjetividade conjugado sempre no plural.

O Eu Individual é substituído por um eu coletivo (Asante, 2009Asante, M. (2009). Afrocentricidade: notas sobre uma posição disciplinar. In E. L. Nascimento (Org.), Afrocentricidade: Uma abordagem epistemológica inovadora (pp. 93-110). Selo Negro.). O indivíduo e o coletivo tornam-se instâncias imbricadas e as dimensões física, mental e espiritual estão entrelaçadas. Nessa perspectiva, o sentido de comunidade, presente em diversas ancestralidades africanas, é um elemento central na manutenção da saúde, enquanto lugar onde se pode exercitar o cuidado ao outro e o compartilhamento de dons, dádivas, vulnerabilidades e potencialidades (Somé, 2007Somé, S. (2007). O espírito da intimidade: Ensinamentos ancestrais africanos sobre maneiras de se relacionar. Odysseus.).

O presente texto é uma escrevivência (Evaristo, 2017aEvaristo, C. (2017a) Ponciá Vicêncio. Pallas.) que deseja apresentar um relato de experiência da participação no grupo de estudos psicoQuilombologia como uma proposta epistemológica quilombola de agenciamento de cuidado e saúde, fundamentada em uma escuta que se faça descolonial (Fanon, 2008Fanon, F. (2008). Pele negra, máscaras brancas. Editora Edufba.) e inspirada no fecundo e ancestral acervo de cuidado dos povos africanos, quilombolas e pretos, preservado e atualizado em nossos quilombos contemporâneos.

Por se tratar de um relato da experiência dos próprios autores dentro do grupo de estudos psicoQuilombologia, não houve necessidade de submissão ao Conselho de Ética em Pesquisa (CEP), de acordo com a resolução 510/2016, art. 1, VIII, já que as atividades realizadas possuíam o intuito educacional.

Aquilombar-se. Memória, esquecimento, identidades: Do quilombo eu vim

A árvore é uma figura bastante cultuada e presente nas literaturas africanas pós-coloniais, aglutinando várias representações (Queiroz, 2012Queiroz, A. O. D. (2012). Sob a árvore das palavras: Oralidade, escrita e memória nas literaturas de língua portuguesa. Intersemiose, 1(2), 30-37. https://www.neliufpe.com.br/wp-content/uploads/2012/11/02.pdf
https://www.neliufpe.com.br/wp-content/u...
). Mia Couto (2006Couto, M. (2006). O outro pé da sereia. Caminho.), em seu romance O outro pé da sereia, refere-se a uma árvore secular chamada Mulambe, também conhecida como a árvore das voltas, árvore do esquecimento ou árvore das palavras. As histórias orais africanas relatavam que a pessoa que desse três voltas em torno dessa árvore perdia a memória, deixando de saber de onde vinha ou quem eram seus antepassados. Tudo se tornaria recente, desenraizado, sem amarras, sem passado. Mia Couto narraque os africanos em condição escravizada, impelidos pelos colonizadores, teriam sido os primeiros a darem as três voltas. Em determinado trecho do romance, a narrativa parece pontuar a necessidade de não esquecermos de quem somos. Mwadia Malunga, uma importante personagem do conto, que agencia a fusão entre passado e presente, questiona: “E quem somos…? Quem somos?” (Couto, 2006Couto, M. (2006). O outro pé da sereia. Caminho., p. 55).

Abdias Nascimento (1980Nascimento, A. (1980). Quilombismo: Documentos da militância pan-africanista. Vozes.) descreve os sucessivos ataques às memórias dos povos pretos pelos colonizadores, seja aqui no Brasil ou no continente africano, nos últimos 500 anos, na tentativa de distorcer ou negar nosso passado histórico. Fomos seccionados dessa árvore frondosa, gigantesca e com raízes profundas, que é o continente africano, sem quaisquer registros das inúmeras nações das quais descendíamos e, em seguida, impedidos de manter nossas raízes étnicas, culturais e históricas. O sistema educacional institucional estatal brasileiro cuidou de obliterar quaisquer lembranças positivas de nosso tronco familiar africano. A memória da diversidade de saberes, conhecimentos e produções científicas e filosóficas dos povos africanos tem sofrido um contínuo processo de apagamento e invisibilidade (Nascimento, 1980Nascimento, A. (1980). Quilombismo: Documentos da militância pan-africanista. Vozes.).

Paralelamente a esse movimento colonialista, violento e arrogante, multiplicam-se amplamente pelo território brasileiro, desde o século XV, os quilombos, espaços físicos e simbólicos de resistência e sobrevivência das memórias identitárias africanas, rompendo com o sistema escravocrata, estabelecendo sociedades onde é possível exercer mais livremente a existência de ser. Os quilombos assumiram os mais diversos formatos e modelos organizacionais, desde aqueles que sobreviviam na ilegalidade, localizados em territórios distantes, de difícil acesso aos colonizadores, facilitando a sua própria defesa e organização econômica-política-social, a outros que passaram a ser tolerados e permitidos, possuindo um caráter religioso, esportista, recreativo, beneficente e cultural. São redes cuja função social e política é promover e reforçar o cuidado mútuo, a resistência espiritual, física, étnica, identitária, cultural e o fortalecimento do protagonismo dos povos pretos sobre sua própria história (Nascimento, 1980Nascimento, A. (1980). Quilombismo: Documentos da militância pan-africanista. Vozes.).

Os quilombos exercem papel preponderante na preservação da memória do que somos e na reconexão e revigoramento com nossas raízes africanas ancestrais, contribuindo para a manutenção de nossa consciência de luta, apesar de serem alvo constante da criminalização e violência (Santos, 2015Santos, A. B. D. (2015). Colonização, quilombos: Modos e significações. INCTI/UnB.), perpetradas atualmente pela chancela de um Estado racista e fascista.

Abdias Nascimento (1980Nascimento, A. (1980). Quilombismo: Documentos da militância pan-africanista. Vozes.) refere-se ao quilombismo como uma ideia-força, um conceito científico histórico-social que tem inspirado e mobilizado amplamente vários modelos de coletividade preta, com base em valores de comunidade, cooperativismo, resistência, fraternidade, solidariedade, convivência, compartilhamento, identidades, cuidado e agrupamento em todas as expressões de nossa existência, entendendo que mudanças políticas e sociais consistentes estão intrinsecamente associadas à necessidade de organização e mobilização coletivas.

Aquilombar-se é um movimento que nos reconecta com nossas raízes pretas africanas de luta, resistência e cuidado, e nos instrumentaliza para vislumbrar e constituir novas narrativas identitárias, enquanto protagonistas de nossa própria história (Nascimento, 1980Nascimento, A. (1980). Quilombismo: Documentos da militância pan-africanista. Vozes.).

Maria Beatriz Nascimento (2018Nascimento, M. B. (2018). Beatriz Nascimento, quilombola e intelectual: Possibilidades nos dias da destruição. Filhos da África.) ressalta a importância do protagonismo preto ao reconstituirmos a narrativa de nossa história, marcada por cortes, lapsos, hiatos e rupturas com nosso passado. Beatriz Nascimento propõe uma escrita histórica acadêmica em primeira pessoa, enquanto uma tomada de posição política. Ela diz: “Eu sou preta, penso e sinto assim” (Ratts, 2006Ratts, A. (2006). Eu sou Atlântica: Sobre a trajetória de vida de Beatriz Nascimento. Instituto Kuanza., p. 94). Quilombo, visto por Beatriz Nascimento (2018Nascimento, M. B. (2018). Beatriz Nascimento, quilombola e intelectual: Possibilidades nos dias da destruição. Filhos da África.), é um lugar de agrupamento, afirmação étnica, ideológica e cultural, onde passado e presente se encontram em território físico e simbólico. Beatriz Nascimento confronta as concepções brancas estereotipadas e desleixadas sobre o tema. Quilombo não possui um sentido estático. É um movimento atemporal. É uma estrutura social que agrega valores enraizados étnicos, identitários e culturais africanos, mas está sempre em sintonia com seu momento histórico e territorial, constituindo novos grupos e novas relações sociais, ressignificando-se (Nascimento, 2018Nascimento, M. B. (2018). Beatriz Nascimento, quilombola e intelectual: Possibilidades nos dias da destruição. Filhos da África.).

Nascimento (2018Nascimento, M. B. (2018). Beatriz Nascimento, quilombola e intelectual: Possibilidades nos dias da destruição. Filhos da África.) alerta para o cuidado de não reduzir os quilombos a espaços de luta e liberdade. Configuram-se também em espaços de organização e compartilhamento étnico, identitário e cultural, ensejando relações sociais. Uma tentativa preta vitoriosa que evidencia nossa capacidade de nos organizarmos social, ideológica, autônoma, territorial e politicamente (Nascimento, 2018Nascimento, M. B. (2018). Beatriz Nascimento, quilombola e intelectual: Possibilidades nos dias da destruição. Filhos da África.). O conceito de quilombo é uma ferramenta importante para nosso fortalecimento psíquico (Nascimento, 2018Nascimento, M. B. (2018). Beatriz Nascimento, quilombola e intelectual: Possibilidades nos dias da destruição. Filhos da África.) e o sentido de pertencimento (Nascimento, 1980Nascimento, A. (1980). Quilombismo: Documentos da militância pan-africanista. Vozes.).

A personagem de Mia Couto (2006Couto, M. (2006). O outro pé da sereia. Caminho.) pergunta “quem somos?”; Beatriz Nascimento parece dar alguns indicativos: “A Terra é o meu quilombo. Meu espaço é meu quilombo. Onde eu estou, eu estou. Quando eu estou, eu sou” (Ratts, 2006Ratts, A. (2006). Eu sou Atlântica: Sobre a trajetória de vida de Beatriz Nascimento. Instituto Kuanza., p. 6).

Psicologia Afrocentrada: Desfazendo as três voltas em torno da árvore

Neusa Santos Souza (1983Souza, N. S. (1983). Tornar-se negro ou as vicissitudes da complexidade do negro brasileiro em ascensão social (2a ed.). Graal.) introduz sua obra Tornar-se negro ou as vicissitudes da identidade do negro brasileiro em ascensão social com a seguinte frase: “Umas das formas de exercer autonomia é possuir um discurso sobre si mesmo” (p. 17). Neusa Souza descreve que pretende contribuir para a construção de um discurso do preto sobre o próprio preto. A autora pontua que tornar-se ou saber-se preta(o) implica “viver a experiência de ter sido massacrada em sua identidade, confundida em suas perspectivas, submetida a exigências, compelida a expectativas alienadas. Mas é também, e sobretudo, a experiência de comprometer-se a resgatar sua história e recriar-se em suas potencialidades” (p. 18).

Neusa Souza esboça uma teoria que vai ao encontro do conceito de afrocentricidade, surgido também na década de 1980 com as obras de Molefi K. Asante (Mazama, 2009Mazama, A. (2009). A afrocentricidade como um paradigma. In E. L. Nascimento (Org.), Afrocentricidade: Uma abordagem epistemológica inovadora (pp. 111-128). Selo Negro.). Asante (2009Asante, M. (2009). Afrocentricidade: notas sobre uma posição disciplinar. In E. L. Nascimento (Org.), Afrocentricidade: Uma abordagem epistemológica inovadora (pp. 93-110). Selo Negro.), em seu texto Afrocentricidade: Notas sobre uma posição disciplinar, define o conceito de afrocentricidade como sendo “um tipo de pensamento, prática e perspectiva que percebe os africanos como sujeitos e agentes de fenômenos atuando sobre a sua própria imagem cultural e de acordo com seus próprios interesses humanos” (p. 93). Trata-se de um conceito que convoca a nós pretos assumirmos o compromisso com a escrita e assinatura de nossos próprios discursos e narrativas, enquanto sujeitos ativos e agentes de nossa história.

Uma escrita que exale nós em todos os meatos. Asante (2009Asante, M. (2009). Afrocentricidade: notas sobre uma posição disciplinar. In E. L. Nascimento (Org.), Afrocentricidade: Uma abordagem epistemológica inovadora (pp. 93-110). Selo Negro.) explica que o conceito de afrocentricidade está diretamente associado à ideia de território, lugar e posição. A diáspora dos povos africanos desloca nossos corpos da árvore-mãe, o continente africano, e nos insere nas margens e periferias nos diversos processos colonialistas. Desde então, nossa história foi montada/inventada/ficcionada com base na visão de mundo e interesses do colonizador, o que inviabilizou que tivéssemos domínio do discurso sobre nós mesmos, gerando o que Asante (2009Asante, M. (2009). Afrocentricidade: notas sobre uma posição disciplinar. In E. L. Nascimento (Org.), Afrocentricidade: Uma abordagem epistemológica inovadora (pp. 93-110). Selo Negro.) denomina desagência: sermos descartados como atores ou protagonistas de nossos próprios mundos, relegados à condição de vítimas ou dependentes.

Afrocentricidade propõe nos recolocar no lugar de agentes autoconscientes, no centro da produção de narrativas sobre nós, adquirindo agência, que Asante (2009Asante, M. (2009). Afrocentricidade: notas sobre uma posição disciplinar. In E. L. Nascimento (Org.), Afrocentricidade: Uma abordagem epistemológica inovadora (pp. 93-110). Selo Negro.) define como a capacidade de poder acessar recursos psicológicos e culturais necessários para tornar-nos sujeitos ativos em todas nossas instâncias, políticas, sociais, culturais e econômicas (Asante, 2009Asante, M. (2009). Afrocentricidade: notas sobre uma posição disciplinar. In E. L. Nascimento (Org.), Afrocentricidade: Uma abordagem epistemológica inovadora (pp. 93-110). Selo Negro.). Neusa Souza e Molefi Asante consideram central a questão da consciência de ser preto, tornar-se preto, sobretudo estando inseridos em um ambiente em que a ideologia, comportamentos, estética, valores, exigências, expectativas e prerrogativas dominantes são brancos, promovendo a internalização da supremacia branca (Souza, 1983Souza, N. S. (1983). Tornar-se negro ou as vicissitudes da complexidade do negro brasileiro em ascensão social (2a ed.). Graal.; Mazama, 2009Mazama, A. (2009). A afrocentricidade como um paradigma. In E. L. Nascimento (Org.), Afrocentricidade: Uma abordagem epistemológica inovadora (pp. 111-128). Selo Negro.; Asante, 2009Asante, M. (2009). Afrocentricidade: notas sobre uma posição disciplinar. In E. L. Nascimento (Org.), Afrocentricidade: Uma abordagem epistemológica inovadora (pp. 93-110). Selo Negro.).

Asante elabora o conceito de localização psicológica, que diz respeito a quanto nos sentimos próximas(os) ou distantes, irmanadas(os) ou estranhas(os) aos mundos africanos (Asante, 2009Asante, M. (2009). Afrocentricidade: notas sobre uma posição disciplinar. In E. L. Nascimento (Org.), Afrocentricidade: Uma abordagem epistemológica inovadora (pp. 93-110). Selo Negro.). A localização psicológica pode revelar o lugar de uma pessoa em relação a sua cultura, se central ou às margens; ou o lugar de uma pessoa em relação ao colonizador, centrada nas experiências do opressor ou no centro de sua própria história. Asante (2009Asante, M. (2009). Afrocentricidade: notas sobre uma posição disciplinar. In E. L. Nascimento (Org.), Afrocentricidade: Uma abordagem epistemológica inovadora (pp. 93-110). Selo Negro.) escreve sobre o compromisso de descobrir o lugar do africano como sujeito. Ele sinaliza para a frequência com que as temáticas e valores africanos são analisados e discutidos com base em concepções eurocêntricas ou não-africanas, desconsiderando o que os próprios africanos pensam, dizem, fazem e escrevem a respeito. As produções acadêmicas africanas são atacadas e diminuídas.

A Afrocentricidade reverte essa lógica da colonialidade, propondo que nossas temáticas sejam analisadas de acordo com nossas próprias epistemologias, encontrando uma ótica e compreensão africanas sobre nossos fenômenos. A Afrocentricidade se arvora do desafio de desmascarar as teorias particularistas transvestidas de universais, naturais e normais.

Asante define africanos como pessoas cujos ancestrais se originaram no continente africano, englobando todos os afrodescendentes no continente africano e na diáspora em todo o mundo (Asante, 2009Asante, M. (2009). Afrocentricidade: notas sobre uma posição disciplinar. In E. L. Nascimento (Org.), Afrocentricidade: Uma abordagem epistemológica inovadora (pp. 93-110). Selo Negro.). Somos todos pretos africanos. Reconhecer-se como africano é uma etapa importante rumo ao tornar-se preto. É a reconexão com nossa localização psicológica. Talvez signifique o desfazer de nossas três voltas em torno da árvore. Tornar-se africano passa pelo processo de nos dispormos a identificar e compreender nossa sistemática conversão intelectual ao eurocentrismo, perpetrado pelos sistemas educacionais, promotores de ideias brancas individualistas, materialistas e racistas.

Mazama (2009Mazama, A. (2009). A afrocentricidade como um paradigma. In E. L. Nascimento (Org.), Afrocentricidade: Uma abordagem epistemológica inovadora (pp. 111-128). Selo Negro.), ao descrever o paradigma afrocêntrico, discorre que uma de suas principais dimensões é a funcionalidade. Todo conhecimento produzido no paradigma afrocentrado necessita ser emancipador, ativar a consciência africana, ser capaz de produzir movimentos, propiciar realocação ao centro africano (Asante, 2009Asante, M. (2009). Afrocentricidade: notas sobre uma posição disciplinar. In E. L. Nascimento (Org.), Afrocentricidade: Uma abordagem epistemológica inovadora (pp. 93-110). Selo Negro.; Mazama, 2009Mazama, A. (2009). A afrocentricidade como um paradigma. In E. L. Nascimento (Org.), Afrocentricidade: Uma abordagem epistemológica inovadora (pp. 111-128). Selo Negro.).

PsicoQuilombologia nas Encruzilhadas: Aquilombando territórios

Para Abrahão de Oliveira Santos (2019Santos, A. de O. (2019). O enegrecimento da psicologia: Indicações para a formação profissional. Psicologia: Ciência e Profissão, 39, 159-171. https://www.scielo.br/j/pcp/a/Phjf88DnyttsFSHMNxcmWLJ/?lang=pt&format=pdf
https://www.scielo.br/j/pcp/a/Phjf88Dnyt...
), os terreiros são importantes espaços de acolhimento, resistência, luta, cuidado mútuo e compartilhamento de conhecimentos e saberes tradicionais acerca da saúde da população preta. “Uma pessoa entra pela porta do barracão e não tem nada, quando sai ela tem ancestralidade, avós, tios e mãe de santo, inúmeros irmãos e irmãs e tem toda uma memória recuperada” (Mãe Muagi como citada em Santos, 2019Santos, A. de O. (2019). O enegrecimento da psicologia: Indicações para a formação profissional. Psicologia: Ciência e Profissão, 39, 159-171. https://www.scielo.br/j/pcp/a/Phjf88DnyttsFSHMNxcmWLJ/?lang=pt&format=pdf
https://www.scielo.br/j/pcp/a/Phjf88Dnyt...
, p. 161).

Acolhimento é um elemento central de cuidado nas tradições ancestrais de matriz africana, possuindo um efeito de cura, produzindo coletivo, memória e pertencimento. A prática do cuidar, acolher e ter empatia pela vulnerabilidade do outro tem sido essencial na sobrevivência e resistência histórica dos povos da diáspora africana, sendo parte integrante das lutas para existir. Os terreiros preservaram nossos valores, crenças e práticas ancestrais de cuidado (Santos, 2019Santos, A. de O. (2019). O enegrecimento da psicologia: Indicações para a formação profissional. Psicologia: Ciência e Profissão, 39, 159-171. https://www.scielo.br/j/pcp/a/Phjf88DnyttsFSHMNxcmWLJ/?lang=pt&format=pdf
https://www.scielo.br/j/pcp/a/Phjf88Dnyt...
). Crenças e tradições ancestrais que conseguiram resistir e sobreviver a todas as tentativas brutais de ataque perpetradas por uma colonialidade que não poupou esforços cruéis para sua desagregação e extinção revelam muita potencialidade.

Os cultos e tradições de matriz africana se constituem em espaços físicos e simbólicos de preservação das memórias e do sentido de pertencimento dos povos pretos, que constituem ferramentas importantes na luta e conquista de direitos sociais e políticos, na confrontação do racismo e no fortalecimento dos laços coletivos (Santos, 2019Santos, A. de O. (2019). O enegrecimento da psicologia: Indicações para a formação profissional. Psicologia: Ciência e Profissão, 39, 159-171. https://www.scielo.br/j/pcp/a/Phjf88DnyttsFSHMNxcmWLJ/?lang=pt&format=pdf
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). Os terreiros-quilombos, quais micro-Áfricas, executam, às margens do Estado e dos centros acadêmicos, uma verdadeira política pública de saúde preta, com uma concepção e discursos próprios sobre a produção de saúde e as técnicas de fazer saúde, engendrando modos próprios e coletivos de ser, existir, viver e agir, onde o verbo cuidar é sempre conjugado no coletivo, sendo tecido nos encontros, negociações, acordos e trocas (Santos, 2019Santos, A. de O. (2019). O enegrecimento da psicologia: Indicações para a formação profissional. Psicologia: Ciência e Profissão, 39, 159-171. https://www.scielo.br/j/pcp/a/Phjf88DnyttsFSHMNxcmWLJ/?lang=pt&format=pdf
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).

Saberes memoriais e identitários ancestrais e transgeracionais que se mantêm vivos e resguardados nos corpos e na oralidade de mães, pais, filhas e filhos de santo (Xavier, 2004Xavier, J. T. de P. (2004). Versos Sagrados de Ifá: Núcleo ordenador dos complexos religiosos de matriz Ioruba nas Américas [Tese de doutorado não publicada]. Universidade de São Paulo.). Nas tradições de matriz africana, a concepção de saúde está irremediavelmente associada ao sentido de comunidade. A pandemia de COVID e seus desdobramentos sociais acentuaram o fato de que o sentido de comunidade, seja físico, simbólico ou virtual, é vital para a manutenção da saúde (Bispo Júnior & Morais, 2020Bispo Júnior, J. P., & Morais, M. B. (2020). Participação comunitária no enfretamento da COVID-19: entre o utilitarismo e a justiça social. Cadernos de Saúde Pública, 36(8), 1-9. http://cadernos.ensp.fiocruz.br/static//arquivo/1678-4464-csp-36-08-e00151620.pdf
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).

psicoQuilombologia aglutina memórias, saberes e práticas oriundos dos terreiros-quilombos, em um diálogo tensional com os saberes dos centros acadêmicos, travado no entrecruzamento dos povos pretos e a Universidade. A proposta da psicoQuilombologia é aquilombar territórios na Psicologia, provocando e instigando estudos e diálogos com epistemologias, saberes, produções e práticas de cuidado e saúde pretos, problematizando o sentido de inclusão na Universidade para além de uma mera presença física de estudantes pretas(os) em sala de aula. Desafiar a psicologia a desacomodar-se e agregar novas narrativas fora do eixo colonial, ocidental e eurocêntrico.

Escrevivências

“A nossa escrevivência não pode ser lida como histórias para ‘ninar os da casa grande’ e sim para incomodá-los em seus sonos injustos” (Evaristo, 2017aEvaristo, C. (2017a) Ponciá Vicêncio. Pallas., p. 21). Escrevivência é um conceito metodológico desenvolvido por Conceição Evaristo, nascida em uma favela de Minas Gerais nos anos 1940, filha de uma família de mulheres lavadeiras que se constituíram por meio de trabalhos subalternos, ela mesma tendo iniciado o trabalho no serviço doméstico aos 8 anos de idade. “Eu não nasci rodeada de livros, eu nasci rodeada de palavras”, revela a escritora em quase todas as entrevistas.

Conceição Evaristo desenvolve o conceito metodológico de escrevivência propondo uma escrita acadêmica mesclada com sua vivência e memórias, conectando-se com as vivências e memórias de nosso povo, produzindo alteridade. A escrita de um corpo, de uma condição, de uma experiência preta. Escrevivências que ocorrem nos espaços explosivos e criativos de intervalo entre os acontecimentos e a narração do fato (Evaristo, 2017aEvaristo, C. (2017a) Ponciá Vicêncio. Pallas.).

Conceição Evaristo diz ter se inspirado em todo o processo histórico vivenciado pelas mulheres africanas e suas descendentes em condições escravizadas, obrigadas a contar histórias para ninar os filhos das casas grandes coloniais ou contemporâneas (Evaristo, 2017aEvaristo, C. (2017a) Ponciá Vicêncio. Pallas.). A escrevivência é a tentativa de superar, ou, como diz Conceição Evaristo, borrar essa imagem, construindo narrativas memorialistas desconcertantes e perturbadoras para os da casa grande (Evaristo, 2017aEvaristo, C. (2017a) Ponciá Vicêncio. Pallas.).

A escrita enquanto exercício de desespero, um lugar de vingança, uma tentativa de ferir o silêncio imposto, uma forma de sangrar, soar o coletivo grito abafado e, ao mesmo tempo, um movimento para vencer a dor, “um gesto de teimosia esperança” (Evaristo, 2005Evaristo, C. (2005). Gênero e etnia: uma escre(vivência) de dupla face. In N. M. B. Moreira & L. Schneider (Orgs.), Mulheres no mundo: Etnia, marginalidade e diáspora. Ideia, Editora Universitária., p. 2, 2017bEvaristo, C. (2017b). Becos da memória. Pallas., 2019Evaristo, C. (2019). ‘A escrita é exercício em desespero. Um lugar de vingança’, diz Conceição Evaristo [Entrevista concedida a Márcia Maria Cruz]. Estado de Minas. https://www.em.com.br/app/noticia/pensar/2019/11/01/interna_pensar,1097478/a-escrita-e-exercicio-em-desespero-diz-escritora-conceicao-evaristo.shtml
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). É, portanto, uma escrita em que as nossas existências estão totalmente entrelaçadas, imersas e contaminadas com a pesquisa. Conceição Evaristo dialoga com um princípio básico da afrocentricidade, a funcionalidade da pesquisa. Todo conhecimento afrocêntrico necessita estar a serviço da emancipação e empoderamento (Asante, 2009Asante, M. (2009). Afrocentricidade: notas sobre uma posição disciplinar. In E. L. Nascimento (Org.), Afrocentricidade: Uma abordagem epistemológica inovadora (pp. 93-110). Selo Negro.; Mazama, 2009Mazama, A. (2009). A afrocentricidade como um paradigma. In E. L. Nascimento (Org.), Afrocentricidade: Uma abordagem epistemológica inovadora (pp. 111-128). Selo Negro.).

Conceição Evaristo propõe uma metodologia de dentro. Ela exemplifica essa proposta utilizando as imagens textuais da escritora Miriam Alves (2019Alves, M. (2019). Maréia. Malê.) no texto Maréia. Uma empregada doméstica preta olhando para a patroa de dentro do quarto agencia uma autoria sobre subalternidade repleta de escrevivências. O que seria diferente de uma patroa olhando para sua empregada doméstica no quarto e tentando escrever sobre a vivência de subalternidade da empregada, sem ter vivenciado a experiência étnica e social de ser uma empregada doméstica preta (Evaristo, 2020Evaristo, C. (2020, 6 de fevereiro). Conceição Evaristo | Escrevivência [Vídeo]. YouTube. https://www.youtube.com/watch?v=QXopKuvxevY&ab_channel=LeiturasBrasileiras
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). Nesse olhar, faltaria o elemento vivencial, experiencial. Escrevivência exige pesquisas em que o autor assuma uma posição-sujeito e possa inserir o seu corpo no texto, escrevivendo sobre temáticas e experiências que inundaram seu corpo e deixaram cravados arquivos de impressões. Não é uma metodologia que possa ser produzida de fora, sem a dimensão subjetiva de ser e existir preto. É também uma escrita que reconhece a sua dimensão coletiva:

perceber que por baixo da assinatura do próprio punho, outras letras e marcas havia. A vida era um tempo misturado do antes-agora-depois-e-do-depois-ainda. A vida era a mistura de todos e de tudo. Dos que foram, dos que estavam sendo e dos que viriam a ser (Evaristo, 2017aEvaristo, C. (2017a) Ponciá Vicêncio. Pallas., p. 110).

Esse texto possui muito de nossas experiências como pessoas pretas imersas no Grupo de Estudos psicoQuilombologia e as vozes, silêncios, letras, memórias e marcas das demais pessoas pretas que compuseram o grupo ao longo dos encontros. Todos os membros do grupo eram atravessados por outras tantas pessoas pretas que atravessaram nossas experiências de vida até aqui. E, de algum modo, estavam todas presentes ali, sob nossas peles pretas.

Optamos por não narrar de forma cronológica nossas experiências no grupo. A narrativa será tecida a partir das memórias que forem se processando da rede de encontros.

Recuperando o olhar da empregada doméstica

O duplo dores/cura esteve presente durante todos nossos encontros do Grupo de Estudos psicoQuilombologia. Mas houve um momento em que ele esteve visceralmente presente, mais precisamente no dia 27 de novembro de 2020. Em função das comemorações do novembro preto, o grupo decidiu, excepcionalmente, realizar dois encontros no mês de novembro. O primeiro ocorreu no dia 13, quando tivemos uma roda de conversa virtual muito instigante sobre o texto Quem pode falar, de Grada Kilomba (2019Kilomba, G. (2019). Memórias da plantação: Episódios de racismo cotidiano. Cobogó.), que introduz a temática propondo um diálogo com o texto Pode o subalterno falar?, da crítica e teórica pós-colonialista indiana Gayatri Chakravorty Spivak (2010Spivak, G. C. (2010). Pode o subalterno falar? Editora da UFMG.). Ambas questionam se povos em condição de subalternidade possuem lugar de fala nos centros acadêmicos. Essa questão atravessou o encontro do dia 13 de novembro e alinhavou lembranças dolorosas que foram surgindo das inúmeras vezes que irmãs(os) pretas(os), presentes no grupo, foram silenciadas(os), desqualificadas(os) ou encontraram ouvidos aparentemente indiferentes quando tentaram expor suas demandas na Universidade, no curso de psicologia, nas salas de aula ou corredores acadêmicos.

Grada Kilomba (2019Kilomba, G. (2019). Memórias da plantação: Episódios de racismo cotidiano. Cobogó.) refere-se ao centro acadêmico como uma arena, um espaço de violência. Os rostos, as vozes, os olhares das(os) irmãs(os) pretas(os) captados em tela naquele encontro traziam as marcas dessa violência. Muitas falas nesse dia exibiam o incômodo, constrangimento e aversão pelo ambiente acadêmico, onde não se sentiram suficientemente acolhidas(os). Fruto de nossas lutas reivindicatórias, debates e embates sobre ações afirmativas e reparação histórica, a Lei nº 12.711/2012Lei nº 12.711, de 29 de agosto de 2012. (2012, 29 de agosto). Dispõe sobre o ingresso nas universidades federais e nas instituições federais de ensino técnico de nível médio e dá outras providências. Presidência da República. http://www.planalto.gov.br/CCIVIL_03/_Ato2011-2014/2012/Lei/L12711.htm
http://www.planalto.gov.br/CCIVIL_03/_At...
, conhecida como Lei de Cotas, tem multiplicado o número de pessoas pretas e indígenas nas universidades. Tatiana Dias Silva (2020Silva, T. D. (2020). Ação afirmativa e população negra na educação superior: Acesso e perfil discente. Ipea. https://www.ipea.gov.br/portal/images/stories/PDFs/TDs/td_2569.pdf
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) revela que, entre os anos 2010 a 2019, o número de alunos autodeclarados pretos nas universidades cresceu 400%, atingindo um percentual de 38,15%. Apesar de estar abaixo de nossa representatividade no conjunto da população (56%), representa um avanço histórico importante. É uma presença que não pode ser ignorada nos centros acadêmicos. E é uma inclusão que não pode se limitar à presença de nossos corpos físicos em sala de aula.

É notória a falta de representatividade preta e quilombola nas referências e epistemologias nas diversas disciplinas ministradas nos cursos acadêmicos (Lopes, Paixão, & Santos, 2019Lopes, E. D. S., Paixão, C. D. F., & Santos, D. B. (2019). “Os cansaços e golpes da vida”: Os sentidos do envelhecimento e demandas em saúde entre idosos do Quilombo Rincão do Couro, Rio Grande do Sul. Psicologia: Ciência e Profissão, 39, 85-100. https://www.scielo.br/j/pcp/a/DVJQmd8Jz8GknhsX4qt6jpv/?lang=pt&format=pdf
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). Desejamos representatividade também nos conteúdos ministrados nas universidades! Nossas vozes e pluralidades culturais e étnicas seguem sendo alvo de tentativas sistemáticas de depreciação e invisibilização. Nossos discursos são considerados excessivamente subjetivos, a-científicos, saberes desviantes que devem ficar circunscritos às margens, com base em um processo hierárquico branco violento que determina quem pode falar (Kilomba, 2019Kilomba, G. (2019). Memórias da plantação: Episódios de racismo cotidiano. Cobogó.) e, consequentemente, qual autor e discursos vão transitar nos centros acadêmicos, razão pela qual todas(os) as(os) pretas(os) presentes naquele encontro estavam sendo expostas(os) a uma graduação colonizadora cujos discursos teóricos são majoritariamente produzidos por pessoas brancas, na tentativa de forjar e fortalecer a ideia de que nossos discursos não pertencem àquele espaço. Não por acaso, o desejo de desistir da academia foi algo que se mostrou recorrente em muitas falas daquele encontro.

Grada Kilomba (2019Kilomba, G. (2019). Memórias da plantação: Episódios de racismo cotidiano. Cobogó.) parece indicar que, talvez, mais importante do que responder à questão título de seu texto, seja empreender o desafio sugerido por Spivak de recuperar o ponto de vista da subalterna sobre nossas narrativas. Essa ideia reverberou bastante no encontro. Recuperar o ponto de vista da subalternidade não parece uma tarefa simples, haja vista a quantidade de tempo pelo qual fomos bombardeados violentamente na academia pelo ponto de vista do colonizador. E, nesse momento, somos capturados pela memória de nosso encontro ocorrido no dia 27 de março de 2021, em que tivemos uma roda de conversa virtual perpassada pelo texto Tornar-se negro, de Neusa Souza (1983Souza, N. S. (1983). Tornar-se negro ou as vicissitudes da complexidade do negro brasileiro em ascensão social (2a ed.). Graal.).

Tornar-se negro é um texto que aborda os percalços étnicos das pessoas pretas que ascendem socialmente. O diploma acadêmico se configura uma ferramenta importante nesse processo. Mas a conquista de um diploma acadêmico pode representar uma suposta conversão intelectual ao eurocentrismo e um afastamento das nossas raízes ancestrais. Nós passamos boa parte de nossa graduação de psicologia sendo provocados a pensar os processos terapêuticos exclusivamente sob a perspectiva de teóricos brancos. É algo que estava latente em nossas concepções de cuidado, orientando o processo em um sentido verticalizado e individualizante. É importante identificar a conversão intelectual na qual estamos inseridos e como isso menospreza e invisibiliza outras epistemologias e estratégias de cuidado.

Todas as vezes que acessávamos o Google Meet e solicitávamos permissão para entrar no Grupo de Estudos Quilombologia, nós nos sentíamos subvertendo a tentativa de uma conversão intelectual ao eurocentrismo e, paralelamente, nos reconectando a nossas raízes africanas, quilombolas, pretas. Naquele espaço aquilombado, construído sob a chancela da academia, fruto de um projeto que passou por todos os crivos e rigores acadêmicos para sua (r)existência como coletivo acadêmico, todos nós tínhamos nossas falas e ancestralidades validadas. Seguramente, não estávamos direcionando nossas falas para o centro acadêmico. Nossas falas, produzidas às margens de um saber acadêmico, comunicavam para as próprias margens, recuperando o ponto de vista da subalternidade, descolonizando a ordem eurocêntrica do conhecimento (Kilomba, 2019Kilomba, G. (2019). Memórias da plantação: Episódios de racismo cotidiano. Cobogó.). Um espaço epistemologicamente transgressivo, com temas, paradigmas e metodologias empretecidas. Ali, nós éramos nosso próprio quilombo, confrontando as relações desiguais de poder científico da academia.

Recuperar o ponto de vista da subalternidade é um processo que pode ser doloroso. Mas foi libertador poder expurgar essas dores dentro de um coletivo preto, com ouvidos, olhos e corpos tão acolhedores e empáticos. Todas(os) as(os) pretas(os) presentes eram capazes de dimensionar a profundidade e sutileza daqueles expurgos, porque pertenciam a suas próprias trajetórias. Recuperar o ponto de vista da subalternidade também significa assumir nossas identidades étnicas-raciais na escrita de nossas produções acadêmicas. Nossa condição histórica nos posiciona na periferia do saber. Parafraseando Conceição Evaristo (2020Evaristo, C. (2020, 6 de fevereiro). Conceição Evaristo | Escrevivência [Vídeo]. YouTube. https://www.youtube.com/watch?v=QXopKuvxevY&ab_channel=LeiturasBrasileiras
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), essa posição nos permite o olhar da empregada doméstica preta enxergando o mundo desde o quarto da empregada. Nossa escrita possui as marcas da periferia. Grada Kilomba (2019Kilomba, G. (2019). Memórias da plantação: Episódios de racismo cotidiano. Cobogó.) aponta como essa escrita preta, exalando nossas emoções e subjetividades, rompendo com uma linguagem acadêmica clássica que se autodenomina neutra e objetiva, inserindo

nossa periferia na feitura de nossos discursos teóricos, cheia de lirismo, teoria, poesia e política, permite que ao ler nossas narrativas seja possível escutar a nossa dor e enxergar a nossa luta. Definitivamente, não será um discurso confortável para os grupos dominantes (Kilomba, 2019Kilomba, G. (2019). Memórias da plantação: Episódios de racismo cotidiano. Cobogó.) nem tampouco música para ninar os da casa grande (Evaristo, 2017aEvaristo, C. (2017a) Ponciá Vicêncio. Pallas.).

Grada Kilomba utiliza o conceito de margem de bell hooks (1984Hooks, B. (1984). Feminist theory from margin to center. South End Press.). Margem enquanto espaço periférico de repressão fora do corpo central, mas também e principalmente como um lugar de abertura, criatividade, resistência e possibilidades, onde se possa propor novas perguntas e respostas que desafiem os discursos hegemônicos e retroalimentem nossa capacidade de emancipação política, tornando-nos agentes de nossas próprias narrativas identitárias, fora do corpo central, sem precisar bater continência para o centro acadêmico (hooks, 1984Hooks, B. (1984). Feminist theory from margin to center. South End Press.). O Grupo de Estudos psicoQuilombologia é um coletivo oriundo das margens, que se apropria de algumas ferramentas institucionalizantes do centro, mas dialoga com a própria margem. As rodas de conversa virtual constantemente nos desafiavam a pensar sobre quem somos, de onde viemos, qual lugar estamos ocupando, quais são nossas próprias perguntas e respostas, o que existe do colonizador em nós, o quão próximos ou distantes nos sentimos da margem ou do centro e, como problematiza Asante (2009Asante, M. (2009). Afrocentricidade: notas sobre uma posição disciplinar. In E. L. Nascimento (Org.), Afrocentricidade: Uma abordagem epistemológica inovadora (pp. 93-110). Selo Negro.), qual a minha localização psicológica.

As reflexões em grupo nos fizeram apreender a dimensão de como o tornar-se preta(o) está intrinsicamente associado a territorialidades físicas, virtuais, simbólicas, políticas e afetivas. Tornar-se preta(o) implica também assumirmos nosso lugar nas margens, nas periferias dessa estrutura colonial, entendendo esse locus não como algo menor, paralisante ou limitante, mas como um território rico de possibilidades e potencialidades. Nossos povos pretos e indígenas construíram nestes espaços: saberes, conhecimentos, ferramentas e estratégias ancestrais de cuidado e resistências. Estar nas margens nos possibilita olhares de fora, outros pontos de vista e outras epistemologias que verdadeiramente dialoguem com a periferia, desenvolvendo discursos erigidos nas margens para as margens. Tornar-se preta(o) é tornar-se margem, tornar-se periferia, tornar-se quilombo, é tornar-se África. O Grupo de Estudos psicoQuilombologia é uma unidade desse universo África em ocupação na Universidade Federal do Rio Grande, nosso acolhedor quilombo, onde nunca nos sentimos um corpo estranho, excluído ou uma minoria e onde pudemos ouvir, ver e sentir, recorrentemente, palavras, gestos e afetos cheios de pertencimento.

O silêncio que se transforma em um soco dentro da própria boca

Então chegamos ao encontro no fatídico dia 27 de novembro de 2020. Entramos na roda de conversa virtual, abrimos as câmeras e os microfones, e estávamos todos consternados, dilacerados e mudos. No dia 19 de novembro, às vésperas do que seria a celebração do Dia da Consciência Negra, João Alberto Silveira, 40 anos, conhecido por seus familiares e amigos como Beto, foi imobilizado no chão, espancado e asfixiado covardemente até a morte por dois seguranças brancos no estacionamento de uma unidade do supermercado Carrefour. Segundo relatos e imagens, oito seguranças do estabelecimento ficaram em volta da cena impedindo a aproximação de algumas pessoas que tentavam interromper a agressão. A esposa de Beto foi obrigada a assistir, impotente, clamando por ajuda, o homicídio de seu companheiro. A barbárie foi filmada por uma funcionária do supermercado que estava ao lado dos seguranças. O vídeo viralizou nas redes sociais, e nele é possível ouvir um dos seguranças dizer, enquanto Beto agonizava no chão após inúmeros socos e pontapés, que ele parasse de fazer cena. Após investigação policial, amparada por imagens de monitoramento registradas pelas mais de 100 câmeras do supermercado, concluiu-se que Beto não cometera nenhum ato criminal antes de ser conduzido ao estacionamento e morto. Uma funcionária do supermercado disse que Beto a havia encarado com olhos e gestos ameaçadores, mas não conseguiu explicar quais seriam esses gestos ameaçadores e não há nenhum registro disso nas câmeras. No dia 20, um dia após o assassinato de Beto, o vice-presidente da República, Hamilton Mourão, declarou, ao comentar o assassinato de Beto, que não se tratava de racismo, porque “isso não existe no Brasil” (Noiar, 2020Noiar, R. (2020, 12 de novembro). Caso Carrefour: Polícia indicia 6 pessoas pela morte de João Alberto. Socialismo Criativo. https://www.socialismocriativo.com.br/caso-carrefour-policia-indicia-6-pessoas-pela-morte-de-joao-alberto/
https://www.socialismocriativo.com.br/ca...
; Camargo, Guimarães, & Simões, 2020Camargo, R., Guimarães, J., & Simões, N. (2020, 20 de novembro). No Dia da Consciência Negra, a carne mais barata do Carrefour é a negra. Alma Preta: Jornalismo Preto e Livre. https://almapreta.com.br/sessao/quilombo/no-dia-da-consciencia-negra-a-carne-mais-barata-do-carrefour-e-a-negra
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).

Naquele 27 de novembro, estávamos todos em luto por nosso irmão Beto. Audre Lorde (2019Lorde, A. (2019). Irmã outsider. Autêntica.), em seu texto “A transformação do silêncio em linguagem e ação”, traduz a morte como o último silêncio. O silêncio dominou os primeiros momentos daquele encontro. Compartilhávamos um pós-traumático coletivo, decorrente da violenta barbaridade do mundo branco (Fanon, 2008Fanon, F. (2008). Pele negra, máscaras brancas. Editora Edufba.).

No encontro do dia 30 de outubro, a roda de conversa virtual girou em torno da reflexão de Grada Kilomba (2019Kilomba, G. (2019). Memórias da plantação: Episódios de racismo cotidiano. Cobogó.) sobre a máscara colonial de silenciamento, feita de metal, imposta estrategicamente no interior da boca de nossas(os) irmãs(os) em condição de escravos, entre a língua e o maxilar, amarrada com uma corda em cada extremidade, fixada por detrás da cabeça. O projeto colonial desejava nos infligir a mudez e o medo, concentrando em nossas bocas um instrumento de tortura que corporificava censura, opressão, conquista, dominação e silenciamento. Grada Kilomba (2019Kilomba, G. (2019). Memórias da plantação: Episódios de racismo cotidiano. Cobogó.) sinaliza que a boca também está associada à posse e desapropriação. O senhor da casa grande temia que nosso povo utilizasse a boca para consumir algo que ele acreditava que não nos pertencia, apesar de termos usado nossas mãos para produzir. As palavras da funcionária do supermercado ressoam. Segundo ela, Beto tinha olhos e gestos ameaçadores. Ela estava sendo porta-voz de um discurso branco construído secularmente pela máquina colonial que anexou a nosso povo a alcunha de: Cuidado, é uma ameaça! Na condição de ameaça, é necessário ser subjugado, amordaçado, torturado, silenciado, apagado.

O assassinato foi a máscara de silenciamento aplicada a Beto. Se não tivesse sido silenciado, o que Beto teria revelado? O que seus olhos e gestos desejavam comunicar? O que estava entalado naquela garganta, naquela existência? Nossa voz preta causa desconfortos. Em nossas rodas de conversa virtual do Grupo de Estudos psicoQuilombologia, eram recorrentes as falas de irmãs(os) narrando a apreensão que causaram nas muitas vezes que ergueram suas vozes em sala de aula ou nos corredores da Universidade. As tentativas de nos amordaçar persistem. Quando os centros acadêmicos decidem manter restritos às margens, fora das discussões de suas principais disciplinas obrigatórias, nossos pensadores, autores, teóricos, epistemologias, saberes e conhecimentos, eles estão nos amordaçando, nos silenciando. Teriam medo de nossos olhos e gestos ameaçadores? Medo de serem incomodados em seus sonos injustos? Medo de serem confrontados com suas sistemáticas e caquéticas práticas racistas?

Audre Lorde (2019Lorde, A. (2019). Irmã outsider. Autêntica.) nos convoca a romper o silêncio. O silêncio permite uma falsa sensação de proteção. A fala nos conecta a nossas(os) irmã(os) e produz compartilhamento, acolhimento, força e resistência. Audre Lorde (1977Lorde, A. (1977). A transformação do silêncio em linguagem e ação. In Heretica Difusão Lesbofeminista, Textos escolhidos de Audre Lorde (pp. 16-20). Heretica. https://we.riseup.net/assets/171382/AUDRE%20LORDE%20 COLETANEA-bklt.pdf
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, p. 1) aponta que um silêncio ignorado torna-se “um soco dentro da boca”.

“A psicologia que nos esqueceu não nos interessa”

Naquele 27 de novembro, as palavras precisavam ser libertas de nossas entranhas. O Grupo de Estudos psicoQuilombologia foi o córrego. As dores da perda brutal de nosso irmão Beto encontraram repouso no grupo. O silêncio daquele encontro foi quebrado por muitas lágrimas e expurgos de nossas revoltas, frustrações, impotências e fragilidades. Em meio ao compartilhamento coletivo de nossas vulnerabilidades, encontramos a cura.

Havíamos programado, duas semanas antes do assassinato de Beto, para o encontro do dia 27, o texto: “Cura e transformação” (Kilomba, 2019Kilomba, G. (2019). Memórias da plantação: Episódios de racismo cotidiano. Cobogó.). Grada Kilomba fala sobre essa conexão ancestral que se estabelece entre pessoas pretas, uma espécie de ritual coletivo que nos orienta a enxergar em uma pessoa preta, um de nós, uma extensão de nós, o que parece ser um processo de reparação em que recriamos uma conexão que foi despedaçada violentamente pela máquina colonial com o desmembramento forçado dos povos africanos. Há um passado histórico traumático de perdas, rupturas e mutilações que atravessa e cria conexões entre pessoas pretas, tornando-as irmãs e irmãos de uma mesma árvore-mãe, unidos por um sentimento de pertencimento (Kilomba, 2019Kilomba, G. (2019). Memórias da plantação: Episódios de racismo cotidiano. Cobogó.). Essa sensação ancestral de família, pertencimento e reconexão se fez presente naquele encontro do dia 27 de novembro e foi nossa cura.

Na roda de conversa virtual do dia 4 de dezembro, contamos com a presença do Professor Dr. Abrahão de Oliveira Santos, um dos autores que fundamentaram teoricamente esse trabalho. Uma de suas primeiras falas foi bem contundente: “A psicologia que nos esqueceu não nos interessa”. O professor Abrahão falou sobre o enegrecimento da psicologia, com base em uma perspectiva afropindorâmica3 3 Afropindorâmica é um termo desenvolvido por Antonio Bispo dos Santos, conhecido como Nêgo Bispo, quilombola do Sarco-Curtume - PI, lavrador, ativista político, militante, poeta, escritor e intelectual. O conceito designa os movimentos contracolonialistas de resistência dos povos pretos e indígenas no Brasil (Santos, 2015). de cuidado, alicerçada na memória dos modos ancestrais de cuidado das populações preta e indígena, preservada nos terreiros de devoção de matriz africana e nas práticas de cuidado dos líderes espirituais das aldeias indígenas. Nossos povos desenvolveram e preservaram práticas de cuidado e acolhimento às vulnerabilidades do outro, enraizadas no fortalecimento de laços e conexões coletivas de afetos e cuidado mútuos. Práticas de cuidado que articulam memória, ancestralidade, tradição, comunidade, transformação, luta, resistência e emancipação, engendrando modos coletivos de ser e viver. Nas quais cuidar do outro implica tratar suas relações e situar o cuidado como extensão de uma cura que se agencia no coletivo. O coletivo é condição para a força de vida. Enegrecer a psicologia também significa a tessitura de um cuidado que incorpora a espiritualidade. Nas tradições de matriz africana, a espiritualidade está diretamente relacionada aos encontros, encruzilhadas, comunicações, acordos, negociações e trocas que se estabelecem nas relações entre o indivíduo, o coletivo, a natureza e os ancestrais (Santos, 2019Santos, A. de O. (2019). O enegrecimento da psicologia: Indicações para a formação profissional. Psicologia: Ciência e Profissão, 39, 159-171. https://www.scielo.br/j/pcp/a/Phjf88DnyttsFSHMNxcmWLJ/?lang=pt&format=pdf
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).

O Professor Abrahão entende como necessário que psicólogas(os) conheçam e se inspirem no fecundo e ancestral acervo de cuidado dos terreiros de devoção de matriz africana, cujo conceito de cuidado possui uma perspectiva ampliada e agregadora que inclui cuidar do ambiente, das relações e da rede comunitária da pessoa, compreendendo que o sofrimento envolve relações sociais e seu meio ambiente. Na Umbanda e Candomblé, os comportamentos considerados disfuncionais ou desadaptativos são resultado de forças vindas de fora, de suas adoecidas redes de relações. Cuidar do indivíduo implica necessariamente cuidar de suas redes relacionais. Rede, para as matrizes africanas e indígenas, “integra uma vasta malha de relações de pertencimento” (Santos, 2019Santos, A. de O. (2019). O enegrecimento da psicologia: Indicações para a formação profissional. Psicologia: Ciência e Profissão, 39, 159-171. https://www.scielo.br/j/pcp/a/Phjf88DnyttsFSHMNxcmWLJ/?lang=pt&format=pdf
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, p. 167), aglutinando suas redes sociais, suas relações com os mortos/ancestrais e suas relações com as forças da natureza.

Atuar no campo do cuidado com base em uma epistemologia enegrecida significa atentar permanentemente para os atravessamentos sociais e históricos nas demandas individuais da pessoa. Conectando o indivíduo à trama contextual que o constituiu. Um processo terapêutico que se desloca do indivíduo para o coletivo, na tentativa de reconectar ou realinhar a pessoa a suas raízes, tradições, famílias, etnia, luta e condição social. Uma psicoterapia não pode trabalhar no sentido de adequar uma pessoa preta a uma sociedade branca (Santos, 2019Santos, A. de O. (2019). O enegrecimento da psicologia: Indicações para a formação profissional. Psicologia: Ciência e Profissão, 39, 159-171. https://www.scielo.br/j/pcp/a/Phjf88DnyttsFSHMNxcmWLJ/?lang=pt&format=pdf
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), mas deve auxiliá-la, no sentido “neusaniano”, a tornar-se negra (Souza, 1983Souza, N. S. (1983). Tornar-se negro ou as vicissitudes da complexidade do negro brasileiro em ascensão social (2a ed.). Graal.), encontrando novas possibilidades emancipatórias para sua (r)existência.

As falas e o percurso acadêmico que o professor Abrahão construiu fortalecem a ideia de como pode ser potente atingir o centro acadêmico sem ter que necessariamente se converter ao eurocentrismo, sem abrir mão de nossa pretitude, ancestralidade, heranças e tradições étnicas-culturais. A psicologia que nos esqueceu invisibiliza saberes e conhecimentos ancestrais de cuidado de nossos povos pretos e indígenas, alicerçados na ideia de coletividade, um valor cada vez mais urgente em uma sociedade que produziu um vírus que escancara o alto grau de adoecimento e morte nos comportamentos individualistas. O sofrimento decorrente do confinamento e isolamento social a que estamos submetidos serve como sonoro indicativo da importância das relações e conexões sociais nos processos de cuidado.

Considerações em trânsito

Em um dos encontros do grupo, recitamos uma poesia sobre Exu. Exu é movimento, metamorfose, encruzilhada, fluidez, multiplicidade, tombamento, contestação, transgressão, desterritorialização, imanência, fuga, reinvenção. Andarilho e nômade, Exu atravessou continentes e oceanos, sem fixar residência em lugar algum. Está aqui e acolá, concomitantemente. Exu é o devir, mas sempre preservando suas raízes pretas fecundas. Exu traduz muitos de meus anseios como futuros terapeutas. Terapia também necessita ser movimento, subversão, fluidez, profanação, reinvenção, multiplicidade, encruzilhada, e esse movimento dialógico de desterritorialização e reconexão com nossas raízes.

A epistemologia de Exu é parte de uma efetiva, memorial e transgeracional estratégia de cuidado engendrada pelos povos pretos, atualizada a cada geração, em torno das devidas demandas dos respectivos contextos históricos, mas sem perder seus laços ancestrais de pertencimento. Uma estratégia construída nas margens, que formatou ferramentas importantes para a preservação e resistência de nossos povos, diante de nossos muitos reveses (ser objetificadas(os), mercantilizadas(os), afastadas(os) violentamente de nossas raízes e redes, postas(os) em condição de escravização, alvo de tentativas sucessivas de amordaçamentos, alijadas(os) de oportunidades igualitárias de ascensão social, figurar entre os índices de maior vulnerabilidade socioeconômicos, ter nossa população de jovens como o principal alvo de homicídios, ter nossa população de mulheres como alvo do maior índice de violência de gênero, ser alvo de racismo estrutural recorrentemente em nossas (r)existências).

A saúde das populações pretas exige um cuidado que possa ser sensível a nossas especificidades, vulnerabilidades e potencialidades. Cuidar de uma pessoa preta utilizando critérios nomeados como universais, mas instituídos para cuidar das demandas de pessoas brancas, europeias e burguesas, ignorando nossas subjetividades, decorrentes de nossas experiências históricas atrozes, pode ser esmagador e tolher possibilidades emancipatórias. Desejamos uma psicologia que enxergue nossa pele, a cor de nossas dores, o tom de nossos risos, os gritos e silêncios muitas vezes entalados em nossas gargantas, a necessidade pungente de conexão com nossa ancestralidade, nossas multifacetadas potencialidades e nosso desejo visceral por emancipação e pertencimento. Essa psicologia está sendo erigida em nossas margens. A psicoQuilombologia é um fruto vicejante dessa árvore frondosa.

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  • 1
    Advertência: esse texto foi produzido com quase 100% de autoras(es) pretas(os) escrevendo sobre pessoas pretas(os).
  • 2
    Provérbio na língua suaíli que significa “Ouça os seus ancestrais”.
  • 3
    Afropindorâmica é um termo desenvolvido por Antonio Bispo dos Santos, conhecido como Nêgo Bispo, quilombola do Sarco-Curtume - PI, lavrador, ativista político, militante, poeta, escritor e intelectual. O conceito designa os movimentos contracolonialistas de resistência dos povos pretos e indígenas no Brasil (Santos, 2015).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    01 Dez 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    08 Out 2021
  • Aceito
    25 Jul 2022
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